Livro Reportagem - Fios que regem a luta

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Por Lizânia Castro

Cabelos cacheados e crespos: mais do que estética, autoconhecimento Nos últimos anos, a quantidade de mulheres que decidiram assumir seus cabelos crespos e cacheados subiu consideravelmente. No entanto, a luta pela busca de uma identidade brasileira não pode parar. Em um país como o Brasil, com mais de 50% da população assumida como sendo parda ou negra, a luta para atingir o ideal eurocêntrico de beleza ainda é um empecilho enfrentado pela população. Mas que, cada vez mais, vem sendo deixada de lado pela autoaceitação étnico-racial dessa parcela na sociedade. O Brasil passou muito tempo sendo submisso a uma ilusão eurocêntrica que foi imposta sobre ele. Fadado a acreditar num ideal que não lhe pertencia, essa visão levou milhares de brasileiros a se submeterem a procedimentos e transformações não só relacionados à estética, mas também ao próprio eu. O cabelo é, de fato, uma das características mais visíveis que podem ser observadas numa pessoa. Deixar de seguir uma visão europeia, majoritariamente branca, em um país racista como Brasil, é considerado um ato não só de coragem, como também de resistência.

Assumir a negritude e negar-se à ditadura branca não é um processo simples. Ainda assim, a busca por uma sociedade mais assumida historicamente está dando cada vez mais empoderamento, coragem e determinação para as pessoas descobrirem mais cedo quem elas deveriam ser desde o princípio. Isso demonstra como o cabelo é um fator importantíssimo de (re)conhecimento do que é ser ou não uma pessoa negra no país. Um dos maiores motivos que faz as mulheres, especialmente, se sujeitarem a um ideal branco de cabelo liso, é o fato de que elas são duramente criticadas desde a infância, tanto na escola quanto no próprio corpo familiar. E esse racismo, disfarçado de crítica, levam-nas a crer que há algo errado com seus cabelos, o que acarreta a procura de procedimentos químicos para mudar a textura dos mesmos. Tomando como base o mesmo contexto, os comentários como “cabelo de miojo”, “cabelo de bombril”, ou ainda, comentários do tipo “você ficaria muito melhor de cabelo liso”, que expressam explicitamente a ideia de aversão ao cacheado ou crespo, são tão frequentes quanto perpassados. Essas pautas, por si só autoexplicativas, nos dão uma visão mais clara de como essa agressão é contínua e como ela sustenta todo um sistema de racismo, o que dá, ainda mais, condições para a perpetuidade desse fatorial. Muito mais que uma questão de estética, uma questão de autorreconhecimento.

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