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ARMY e o rolê aleatório de uma peruca

A manhã estava quente como qualquer outra das várias manhãs infernais em Palmas, capital do Tocantins. Mas o calor do resto do dia não poderia representar a todos que participaram de um rolê tão aleatório quanto necessário, desde que ele foi on-line, especificamente, no Twitter. Então, enquanto eu acordava com um tempo quente e céu aberto, as pessoas logo abaixo de mim no mapa levantavam com um frio esplendoroso em pleno inverno brasileiro. E naquele momento a temperatura foi o de menos para os membros do maior fandom da atualidade, o ARMY. O ARMY é mundial, enorme e super ativo, reconhecido como o mais engajado nas redes sociais, capaz de bater recordes impressionantes apenas para deixar seus ídolos felizes. E quem são os ídolos do ARMY? O BTS, um grupo de sucesso global, com sete membros super talentosos e gentis. E eu sou parte do ARMY, uma grande, e talvez um pouco obcecada, fã do Bangtan Sonyeondan — nome pelo qual o BTS é chamado em seu país de origem, a Coreia do Sul. Mas apesar do fandom de classe mundial, quero falar sobre o lado brasileiro. Na manhã do dia 21 de junho, o BTS liberou em seu canal do YouTube um vídeo engraçado do grupo curtindo sua música mais recente numa espécie de karaokê. É comum que em karaokês tenham brinquedos e fantasias, para as pessoas se divertirem enquanto cantam. Não foi diferente com o Bangtan, eles tinham disponíveis perucas, bichinhos de pelúcia, chapéus de personagens de desenho animado e óculos cômicos. Mas o alvoroço que ocorreu nos fãs do Brasil se deu por causa de uma peruca de palhaço que aparentemente lembra um black power. A maioria de nós assistiu o vídeo normalmente, se divertindo junto com os garotos, rindo do quão engraçados eles conseguem ser. Porém alguns notaram um detalhe a mais nas cenas. A peruca e seu possível significado. A parte brasileira do fandom se tornou um campo de guerra, pois muitos afirmavam ser algo errado e queriam falar com a agência do BTS, para alertar que aquilo era racismo. Outros não viam nada de mais, era apenas uma peruca, também existem perucas cômicas de cabelo liso, não existem? Então, enquanto um lado acreditava fielmente que deveria ser sensato e educar seus ídolos para não errar mais, o outro lado não conseguia enxergar como aquilo poderia ser um erro. Era apenas os meninos se divertindo ao som de Butter — pesquise Butter no YouTube, é um hit de verão muito bom! Ao longo do dia, vários tweets emblemáticos, cheios de opinião e enraivecidos, tomaram posse da timeline do ARMY do Brasil. Mesmo que você quisesse muito, não conseguiria fugir do assunto. As falas de defesa gritavam "É apenas uma peruca de palhaço!", e os atacantes argumentavam com "E de onde você acha que veio a figura de um palhaço? Observe as características dos pretos neles, os cabelos crespos, os lábios grandes!".

E, realmente, começou de modo aleatório e depois se tornou um debate necessário. Afinal, a peruca de palhaço colorida é ou não um ato de racismo? A resposta nunca chegou, pois ambos os lados apresentavam argumentos bastante concretos. A diferença é que quem iniciou o problema foram, aparentemente, pessoas brancas, o que deixou os ARMYs pretos cheios de raiva por terem brancos querendo falar por eles, com discursos de anti-racistas, mas sendo racistas. O preto dizia "não me senti ofendido!". E o branco falava "cale a boca, eu te defendo!" O ARMY preto, emputecido, iniciou uma trend mais tarde, postando fotos de si próprios mostrando seus fios volumosos e crespos com a legenda "Isso parece uma peruca feia e sem textura pra você?". Por fim, o lado de defesa explicou que há diferença entre o palhaço cômico e o palhaço blackface. Nas palavras do usuário @Golden_sunnys, uma preta, as perucas coloridas são remetidas ao descaso com a aparência e ao desastre, a pessoas que não se cuidam, essa é a graça da fantasia, por isso ele é um palhaço que faz bobagens; já o palhaço black-face é remetido ao teor cômico de se assemelhar a uma pessoa negra, zombando de suas características. Segundo essa explicação, a peruca colorida é de um palhaço cômico, apenas, o que defende os meninos do BTS de terem sido racistas. E os ARMYs pretos que postaram as fotos estavam de fato mais incomodados pelas pessoas brancas comparando seus cabelos crespos com a peruca feia e sem textura, do que com ela ser ou não uma representação preconceituosa. Eu, no meu canto assistindo a todo esse rolê, fiquei calada, mesmo sendo preta eu não sabia o que dizer ou o que fazer, então permaneci lendo todos os tweets. Quando assisti ao vídeo pela manhã, não vi nada de ruim, é verdade, porém depois enfiei-me em tantos pensamentos e reflexões. E até agora não tenho uma resposta em definitivo, precisamos algum dia debater este assunto com mais respeito e menos xingamentos. De toda forma, o ARMY continua sendo o maior fandom da atualidade, engajados não só na web, como em causas sociais, tendo ajudado e apoiado dezenas de projetos lindos, inclusive levantando mais de 1 milhão de dólares para a campanha Vidas Negras Importam em apenas 24 horas. Por ser extenso, estamos cheios de pessoas diferentes não só em etnia, como em idade e gênero. E assim conseguimos aprender a aceitar as diferenças, mesmo que com um pouco de raiva às vezes, afinal toda família briga, certo?

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