Portugal
- Eu tenho cinquenta anos. - Eu tenho sessenta. - Eu tenho setenta anos. - A minha vida dava um livro. - Da minha história fazia-se um filme. - No Inverno a neve queimava-nos os pés, o gelo mordia-nos os dedos, quando íamos para a escola púnham-nos ás cavalitas uns dos outros, à vez, para não custar tanto. - De Verão e de Inverno vínhamos descalços para a escola. - Lá em casa dividíamos uma sardinha por quatro. - Nós dividíamos uma sardinha por sete. - Pois eu, senhores, passei muita fome. - Nós também. - Eu fome, nem tanto, mas necessidades, muitas, isso sim. - Então eu?? Sofri muito para criar os meus filhos. - Pois eu chorei lágrimas de sangue quando os meus partiram à vez por esse mundo fora: dos sete que tive morreram dois, e dos vivos nenhum ficou para me fazer companhia. - E eu dos nove que me nasceram, só um está perto, e mesmo assim tão longe. Vive no Porto, rico filho nunca se esquece dos pais. - Eu pedi á Virgem do Sameiro que me curasse a menina que Deus me ia levando. - Fui à Santa Luzia para que sarasse o meu menino de um mal que os médicos não conheciam e que lhe tolhia os membros, coitadinho nem podia andar. - Eu pus velas a Santo António para o meu filho vir inteiro da guerra. - E eu fui a São Bento da Porta Aberta, e fiz promessas à Senhora do Pilar. - Nós, aqui, era mais os santinhos, e os milagres. Médicos havia poucos, e era tão caro. - Mas ouçam! Quando tocava a brincar, era uma alegria que vossemecês nem imaginam...
-Vou
dizer
aqui
um
segredinho.
O meu irmão mais velho é que me disse isto. O Jaime e a Deolinda de Jesus tinham uns um feitio e
uma personalidade...era terrível. Chocavam-se, mas depois faziam as pazes. e nós fomos todos feios depois de uma zanga.
- Quando se zangavam, Jaime Ribeiro, minhoto de gema, moreno, encorporado, olhos leais e boca firme,
era temível. Baixo, ligeiramente mais baixo até do que
a mulher, tinha uma força descomunal. Deolinda de Jesus, por sue lado, era uma mulher de armas, com
um ginete terrível e um espírito mais de quebrar do que torcer. De modo que as disputas, entre eles, chegavam
às últimas consequências. Não era segredo para os filhos que, no extremo, quando as coisas azedavam,
e se passava das palavras e gritos à acção, subiam
ao sótão tentando esconder dos filhos o desfecho do conflito. Mas o som da refrega atravessava o
tecto, chão paredes, e fazia-se ouvir, abafando mas poderoso. Luta de titãs, sem vencedor nem vencidos.
- Reapareciam zangados, de má catadura, amuados um com o outro, ela mais intransigente do que ele, mais ressentida e mais difícil de voltar às boas, ignorando e
desdenhando dos carinhos com que, nos dias seguintes
ele tentava amansá-la. Mas, ao mesmo tempo, era também
uma relação muito intensa, muito física, e
inegavelmente apaixonada. Relação que sobreviveu a épocas duríssimas, às dificuldades da vida, à dor do
afastamento dos filhos, e que ainda passou por uma prova de fogo que foi quando Deolinda se passou a sentar, aos serões, na mesa da sala de jantar, para ensinar ao marido os rudimentos da leitura e da escrita.
-O domingo era um dia muito especial porque ficávamos todos no corredor ou na sala, a ouvir ler as cartas dos
nossos irmão e era uma alegria enorme beber aquelas palavras que a minha mãe lia em voz alta. Mas também as cartas dos vizinhos, que ela lia, porque quase
ninguém em fiscal sabia ler e escrever. De modo que depois também se sentava a dar respostas. Fazia isso
como todo o gosto, não levava nada a ninguém. Mas depois, já se sabe, um levava um franguinho, outra aparecia com uma certa de ovos, ou um saquito de grão. Mas era da vontade deles, a nossa mãe nunca fez isso de profição ou quis tirar rendimento.
- Era gente bem formada, tinha nível, aquela cultura popular, falava muito bem, com muita alegria. Ao lado deles não ficava ninguém triste. Quando iam par uma
romaria todos queriam ir com eles de tal forma que.
No lugar, passavam palavra uns aos outros: “vamos ao São Bento que o Jaime e a Deolinda também vão”:
o pai, um homem profundamente religioso, aí de quem lhe disses mal da alguma coisa da igreja! Muito
alegre, cantava e tocava um série de instrumentos. A mãe era de comunhão diária! E tinha muita piada... depois tinha o dom da imitação, imitava , imitava com
uma facilidade extraordinária, qualquer pessoa, no gesto, no rosto, nas expressões faciais, na voz.
“nâo sabemos a quem esta criança saí”
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- A minha meninice, a minha educação, foi bastante feliz dentro dos limites do que me podia ser facultado. Éramos uma família muito grande, dez irmãos... Para sermos francos, eu não era nada bom de assoar e é claro que os irmãos nunca se deram bem, de maneira que o clássico ambiente de tareias, dos mais velhos a querer mandar nos mais novos, tudo isso havia, mas o clima era tão saudável, tão bom, mesmo com bofetada à mistura e nomes feios que chamávamos una aos outros, mas eu acho isto normal a nível de irmãos. Agora a nível dos meus pais eu acho que eles são o exemplo (...) o melhor exemplo de um pais e de uma mãe. Se voltasse a nascer (...) não queria outros. Penso que infelizmente, nem criança feliz, posso responder-lhe que a tal criança que eu fui ainda vive, e está muito inteira. ||António||
Não fossem santos e santas, que operam milagres, a reconfortante presença dos anjos guardiões, de espadas flamejantes, que lutam contra todos os
demónios, não fossem, além disso, a Mãe do Salvador e, acima de tudo, o próprio Salvador, ai!, pobres dos pobres pecadores... De alma e coração
formatadas por um catolicismo tridentino, todo ele de extremos, vocação
guerreira e feroz, com o seu avassalador cortejo de interditos a ensaiar nas consciências, as gentes afligem-se...
DOMINGO DIA 12 DE MAIO DE 1950 | FISCAL | AMARES | BRAGA | PORTUGAL
- Ia à terra e punha toda a gente em sentido, a limpar, a arrumar. Dizia se o pai fosse vivo não gostava de ver aquilo assim.
- Chegava cá nas férias, e estava horas e horas a apanhar
- A ele também lhe dava para prepara o jardim, adorava jardins.
sol. Era uma pessoa muito reservada, conversava com pouca gente, conversava com os pais.
- Em Lisboa deu uma lambada ao Luís (irmão) uma vez que o
- Oh Toninho, vai-me buscar, vai cortar um bocadinho de erva para os coelhos! - Haviam de morrer todos!
encontrou com as unhas sujas, e tirou-o da cama para as lavar.
- Eh pá, tu não queiras que te cortem o cabelo à navalha, que espiga.
- Obrigava-nos a lavar os entes que era uma coisa que na altura não estava-mos habituados.
Acordávamos e vivíamos com o som do sino. Íamos à missa, íamos à catequese, aos santos.
- (...)quantas uvas mais comêssemos mais ganhávamos .
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||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| ||||||||||||| penas: a farinha para o pão era ferozmente racionada. ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| |||||||||||| ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| 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Sabe que um pouco por todo o minho a falta de pão inquieta as gentes.
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- Quero ir para Lisboa.
- Hás-de ir para Caldelas. - Quero ir para Lisboa.
O braço de ferro entre eles começou provavelmente no primeiro dia de trabalho, logo que a escola primária ficou conluída. Às discussões
seguiram-se as sovas monumentais, mas esta pequena acalmia não fazia prever melhores dias:
- Ele acaba por se habituar- resmungava Jaime, à noite, extenuando, quando se deitava ao lado da mulher. Ela apoiava-o incondicionalmente:
- Pois há-de, atão pois. É teimoso como uma mula, não sei a quem sai o raio do rapaz. Não faltava mais nada agora filhos a mandar na vontade dos pais.
No fim da escola ainda foi aprendiz para Caldelas, ia pra fazer quinquilharias,
daquela que se vende lá nas termas, mas passado pouco tempo desistiu. Um dia chegou-me a casa e disse: “A mulher é uma chata porque me manda
fazer recados e, para mais, diz que eu tenho a camisa suja. E é mentira. Eu não gosto de vestir roupa suja”.
António não se habitua, não se conforma e não cede. As idas para Caldela,
para a Oficina o Caco onde devia de aprender o ofício e tornar-se um homem, saldavam-se, quase diariamente, por confrontos desmesurados com o pai. Um dia a refrega foi mais longe.
E ali estava ele a embirrar que não queria ir, e a fugir á frente do pai, às voltas,
até ao momento em que teve um gesto inconcebível: atalhou caminho por
cima da horta, pisando canteiros, esmagando sebes, trucidando ramagens, convicto de que o pai não seria capaz de esfacelar o seu adorado bordado vegetal.
Era muito cedo, mas o burburinho cá fora arrancou os irmãos da cama. No
quintal, António e o pai defrontavam-se. Às tantas enervou-se e perdeu a cabeça, tirou o cinto e o António levou um violentíssimo ensaio de porrada. Não foi brincadeira.
Uns meses extenuantes. Terminado o ano escolar em Julho, António
Joaquim Ribeiro deve ter começado logo em Julho ou Agosto a ir para Caldelas aprender o seu ofício de marceneiro e ali ficou até Dezembro, quando os pais perceberam perceberam que a guerra contra a vontade do filho era uma causa perdida.
De “olhar para trás/pensamento em frente”, António veio para Lisboa em meados de janeiro de 1957.
As marcas da guerra já desapareceram, e o luxo, os sinais exteriores do bem-estar moderno, irrompem por todo o lado.
A minha vida em Braga consistia em ir à escola, à catequese, e auxiliar em pequeno trabalhos na
quinta. Lembro-me que detestava arranjar a erva para os nossos coelhos... gostava era de ir às romarias,
ver o folclore. Suponho que nessa altura comecei a despertar para a música. O meu pai embora agricultor, tocava muito bem acordeão e cavaquinho.
O meu irmão adorava Lisboa. Lisboa era... a menina
dos olhos dele. Portanto era um minhoto lisboeta.
Nunca se esqueceu das suas raízes, era muito fiel às suas raízes, mas era um lisboeta por excelência. António Joaquim Rodrigues Ribeiro chega a Lisboa, no prencípio de Janeiro de 1957.
Fiquei apavorado, senti-me perdido. (à chegada
a Lisboa). Por cá tive grandes dificuldades, tive
muitos complexos por vir da província, por não ter instrução, por ter sotaque...
Uma outra paixão desperta nesta altura, e vai acompanhá-lo até ao im da sua viada. O teatro: Quando chega a Lisboa , uma autêntica galáxia de talentos brilha pelas salas do Monumental, do Apolo, do Maria Vitória, do D. Maria II, do Trindade: Actores e actrizes admiráveis que estão em cena todas a noites. As salas enchem e os espetáculos esgotam, comédia, tragédia, clássicos ou contemporâneos. Sem falar no grande exito da Revista, que conhece uma época As consequências têm causas. Casais sorriem extasiados, as bocas perfeitas escancaradas. Ah! Kolynos Viva a Vida. Homens viris usam, evidentemente,
áurea no Parque Mayer o mágico recinto da boémia, onde se fazem malabarismos com as Binaca, rosa ou verde, ou Pasta Couto medicinal, ou até Dentosan com clorofila, para ostentar os seus dentes de uma insolente brancura. Esboçam sorrisos misteriosos, graças a Bryl Crem, motivo pelo qual os seus cabelos
palavras, e se travestem ideias, numa graça de trocadilhos e subtileza. são cheios de vida e estão irresistivelmente perfumados com Aqua Velva,
a “loção para a barba mais distinta do mundo” que os torna “admirados por toda a gente”. Finalmente usam a Água 22 a qual “evita a queda do cabelo e transforma o cabelo branco na sua cor primitiva dos 22 anos” ou Pantene, que ”elimina a caspa, detém a queda do cabelo e favorece o seu crescimento”.
- Olhávamos para ele como uma pessoa evoluída, com mais capacidade de nos abris o caminho, passo a expressão. Uma pessoa que veio para a cidade e aprendeu coisas novas. Nessa altura a diferença não era muita, era mais nestas pequenas coisas dos hábitos. A limpeza, a higiene, a maneira como se penteia. Lembro-me perfeitamente que ele me chateava “não ponhas o cabelo para esse lado, ficas mais giro de outra maneira!” mas eu não gosto... “Eh pá, mas tu não percebes nada disse, és saloio”, aquelas coisas de miúdos. Ele estava pouco tempo, uma semana, às vezes duas semanas, depois ia embora. ||Carolino Ribeiro ||
A
ntónio quando chega a lisboa vai viver par a Rua Vale Santo António e onde continua a viver com o seu irmão Luís. Rua calma, semeada de pequenas mercearias carvoarias, armazéns de secos e molhados, tabernas, de galegos ou de minhotos, como uma vizinhança afável, uma espécie de família alargada. Gente trabalhadora, alegre, unida.
Antónia deve ter gosto de ali viver, pois que, apesar das mudanças de trabalho, e de casas, em 1964 ainda lá mora. Em todo o caso, está a dois passos da sua adorada Feira da Ladra, e ainda mais perto da Voz do Operário onde, estudando à noite, parece que acabou por conseguir o seu diploma de Curso Comercial. Cinco anos, fora os dois que lhe faltavam do ciclo preparatório. Curso exigente, cheio de disciplinas difíceis: cálculo comercial, contabilidade, economia política, técnica de vendas, geografia geral, história, dactilografia, estenografia, português, francês, inglês. Em oito anos de vida de Lisboa, António crescera e mudara muito. Mesmo para quem o via com a regularidade possível, Natal e Páscoa, uns dias no Verão quando calhava. A irmã Lurdes recorda-o, pouco menos de um ano desembarcado em Lisboa, a pedir-lhe que fosse assinar uns “papéis” para ele ter autorização de estudar á noite. Um pedido que, vindo do Tonito era um ordem. -O António era muito teimoso, tinha de ser tudo como ele queria. Tinha as suas ideias, a sua maneira de pensar, dizia para mim: eu vou ser cantor, minha irmã. Eu tenho de ser cantor. Era uma coisa que ele tinha na ideia e tudo o que ele tinha na ideia ele conseguia. Quando foi para Lisboa eu já lá estava. Como era mais velha, fiquei responsável pelos estudos dele. Ele estava sempre a resmungar com o trabalho, porque não era aquilo que queria, queria era a música. E então começou a estudar á noite, perto de casa onde vivia. Viam-se pouco, ele trabalhava exaustivamente, ela também não tinha grandes tempos mortos, com as suas toneladas de batatas fritas, e a roupa e a limpeza, as refeições, o governo da casa no Beco dos Birbantes, cujo patrão tinha um peculiar de humor. Um dia em que a ouviu, mais uma vez, comentar a saudade dos pais, decidiu levá-la a visitar a família. Apanharam vários eléctricos, e desembarcaram diante de um imenso portão de ferro trabalhado. O jardim era estranho, especial, mágico. Era como se estivesse num outro mundo, ou noutro lugar do planeta. Andaram, andaram... Ela nunca tinha visto tantos animais diferentes, mas o homem andava depressa de mais, não dava tempo a observar nada com atenção, e ela quase corria, na urgência de reencontrar, finalmente, os seus pais. Enfim pararam diante de umas jaulas. Lá dentro, uma multidão de macacos comia, baloiçava-se, brigava e amava-se num corrupio de saltos, corridas e gritos: - Aí tens. A tua família. Estás contente agora? Entrava-se na cooperativa e logo na entrada havia a secção de cosmética - produtos de beleza e perfumes-, one trabalhava uma rapariga “muito simpática, lourinha, casada, mãe de uma filha, a às voltas com problemas de divórcio”. Luís lembra-se muito bem dela, “toda arranjadinha e pintadinha. Era uma apaixonada do António.” Um amor de criatura para o miúdo de onze anos que ali ficava a morrer de tédio enquanto o irmão trabalhava: “é normal, era um patamar para chegar ao António.” Porque havia o tal problema, ela já tinha uma filha. Mas que olhares se cruzavam, isso recordo-me que os via muito embeiçados um pelo outro.” Tirando estes olhares cruzados e “embeiçados”, Luís não lhe conheceu mais encantos femininos. Conheceu-lhe dois grandes amigos. Duas pessoas extremamente importantes na vida do irmão: o Cláudio e o Luís. O cláudio acabou por morrer afogado em 73 e o Luís ainda chegou a comparecer no funeral de António. Ele trabalhava no Banco Espirito Santo, na Graça, há 20 anos. Era com estes que ele ia ao cinema, ia ao teatro, ia ver coisas de música. - Numa ocasião teve esta expressão para mim: “oh Luís, estás zangado comigo, não estás? Eu fui muito rude para ti, não fui? Fui áspero para ti?” E ele realmente foi um bocado rude em algumas situações, mas eu compreendo, porque ele era como um pai. Naquele tempo havia a tal sociedade onde nós íamos ver televisão. Às quartas-feiras havia sempre teatro, e eu não tinha paciência nenhuma. “Então pronto, não se gasta cinco tostões, toma lá a chave e vai, lava os pés e vai-te deitar!”. Uma quarta-feira, chegou a casa, os pés tão branquinhos, tão bem cheirosinhos, que eu pensei não lavo pés nenhuns!. O teatro acabava sempre à uma da manhã. Quando ele chegou lá, acordou-me, abriu a luz: “Estás a dormir? Então, lavaste os pés?”, e eu, lavei, mas disse sem aquela convicção. Ah! Puxou os lençóis, foi cheirar os pés: “seu porco!” duas nalgadas!, e eu comecei a chorar. Veio a senhora: “O que é que se passa, António?”, “É este porco que não lavou os pés!”, “Deixa lá, coitadinho”, “Não senhora!”, e foime lavar os pés, com água fria, ali. Ele era assim. O António era uma pessoa bondosa, mas era um pouco autoritário, e gostava que lhe obedecessem.
erão dede1966, António Estavao Em Braga a fazer a instruçãovestia-se da especialidade no mento Infantaria 8. Tinha cabelo cortado à escovinha, de caqui e uflado, como milhares de outros jovens soldados como ele, e sempre que podia ia a al ver os pais. E sempre que chegava a casa dos pais ia logo de imediato trocar de a, fardas, ele detestava fardas. nta lá, a guerra, como é que foi? perguntavam os vizinhos e amigos ao jovem ado. da de especial. Eu não estava numa zona perigoso. quilo, por lá... como é? lindas. Estive em Luanda com o Delfim o meu irmão. Está itoo calor. Praias muito o bem na vida. egava o correio e se vinham cartas, já se sabia. Eram sempre lidas um voz alta, par s. Depois lembro-me da minha mãeele a chorar a pôr asproblema velas ao Santo António que e droeiro dele, a Santa Luzia porque tinha tido um em pequeno na vista era padroeira dos olhos. E depois lá íamos festejar e agradecer-lhes nas romarias, xemplo a Senhora do Sameiro, a Senhora da Peneda, a Senhora do Alívio, ao São ododaMinho. Porta Aberta, que adorava é lindíssimo, a maior deJaime todas,Ribeiro. a romaria principal naquela O António romarias diz não via o António há 14 anos e notei-lhe uma diferença enorme. Olhei para ele uei com a impressão totalmente diferente. Ele tinha uma personalidade forte, era oe senhor do seua nariz. Tinha crescido.era Though gay, diz mais Delfim. sorte. Como minha especialidade cripto, ficava nos quartéis. Também, locais para onde fui destacado não havia guerra.
No Verão de 1966, António Estava Em Braga a fazer a instrução da especialidade no Regimento de Infantaria 8. de Tinha o cabelo cortado à escovinha, vestia-se de caqui e ia a camuflado, como milhares outros jovens soldados como ele, e sempre que podia Fiscal ver os pais. E sempre que chegava a casa dos pais ia logo de imediato trocar de roupa, fardas, ele detestava fardas. -soldado. Conta lá, a guerra, como é que foi? - perguntavam os vizinhos e amigos ao jovem -- Nada de especial. Eu não estava numa zona perigoso. E aquilo, por lá... como é? -muito Muitoo calor. Praias muito lindas. Estive em Luanda com o Delfim o meu irmão. Está bem na vida. -todos. Chegava o correio e se vinham cartas, já se sabia. Eram sempre lidas um voz alta, para Depois lembro-me da minha mãe a chorar a pôr as velas ao Santo António que era oe ela padroeiro dele, a dos Santa Luzia porque eleíamos tinha festejar tido umeproblema em pequeno na vista, era padroeira olhos. E depois lá agradecer-lhes nas romarias, por exemplo a Senhora do Sameiro, a Senhora da Peneda, a Senhora do Alívio, ao São Bento da Porta Aberta, que é lindíssimo, a maior de todas, a romaria principal naquela zona do Minho. O António adorava romarias -uma diz Jaime Ribeiro. -e Eu não via o António há 14 anos e notei-lhe diferença enorme. Olhei para ele fiquei com a impressão totalmente diferente. Ele tinha uma personalidade forte, era muito senhor do seu nariz. Tinha crescido. Though gay, diz Delfim. -nos Tive sorte. Como a fui minha especialidade eraguerra. cripto, ficava mais nos quartéis. Também, locais para onde destacado não havia Já em Janeiro de 1970. Depois de ter passado por Fiscal, onde saboreou umas férias de fim de tropa, acabando por voltar para Lisboa. Com espirito de vigiante, de aventura, deixei a nossa capital e fui atépois Londres. Mas não com espirito de emigrante já que não tinha problemas de emprego, trabalhava numfizescritório. No Verão dede1966, António Estavao Em Braga a fazer a instruçãovestia-se da especialidade no Regimento Infantaria 8. Tinha cabelo cortado à escovinha, de caqui e camuflado, como milhares de outros jovens soldados como ele, e sempre que podia ia a No Verão de 1966, António Estava Em Braga a fazer a instrução da especialidade no Fiscal ver os pais. E sempre que chegava a casa dos pais ia logo de imediato trocar de Regimento de Infantaria 8. Tinha o cabelo cortado à escovinha, vestia-se de caqui e roupa, fardas, elea fazer detestava fardas. No Verão de 1966, António Estava Em Braga a instrução da especialidade no No Verão de 1966, António Estava Em Braga a fazer a instrução da especialidade no camuflado, como milhares de outros jovens soldados como ele, e sempre que podia ia a Conta lá, a guerra, como é que foi? perguntavam os vizinhos e amigos ao jovem Regimento de Infantaria 8. de Tinha o cabelo cortado àpais escovinha, vestia-se de caqui eescovinha, Regimento de Infantaria 8. Tinha o cabelo cortado à vestia-se de caqui e Fiscal ver os pais. E sempre que chegava a casa dos ia logo de imediato trocar de soldado. camuflado, como milhares outros jovens soldados como ele, e sempre que podia ia a camuflado, como milhares deque outros jovens soldados como ele, ede sempre quetrocar podia de ia a roupa, fardas, ele detestava fardas. Nada de especial. Eu não estava numa zona perigoso. Fiscal ver os pais. E sempre que chegava a casa dos pais ia logo de imediato trocar de Fiscal ver os pais. E sempre chegava a casa dos pais ia logo imediato -soldado. Conta lá, a guerra, como é que - perguntavam os vizinhos e amigos ao jovem --foi? E aquilo, por lá... como é? roupa, fardas, ele detestava fardas. roupa, fardas, ele detestava fardas. Muitoo calor. Praias muito lindas. Estive em Luanda com o Delfim o meu irmão. 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Praias muito lindas. Estive em Luanda com oE Delfim oum meu irmão. Está -muito Muitoo calor. Praias muito lindas. Estive em Luanda com o Delfim o meu irmão. Está camuflado, como milhares de outros jovens soldados como ele, e sempre que podia ia a -Fiscal Chegava o correio e se vinham cartas, já se sabia. Eram sempre lidas voz alta, para No Verão de 1966, António Estava Em Braga a fazer a instrução da esp e ela era padroeira dos olhos. depois lá íamos festejar e agradecer-lhes nas romarias, bem na vida. bem na vida. ver os pais. E sempre que chegava a casa dos pais ia logo de imediato trocar de todos. Depois lembro-me da minha mãe a chorar a pôr as velas ao Santo António que era Regimento de Infantaria 8. Tinha o cabelo cortado à escovinha, vestia-s por exemplo a Senhora do Sameiro, a Senhora da Peneda, a Senhora do Alívio, ao São Chegava o correio e se vinham cartas, já se sabia. Eram sempre lidas um voz alta, para Chegava o correio e se vinham cartas, já se sabia. Eram sempre lidas um voz alta, para roupa, fardas, ele detestava fardas. o-e-todos. padroeiro dele, a Santa Luzia porque ele tinha tido um problema em pequeno na vista, camuflado, como milhares de outros jovens soldados como ele, e semp Bento da Porta Aberta, que é lindíssimo, a maior de todas, a romaria principal naquela Depois lembro-me da minha mãe a chorar a pôr as velas ao Santo António que era todos. Depois lembro-me da minha mãe a chorar a pôr as velas ao Santo António que era Conta lá, a guerra, como éLuzia que foi? -do perguntavam os vizinhos eporque amigos ao jovem ela era padroeira dos olhos. E depois lá íamos festejar e agradecer-lhes nas romarias, Fiscal ver os pais. E sempre que chegava a casa dos pais ia logo de ime zona Minho. O António adorava romarias diz Jaime Ribeiro. o padroeiro dele, a Santa porque ele tinha tido um problema em pequeno na vista, o padroeiro dele, a Santa Luzia ele tinha tido um problema em pequeno na vista, soldado. por exemplo a Senhora do Sameiro, aera Senhora dade Peneda, aaagradecer-lhes Senhora dolá Alívio, ao São e agradecer-lhes roupa, fardas, ele detestava fardas. -eeEu não via o António há 14 anos e notei-lhe uma diferença enorme. Olhei para ele epor ela era padroeira dos olhos. E depois lá íamos festejar e nas romarias, ela padroeira dos olhos. E depois íamos festejar nas romarias, -Bento Nada de especial. Eu não estava numa zona perigoso. da Porta Aberta, que é lindíssimo, a maior todas, romaria principal naquela Conta lá, a guerra, como é que foi? perguntavam os vizinhos e amigos fiquei com a impressão totalmente diferente. Ele tinha uma personalidade forte, era exemplo a Senhora do Sameiro, a Senhora da Peneda, a Senhora do Alívio, ao São por exemplo a Senhora do Sameiro, a Senhora da Peneda, a Senhora do Alívio, ao São -zona E aquilo, por lá... como é? do Minho. O António adorava romarias diz Jaime Ribeiro. soldado. muito senhor do seu nariz. Tinha crescido. Though gay, diz Delfim. Bento da Porta Aberta, que é lindíssimo, a maior de todas, a romaria principal naquela Bento da Porta Aberta, que é lindíssimo, a maior de todas, a romaria principal naquela -muito Muitoo calor. Praias muito lindas. Estive em Luanda com o Delfim o meu irmão. Está Eu não via o António há 14 anos e notei-lhe uma diferença enorme. Olhei para ele Nada de especial. Eu não estava numa zona perigoso. Tive sorte. Como a minha especialidade era cripto, ficava mais nos quartéis. Também, zona docom Minho. O António adorava romarias -onde diz Jaime Ribeiro. zona do Minho. O António adorava romarias diz Jaime Ribeiro. bem na vida. e-muito fiquei a impressão totalmente diferente. Ele tinha uma personalidade forte, era E aquilo, por lá... como é? nos locais para fui destacado não havia guerra. -eChegava Eu não via o António há 14 anos e notei-lhe uma diferença enorme. Olhei para ele -ecartas, Eu não via oasabia. António há 14Delfim. anos e notei-lhe uma diferença enorme. Olhei para ele o correio e se vinham já se Eram sempre lidas um voz alta, para senhor do seu nariz. Tinha crescido. Though gay, diz Muitoo calor. Praias muito lindas. Estive em Luanda com o Delfim o Já em Janeiro de 1970. Depois de ter passado por Fiscal, onde saboreou umas férias de fiquei com a impressão totalmente diferente. Ele tinha uma personalidade forte, era fiquei com impressão totalmente diferente. Ele tinha uma personalidade forte, era todos. Depois lembro-me da minha mãe a chorar a pôr as velas ao Santo António que era -onos Tive sorte. Como a minha especialidade era cripto, ficava mais nos quartéis. Também, muito bem na vida. fim de tropa, acabando por voltar para Lisboa. Com espirito de vigiante, deEram aventura, muito senhor do seu nariz. Tinha crescido. Though gay, diz Delfim. muito senhor do seu nariz. Tinha crescido. Though gay, diz Delfim. padroeiro dele, a Santa Luzia porque ele tinha tido um problema em pequeno na vista, locais para onde fui destacado não havia guerra. Chegava o correio e se vinham cartas, já se sabia. sempre lidas deixei a nossa capital e fui até Londres. Mas não fiz com espirito de emigrante já que não -nos Tive sorte. Como a minha especialidade era cripto, ficava mais nos quartéis. Também, Tive sorte. Como a minha especialidade era cripto, ficava mais nos quartéis. Também, eJá ela era padroeira dos olhos. E depois lá íamos festejar e agradecer-lhes nas romarias, em Janeiro de 1970.fui Depois de ternão passado por onde saboreou umas férias de mãe a chorar a pôr as velas ao Sant todos. Depois lembro-me da minha tinha problemas deFiscal, emprego, pois trabalhava num escritório. locais para onde destacado havia guerra. nos locais para onde fui destacado não havia guerra. por exemplo a Senhora do Sameiro, a Senhora da Peneda, a Senhora do Alívio, ao São fim de tropa, acabando por voltar para Lisboa. Com espirito de vigiante, de aventura, o padroeiro dele, a Santa Luzia porque ele tinha tido um problema em p Já em Janeiro de 1970. Depois de ter passado por Fiscal, onde saboreou umas férias de Já em Janeiro de 1970. Depois de ter passado por Fiscal, onde saboreou umas férias de Bento da Porta Aberta, que é lindíssimo, a maior de todas, a romaria principal naquela deixei a nossa capital e fui até Londres. Mas não fiz com espirito de emigrante já que não e ela era padroeira dos olhos. E depois lá íamos festejar e agradecer-lhe fim de tropa, acabando por voltar para Lisboa. Com espirito de vigiante, de aventura, fim de tropa, acabando por voltar para Lisboa. Com espirito de vigiante, de aventura, zona do Minho. O adorava romarias -num diz fiz Jaime Ribeiro. tinha problemas deAntónio emprego, pois trabalhava escritório. por exemplo a Senhora do Sameiro, a Senhora da Peneda, a Senhora do a nossa capital e fui até Londres. Mas não com espirito de emigrante já que não deixei a nossa capital e fui até Londres. Mas não fiz com espirito de emigrante já que não -edeixei Eu não via o António há 14 anos e notei-lhe uma diferença enorme. Olhei para ele Bento dapersonalidade Porta Aberta, que éera lindíssimo, a maior deJaime todas,Ribeiro. a romaria pr tinha problemas de emprego, pois trabalhava num escritório. tinha problemas detinha emprego, pois trabalhava numadorava escritório. fiquei com a impressão totalmente diferente. Ele uma forte, zona do Minho. O António romarias diz muito senhor do seu nariz. Tinha crescido. Though gay, diz Delfim. Eu não via o António há 14 anos e notei-lhe uma diferença enorme. O -nos Tive sorte. Como minha especialidade eraguerra. cripto, ficava mais nos quartéis. Também, emuito fiquei com a impressão totalmente diferente. Ele tinha uma personalid locais para ondea fui destacado não havia senhor do seu nariz. Tinha crescido. Though gay, diz Delfim.
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. BIJUTERIAS .
. RENDAS ANTIGAS .
. TECIDOS .
. FRASCOS DE PERFUME .
. EMBALAGENS DE PÓ DE ARROZ .
. BONECAS DE CELULÓIDE .
. CAIXAS DE TODOS OS TAMANHOS, FORMAS, MATERIAIS .
As bonequinhas de celulóide estavam toda
. MÓVEIS E CANDEEIROS DE ARTE NOVA OU DECO .
sentadinhas dentro de banheirinhas. Um vestido estava pendurado na parede. tinha mais de 30 fatos no guarda-fatos. Para ele era tudo um universo, um universo dele... Ele rodeava-se daqueles objectos
. PEÇAS DE VESTUÁRIO FEMININO .
para se sentir... em casa. Não gastava dinheiro em disparates. Se pudesse ia a pé e não de táxi. Não era um esbanjador por natureza.
. ADEREÇOS DE BELEZA .
que desaparecia logo nas primeiras horas de viagem. Depois, no desconforto dos bancos de madeira da terceira classe do comboio-correio.
António recorda a sua própria viagem ao ir buscsar o irmão. Um inferno de vinte e quatro horas. A mãe preparava sempre um delicioso farnel,
- Num dia pareceu-me uma farda, tal e qual, dos músicos das bandas, lá da minha terra, e o cacetete aqui pendurado, pensava que era o pífaro, e digo, olha aqui também há músicos! Diz António: “Onde estás a ver
24h
músicos?”, Então. ali aquele senhor. “Oh rapaz, cala-te, aquilo é um guarda polícia!”. - Ele tinha vergonha que eu o acompanhasse, por causa das minhas incúrias. Uma ocasião fomos à Alameda Afonso Henriques. Passámos por uma loja onde se vendiam discos. Na altura os Beatles eram os que estavam a comandar as vendas, e eu faço-lhe assim: “Veja lá menino, já sabe dizer piadas!”. Cheguei a casa, faz ele assim para mim: “Com que então Beáteles?” E eu, então não é assim que se diz? e ele, “Oh rapaz, tu cala-te, tu cala-te!”. Então ia-me pôr ao cinema, para ele ir passear com os amigos.” || Luís Ribeiro ||
Mas também viveu intensamente a alegria da sua chegada, antecipada por cartas e aerogramas: Assim, também se recorda muitíssimo bem do regresso do primeiro-cabo António Joaquim Rodrigues de Almeida, que voltou ao Ultramar inteiro como partira, e que foi saudado por fanfarras e foguetes, estava em 1969 a chegar ao fim.António desembarcara em Lisboa, no cais de Alcântara, onde o guardavam Lurdes e Deolinda, a irmã e a mãe, e seguida para Fiscal, onde foi recebi nu alvoroço de festa de aldeia. Agora António já não tinha farda, e vinha num táxi enorme de seis lugares que parou em frente da capela de Santo António do Pilar, onde o ex-soldado depositou numa vela do seu tamanha natural diante de imagem do santo do seu nome, pendor que Deolinda de Jesus fizera quando filho embarcara para a guerra colonial. Seguia-se a festa da praxe, no largo da Igreja, enfeitado de canas da Índia, mais os arcos com flores de papel, as ramagens e os braçados de plantas, tudo decorado primorosamente pelas mãos do Pai Jaime, que pôs no embelezamento do adro e nos enfeites da comemoração um carinho muito particular. E numa genuína festa de aldeia não podiam faltar os foguetes, a música e o altifalante: “O soldado António Joaquim Rodrigues Ribeiro, cumpriu tropa no Ultramar, esteve na guerra colonial, em Angola, e agora chegou e aqui está são e salvo”. Um dos anjos levara-o e trouxera-o nas suas asas, são e salvo. Mais a corte dos santos a quem a mãe o encomendara, Santo António à cabeça , com velas amiúde diante do altar, para que se não esquecesse do seu homónimo soldado. E um irmão, Delfim, fizera até um pouco mais do que isso. Graças à sua amizade com o comandante do Depósito de Andios, em Luanda, conseguira mudar o destino de António, trocando-lhe as colocações em locais perigosos onde a guerra estava bem acesa por outros onde “não havia guerra nenhuma”.
11 anos, terminada a instrução primária, experimenta o primeiro ofício em Caldelas. " Ia fazer quinquilharias, mas passado pouco tempo desistiu " mãe já em 1988, à Imprensa
12 anos abandona a terra natal rumo a Lisboa.Vem para ser marçano, mas acabará por trabalhar num escritório
O facto de ter nascido no interior no período da história do século XX em que Portugal mais se fechou ao exterior não impediu o jovem António de sonhar e com apenas doze anos pôsse a caminho de Lisboa. Para trabalhar, mas também porque queria chegar mais além
Em Lisboa teve várias profissões, mas não encontrou o que procurava.
1965 Tropa em Angola, mas sem antes pedir à mãe que lhe acenda uma vela a Santo António para protecção.
1971 Londres, onde permanece um ano a lavar pratos num colégio. não retira ainda deste contacto com outro país, o pleno proveito, ao contrário do que sucede em seguida, quando viaja, primeiro para Itália, em 1973 e depois, em 1974, para a Holanda.
Aí lava pratos num colégio e colecciona álbuns de David Bowie, Lou Reed, Bryan Ferry, Beatles, Kings.
Na Baixa, a sua imagem começa a ser cada vez mais notada. As roupas garridas, a barba e o cabelo comprido, os brincos e adereços mil põem a Rua do Carmo a olhar para ele e conquistam os jovens intelectuais do Bairro Alto, que frequenta para manter contacto com a música
Viveu à frente do seu tempo, num país dividido entre o atraso profundo e a vontade de se modernizar: Pouco variaram os epitáfios.
Nas suas diversas fotos e alguns vídeos, aparece com o torso totalmente descoberto. Colares, brincos, luvas e roupas coladas ao corpo também completavam seu figurino. Seu objetivo era mostrar a Portugal formas não convencionais de viver para que todas pudessem co-existir.
Num país onde é pecado ser diferente, numa sociedade que tranquiliza os seus terrores arcaicos com a
estandardização. De modo que o diferente é diabolizado ou escarnecido sem dó nem piedade.
Naquela altura haviam quatro ou cinco cabeleireiros bons em Lisboa, que ensinavam a profissão
a estes jovens, muitos deles sem grandes habilitações literárias. O Victor Hugo (considerado
um dos melhores cabeleireiros Português) ajudou Fernando Ataíde (uma das pessoas mais importantes para a vida de António). E anos mais tarde, o Fernando conheceu o António e
começaram a viver junto no apartamento do Fernando, na Infante Santo. Foi ele quem levou o Fernando para o Aier e ali aprendeu muito, muito, muito.
Ataíde e António conheceram-se numa das praias da Caparica, onde ambos gostavam de ir
correr. Os dois começaram por ser amigos, mas rapidamente se tornaram amantes, e acabaram
O MUNDO ENTRETANTO FICA DE PERNAS PARA O AR
por viver juntos alguns anos, de forma intermitente.
Para António, Ataíde foi seu amor, o seu amigo, o seu mentor, e este afecto foi tão poderoso que sobreviveu a separações, novos amores, zangas, reconciliações, choques de feitios. E Fernando será igualmente fiel a esta amizade, e vai estar ao lado de António até fim.
Em 1970 António está em Lisboa, a verdade é que já tem vontade de se ir embora outra vez. Em Africa referiu várias vezes esse desejo de ir viajar, conhecer outros mundos, aprender outras realidades.
“A Trova do Vento Que Passa” ||Manuel Alegre||
Estamos agora em 1974, a poucos dia da revolução de Abril, Luís Ribeiro, encontra o seu irmão António na parada do quartel:- O que estás a fazer? - Vim à secretaria buscar a licença de militar para me ausentar. Vou para o estrangeiro. Vou sair de Portugal- respondeu-lhe António, sem contudo lhe ter precisado qual o destino da viagem, ou o seu objectivo. Só mais tarde os irmãos vieram a saber que tinha ido viver para Amesterdão e que tirar um curso de cabeleireiro na Holanda. Mas nesse encontro casual, a única coisa que luís RIbeiro soube é que o irmão ia viajar: - Ele não gostava de dar muitos pormenores sobre a sua vida. Foi sempre assim, já ninguém estranhava. Depois escrevia, mandava postais, dava notícias. Soubemos que estava na Holanda por um postal a dizer que tinha ido a um concerto da nossa “divina Amália”, em Amesterdão.
- Amesterdão era um sítio muito especial com muitas referências ao movimento hippie, que ali foi muito forte, e que tocava muito o António, em termos estéticos. Era o colorido da roupa, do espectáculo da rua, da praça, dos canais. Por isso, penso que ao contrario do que aconteceu em Londres, o tempo que o António passou na Holanda deve ter sido muito divertido. Falámos nisso várias vezes, até porque eu também lá ia com alguma frequência, e gostava muita da cidade, embora não tenha afinidades ou conhecimentos ao nível do submundo gay. Adorava-mos objectos kitchs. Bonecos, brinquedos de lata, frascos de perfume. Trocava-mos muitas impressões sobre este tipo de coisas. Ele também ia muito á feira da ladra e lojinhas de segunda mão. Era muito interessado e gostava de se cultivar e aprofundar conhecimentos. ||Carlos Barroco||
- Quando o conheci não era uma estrela. Deve ter ficado mais pelo teatro. Em - Quando o conheci não era uma estrela. Deve ter ficado mais pelo teatro. Em cinema entrou um dois filmes, papeis secundários. Não fala muito de si próprio e cinema entrou um dois filmes, papeis secundários. Não fala muito de si próprio e era uma pessoa muito calada. De resto havia a barreira da língua, só podíamos era uma pessoa muito calada. De resto havia a barreira da língua, só podíamos comunicar em inglês, porque ele não falava português e nenhum de nós falava comunicar em inglês, porque ele não falava português e nenhum de nós falava holandês. Mas era uma pessoa muito próxima na vida de António, que o respeitava holandês. Mas era uma pessoa muito próxima na vida de António, que o respeitava imenso. Eles tinham uma enorme afinidade, identificavam-se muito um com o imenso. Eles tinham uma enorme afinidade, identificavam-se muito um com o outro. Além de amigos, eram namorados. António conheceu-o na Holanda e ele outro. Além de amigos, eram namorados. António conheceu-o na Holanda e ele vinha cá muitas vezes. Chegou a ir ao Norte e conheceu a mãe e os irmãos do vinha cá muitas vezes. Chegou a ir ao Norte e conheceu a mãe e os irmãos do António. Às vezes iam passar férias à Tailândia. Era uma versão do António em António. Às vezes iam passar férias à Tailândia. Era uma versão do António em holandês. Era simples, discreto, não se metia nas conversas. Era um homem lindo, holandês. Era simples, discreto, não se metia nas conversas. Era um homem lindo, alto, cabelo com brilhantina para trás, era capaz de pôr uma écharpe para siar á alto, cabelo com brilhantina para trás, era capaz de pôr uma écharpe para siar á noite, mas não tinha tanta exuberância como o António. Não era tão espetacular. noite, mas não tinha tanta exuberância como o António. Não era tão espetacular. Até porque tinha discrição de deixar brilhar o António. Até porque tinha discrição de deixar brilhar o António. - Ele estava habituado a viver lá fora e a rodar por uma série de ambientes. - Ele estava habituado a viver lá fora e a rodar por uma série de ambientes. Achava que o mundo é só isto. O mundo é redondo e grande e, como diz o Achava que o mundo é só isto. O mundo é redondo e grande e, como diz o poeta, “viajar é preciso”. Aqui ele já tinha visto tudo. Aliás como qualquer um de poeta, “viajar é preciso”. Aqui ele já tinha visto tudo. Aliás como qualquer um de nós, naquela altura, que nos considerávamos um pouquinho os outsiders, por nós, naquela altura, que nos considerávamos um pouquinho os outsiders, por um questão até intelectual, não porque melhores do que os outros, mas porque um questão até intelectual, não porque melhores do que os outros, mas porque tínhamos alguma informação e a coragem de a procurar noutros locais, e de tínhamos alguma informação e a coragem de a procurar noutros locais, e de chocar com ela e de a viver. || Teresa Couto Pinto || chocar com ela e de a viver. || Teresa Couto Pinto ||
- António procurava-me muito para falar. Da vida dele, dos planos que tinha. Desabafos. Gostava de saber a minha opinião em relação a certas e determinadas coisas. Chegava cedo, no principío da noite, quando não havia ninguém. Aquilo abria ás dez e mais, os empregados já estavam todos, havia musica, ele entrava, conversava comigo, e... dançava sozinho. Ele dançava sempre assim, sozinho. Por volta da meianoite o Trumps começava a animar e a encher, então ele, normalmente, saía. -O Trumps deu-lhe oportunidade.Tenho fotografias dele lindíssimas. Depois é que ele foi ao Passeio dos Alegres, pela mão do Júlio Isidro. E então começou a ter muito trabalho, solicitações para espectáculos, e afastou-se um pouco. Mas ia quase sempre a casa do Ataíde, quase todos os dias jantávamos juntos. || Rosa Maria ||
Uns comentavam o
Os risos, piadas, resmungos e
- Já nessa época
limitavam-se a olhar,
som dos secadores, da música ambiente e
ele era muito
espectáculo, outros de boca aberta. O quê? Quem?
- As pessoa ainda
eram muito formais mas começou a
haver uma certa abertura. Os
maridos, quando iam buscar as
mulheres, ficavam
a olhar o ambiente com prazer a à porta e víamos
pessoa à espera para arranjar
coragem para
entrar. Foi aí, que
conheci o António. Nós éramos os
macaquinhos e
as pessoas iam lá para nos ver, só
faltava atirarem-nos
amendoins. Ficavam à porta a espreitar.
Nessa época, a porta
estava sempre aberta, das nove da manhã,
à meia-noite. Foi uma inovação incrível-
recorda José António,
colega de profissão- E ele, o António, era... uma aparição.
- Era tudo estranho, a começar pelo
exclamações atravessavam a barreira de das conversas dentro do salão:
- Mas o que é isto? Agora é tudo junto, a
tratar dos cabelos? Qualquer dia nem se distinguem os homens das mulheres.
- Ólhamaquele, ólhamaquele, ólhamaquele! - António adorava a profissão e cortava
lindamente.Era muito exigente, queria a
perfeição e era capaz de estrar uma hora a cortar um cabelo. Estava a dar-lhe o
percebia que
especial. Às vezes chegávamos e lá
estavam os outros cabeleireiros sem
trabalho, e ele tinha vinte pessoas à
espera dele. Tinha péssimo feitio, era trombudo,
gozo aquele movimento, uma espécie
antipático e...
gostava que olhassem para ele, talvez
pessoa dizia-lhe
de mise en scéne. E depois, o António também para provocar um bocadinho.
E as pessoas- é engraçado -, olhavam e olhavam, mas a ideia que me dá é que
não acreditavam no que estavam a ver.
Estávamos um 76! E ele com quela roupa, aquele ar, e a sua lancheira de cabedal
- das que se levam para as obras -, com
as escovas e pentes, esse material todo, muito calmo. Imperturbável.
- È assim e é aqui que o António vem
trabalhar connosco porque era barbeiro
e cabeleireiro. Tinha estado na Holanda,
onde aprendera a técnica e vinha também ele muito... holandês. Quero dizer, como os holandeses, que são corajosos,
ousados, pragmáticos. E estão sempre
tão á frente de tudo- além disso à primeira impressão achei que ele era um ser
especial, e eu dou-me bem com seres
especiais. Naquela altura mais ninguém, em Portugal, era capaz de dar trabalho ao António, até pela forma como ele se
apresentou. || Isabel Queiroz dona do Cabeleireiro || - Ele era uma pessoa muito formal, até
facto de ser
um pouco conversador nalgumas coisas.
unissexo num
Uma coisa curiosa é que toda a gente o
quem passava.
colegas. A ideia que eu tenho é que era
tudo, por causa
iam para o António e que pensavam que
preenchia o lugar
cortes ousadíssimos. Mas saíam do mais
com o seu ar de
mas muito pouco ousado. || Maria João ||
boina carmim,
Ele cantava e dançava. Era incrível a
sem alças, as
soltava a voz. Depois, subitamente,
golfe, e um roupão
sorriso, e voltava ao trabalho. Na opinião dos
quadrados, a fazer
que um artista, com excelente sentido visual,
|| José António ||
pessoas e aconselhá-las, até pela influência
um cabeleireiro
Punha as pessoa a uma certa distância.
espaço visível a
tratava por Senhor António. Até clientes e
Mas, a cima de
uma pessoa só. Havia muitas clientes que
de António. Ele
iam sair de lá com os cabelos em pé, com
do espetáculo,
clássico que havia, tecnicamente bom,
Leonardo da Vinci,
- Cante lá, António, vamos cante-nos um fado!
camisola interior
capacidade que tinha de se alhear quando
calças largas, tipo
encerrava a performance breve com um
de Inverno, aos
colegas António era “mais um técnico do
de sobretudo.
uma capacidade de captar a imagem das de técnica que trouxera de Amesterdão.
fascinante. Uma “eu quero isto
ou aquilo” e ele
respondia: “ não
quer nada, quem decide sou eu.”
Ou então alguém dizia que estava com pressa, e ele respondia
“então se está
com pressa vá-se embora” eu fazia
questão de cortar
o cabelo com ele.
Não abria a boca. Olhava-o pelo
espelho e pensava “este ser não é
daqui.” Parecia um anjo. Um anjo mal
disposto mas... um
anjo. ||Rosa Lobato Faria|| - Eu sou barbeiro. Sou barbeiro
porque porque o
meu interesse está no corte. O que
gosto de fazer é
cortar o cabelo. O
penteado já não me interessa tanto. Em 78 recorda
António foi para o Baeta, onde saiu
da Isabel Queiroz sem qualquer
tipo de zangas.
Posteriormente abre o seu próprio negócio.
- Porque ele apareceu vestido á maneira dele, mas particularmente exuberante, com uma rede de galinheiro, um puxador de porta pendurada na orelha, um cinto de
correntes, um bocado na onda do punk, mas em Portugal
não havia nada assim. Aliás, a moda que estava também em exposição era uma coisa muito banal, não deixou rasto.
Eventualmente alguns cresceram, e tornaram-se estilistas
mais conhecidos, mas ali a sua intervenção não marcou. O Variações sim. E, provavelmente sem o saber, era realmente o artista pós-moderno por excelência.
Muda-se a política, mudam-se os cabelos, usavam-se roupas diferentes, viam-se filmes eróticos ou pornográficos, fugia-se de casa, do colégio, dos conventos, mostravam-se as pernas, deixavam-se crescer barbas e bigodes e cabelos, gritavam-se palavrões, palavras de ordem, paralisava-se , pela força do número, e pela intensidade das ideologias, empresas, fábricas, universidades, defrontava-se a polícia, fumavase liamba ou tomavam-se ácidos no Rossio, mas... ainda se era homossexual às escondidas. Em 1976, Portugal continuava a ser i país de dissimulações e segredos. Assim por essa altura, ainda não havia gays pela simples rasão de que a palavra não constava do léxico. Também não havia, praticamente, homossexuais, (devido à mesma cirurgia social que erradicara mendigos e prostitutas do universo português: olhos que não vêem coração que não sente).
-O António cortava o acabelo á família toda e ele é que dissidia como devia-mos andar. A mim cortava-me o cabelo. Eu sempre fui loura, mas uma vez ele entendeu que eu devia ficar de cabelo escuro. - Conta a irmã Maria de Lurdes- Eu disse, ó mano, eu não vou gostar de me ver, não vou ficar bem. E ele: “eu é que sei. Calate”. E pôs-me o cabelo mais escuro. Depois olhou para mim e disse, “ó Matilde, vai lavar a cabeça à minha irmã, vai-me tirar isto tudo, vou pintarlhe o cabelo outra vez, ela tinha razão. Não a posso ver com esta cor”. Mas nós não podíamos dizer nada. Já me diziam as crianças na escola “ Eh pá, tens cá um tens um irmão! parece um cigano!” O pai morrera em 1976, quando António volta da Holanda, não chegou a assistir á sua exuberância, “esse seu filho canta tão bem” já diziam os vizinhos ao pai. Ele vinha de autocarro e depois fazia o trajecto a pé por aqui acima até nossa casa, em Fiscal. Quando Deolinda quando o vê só tem braços para o abraçar e boca para o cobrir de beijos. ”Era incapaz de o reprovar.” “Oh meu filho não andes com essa barba, com essas botas, com essas calças! Pareces um cigano!” “Não estou para ninguém”, uma frase sacramental dos tempos remotos da infância. O corrupio de visitas que não deixariam de aparecer, com os mais diversos pretextos, a fim de ver, ai vivo e a cores, a ave rara de filiação minhota. Os irmãos recordam que, e apesar do exotismo, quando ia á terra, no Natal e na Páscoa, “ia vestido normalmente”. Ou pelo menos de forma mais convencional, de modo que “a nossa mãe não ficava nada ofendida com a forma como ele se apresentava”. Quando sele se começou a vestir de uma forma extravagante, sentíamos um bocado de desconforto, não tinha nada a ver com a nossa cultura, com a nossa maneira de estar.
“
”
Variações porque a palavra sugeria elasticidade e liberdade
6 4
8
Era um época de euforia discográfica, onde se sucedem êxitos como “Chico Fininho” e o
mérito e responsabilidade de Rui Veloso ser “pai do rock português”. Neste contexto, um (ainda) desconhecido cantor tem, na editora, um contrato quase com cinco anos e nenhum
disco. Chama-se António Joaquim Ribeiro e queixa-se, amargamente, do incumprimento do contrato que a editora celebrou com ele. Jaime Ribeiro, seu irmão e na época já a exercer advocacia, recorda que teve uma intervenção nesse “contencioso”.
O qual escreveu uma carta , solicitando o cumprimento do contrato que a editora tinha assumido com o seu irmão. O facto é que passados uns meses chamam-no para ir para estúdio.
David Ferreira, na época chefe de Promoção da Valentim, não desmente a versão mas
diz que o que se passava era a dificuldade em situá-lo no tipo de música. David Ferreira retém outra memória, hoje quase incompreensível. Alguém lhe descrevera Variações como “uma espécie de frei Hermano da Câmara, revisto e actualizado”, sentesse muito a dança, sobretudo do Norte do País, que depois também estão muito presentes no António.
Entretanto, António canta por discotecas e bares underground. Nos espaços já citados, e noutros que publicitam a sua actuação, juntamente com a de artistas “do malabarismo e do striptease”.
David Ferreira, afirma que antes de 1981 um fenómeno como António não era possível. Pela
dificuldade em enquadrá-lo, mas também pelas características do próprio. Pela dificuldade
em enquadrá-lo, mas também por não tocar nenhum instrumento, não ler pautas, “não era auto-suficiente” em que dependia inteiramente dos músicos...
-Para os músicos tradicionais, pré-rock português, o António é um desafinado e não é auto-
suficiente. Não toca nada, e nem sequer consegue ler uma pauta. Para os outros, mais
ligados à música popular portuguesa, é provavelmente um tipo sem consciência política, numa época em que isso é muito determinante. A sua progressão estava bastante limitada. Portanto para que ele pudesse gravar um disco havia primeiro uma revolução a fazer.
- Marca-se uma reunião na Valentim de Carvalho. E apareceu-me o António Variações, e eu
pensei que o Chiado tinha parado à sua passagem. Parecia um catraio, de brinco, barba loira, roupa feita por ele. O Variações antes de ser um artista, já o era. Isto é, vestia como
tal e comportava-se como tal, mesmo sem ser conhecido. Começo a trabalhar com ele mas o António cria-me uma dificuldade tremenda como produtor e como A&R, porque tinha as
melodias na cabeça, sabia as letras, mas não sabia tocar nenhum instrumento. Para dar um exemplo ele batia com os dedos na mesa e dizia: “Está aqui a letra”. Ao passar por Braga, papapppa, tatatatata.
Para o produtor, a experiência era inédita, mas Nuno Rodrigues achou que ele tinha um
talento muito grande e disse ”António, vou para a edição do seu disco porque temos de perceber o que vai ser e você decididamente não é um homem da música ligeira. Isso vai
dar-nos trabalho.” Foi um processo moroso e cheio de algumas perplexidades. ||Nuno Rodrigues||
- Temos nós todos, supostamente, a ideia que que éramos muito informados e muito moderninhos, a verdade é que eu não estava de todo preparado para entrar numa casa toda verde, e ser recebido por um homem todo vestido de verde. Eu e o António Duarte ficámos boquiabertos. ||Rui Pego||
-A ultima vez que estive com o António foi em Maio de 1984, na Queima das Fitas. Penso que foi no mesmo ano em que os estudantes atacaram o Marco Paulo com tomates e cartazes ordinários, tal ponto que ele teve mesmo de ser escoltado pela polícia. Era para esta assistência que nós íamos actuar e sei que o António estava muito cansado. Tinha tido uma série de complicações de saúde. Primeiro foi uma infecção na unha do pé. Como a sua imunidade estava a zero, a infecção da unha nunca mais curava. Depois ele começou com infecções em todo o lado. A seguir, passou para os pulmões, para a tosse. De modo que este foi sem dúvida o seu último espectáculo. E estava com o Verão cheio de espectáculos! Lembro-me também que ele tinha um “dois cavalos”, vermelho, um modelo lindíssimo, que um amigo guiava. Veio ao meu camarim, pediu-me: “Dina canta lá comigo.” Estive a cantar com ele, enquanto aquecia a voz, ohooohhooohh, para ver se ele não tossia, a tocar as canções que sabia, na altura, essa do “Corpo é que Paga”, nos lás e nos rés. <ele estava aflitíssimo. Começou a tossir, “Dina, não vou conseguir”. Depois acrescentou: “ando com esta tosse p´rai há dois mese, não me passa. Acho que vou cancelar os meus espectáculos todos.” Estava mais magro e muito assustado. Ele sabia mais ou menos o que se estava a passar, mas ninguém tinha ideia de que aquilo era fulminante. Até porque não havia informação sobre a doença. Então, nesses casos, pode-se ser optimista e lógico, e ele até podia pensar em atribuir o estado de saúde a um cansaço. Estava a trabalhar todos os dias, tinha uma agenda superlotada, e nestas mudanças e viagens, uma pessoa pode constipar-se por exemplo, e se não descansar não recupera. Ele também procurava ver as coisas por esse ângulo. A certa altura abriu uma garrafa de água e bebeu. Nessa altura já se suspeitava que o António estava gravemente doente e falava-se mesmo em Sida. Mas eu não queria que ele percebesse que eu suspeitava. De modo que não me importei nada de partilhar aquela água com ele. Sentia que havia uma dualidade no António. Por um lado, a versão mais optimista, “descanso e passa”, por outro, sentiase nele um marcado pessimo. Falava comigo e começava a tossir. Mesmo assim quis ir para o palco. Eu disse, vai, António, se começares a tossir pede desculpa ás pessoas que estão a contar contigo, mas vão percaber, E o gajo foi. Cantou uma canção, fartou-se de tossir, cantou a segunda, fartou-se de tossir, pediu desculpas e... a malta percebeu. Bateram palmas.. Houve ali um daqueles momentos de silêncio profundo, em que se cria um elo de entendimento. Ele saiu sob um chuva de aplausos. Depois não quis receber o cachet.
- Era engraçado porque falava muito bem a toda a gente, cumprimentava a beijava as senhoras, mas sempre muito
modesto, porque ficava muito tímido. Aquelas mulheres
da Feira da Ladra, quando nó lá íamos, desde as que vendiam o camarão, ás que trabalhavam nas tendas e
nos restaurantes, andavam positivamente com ele ao
colo. Levantavam-no no ar. Adoravam-no, simplesmente.
Na noite de Santo António, com Lisboa em festa, os Bairros
Populares engalanados de arquinhos e balões música e foguetes, uma noite que, de 12 para 13 de Junho, só
acaba mesmo com o sol alto, António Variações morre em consequência de uma broncopneumonia bilateral grave.
Deixa de respirar, exactamente, às seis da manhã desse dia 13 de Junho. A mãe, que vem de Fiscal, agora que todos admitem a inevitabilidade de desfecho, está no comboio
quando tudo acontece. Chega apenas a tempo de ver, pela
última vez, o seu filho, já cadáver, que beija num desgosto mudo. De resto, nem há palavras que descrevam a sua dor.
- Ele começou primeiro com
umas constipações e quando
não saõ bem curadas atacam os pulmões. Ainda fui ao concerto dele, no Clube dos Alunos de
Apolo. Tanta gente, tanta gente.
E ele já estava adoentado. Disseme, “será que vou conseguir
cantar?” E eu, vais. Estou aqui a
teu lado. E vais ser um sucesso!! Levei-lhe uma muda de roupa e, no fim, ele disse, “saí-me bem, não saí?” Maravilhosamente,
meu irmão. Lá viemos para casa e ele disse, “vamos ali comer
qualquer coisa”. Onde? “Onde tu quiseres.” A ele, onde entrasse, as pessoas faziam quase
continência. Depois adoeceu, foi parar ao Pulido Valente. Quando me viu ficou felicíssimo. Só que
eu não podia ficar ali. E fui para casa fazer o comer e trazer-lhe
a roupa para mudar, porque ele não comia do hospital, fazia o
que mais gostava e ele dizia, “só o cheirinho já me consola”.
Também apareceram senhoras a levar-lhe cestos e cestos de
fruta, mas ele só de ouvir a voz
das pessoas incomodava-se. E o cheiro do hospital! Horrível! E ao terceiro dia começou assim, “oh minha irmã tira-me daqui!” Ele
queria higiene, tudo. Então fomos pô-lo na Cruz Vermelha. Só que ele disse logo, “quero a minha
irmã ao pé de mim.” E fiquei vinte dias com ele. Eu soube logo. O que é que eu disse às minhas
filhas? Não gosto da tosse que o vosso tio tem. Não temos tio
para muito tempo. Então na Cruz Vermelha, fui para o quarto dele,
e ali estive noite e dia. Não queria estar só. Era como se eu fosse um anjo protector.