Convivências #7

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CONVIVêNCIAS #7 CASA TOMADA

ANA MAZZEI BRUNO OLIVEIRA FLORA LEITE LUÍSA JACINTO MARILIA LOUREIRO OMAR BARQUET RENATA HAR SÁRI EMBER



31 La soltura con que unas cosas sobresalen de las otras e intercambian sus perfiles en esas precedencias, vulnera los turnos de las igualdades y las desigualdades y revela un azar mas profundo o por lo menos una ley mas profunda del azar. La altura de la rosa no es la altura de la piedra, pero a veces la rosa la supera en su extasis. La altura del hombre no es la altura de la lluvia, pero su mirada suele ir mas alla de las nubes. Y a veces la luz aventaja a la sombra, aunque la sombra tenga siempre el ultimo turno. Las jerarquias son una distraccion del infinito o quiza un accidente. Las alturas se suplantan como torres que bailan, pero todo cae desde la misma altura. Poesia Vertical / Roberto Juarroz



“There is an Eastern fable, told long ago, of a traveller overtaken on a plain by an enraged beast. Escaping from the beast he gets into a dry well, but sees at the bottom of the well a dragon that has opened its jaws to swallow him. And the unfortunate man, not daring to climb out lest he should be destroyed by the enraged beast, and not daring to leap to the bottom of the well lest he should be eaten by the dragon, seizes a twig growing in a crack in the well and clings to it. His hands are growing weaker and he feels he will soon have to resign himself to the destruction that awaits him above or below, but still he clings on. Then he sees that two mice, a black one and a white one, go regularly round and round the stem of the twig to which he is clinging and gnaw at it. And soon the twig itself will snap and he will fall into the dragon’s jaws. The traveller sees this and knows that he will inevitably perish; but while still hanging he looks around, sees some drops of honey on the leaves of the twig, reaches them with his tongue and licks them. “ Lev Tolstoy: Confession



« Round and round and round we spin, with feet of lead and wings of tin. » Kurt Vonnegut



A palavra experiência deriva do latim experiri, que significa provar, experimentar. Seu radical, periri está também em periculum, isto é, perigo. A raiz comum per é presente em palavras relacionadas à ideia de travessia, percurso, passagem, percorrido, périplo. O mesmo se dá com a origem germânica da palavra experiência (Erfahrung), que guarda o radical fahr. Tanto a palavra fahren, cujo o significado é ir, percorrer, viajar, andar, circular, quanto a palavra Gefahr, perigo, têm raiz comum a Erfahrung.

The word experience derives from the Latin experiri, meaning try out and test. Its radical, periri, is also periculum, i.e. danger. The common root per is present in words related to the idea of crossing, passing, going through, permeating. The same applies to the Germanic origin of the word experience (Erfahrung), which holds the radical fahr. Both the word fahren, meaning to go, to walk, to move, to travel, to circulate, and the word Gefahr – danger have the same root of Erfahrung.




“Ante una realidad extraordinaria, la consciencia toma el lugar de la imaginacion�. Paul Auster



o seguinte verso this dream is for you so pay the price make one dream come true you only live twice cantado por nacncy sinatra



A noção de experiência aparece, a primeira vista, como premissa central da maior parte de residências artísticas que existem pelo mundo. A proposta de uma vivência de processos coletivos conduzida pela troca e pela construção de sentido é algo que permeia o ideário deste tipo de plataforma. Ao se deslocarem de seus próprios estúdios e locais de trabalho – muitas vezes em outros países –, artistas e pesquisadores passam a habitar um espaço comum dedicado à reflexão e produção. É de dentro desta estrutura pouco normativa que poderão ser articuladas relações, encontros, experiências.

At first sight, the notion of experience appears as the central premise of most artistic residencies in the world. The proposition for an event of collective processes conducted by the exchange and construction of meaning is something that permeates this kind of platform’s ideology. Moving from their own studios and workplaces – often in other countries – artists and researchers come to inhabit a common space devoted to reflection and production. It is within this non-normative framework that relationships, encounters, and experiences can be articulated.


Se as residências atribuem à noção de experiência importância central, é coerente que ela venha acompanhada por uma reconstrução da narratividade. A finalização de uma residência, enquanto narrativa do processo vivido, traz de maneira muito evidente esta questão. Embora Giorgio Agamben tenha afirmado que “Todo discurso sobre a experiência deve partir atualmente da constatação de que ela não é mais algo que ainda nos seja dado fazer”, repetir formas gastas de narratividade acena à uma posição apática que endossa os quiproquós de um sistema autonomizado. Se já não podemos recriar uma verdadeira experiência (Erfahrung) sem que essa reconstrução artificializada remonte apenas experiências vividas isoladas (Erlebnis), podemos ainda nos apoiar nos significados de sua etimologia: travessia e perigo. Que as plataformas de residência consigam resistir à constante pressão de reificação, cuja tendência é formata-las como espaço de networking e de inserção de “jovens talentos” no mercado; que possam ser ainda um núcleo que traga tensionamentos críticos ao circuito de arte contemporânea.

If artistic residencies attach to the notion of experience central importance, it is coherent that it comes accompanied by a reconstruction of narrativity. The conclusion of a residency program, as a narrative of a living process, carries this question quite evidently. Although Giorgio Agamben has asserted that “The question of experience can be approached nowadays only with an acknowledgment that it is no longer accessible to us”, to repeat worn forms of narrative indicates an apathetic position, endorsing the misunderstandings of an autonomized system. If we cannot recreate a true experience (Erfahrung) without an artificial reconstruction of isolated experiences (Erlebnis), we are still able to borrow the meanings of its etymology: to cross and danger. May residency platforms still withstand the constant pressure of reification, whose tendency is to format them as a place for networking and inserting “young talent” into the Market. May it still be a core that brings critical tensions to the contemporary art scene.


A mercadoria é uma forma dada aos produtos: todo produto que já nasce destinado ao mercado é mercadoria. Ela é propriedade privada e por isso é produzida também em locais privativos, onde se lê: entrada permitida somente para pessoas autorizadas. A âmbito da produção não é o público, não trata da sociabilidade. É o mercado que corresponde ao espaço da igualdade, da liberdade e da fraternidade, onde todos somos compradores e vendedores – uma maravilha. Somos antes de tudo proprietários privados cuja vida social é mediada por mercadorias. Contraditória sociabilidade, que acontece por intermédio da privação: eu era proprietária privada de sapatos que você não podia usar, mas depois da troca é você quem tem sapatos e sou eu quem não posso mais usá-los. Nesta operação formal o sociável não corresponde ao compartilhamento de algo, mas à dissociação. Relações entre pessoas mediadas por mercadorias são relações sociais mediadas pelo não social.

Commodity is the form given to products: every product that is born destined to the market is a commodity. It is privately owned and therefore it is also produced in private places, where it’s read: only authorized personnel to enter this area. The scope of production is not within the public, not about sociability. It is the market that corresponds to the place of equality, liberty and fraternity, where we are all buyers and sellers – how wonderful. We are primarily private owners whose social life is mediated by commodities. Contradictory sociability, occurring through deprivation: I owned shoes you couldn’t use, but, after the exchange, you are the one who has shoes and I can no longer use them. In this formal operation, the sociable does not correspond to the sharing of something, but to dissociation. Commodity mediated relationships among people are social relationships mediated by the non-social.


“.. seria ridículo afirmar que a criatividade é privilégio do homem, já que existe também uma evolução no mundo animal e vegetal. Há igualmente uma criatividade na natureza. Não estamos sozinhos, fazemos parte de uma natureza criativa. São esses os termos da evolução criadora. Então, de duas uma: ou a vida e o homem estão fora da natureza, ou a criatividade é uma propriedade geral do universo.” Ilya Prigogine, entrevistado por Hans Ulrich Obrist, 1999.




Para Walter Benjamin o conceito de experiência (Erfahrung) é distinto do conceito de vivência (Erlebnis). Enquanto a experiência (Erfahrung) remonta uma sociabilidade comunitária, garantida pela tradição e pela memória coletiva narrada de geração em geração, a vivência (Erlebnis) parte de experiências desenraizadas, vividas isoladamente por sujeitos privados, particulares. Na sociedade capitalista de meados do século XX, a qual pertenceu Benjamin, a experiência é cada vez mais rara e limitada, ao passo que o indivíduo solitário da vivência predomina amplamente. A decadência da experiência é também a impossibilidade de construir narrativas de um mundo cujo ritmo acelerado da técnica permite apenas assimilações fragmentadas, pobres, dissociadas. Da mesma maneira, a ascensão da vivência trouxe consigo formas narrativas correspondentes: a informação jornalística, plausível e controlável, cuja urgência é sempre explicar os acontecimentos.

Walter Benjamin uses two different words to conceptualize experience: Erfahrung and Erlebnis. While the experience (Erfahrung) reassembles community sociability, guaranteed by tradition and by a collective memory told from generation to generation, the experience (Erlebnis) relates to rootless events, lived singly by private individuals. In the capitalist society of the midtwentieth century, which belonged Benjamin, the experience (Erfahrung) is increasingly rare and limited, while the solitary individual’s experience (Erlebnis) prevails widely. The decay of experience (Erfahrung) is also the impossibility of constructing narratives of a world whose accelerated pace of technique allows only fragmented, poor and dissociated assimilations. Likewise, the rise of experience (Erlebnis) brought corresponding narrative forms: the journalistic information, plausible and manageable, whose urgency is always to explain events.



Irineu Funes, “antes daquela tarde chuvosa em que o azulego o derrubou, havia sido o que são todos os cristãos: um cego, um surdo, um aturdido, um desmemoriado. [...] Ao cair, perdeu conhecimento; quando o recobrou, o presente era quase intolerável de tão rico e tão nítido [...]. Pouco depois constatou que estava paralítico. [...] Agora sua percepção e sua memória eram infalíveis. [...] Funes não apenas se recordava de cada folha de cada árvore de cada morro, mas ainda de cada uma das vezes que a tinha percebido ou imaginado. [...] Duas ou três vezes tinha reconstituído um dia inteiro; não tinha duvidado nunca, mas cada reconstituição tinha exigido um dia inteiro. [...] Para ele, dormir era muito difícil. Dormir é distrair-se do mundo. [...] Era o solitário e lúcido espectador de um mundo multiforme, instantâneo e quase intoleravelmente preciso. [...]Tinha aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito, contudo, que não fosse muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo entulhado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos. Disse-me: [...] Minha memória, senhor, é como um monte de lixo. [...]” (Funes, o memorioso, Jorge Luis Borges)

Irineu Funes, “before that rainy afternoon when the blue roan had bucked him off, he had been what every man was—blind, deaf, befuddled, and virtually devoid of memory. […] When he fell, he’d been knocked unconscious; when he came to again, the present was so rich, so clear, that it was almost unbearable […]. It was shortly afterward that he learned he was crippled […].Now his perception and his memory were perfect. […]The truth was, Funes remembered not only every leaf of every tree in every patch of forest, but every time he had perceived or imagined that leaf. […]Two or three times he had reconstructed an entire day; he had never once erred or faltered, but each reconstruction had itself taken an entire day. […] It was hard for him to sleep. To sleep is to take one’s mind from the world […]. He was the solitary, lucid spectator of a multiform, momentaneous, and almost unbearably precise world. […]He had effortlessly learned English, French, Portuguese, Latin. I suspect, nevertheless, that he was not very good at thinking. To think is to ignore (or forget) differences, to generalize, to abstract. […] He said to me: […] My memory, sir, is like a garbage heap. […]” (Funes, his memory, Jorge Luis Borges)


“A experiência, se ocorre espontaneamente, chama-se acaso, se deliberadamente buscada, recebe o nome de experimento.” Francis Bacon desconfiava da experiência tradicional, vista por ele como selva labiríntica, e buscava um caminho mais rigoroso capaz de se aproximar da verdade. O conhecimento estaria, portanto, não mais na autoridade narrativa do sujeito, mas na dedução, comprovada por meio do experimento. Há nisso uma mudança de perspectiva fundamental: o conhecimento que antes estava no interior do sujeito se exterioriza, já que a certeza está nos instrumentos e números relativos ao experimento e não mais na experiência vivida. A construção de significados passa a se dar pela demonstração lógica daquilo que não se pode narrar, pelo conhecimento recebido como instrução, como informação, não como experiência.

“There remains but mere experience, which when it offers itself is called chance; when it is sought after, experiment.” Francis Bacon mistrusted traditional experience, seen by him as labyrinthine jungle, and sought a more rigorous way to get closer to the truth. Knowledge would be, therefore, no longer in the narrative authority of the subject, but in deduction, proven by an experiment. This carries a fundamental change of perspective: the knowledge that was previously within the subject is now externalized, once certainty is found in instruments and in quantitative determinations of the experiment, and no longer in experience. The construction of meanings shall be given by the logical demonstration of that which can’t be told, by the knowledge received as instruction, as information, not as experience.



“Todos nós somos hóspedes da vida. Agora temos de aprender a ser os hóspedes uns dos outros naquilo que resta” George Steiner, Errata: Revisões de uma vida



“Lá seria experimentado o que surgiria de vital no mundo das ideias: cenários, modos de dicção, mímica, a dramatização de novos elementos de expressão, problemas de iluminação e de som e conjugados ao movimento de formas abstratas, aplicações de predeterminados testes (irritantes ou calmantes) para observar a reação do publico com o intuito de formar uma base prática da psicologia do divertimentos, realizar espetáculos-provas só para autores, espetáculos de vozes, espetáculos de luzes, promover o estudo esmerado da influencia da cor e da forma na composição teatral, diminuir ou eliminar a influência humana ou figurada na representação, incentivar elementos alheios à rotina a escrever para o teatro... e muitas coisas mais que no momento me escapam.” Flavio de Carvalho - “A Epopeia do Teatro de Experiência e o Bailado do Deus Morto”, In Revista Anual do Salão de Maio, nº 1, São Paulo, 1939.







“La unidad geográfica es, pues, ilusoria. Hay unión en la infraestructura geológica, pero separación múltiple en el relieve topográfico. En verdad sólo unen la Geología y el Mar. Todo lo demás convierte a América Latina en un archipiélago de regiones insulares, continentalmente y dentro de cada país.” RAVINES, Eudocio. America Latina – Un Continente en Erupción. Buenos Aires: Editorial Claridad, 1956.

“Não nos encontramos, pois, perante uma correspondência estrutural entre duas espécies de formas, formas de conteúdo e formas de expressão, mas diante de uma máquina de expressão capaz de desorganizar as suas próprias formas, de desorganizar as formas de conteúdo, a fim de libertar puros conteúdos que poderão confundir-se com as expressões numa mesma matéria intensa. Uma literatura maior ou estabelecida segue um vector que vai do conteúdo à expressão. Um conteúdo ao ser apresentado numa forma dada, é necessário encontrar, descobrir ou ver a forma de expressão que lhe convém. O que é bem concebido enuncia-se… Mas a literatura menor ou revolucionária começa por enunciar, não vê, e só concebe depois. A expressão tem de quebrar as formas, tem de marcar as rupturas e as novas derivações. Uma forma quebrada tem de reconstruir o conteúdo que estará necessariamente em ruptura com a ordem das coisas. Preparar, preceder a matéria.” DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003.


EQUIPE direção: Tainá Azeredo assistente de projetos: Diandra Sanches programação visual e video: Habacuque Lima projeto gráfico: Lila Botter

AGRADECIMENTOS Adriano Casanova Ana Ventura Miranda Annalee Davis Bruno Dunley Cadu Riccioppo Cia de Foto Diego Matos Monica Espinel Museu Lasar Segall Nino Cais Paulo Penna Regina Parra Rodrigo Bivar Sabrina Moura Thereza Farkas


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