Revista Velhas Nº 16 - Setembro 2022 - CBH Rio das Velhas

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do Rio

SET 2022 VIII ANO 16Uma publicação do Comitê da Bacia Hidrográfica
das Velhas

Imagem de Capa:

O estudo ictiofaunístico Velhas-Flodens Fiske [Peixes do Rio das Velhas], de Christian Frederik Lütken e Johannes Theodor Reinhardt (1875), inspira a ilustração do artista gráfico Clermont Cintra na imagem de capa desta Revista Velhas. Torçamos para que vá além: que inspire a sociedade para que tenhamos mais e melhores águas - e peixes em abundância.

Deixa eu te ver, peixe

O espelho d’água de um rio tende a refletir a sociedade que com ele interage. Nossas ações, compromissos, omissões, agressões, cuidado e luta são fatalmente no rio revelados, expostos a quem queira ver – até mesmo aqueles que se encontram tamponados, debaixo do asfalto, nos dizem muito.

Por isso, nessa luta já antiga pela revitalização do Rio das Velhas, a bússola sempre foi o peixe. Indicador de saúde coletiva ambiental da bacia hidrográfica, o peixe – ou a sua presença nos rios – inspirou parte central das Metas 2010 e 2014, que clamavam o ‘Nadar, Pescar e Navegar’ no Velhas. Certamente, “se o rio não tá pra peixe, não tá pra gente”.

Mas para que o rio responda de maneira positiva, com mais e melhores águas e peixes em abundância, é preciso política. As Metas de recuperação e os principais avanços alcançados na bacia hidrográfica, especialmente relacionados ao saneamento, só foram possíveis porque a revitalização do Rio das Velhas se tornou de fato política pública, na primeira década deste século. É hora dessa agenda retornar.

Talvez o esforço da revitalização fosse menos árduo caso os elementos naturais no Brasil fossem entendidos como sujeitos de direitos, e não como meros objetos da exploração humana. Em uma matéria especial, que traz exemplos de países que colocaram os direitos da natureza – e o dever da sociedade de protegê-la e respeitá-la – até mesmo na Constituição, especialistas revelam como garantir a efetividade de um direito dos próprios ecossistemas à vida.

O entrevistado desta edição da Revista Velhas é de renome: André Trigueiro, âncora e comentarista de alguns dos mais importantes telejornais da TV brasileira e principal referência do Jornalismo Ambiental no país. Ele fala sobre mineração, segurança hídrica, política, espiritismo e dos desafios da comunicação em

meio à crise climática e ao florescer do negacionismo. “Não é possível admitir que o jornalismo no século XXI ignore a urgência dos temas ambientais. Temos o desafio de não apenas informar, mas ser vitrine de soluções”, afirma.

A Revista Velhas nº 16 traz também reportagem sobre como a ameaça do assoreamento põe em xeque a viabilidade de novas represas e barramentos de cursos d’água. Expedições no Alto e Médio Rio das Velhas revelam as belezas das regiões cobiçadas, o impacto dos eventuais empreendimentos e lança perguntas sobre a vida útil de cada uma.

A defesa dessas áreas se justifica também pelo potencial turístico – algo comum a várias outras porções na bacia hidrográfica. Afinal de contas, qual outro território reúne cidades históricas como Ouro Preto, Sabará e Caeté? Belezas naturais como as Serras do Cipó, do Gandarela, do Curral e do Cabral? Vilarejos bucólicos como São Bartolomeu, Glaura, Curimataí, Lapinha da Serra e Conselheiro Mata? Riquezas paleontológicas como a região do Carste, religiosas como a Serra da Piedade, culturais como nos escritos de Guimarães Rosa, além da própria capital mineira? Nesta edição, daremos um giro na bacia o Rio das Velhas sob o olhar do turismo.

Toda a biodiversidade, riqueza histórica e os impactos que atingem a bacia do Ribeirão da Mata, bem como a luta de sua gente em prol da sua revitalização, serão aqui revelados. Mostraremos também como, a partir de técnicas de manejo e de conservação do solo, proprietários rurais produzem água –e ainda podem ser recompensados isso.

Para fechar, versos de Adriane Garcia e fotos de Robson Oliveira mostram a Serra do Curral que queremos – e a que não queremos.

Boa leitura!

Expediente

Revista Velhas

Publicação Semestral do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas Nº16 – Setembro / 2022

CBH Rio das Velhas

Diretoria

Presidenta: Poliana Valgas Vice-presidente: Renato Júnio Constâncio Secretário: Marcus Vinícius Polignano Secretário-Adjunto: Fúlvio Rodriguez Simão

Diretoria Ampliada Sociedade Civil

Instituto Guaicuy – Marcus Vinícius Polignano Assoc. de Desenvolvimento de Artes e Ofícios (ADAO) - Procópio de Castro

Usuários de Água

CEMIG – Renato Júnio Constâncio

Poder Público Estadual

EPAMIG – Fúlvio Rodriguez Simão IEF – João Paulo Mello Sarmento

Poder Público Municipal

Prefeitura Municipal de Jequitibá – Poliana Valgas Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – Humberto Marques

Agência Peixe Vivo

Diretora-Geral: Célia Fróes

Gerente de Integração: Rúbia Mansur Gerente de Projetos: Thiago Campos Gerente de Administração e Finanças: Berenice Coutinho

Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBH Rio das Velhas.

Produzida pela Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social

Direção: Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis

Coordenação de Jornalismo: Luiz Ribeiro

Edição: Luiz Ribeiro e Rodrigo de Angelis

Redação e Reportagem: Luiz Ribeiro, Luiza Baggio, Michelle Parron e Paulo Barcala

Revisão: Isis Pinto

Fotografia: Acervo A.E. Chico Xavier, Acervo pessoal André Trigueiro, Acervo pessoal Elias Rezende, Amazing Zone, Ane Souz, Bianca Aun, Divulgação CEM Ulisses Lopes, Divulgação Globo - João Cotta, Divulgação Ouro Preto, Divulgação TNC, Fernando Piancastelli, Leo Boi, Leonardo Merçon (Últimos Refúgios), Leonardo Ramos, Lucas Ávila, Lucas Nishimoto, Marcelo Andrê, Mariana Martins, Michelle Parron, Miguel Aun, Neto Gonçalves, Ohana Padilha, Robson Oliveira, Rodrigo de Angelis, Shutterstock, Vitor Oliveira.

Ilustrações: Clermont Cintra

Projeto Gráfico: Márcio Barbalho

Diagramação: Sérgio Freitas e Rafael Bergo

Impressão: ARW Gráfica e Editora

Tiragem: 3.000 unidades.

Direitos reservados.

Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

Sumário

O destino dos peixes anuncia

nosso

15 O assoreamento e a viabilidade de represas e barramentos Com a palavra
p. 06
o
p. 08

A natureza como sujeito de direitos

Manejo e conservação

na produção

água

Revitalização

centro

Trigueiro,

Bacia do Ribeirão da Mata:

luta

Olhares: o lírico e a mineração na Serra do Curral

Um olhar sobre a mineração

Serra

Curral

44 32 p. 38 p. 48 p. 22
história e
do solo
de
Turismo na bacia do Rio das Velhas
do Rio das Velhas no
da agenda política p. 26 Entrevista: André
referência no jornalismo ambiental brasileiro p. 54
na
do

Olhando pra frente

2022 caminha para o seu fim. Mais um ano em que a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas vivenciou desafios enormes.

Não muito depois desse cenário de chuvas, já nos encontrávamos em estiagem. E, mesmo com essa precipitação toda do início do ano, a estiagem em 2022 foi praticamente igual à de 2021: baixas vazões e o Rio das Velhas entrando em estado de atenção e alerta muito cedo, ainda distante do início das chuvas que amenizariam as coisas.

Com o objetivo de maximizar o potencial de produção de água em microbacias, a partir do planejamento e execução de Soluções Baseadas na Natureza (SBN), o Comitê atualmente desenvolve o seu Programa de Conservação e Produção de Água.

As microbacias do Ribeirão Maracujá, no Alto Rio das Velhas, Ribeiro Bonito, no Médio Alto, Córrego do Soberbo, no Médio Baixo, e Córrego das Pedras, no Baixo Rio das Velhas, foram as selecionadas para a execução das ações. Já estão em elaboração os projetos técnicos por microbacias para início das implantações das intervenções, que vão desde adequação de estradas rurais, recuperação de pastagens, implantação de cercas e aceiros, fornecimento de insumos de produção, a regularização ambiental e assistência técnica a produtores rurais.

Ano que começou com precipitações acima da média – o que é claramente positivo e nos deu mais segurança para enfrentar o desafio de abastecer uma metrópole, mas que novamente despertou o temor sobre a segurança das barragens de rejeitos, especialmente na região do Alto Rio das Velhas.

No âmbito do Comitê, vale destacar como o nosso GT (Grupo de Trabalho) de Barragens tem sido atuante, no sentido de acompanhar de perto a situação das estruturas que apresentam instabilidade no Alto Velhas. Nunca é demais lembrar: qualquer eventual ruptura nessa região poderá levar a Grande BH e muitos outros municípios bacia afora a um caos hídrico.

Como o uso e a ocupação do solo em nossa bacia, assim como em vários outros lugares no Brasil e no mundo, são mal ordenados, as chuvas foram também o pontapé para grandes inundações que, uma vez mais, levaram a uma série de destruições.

A esse respeito, é digno de destaque o ‘Encontro com prefeitos e prefeitas da Bacia do Rio das Velhas: desafios, avanços e perspectivas’, promovido pelo Comitê em 2022 e que debateu estratégias de fortalecimento, integração e compromisso político-institucional, visando aumentar a efetividade na implementação de políticas públicas por meio dos programas, planos e projetos elaborados no âmbito da gestão participativa e descentralizada dos recursos hídricos.

Para auxiliar nesse processo, o CBH Rio das Velhas irá financiar um estudo sobre as manchas de inundação do rio a fim de nortear políticas públicas e direcionar responsabilidades das prefeituras, do governo do estado e da sociedade.

Da mesma forma e com ainda mais capilaridade, nossos projetos hidroambientais não param. Baseadas no que o Plano Diretor de Recursos Hídricos definiu como prioridade para a bacia, as iniciativas buscam a recuperação e conservação de nascentes, cursos d’água e todo o ecossistema que alimenta e mantém vivos os rios.

Como destaque, vale lembrar a conclusão de Planos de Manejo de unidades de conservação municipais, como em Ribeirão das Neves e Morro da Garça, a elaboração de estudos de mapeamento e criação de áreas de conectividade, nas Unidades Territoriais Estratégicas (UTEs) Rio Taquaraçu, Carste e Ribeirão da Mata, as iniciativas de controle e recuperação de erosão nas UTES Tabocas e Onça, Rio Itabirito, Rio Paraúna, Rio Cipó e Jabó-Baldim, além da construção de estradas ecológicas, estradas vicinais, levantamento e cercamento de nascentes em Taquaraçu de Minas e Nova união.

Para que tudo isso possa ocorrer de forma harmoniosa, é preciso também governança. E, do ponto de vista da gestão, o Comitê tem igualmente avançado e alcançado importantes conquistas.

Em 2022, iniciamos o processo de discussão sobre a atualização da metodologia da Cobrança pelo Uso da Água na bacia hidrográfica. Este instrumento de gestão – que visa o reconhecimento da água como um bem ecológico, social e econômico, e que dá ao usuário uma indicação de seu real valor – é justamente o que gera os recursos que se revertem em benefícios a toda a sociedade, garantindo maior oferta e qualidade de água.

Que em 2023 tenhamos ainda mais força e instrumentos para continuar trabalhando por um Rio das Velhas cada vez melhor para todos.

Com a palavra
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Poliana Valgas Presidenta do CBH Rio das Velhas Mariana Martins
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Se o rio não está pra peixe, não está pra gente A vida dos peixes anuncia o nosso destino e o dos nossos rios

Biodiversidade 10

Nadar no rio era a brincadeira favorita da Vilma Martins na infância. Em Barra do Guaicuí, no Norte de Minas Gerais, lugar onde o Rio das Velhas encontra o Velho Chico, a filha da dona Izaura acompanhava sua mãe na lavagem de roupa às margens do Velhas. Para ela, entrar no rio era o momento mais feliz da semana. “Era aquele rio maravilhoso. A gente lavava roupa e tomava banho sem medo, porque não tinha poluição”, conta.

A relação da Vilma com a água sempre foi forte. Fez ela até largar o ofício da costura e mudar de profissão. Ao lado do seu marido Hélio, Vilma é pescadora há mais de 20 anos, profissão que a levou à presidência da Colônia de Pescadores e Aquicultores Z34. O grupo reúne mais de 140 profissionais da região, parte deles mulheres e “bem guerreiras”, diz ela. Durante a nossa conversa, Vilma estava bem contente. A pesca do dia anterior no Rio São Francisco tinha sido muito boa para os pescadores, porque houve uma “ribanceira de dourado”, como costumam dizer. “Todo peixe é ótimo de pescar, mas o dourado e o surubim dão mais dinheiro para o pescador”. Além de valer mais, a presença do dourado é sinal de que a água tem boa qualidade.

Pescadora de Barra do Guiacuí, na foz do Velhas, Vilma Martins vê de perto os sinais - positivos e negativosque o rio mostra

Miguel
Aun 11

Sintomas de saúde e de degradação

Mas nem sempre é dia de festa e fartura na água. O mesmo rio que Vilma, seu marido e os outros pescadores tiram o peixe para comerem e sustentarem suas famílias, também é o lugar de presenciar momentos de angústia. De uns anos para cá, eles começaram a notar que o rio e os peixes estavam diferentes. “Teve uma vez que o Rio das Velhas ficou todo verdinho, parecia uma mata. Nessa época morreu muito peixe. Eles ficavam desesperados tentando sobreviver, colocavam o biquinho para fora para respirar, mas acabavam morrendo. A gente entra em desespero quando isso acontece, porque o peixe é a base da sobrevivência na região. É quando a gente percebe que o rio está doente, porque se estivesse sadio não ia morrer peixe”.

A pescadora está certa ao falar que a morte do peixe mostra como está a saúde do Velhas. Em 2017, a proliferação de aguapés, aquele “verdinho” que a Vilma observou no rio, se proliferou no Médio e Baixo Rio das Velhas. A planta, que indica a presença de poluição no rio, também disputa oxigênio com os peixes. Como resultado, toneladas de peixes apareceram mortos na região.

Para acompanhar a saúde do rio, uma turma de profissionais analisa o seu estado de conservação observando a presença ou ausência de alguns seres vivos. Essa análise é chamada de biomonitoramento, e o dourado é considerado um importante bioindicador. “O peixe está no topo da cadeia alimentar, é visto com facilidade e pode ser controlado pela população. Por se locomover com agilidade, sua ausência em certos trechos indica desequilíbrios ambientais graves”, explica Carlos Bernardo Mascarenhas Alves, biólogo e coordenador de campo do projeto “Biomonitoramento da Ictiofauna e Monitoramento Ambiental Participativo na Bacia do Rio das Velhas”. O projeto é viabilizado pelo CBH Rio das Velhas com a verba da cobrança pelo uso da água.

Robson Oliveira Miguel Aun
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“O destino do peixe anuncia o nosso”

A noção de que o peixe sinaliza o nosso destino há anos está no âmago do Projeto Manuelzão, que atua com ensino, pesquisa e mobilização para preservação do Rio das Velhas. Esse “destino” é impactado por um conjunto de fatores que degradam a água da bacia. Vai desde a poluição direta da água com esgoto doméstico e industrial não tratados, passando pelo desmatamento, atividades minerárias, expansão imobiliária, o uso indiscriminado de agrotóxicos e defensivos agrícolas, até a disposição inadequada do lixo. Todas essas práticas humanas prejudicam a vida do rio e interferem diretamente na saúde dos peixes.

Desde que o biomonitoramento foi iniciado pelo Projeto Manuelzão, em 1999, em alguns pontos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), foi vista uma melhora na variação e no volume de peixes. Isso se deve, por exemplo, ao aumento do tratamento do esgoto com a instalação das Estações de Tratamento de Esgoto Arrudas (ETE Arrudas), entre 2001 e 2002, e da ETE Onça. O resultado, segundo o biólogo Carlos Mascarenhas, pôde ser visto nos pontos monitorados a jusante da RMBH, que apresentaram variações mais significativas, não só em número como também na sua composição de espécies.

Carlos Bernardo Mascarenhas Alves coordena projeto de Biomonitoramento da Ictiofauna na bacia do Rio das Velhas.
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Ohana Padilha

Comunidade de olho no rio

Monitorar a bacia do Rio das Velhas da nascente à foz é um trabalho que exige união. Em 2000, foi criado o Monitoramento Ambiental Participativo (MAP). “Ao longo dos 20 anos de atividades, o MAP envolveu a população, estreitou as relações com os ribeirinhos e transmitiu as informações das pesquisas geradas nos programas de biomonitoramento na bacia (peixes, água e invertebrados) para professores, estudantes e membros do CBH Rio das Velhas e seus Subcomitês”, conta Juliana Silva França, bióloga e colaboradora do MAP.

O empresário Odilon de Lima, morador de Itabirito e proprietário de uma fazenda cortada pelo Rio das Velhas, conheceu o Projeto Manuelzão através de um jornal. Ele entrou em contato com o projeto para denunciar a queima de Mata Atlântica na região. Desde pequeno, Odilon aprendeu com seu pai a zelar pela natureza, valores que também foram repassados por ele para a futura geração da família. “Nossos filhos foram educados, por exemplo, a não jogar papel no chão, a cuidar dos animais, das matas ciliares e não matar cobras”, conta.

Além de ser conselheiro do Subcomitê Rio Itabirito, ele é um Amigo do Rio, primeira atividade implantada pelo Monitoramento Ambiental Participativo. O Programa Amigos do Rio é uma ação que envolve ribeirinhos distribuídos da nascente à foz do Rio das Velhas. São eles que comunicam eventos de mortandade de peixe, coletam dados sobre a água e apontam ocorrências no curso do rio. “Os Amigos do Rio informam tanto aspectos negativos, como as mudanças bruscas na coluna d’água e consequente mortandade de peixes, como aspectos positivos, por exemplo o retorno de algumas espécies de peixes para regiões em que não estavam sendo avistadas”, explica a bióloga Juliana.

Amigos do Rio: ribeirinhos como Odilon de Lima comunicam eventos de mortandade, coletam dados e apontam ocorrências no curso d’água.

Outra atividade do MAP é o Biomonitoramento pelas Escolas. A ação envolve professores e estudantes da educação básica em escolas públicas estaduais e municipais na coleta de dados sobre a situação do entorno do rio, a qualidade física e química da água e a presença de invertebrados bioindicadores.

Leo Boi Rio das Velhas em Barra do Guaicuí, próximo à confluência com o Velho Chico. Colaboradora do MAP, Juliana França destaca transmissão de conhecimentos a professores, estudantes e membros do CBH e Subcomitês. Ohana Padilha Ohana Padilha
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Piraju: um novo aliado na preservação da bacia

Mesmo com tantos olhares, a qualidade da água do Rio das Velhas está longe do ideal, seja para a pesca ou para o banho de rio que a Vilma gostaria de voltar a tomar em Barra do Guaicuí. “O Velhas, que é um afluente super importante para o Rio São Francisco, está doente. E se está doente, o São Francisco também pode adoecer”, diz a pescadora. Pelo Velhas estar poluído e por ser um berçário para os peixes, ali na região a pesca é realizada somente no Velho Chico.

Para melhorar a qualidade da água é preciso mais. Enquanto a luta pela preservação e revitalização continua, em 2020 o CBH Rio das Velhas passou a ter um novo representante. O peixe dourado (Salminus franciscanus) se tornou um símbolo na marca do Comitê. “A ideia de ter um símbolo para a bacia do Rio das Velhas é reforçar a existência do rio de forma pedagógica. O dourado, nosso salmão brasileiro, tem uma particularidade: ele é um bioindicador por excelência, porque ele só fica em águas limpas. Como todo bioindicador, ele é a presença da vida no rio indicando ‘eu estou aqui, o rio está vivo’”, explica José de Castro Procópio, que integra a Câmara Técnica de Educação, Mobilização e Comunicação (CTECOM) do CBH Rio das Velhas.

Para dar um nome a esse representante da bacia, considerado um peixe nobre, lutador e bravio pela população ribeirinha, em junho deste ano o Comitê realizou uma votação popular nas redes sociais. Piraju foi o nome escolhido pele público, que significa peixe amarelo/dourado em tupi. Segundo Edinilson dos Santos, presidente da CTECOM, mais do que reforçar a marca, despertar o lado lúdico nas crianças, o objetivo de criar um símbolo para a bacia é atingir uma população que convive diariamente com o rio. “Ter um mascote é dar um caráter mais pessoal. O peixe, que antes era uma espécie qualquer, agora é o dourado, um símbolo do Rio das Velhas. Mais do que isso, ele passa a ser uma personagem que integra uma série de materiais de comunicação, promovendo um estreitamento do Comitê com a comunidade, como são os mascotes dos times de futebol”, explica Edinilson.

Para a Vilma, que sabe da importância do dourado para os pescadores, a escolha da espécie para representar a bacia foi uma ótima ideia. “Ele é perfeito, muito bonito, considerado o rei”

Edinilson dos Santos, presidente da CTECOM, vê o mascote como oportunidade para estreitar laços com a comunidade. Clermont Cintra
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Sustentabilidade

Bianca Aun
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Gestando passivos

Ameaça de assoreamento lança dúvidas sobre viabilidade de represas e barramentos – na bacia do Velhas, em Minas e no Brasil

Membro do Subcomitê Rio Paraúna, Frank de Carvalho teme que novo barramento no curso d’água tenha fatalmente vida curta, em razão do assoreamento.

Abaixo, equipe da expedição em visita aos cânions do Rio Paraúna.

Era fim de outono na bacia do Rio Paraúna. Em meio ao clima frio e seco, um grupo de ambientalistas se aventurava por entre o Cerrado para visitar os cânions deste que é um dos mais importantes afluentes do Rio das Velhas. Porta para o Sertão.

A caminhada começa no município de Gouveia. Ali, o Paraúna é vistoso, robusto – embora já visivelmente afetado pelo assoreamento e pelo esgoto que recebe in natura da pequena Gouveia. Sinais mais bem observados durante a estiagem. Apenas nove quilômetros rio abaixo, receberá as águas límpidas do Rio Cipó.

O Cerrado é tanto belo – como extensão natural do “Jardim do Brasil”, expressão cunhada pelo paisagista Burle Marx em referência à vizinha Serra do Cipó – como espinhoso e imponente ao caminhante. Num trecho não maior do que 16km percorridos, pegadas de animais selvagens são vistas a todo o momento: antas, felinos e canídeos.

A expedição organizada em junho de 2022 por representantes do Subcomitê Rio Paraúna, vinculado ao CBH Rio das Velhas, e pela ONG Caminhos da Serra pode ter sido uma das últimas pelo local singular. Isso porque tramita na Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) o licenciamento ambiental do Complexo Hidrelétrico Quartéis, que prevê a construção de três Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) na calha do Rio Paraúna.

Programadas para um trecho de 13km, as PCHs – Quartel I, Quartel II e Quartel III – têm previsão de potência total de 81MW, conforme o RIMA (Relatório de Impacto Ambiental) desenvolvido pelo empreendedor, a Quebec Engenharia. A pegada no ambiente que um empreendimento desse porte deixaria é temida. “Em PCHs geralmente a geração de energia se dá a partir do fio d’água. O acúmulo de água no barramento é pequeno e a geração se dá em datas específicas do ano, quando se tem uma maior vazão”, explica Frank Alison de Carvalho, membro do Subcomitê Rio Paraúna. “Mas, para viabilizar um empreendimento desse porte, alguns impactos são característicos, em especial, inicialmente a abertura de acessos e frentes de trabalho para implantação do barramento em uma área peculiar e especial da Serra do Espinhaço”, adverte.

Fernando Piancastelli
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Suscetibilidade erosiva X barramentos

Em 2017, o engenheiro ambiental Leandro Durães desenvolveu o estudo ‘Diagnóstico Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Paraúna’, como embasamento para a proposição de projetos conservacionistas futuros. O documento é claro em apontar que os solos da bacia possuem elevado grau de suscetibilidade erosiva e que o impacto do assoreamento nos cursos d’água tornou-se um dos aspectos de maior relevância negativa do ponto de vista ambiental na região. “Essa situação é especialmente crítica para a preservação da vida aquática e representa risco de diminuição ainda maior do volume de água presente nos rios”, atesta o Diagnóstico.

Por esse motivo, uma das principais preocupações da sociedade civil e do Subcomitê Rio Paraúna é que os três barramentos do Complexo Hidrelétrico Quartéis tenham vida útil curta em razão do esperado assoreamento e sejam, muito em breve, apenas novos passivos ambientais.

A maior referência que chancela essa preocupação está a apenas 2km – de jusante para montante – do que seria o terceiro barramento do Complexo Quartéis: a PCH Paraúna, operada pela Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), em grande parte já totalmente assoreada.

“A partir do momento em que se barra o curso d’água, a gente passa de um ambiente que anteriormente era lótico, ou seja, de alta velocidade, e promove um ambiente lêntico. Em consequência, pela característica da nossa bacia de geração de sólidos, há a possibilidade de decantação desses sólidos dentro dessas barragens. A partir de então, nós teremos uma concentração desses sólidos, vindo a ter a mesma característica que a gente vê na PCH da Cemig. As características que nós estamos vendo lá nós vamos ver a montante nessas outras aqui”, explica Frank, que também é especialista em avaliação de impactos ambientais e carrega a experiência de ter trabalhado por nove anos na Supram (Superintendência Regional de Meio Ambiente).

Expedição organizada pelo Subcomitê Rio Paraúna e ONG Caminhos da Serra percorreu os 13km onde se pretende alagar para a construção das três PCHs.
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Opinião semelhante é compartilhada pelo professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e de Recursos Hídricos da Escola de Engenharia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Julian Cardoso Eleutério. Ele explica que os cursos d’água naturais têm uma busca permanente por um equilíbrio sedimentológico. “Há sempre produção de sedimentos no próprio leito fluvial, carreamento de sedimentos, processos erosivos e deposição de sedimentos em zonas alternadas de maiores e menores velocidades. Qualquer intervenção que a gente faz, a gente perturba esse equilíbrio. E o barramento não vai ser diferente de outras singularidades hidráulicas; pelo contrário. Com baixíssimas velocidades, altas taxas de sedimentação e retenção de todo esse sedimento, isso tende a causar um desequilíbrio no que tange ao equilíbrio morfológico e sedimentológico do curso d’água”.

Solos da bacia do Rio Paraúna possuem elevado grau de suscetibilidade erosiva. Impacto do assoreamento é hoje um dos aspectos de maior relevância negativa do ponto de vista ambiental na região.

Para o professor da UFMG, o estudo da bacia hidrográfica no contexto em que será implementado o barramento tem que ser muito bem definido. “De nada adianta a gente ter um barramento num determinado curso d’água, para geração de energia elétrica por exemplo, em uma bacia que vai ser grande produtora de sedimento, no sentido que pode ter muito sedimento que vai ser carreado para o curso d’água e, consequentemente, comprometer a produção de energia”.

Procurada, a Quebec Engenharia não se manifestou sobre a vida útil do barramento e sobre ações que poderiam mitigar o assoreamento.

Fernando Piancastelli
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A calha do Rio das Velhas entre a represa de Rio de Pedras e o encontro com o Rio Itabirito é caracterizada por águas ainda de boa qualidade, inúmeras corredeiras e mata ciliar bastante preservada, se tornando o melhor trecho para a prática da canoagem em todo o rio. Com um maciço expressivo de mata atlântica e repleto de trilhas e caminhos, a região se mostra ideal para a prática de caminhada, bicicleta e cavalgada. Tudo isso a 65 km ou cerca de 1 hora de Belo Horizonte.

Fernando Piancastelli
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Barrando o Rio das Velhas

Era fim de inverno no Alto Rio das Velhas. A vegetação resiliente anuncia que a primavera não demora. O frio já se foi, mas as primeiras chuvas ainda não caíram. Costumeiramente a vazão ali é baixa nessa época do ano. Ainda assim, outro grupo de ambientalistas descia o Rio das Velhas a caiaque.

O trecho é tido como ideal por praticantes da modalidade: água de qualidade – já que anterior ao aporte do Rio Itabirito, primeiro afluente de grande porte do Velhas –, mata ciliar robusta e bem preservada, muitas corredeiras e um visual único.

Assim como na Expedição promovida no Rio Paraúna, poucos meses antes, o trecho percorrido a caiaque no Alto Velhas pode também desaparecer. Isso porque também ali pode ser construído um barramento, para fins de reservação de água.

A intenção resulta do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) Segurança Hídrica, que deriva do acordo firmado entre o governo de Minas Gerais, a mineradora Vale e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) para reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de rejeitos da empresa em 2019, em Brumadinho – que, além de matar 270 pessoas (quatro continuam desaparecidas), interrompeu a captação de água no Rio Paraopeba e sobrecarregou o Velhas na missão de abastecer a Grande BH.

O TAC prevê que a Vale custeie e execute estudos de viabilidade técnico-ambiental e projetos básicos de engenharia de cinco obras estruturantes que garantam o atendimento à demanda hídrica atual da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), correspondente a 15 mil litros por segundo. Uma delas seria justamente a nova captação a fio d’água, adutora e reservação na região denominada “Ponte de Arame do Rio das Velhas”, garantindo a vazão mínima prevista de 2 mil l/s e de operação necessária durante períodos secos.

Quem neste dia desceu o rio a caiaque já havia percorrido esse mesmo trecho outras inúmeras vezes – inclusive durante as expedições promovidas pelo Projeto Manuelzão e CBH Rio das Velhas, em 2003, 2009 e 2017. Era Ronald de Carvalho Guerra, o Roninho, membro do CBH e Subcomitês Nascentes e Rio Itabirito.

“A proposta de barramento ocorre justamente numa região única do Rio das Velhas; um cânion encaixado, com várias cachoeiras, uma beleza cênica muito grande que poderia ser mais bem aproveitada como atividade turística. O mais importante ali era se ter uma unidade de conservação, um parque linear amplo interligando todas as unidades que há no entorno, garantindo mais proteção para as áreas de preservação permanentes (APPs). Trabalhar a região de uma forma voltada para o turismo e para a preservação do patrimônio natural”, afirma.

Canoístas com larga experiência no Rio das Velhas, Ronald de Carvalho (esq.) e Rodrigo de Angelis (dir.) enaltecem potencial turístico do trecho.

Fernando Piancastelli Marcelo Andrê
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Assoreamento aqui também

A nova represa no Velhas estaria imediatamente depois – a jusante – de outro barramento, até então único na calha do rio: da PCH Rio de Pedras, operada pela Cemig. E por que este não cumpre o papel de armazenar água e contribuir para a segurança hídrica da RMBH, estando já consolidado em um ponto extremamente estratégico? Sim, por estar em estado avançado de assoreamento.

Mesmo antes da tragédia de Brumadinho, o CBH Rio das Velhas, especialmente a partir de seu Grupo Gestor de Vazão do Alto Rio das Velhas (Convazão), já provocava o Governo do Estado, a Cemig e a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) para a necessidade de desassoreamento da represa. “São anos de discussões sobre o processo de desassoreamento de Rio de Pedras, mas são recursos vultuosos e isso nunca é dado como prioridade [pelo poder público]. Para mim, isso deveria partir de uma parceria entre Cemig, Copasa e mineradoras do entorno, mas a gente vê que isso nunca vai adiante. Então, o desafio é muito grande”, afirma Ronald.

De fato, o desassoreamento da represa é tido por estado e Cemig como inviável do ponto de vista econômico, em razão do material ali depositado e a logística necessária para retirá-lo.

Ponte de Arame está imediatamente a montante do encontro do Rio Itabirito com o Rio das Velhas.

Se o desassoreamento de uma represa já instalada é considerado inviável a ponto de motivar a construção de um novo barramento pouco adiante, minimizar a entrada de sedimentos passa a se tornar ainda mais vital. “Se a gente não quer que tenha sedimento num reservatório, a gente tem que atuar em escala de bacia e reduzir a quantidade de sedimento que chega no curso d’água. É necessário então preservação de mata ciliar e o emprego de diferentes técnicas em escala de bacia, em função do tipo de ocupação do solo, para evitar com que esse sedimento chegue no leito fluvial”, afirma o professor da UFMG, Julian Cardoso Eleutério.

Novo barramento pode ser construido em cânion encaixado do Rio das Velhas, com muitos hectares de mata atlântica preservada.

A sub-bacia do Ribeirão Maracujá é tida por especialistas como a maior responsável pelos sedimentos que chegam a Rio de Pedras. Além das voçorocas, uma das maiores do Brasil, a mineração na região dos distritos ouropretanos de Cachoeira do Campo e Santo Antônio do Leite transformaram a serra onde nasce o rio em um buraco de argila roxa para arrancar os cristais raros de topázio imperial. Todo esse passivo tem assoreado gravemente o leito do Ribeirão Maracujá e, mais à frente, a represa de Rio de Pedras.

Fernando Piancastelli
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Com voçorocas gigantes e mineração de topázio imperial na região da nascente, sub-bacia do Ribeirão Maracujá é a que mais contribui para o assoreamento da PCH Rio de Pedras, em Itabirito.

Não parece, mas é um barramento de água: imagem aérea mostra como o assoreamento reduziu área útil da represa da PCH Rio de Pedras.

História que se repetirá?

Indagada sobre o que garantiria que o reservatório de “Ponte de Arame do Rio das Velhas” não se assorearia no curto/ médio prazo, a Copasa informou que foi “realizado o estudo de viabilidade do barramento, porém ainda não foi concluído o projeto básico”. A empresa declara que ambos os documentos “levam em conta fatores hidrológicos e de carreamento de sedimentos nas modelagens realizadas avaliando a vida útil do empreendimento bem como os riscos de falha associados. Sendo que na avaliação do volume morto (ou reserva estratégica) foram utilizados dados de monitoramento sedimentológico da bacia de contribuição da PCH Rio de Pedras, incluindo informações do Rio Maracujá e outras vertentes”.

A Copasa destaca também que atua na bacia do Rio das Velhas com o Programa Pró-Mananciais, que tem “como objetivo implantar ações que visam garantir a qualidade e quantidade do manancial”.

Objeto de atenção antiga do CBH Rio das Velhas, o território do Rio Maracujá é também uma das quatro microbacias afluentes que receberão recursos do Programa de Conservação e Produção de Água da Bacia do Rio das Velhas. A iniciativa consiste no desenvolvimento e na execução de ações com o objetivo de maximizar o potencial de produção de água de sub-bacias hidrográficas, a partir do planejamento e da execução de Soluções baseadas na Natureza (SbN).

Léo Boi
Assista aos vídeos e veja mais fotografias das regiões na matéria on-line: bit.ly/gestando-passivos
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Justiça ambiental

Clermont Cintra
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Direitos da natureza: uma jornada contra o fim do mundo

Uma ética biocêntrica quer revolucionar a ciência jurídica em defesa da vida

Em todo canto do globo, iniciativas na área jurídica tentam, há tempos, legitimar a Natureza como sujeito de direitos, capaz de acionar judicialmente quem se atreva a destruí-la.

Especialistas na área são categóricos. “A modernidade se construiu a partir do princípio de que o homem é o centro e tudo o mais é objeto. Se olharmos para a América Latina, a colonização é prova disso. Tudo que foi construído era na lógica de um direito europeu. Fora dela nada fazia sentido”, explica a doutora em Direito e professora de Direitos Humanos e Políticas Públicas da Escola Superior Dom Helder Câmara, Mariza Rios.

Não deve ser por acaso que o avanço do tema no terreno legal ganha relevo justamente na América Latina. O Equador é a nação pioneira em reconhecer os Diretos da Natureza, em 2008, com o artigo 71 da Constituição: “A natureza ou Pachamama [a Mãe Terra, em quéchua] (...) tem direito a que se respeite integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos”, tendo “qualquer pessoa, comunidade, povo ou nacionalidade a legitimidade para exigir das autoridades públicas o cumprimento dos direitos da natureza”.

Na Bolívia, a mudança veio um ano depois, com o princípio da interdependência e da complementariedade dos componentes da “Mãe Terra”, sendo necessária sua observância para que se respeite o equilíbrio de reprodução dos processos vitais para a continuação dos ciclos.

Em 2022, foi a vez de o Chile ingressar no clube. O artigo 9º da Constituição chilena reconhece que “os indivíduos e os povos são interdependentes com a Natureza e formam um todo inseparável”, e afirma que “a natureza tem direitos e que o Estado e a sociedade têm o dever de protegê-los e respeitá-los”.

Também professor da Dom Helder, o doutor em Direito Humberto Macedo avalia que o mundo ainda vive um panorama antropocêntrico, cenário no qual o direito da natureza como arco principal do ordenamento é muito incipiente. “É uma empreitada civilizatória. Como disse Raul [Seixas], precisamos de uma metamorfose ambulante, transformar o ser humano em meio, não mais em fim. Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável não são sinônimos, são opostos. Como usar da natureza em prol do desenvolvimento? Esse caminho deu errado”.

Para os professores Mariza Rios e Humberto Macedo, Direito Ambiental pode garantir a efetividade de um direito dos ecossistemas à vida.

Em 2009, Bolívia promulgou lei visando equilibrar a possa da terra e garantir direitos à natureza. ShutterStock Bianca Aun
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O antropoceno

Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista e escritor, acaba de chegar a Itabirinha, cidade mineira na divisa com o Espírito Santo, onde fica a reserva Krenak. Foi visitar os Yanomami, vitimados pelo garimpo. Com gripe e corpo ruim, doía-lhe mais a alma.

Para ele, o esforço de afirmar os Direitos da Natureza é “uma resposta de parte do pensamento científico e jurídico ao desastre iminente que estamos vivendo no antropoceno [termo popularizado pelo químico holandês Paul Crutzen para designar uma nova época geológica marcada pelo impacto do homem na Terra], mas a razão ocidental acha ridículo atribuir direitos à natureza. Para eles, o sujeito de direitos é homem branco rico, o direito proprietário”.

O líder indígena é caudaloso: “É uma metástase imbecil achar que o planeta é algo que a gente recebeu de presente para comer, feito um panetone. Essa é a mente que governa o mundo. Apesar de todo o aparente avanço da ciência, o senso comum está na Idade Média e são capazes de dizer que a Terra é plana”.

Cético, lembra que, nos anos 1980, o relatório Brundtland [desenvolvido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento] concluía: “ou [o ser humano] pararia [com aquele modo de explorar o mundo] ou não daria mais tempo. Na Eco-92, disseram: ‘se não parar tudo até 2025, não daria tempo’, e já estamos em 2022 e não paramos. Pelo contrário, aceleramos o consumo. Todo mundo consumindo tudo, essa a felicidade geral da nação, a universalização do capitalismo, um shopping center em cada cidade”.

O ambientalista vê a catástrofe logo ali. Todavia, resiste: “Estou vivo e não vou me render. Não tenho a ilusão de que vamos nos salvar, mas a gente precisa pelo menos adiar o fim do mundo”.

Perto de casa

A professora Mariza acredita que “o mais importante é o esforço dos movimentos sociais na esfera municipal, que historicamente não têm grande destaque. A Constituição Municipal é mais próxima da gente. Em três cidades –Paudalho e Bonito, em Pernambuco, e Florianópolis (SC) –, o tema [direitos da natureza] já está presente no Plano Diretor”.

Nem é preciso ir tão longe. “Em Raposos, a população se colocou como guardiã do rio”, explica a professora, em referência à lei de iniciativa popular que proíbe a instalação e operação de barragens destinadas à disposição final ou temporária de rejeitos de mineração no município do Alto Rio das Velhas.

Essa inclusão, reflete, “reafirma o protagonismo da luta social que está perto das pessoas. O processo está vindo de baixo, dos municípios”. Que a Pachamama a ouça.

Para Ailton Krenak, o Ocidente ainda vê o sujeito de direitos apenas como “homem branco rico, o direito proprietário”. Articulada por Subcomitê Águas do Gandarela, lei de iniciativa popular impede Barragem de Rejeitos em Raposos, no Alto Rio das Velhas. Neto Gonçalves Bianca Aun
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Linha do tempo

Dentre os primeiros movimentos a reclamar direitos à natureza, foi de grande repercussão o caso Sierra Club versus Morton, contra a construção de um resort de esqui nas montanhas de Sierra Nevada, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1972. Embora derrotada, a causa ambiental recebeu três votos em sete, um deles com a histórica sustentação do juiz William O. Douglas, que afirmava a natureza como titular de direitos e, portanto, apta a postulá-los em juízo.

Em março de 2011, a natureza “em pessoa” foi admitida nos tribunais pela primeira vez, como parte em um processo. A Corte Provincial de Justiça da cidade de Loja, no sul do Equador, reconheceu o Rio Vilcabamba como detentor de valor próprio, sujeito de direito, cujo ecossistema foi prejudicado por entulhos produzidos pela construção de uma estrada.

A luta dos Maori, na Nova Zelândia, resultou em decisão judicial e posterior acordo entre o Estado e as tribos, em 2014, convertido em lei em 2017, admitindo o Rio Whanganui como sujeito de direitos e garantindo-lhe personalidade jurídica, incluídos todos os ecossistemas aquáticos associados ao rio.

Outro precedente importante vem da Austrália: a lei, promulgada em 2017, que reconheceu legalmente o Rio Yarra como entidade viva e indivisível.

Rio Whanganui, na Nova Zelândia, foi admitido como sujeito de direitos em 2017.

Brasil

A Constituição Brasileira não cita expressamente os direitos da natureza, mas é repleta de dispositivos sobre preservação ambiental. Baseado neles, o Ministério Público federal ajuizou Ação Civil Pública em Belém, Pará, no ano de 2011, exigindo a suspensão das obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A ação versava sobre os “impactos irreversíveis do empreendimento sobre todo o ecossistema da Volta Grande do Xingu”, sobre “o risco de remoção dos índios das etnias Arara e Juruna e demais moradores da Volta Grande” e sobre “a violação do direito das futuras gerações; sobre o direito da Natureza; e sobre a Volta Grande do Xingu como sujeito de direito”.

Outra ação que ganhou espaço na mídia é de 2017 e foi movida pela associação gaúcha denominada Pachamama, em nome da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, por conta do rompimento, em 2015, da Barragem de Fundão, em Mariana.

Em ação inédita no Brasil, Rio Doce, representado por ONG, acionou Justiça por direitos contra tragédia provocada por rompimento de barragem, em 2015.

Leonardo Merçon Amazing
zone 27

Inundar a política com a pauta das águas

O espírito que trouxe mais proteção aos rios nos primeiros anos deste século precisa voltar a reencarnar o tema na agenda pública

Política 28

Recue no tempo fugazes 15 anos. Estamos em 2007, em Baldim, quando “não dava para chegar perto do rio por causa do mau cheiro. Só via peixe morrer”. O depoimento, dado apenas dois anos depois ao jornal O Estado de São Paulo por João Pereira, pescador por gosto, registrava a guinada brusca: “Agora encontro dourado e curimatã.”

Em setembro de 2010, um dourado de 13 quilos foi pescado em Santo Hipólito, de porte como há muito não se via. Mais sete anos e a terceira expedição no Rio das Velhas testemunharia o salto de um dourado de estimados cinco quilos, bem ali entre Nova Lima e Rio Acima, a 50 km da nascente.

Que mudanças profundas permitiram a volta dos peixes, esses infalíveis bioindicadores de qualidade da água e, por tabela, também da vida e da saúde dos humanos, ao maior afluente do São Francisco?

Clermont Cintra
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Lucas Nishimoto

Cuidar das águas

Na virada de século, milhares de litros de esgoto doméstico e da indústria continuavam caindo todo segundo nos dois principais afluentes do Velhas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), os Ribeirões Arrudas e Onça.

A história começa a mudar com a construção, em 2001, da Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) do Ribeirão Arrudas. “A ETE Arrudas foi mais fruto de decisão do governo Itamar [Franco, então governador] e de uma negociação muito forte com a Prefeitura de BH”, lembra Rogério Sepúlveda, que presidiu o CBH Rio das Velhas de 2010 a 2013, pelo Projeto Manuelzão, hoje engenheiro da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais).

Outros passos largos seriam dados em sequência, com a introdução do tratamento secundário da ETE Arrudas em 2002 e, principalmente, com a inauguração da ETE Onça, em fevereiro de 2006.

Ligando as pontas desse emaranhado, opera a mobilização social. Segundo Sepúlveda, o movimento do Projeto Manuelzão, nascido na Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em 1997, “em direção à gestão das águas e ao Comitê de Bacia Hidrográfica [CBH Rio das Velhas, criado um ano depois], unindo saúde humana e a questão hídrica, levando o internato rural e trazendo os municípios para o tema” criou o ambiente propício para que a pauta da recuperação do rio ganhasse espaço. “A ETE Onça é resultado dessa mobilização”, diz Sepúlveda, um dos organizadores da expedição que percorreu toda a extensão do Rio das Velhas em setembro de 2003 e acendeu a consciência hidroambiental por onde passou.

Em 13 de outubro, a carreata de encerramento da jornada fora recebida com entusiasmo pela população da capital. Entregue ao prefeito e ao governador, a Carta da Expedição propôs a Meta 2010 – “Navegar, Pescar e Nadar no Rio das Velhas” em seu trecho mais poluído, que acabou assumida pelo governo de Minas em 2004 e transformada em Programa Estruturador.

Mobilizações sociais do Projeto Manuelzão, como as Expedições pelas águas do Rio das Velhas, envolveram a sociedade e inseriram a revitalização na agenda política.

Construção das Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) dos Ribeirões Arrudas e Onça é resultado direto da mobilização por mais e melhores águas no Velhas.

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Bianca Aun
marcelo Andrê
marcelo Andrê

Os dias de hoje

Quase 20 anos após a primeira expedição, o balanço da carroça não ajeitou as abóboras. Quem reconhece é o presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputado Agostinho Patrus (PSD): “Nos últimos anos, houve um preocupante processo de degradação da qualidade das águas e de desmazelo quanto à preservação da bacia do Rio das Velhas”.

O deputado reflete sobre o passo tímido rumo aos 100% da Meta 2010, renovada em 2014 e ainda hoje a nos mirar do horizonte: “A bacia abrange mais de 50 cidades e quase 30 mil km². Há inúmeras divergências entre leis e normas, impasses surgem quando legislações locais se chocam com o Código Florestal, sendo necessária muitas vezes a intermediação do Poder Judiciário”.

Segundo Diogo de Castro, analista legislativo do Observatório de Leis Ambientais (Lei.A – Conhecimento e Ação pelo Meio Ambiente), “o que a gente observa é que há uma relação direta entre a ameaça de desabastecimento e o número de iniciativas legislativas que são deixadas de lado ao primeiro sinal de que o pior já passou”.

Mesmo com grande parte do esgoto do Ribeirão Arrudas sendo coletado e tratado, manancial continua a ser um dos principais focos de impacto que recaem no Rio das Velhas.

Presidente da ALMG, deputado Agostinho Patrus reconhece que os esforços pela recuperação do Rio das Velhas perderam status no meio político na última década.
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Léo Boi Vitor Oliveira

Municípios

Poliana Valgas, presidenta do CBH Rio das Velhas, avalia: “Ainda é muito tímida a participação dos municípios. Embora o CBH tenha muitos programas e ações, e tudo aconteça no território municipal, é preciso trazer as prefeituras para a gestão com o olhar para a questão hídrica. Muitos planos diretores não conversam com o tema. Só vamos conseguir avançar se unirmos esforços”.

O presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Marcos Vinícius Bizarro, concorda: “Precisamos fortalecer as agendas em nível municipal, conscientizando o Poder Executivo e a população, mas o principal desafio é financeiro. O saneamento básico, de extrema importância, requer altos recursos financeiros. Os municípios, sozinhos, não têm condições de arcar com os programas”.

Da Câmara de Belo Horizonte vem um exemplo de que é possível agir mesmo com escasso poder de legislar sobre a matéria. Duda Salabert, vereadora do PDT, ressalta o “trabalho ativo na formação sobre os impactos da mineração” e a atuação que inclui “visitas técnicas e escuta de comunidades atingidas”. Para Duda, “é um tema urgente que deveria ser colocado na centralidade de todos os mandatos desta e de todas as cidades de Minas Gerais”.

Representante do segmento municipal no CBH, a presidenta Poliana Valgas cobra maior envolvimento das prefeituras na gestão hídrica.

Para a vereadora de BH, Duda Salabert, a luta por um ambiente equilibrado e sadio deve estar na centralidade de todo mandato político.

Vintém por vintém

A Copasa, empresa estadual de saneamento, garante ter investido mais de R$ 680 milhões de 2018 a 2022 somente na bacia do Rio das Velhas. No entanto, dos 44 municípios com sedes urbanas dentro dos limites da bacia, apenas 21 tem ETEs em funcionamento, ou 47,7%. Mesmo onde o primeiro olhar inspira alívio – casos, para citar alguns, de Nova Lima e Lagoa Santa, com tratamento de 100% do esgoto coletado –, nada é o que parece. Nova Lima tem ralos 22% de domicílios atendidos por coleta e, Lagoa Santa, menos da metade.

Solicitado pelo CBH a analisar os números do setor, o Instituto Trata Brasil (ITB) afirma: “os investimentos nos últimos anos estão muito aquém do necessário para cumprir as metas de universalização”. Conforme o ITB, “os investimentos em água e esgoto ficaram em R$ 15 bilhões em 2020, enquanto o ideal seria triplicar esse valor”.

Copasa diz ter investido mais de R$ 680 milhões na bacia do Velhas, entre 2018 e 2022. Instituto Trata Brasil considera números “aquém do necessário”.

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Bianca Aun Lucas Ávila Robson Oliveira

Depressa com o andar

Renato Constâncio, engenheiro da Cemig e vice-presidente do CBH, integra ainda o Convazão (Grupo Gestor de Vazão do Alto Rio das Velhas), coletivo encarregado de pensar soluções para a segurança hídrica da RMBH e, por isso mesmo, boa balança do peso que de fato se dá à proteção das águas.

“Precisamos de mais pressa”, diz Constâncio. “O Comitê tem que ser ‘chato’, provocar essa pauta permanentemente, pois a insegurança hídrica já bateu à porta e entrou. Precisamos sensibilizar as autoridades, as lideranças políticas. O único fio de esperança veio da Meta 2010, dessa tradição de mobilizar e obter resultados”.

Vice-presidente do CBH Rio das Velhas, Renato Constâncio enaltece o papel da entidade em sensibilizar as autoridades, especialmente em meio ao contexto de insegurança hídrica vivido.

A voz do dono

Ex-presidente do Comitê, Rogério Sepúlveda crê que a mudança deve vir da base.

Rogério Sepúlveda, com a experiência de quem esteve à frente da mobilização social do CBH, não mede palavras: “É preciso remodelar tudo, fazer a verdadeira gestão das águas, não fingir que faz. Enfrentar os conflitos, a discussão da mineração. Assumir que o sistema de recursos hídricos está falido”.

“A sociedade tem que se representar de fato, pois hoje o parlamento joga contra o povo”, cutuca Sepúlveda, que segue: “O CBH faz coisas muito boas, mas ainda é muito pouco perto do necessário”. E receita: “Tem que investir para que a população cuide de seus territórios”.

Para Diogo de Castro, do Lei. A, “a mobilização em torno das Serras da Moeda e do Curral, como também no caso da cervejaria que pretendia se instalar sobre o Carste de Lagoa Santa, mostra que a sociedade tem os meios de se fazer ouvir”.

Secretário do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, em audiência pública na ALMG sobre a revitalização dos rios de Minas.
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Michelle Parron Ohana Padilha Ohana Padilha

Entrevista

Divulgação GloboJoão Cotta
Âncora
e comentarista de alguns
dos
mais
significativos
telejornais
da TV Globo
e
GloboNews,
André
Trigueiro é
hoje uma das
principais vozes do
meio
ambiente no Brasil.
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Vitrine de soluções

Principal referência no Jornalismo Ambiental brasileiro, André Trigueiro fala à Revista Velhas sobre os desafios da comunicação em meio à crise climática e ao florescer do negacionismo

Por Luiz Ribeiro Nascido em 1966, no Rio de Janeiro, André Trigueiro Mendes é um dos poucos jornalistas especializados em meio ambiente e desenvolvimento sustentável na televisão brasileira. Até chegar a esse ponto, o caminho foi longo.

Começou a carreira como repórter de rádio antes de entrar na Rede Globo, em 1993. Fez parte da primeira equipe da GloboNews, onde apresentou o principal telejornal do canal de notícias durante 16 anos.

Pós-graduado em Gestão Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) onde leciona a disciplina ‘Geopolítica Ambiental’, Trigueiro é professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-Rio. Ainda assim, garante: “Não sou jornalista ambiental, sou jornalista. E, como jornalista, os assuntos do meio ambiente não podem estar fora do meu radar”. Desde 2006, é editor-chefe e apresentador do programa Cidades e Soluções, onde produz, roteiriza e apresenta pautas relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Por 15 anos trabalhou na Rádio CBN como comentarista de sustentabilidade e, em 2012, aceitou o convite para ser o primeiro colunista sobre o tema do Jornal da Globo, onde apresentou o quadro “Sustentável” por três anos. Trigueiro é também âncora substituto do principal noticiário da televisão brasileira: o Jornal Nacional.

Conferencista espírita, realiza palestras sobre meio ambiente e bem-estar, e é colaborador voluntário das rádios espíritas Rio de Janeiro (RJ) e Boa Nova (SP). Ele garante que sustentabilidade e espiritualidade têm tudo a ver. “Quando o ambientalista defende o fim da poluição do ar, das águas e da terra, e que precisamos proteger a ‘nossa casa comum’, esse também é o discurso místico religioso”.

É autor dos livros “Cidades e Soluções – Como construir uma sociedade sustentável” (Ed. Leya, 2017), “Mundo Sustentável –Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Ed. Globo, 2005), “Espiritismo e Ecologia” (Ed. FEB, 2009), “Viver é a Melhor Opção – A prevenção do suicídio no Brasil e no Mundo” (Ed. Correio Fraterno, 2015), dentre outros.

Nesta entrevista exclusiva à Revista Velhas, André Trigueiro fala também sobre múltiplos impactos nas bacias hidrográficas do país, a responsabilidade dos Comitês em cada território, o negacionismo que impulsionou a desinformação e o analfabetismo ambiental no Brasil e no mundo – e o papel da imprensa em todo esse contexto. “Não é possível admitir que o jornalismo no século XXI ignore a urgência dos temas ambientais. Temos o desafio de não apenas informar, mas ser vitrine de soluções”, afirma.

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Nos últimos anos a gente observou, no Brasil e no mundo, que o negacionismo floresceu até mesmo em meio a uma pandemia real, com pessoas morrendo às centenas/milhares todos os dias. Como fazer para as pessoas acreditarem na calamidade climática, que tem projeções mais severas de médio e longo prazo?

O negacionismo antecede o período da pandemia em que o movimento antivacina, pelas redes sociais, ganhou popularidade. Para o bem ou para o mal, as redes sociais turbinam narrativas, histórias, versões, que no campo do negacionismo encontram vítimas, que não se dão ao trabalho de checar ou apurar a mesma informação em outras fontes. Esse é um fenômeno, portanto, da comunicação nos dias de hoje. A ciência climática, por sua vez, é complexa, porque estamos falando de um sistema que procura explicar um fenômeno que não é linear e que é composto por inúmeras variáveis. Então, o primeiro desafio é, de alguma maneira, traduzir de forma clara e objetiva o que está acontecendo e, principalmente, o senso de urgência das providências que precisam ser tomadas. E aí há que se ter um cuidado, porque quando você faz soar as trombetas do apocalipse, quando a gente mostra um cenário catastrófico que está prestes a acontecer, isso pode dar efeito contrário no sentido da desmobilização do cidadão comum, da sociedade de uma forma geral – posto que não há o que fazer, posto que o aquecimento global já é, posto que a tarefa agora é reduzir danos futuros.

Temos, portanto, o desafio de não apenas informar, mas ser vitrine de soluções que consigam a um só tempo gerar a nobre expectativa de redução do impacto climático e o desarme da bomba relógio do clima no mundo, mas gerando outros benefícios, que sejam emprego e renda, que sejam linhas de crédito e financiamento facilitadas para quem adere a uma economia de baixo carbono, seja uma visão de desenvolvimento que traga como eixo das políticas públicas tudo o que vá na direção da mitigação e da adaptação.

Você é professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-Rio. Qual o papel do jornalismo ambiental na sociedade atual?

Não é possível admitir que o jornalismo no século XXI ignore a urgência dos temas ambientais. O jornalista é um contador de histórias. As pautas – ou seja, os assuntos tratados pelos jornalistas – pressupõem o factual como ponto de partida; o noticiário é pautado pelo assunto do momento. Não é possível nós hoje ignorarmos como pauta a crise climática que traz os eventos climáticos extremos, a mudança do ciclo da chuva, os dados sobre perdas progressivas para a economia, a destruição da biodiversidade e suas consequências para nossa qualidade de vida, a produção monumental de lixo que traz inúmeras consequências nefastas para a saúde e para o meio ambiente –entre as quais a produção de microplástico que já está presente na placenta, na corrente sanguínea e no pulmão do ser humano. O jornalismo precisa reportar um problema que, ao mesmo tempo, é ambiental, é de saúde e é gravíssimo.

“Onde se tem planejamento a partir da definição das prioridades de um Comitê de Bacia, há rotas de prioridades e de investimento”

Não podemos replicar no jornalismo o analfabetismo ambiental que abre espaço na mídia para aquilo que seria descartável, desimportante e supérfluo. Nós precisamos entender numa escala de valores o que é notícia. A função social do jornalismo, penso eu, se resume em duas asas: uma das asas, para a gente voar na direção certa, é denunciar o que está errado, é uma função fiscalizatória que às vezes se confunde com o trabalho do policial ou do Ministério Público – portanto tem um lado do jornalismo que é esse que vai descobrir, vai reverberar corrupção, desvio de verba pública, crimes tipificados no código penal, tudo o que está no caminho contrário ao bem-estar da saúde e a legalidade que rege as interações sociais no país. A outra asa é sinalizar rumo e perspectiva, mostrar o que dá certo, ser vitrine de soluções, inspirar o mundo. É a boia dos afogados, é a mídia inspiradora. Ela aponta caminhos, é espelho de quem na sociedade pode ser considerado um exemplo. É assim que eu penso a minha função no tempo em que nós existimos hoje.

Léo Boi Divulgação Globo
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E como você avalia o papel da grande imprensa na cobertura de temas ambientais, seja durante as tragédias ou mesmo em momentos de crises menos aparentes?

Nesse tempo que eu venho trabalhando como jornalista – e eu não sou jornalista ambiental, sou jornalista; e, como jornalista, os assuntos do meio ambiente não podem estar fora do meu radar – houve, na minha opinião, uma brutal evolução no espaço do noticiário para os temas ambientais, porque não é mais possível ignorar a necessidade de enfrentamento das causas que provocam essas crises. Eu vou te dar um exemplo: o jornal britânico The Guardian, há quase três anos, definiu uma nova linha editorial em que eles não usariam mais a nomenclatura mudança climática [climate change], porque eles achavam muito aquém do sentido de crise que esse termo precisa trazer. Eles preferiram crise climática ou emergência climática – que é aquela que o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] usa para descrever esse fenômeno – no entendimento de que, assim, comunicaria com mais precisão aos leitores do que se trata. É evidente que a crise, ou as tragédias, os desastres, vão se impor com muito mais facilidade na cobertura porque não há opção; o papel do jornalista sempre será o de mostrar o “olha, tivemos aqui derramamento de óleo, se desprendeu uma área enorme de gelo do Ártico, uma nevasca recorde, uma enchente que causou danos e óbitos...”. A tragédia já estava desde sempre no jornalismo com seu espaço garantido. O que me parece é que nós temos uma maior atenção, não apenas em relação a assuntos trágicos, mas também propositivos, [em mostrar] onde as coisas acontecem de uma maneira interessante, onde as coisas estão dando certo, onde há um ajustamento de governos, empresas, projetos, empreendimentos, iniciativas, novas tecnologias, novidades na área da Justiça. Hábitos, comportamentos, estilos de vida e padrões de consumo: quem quer mudar o mundo precisa mudar-se. A crise tem o nosso DNA, a crise nasce de uma cultura insustentável e mudar a cultura não se faz por decreto, por lei, por Medida Provisória. Mudar cultura é processo e o jornalismo faz parte dessas engrenagens da mudança – ou deveria fazer.

Para Trigueiro, Brasil perdeu oportunidade de aplicar multa e programa de compensações exemplares, pelos rompimentos de barragens de mineração em Mariana e Brumadinho (foto).

Nem mesmo duas enormes tragédias alteraram o modelo desenvolvimentista de mineração em Minas Gerais. A importante Lei Mar de Lama Nunca Mais enfrenta dificuldades para ser efetivada e novos projetos continuam a querer avançar sobre unidades de conservação ou outras importantes áreas. Você acredita em mineração sustentável?

Acredito, embora não seja a regra no Brasil. Quando houve a tragédia de Mariana e a Vale ficou exposta ao vexame de ser protagonista do maior desastre minerário da história deste setor no planeta – devastando uma bacia hidrográfica inteira e com rejeitos indo parar em Abrolhos (BA), quase 800km de distância; uma tragédia que até hoje a gente não tem a real noção do seu alcance e muito menos quanto tempo levaremos para remediála – descobriu-se, à época, levantando a ficha das contribuições da Vale para campanhas, que tanto a presidente eleita, Dilma Rousseff à época, quanto o candidato derrotado, Aécio Neves, foram generosamente abastecidos com quantias fabulosas para suas respectivas campanhas. Estou aqui reportando fatos, existe uma relação promíscua da Vale com lideranças políticas de Minas Gerais em diferentes níveis de poder. Isso talvez explique uma dificuldade que o Brasil teve, e a meu ver desperdiçou, de aplicar à Vale uma multa, um programa de compensações exemplar para o mundo. Porque não foi acidente: houve imperícia, irresponsabilidade e leniência, que se repetiram três anos depois em Brumadinho.

O que está acontecendo agora na Serra do Curral é o mais novo capítulo escandaloso de licenças que estão sendo dadas atropelando legislações, projetos de tombamento, projetos de proteção da Mata Atlântica. É heroica a resistência dos mineiros e é justa, porque nós não estamos falando apenas de um cartão postal; nós estamos falando de uma área onde tem vegetação de Mata Atlântica protegida, 40 espécies de vegetais e animais ameaçadas de extinção, risco de destruição de fontes de água em uma região onde esse problema só se agrava na linha do tempo. E a pergunta que fica no ar: por que a receita dos royalties da mineração parece se sobrepor sempre a direitos assegurados por lei que dizem respeito à segurança, ao bem-estar e meio ambiente protegido? Nós temos claramente uma sucessão de decisões que priorizam sempre o interesse econômico.

Não é para proibir mineração, exploração de madeira, pecuária, expansão da soja – tudo isso em um país generoso em termos de capital natural e território é plenamente passível de harmonização com outros interesses e direitos. A questão é como organizar as rotinas de licenciamento em que não se repita o que vimos acontecer, a meu ver, nos dois episódios citados com a Vale: um marco regulatório frouxo, fiscalização ausente e uma dificuldade de se emprestar às empresas do setor o medo de errar, o medo de não utilizar a tecnologia de ponta na área de segurança, o medo de – em dando alguma coisa errada – o que vai acontecer comigo ser algo tão violentamente hostil ao meu planejamento financeiro que eu não posso ter o direito de fazer algo diferente do estado da arte da exploração de minério.

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Em 2006, você criou o Programa Cidades e Soluções. Na bacia do Rio das Velhas, não muito diferente de outras Brasil afora, temos muitas cidades que, além de não terem um planejamento estratégico para a segurança hídrica, não estão preparadas para lidar com as águas do período chuvoso, contabilizando continuamente cenas de destruição e mortes. Pegando carona no nome do programa, quais soluções você entende para esse problema?

Essa solução existe há 25 anos e se chama Política Nacional de Recursos Hídricos. A política criou o Sistema Nacional de Recursos Hídricos que instituiu a Agência Nacional de Águas (ANA), os Comitês de Bacia, o direito pela cobrança do uso da água bruta. Gestão de recursos hídricos é a solução e os trilhos da gestão estão assinalados há 25 anos. Onde se tem planejamento a partir da definição das prioridades de um Comitê de Bacia há rotas de prioridades e de investimento: cobra pelo uso da água bruta, aplica o recurso e mobiliza a comunidade do entorno da bacia.

Nós temos no Brasil uma cultura muito nefasta do rio como lixeira ou vazadouro de esgoto. As tragédias que estão ocorrendo por conta do índice pluviométrico completamente descalibrado e fora da série histórica agrava a tensão onde os rios estão sendo depredados: assoreamento, lixo, entulho, desvegetação das matas ciliares e ausência de planejamento que opere toda a logística de quem pode pegar água aqui, que quantidade de água pode pegar, fins industriais, captação de água para abastecimento, irrigação... As coordenadas existem, nenhum prefeito nesse país, nenhum governador, muito menos o presidente, deveria ser eleito ignorando que o mito da abundância não nos convém. A história de que o Brasil tem 12% da água do mundo e aproximadamente 11 mil rios e córregos traz um mito da abundância que não nos convém. Essa água está concentrada na região Norte do país, na bacia do Rio Amazonas. No resto do país, e isso vale para a bacia do Rio das Velhas, nós temos densidade demográfica, múltiplos usos da água que por vezes são conflitantes e você precisa ter um ordenamento das ações com base nas regras estabelecidas, respeitando os múltiplos usos da cadeia de prioridades estabelecida por lei.

Todas as regiões metropolitanas do Brasil têm bacias poluídas. E nós temos Ciência, tecnologia, recursos humanos com pedigree acadêmico e científico para reverter esse cenário. O que explica essa depredação monumental dos recursos hídricos? Estamos falando de esgoto humano, de mercúrio nos rios amazônicos por conta do crescimento pornográfico do garimpo ilegal, resíduos de agrotóxicos nos rios que margeiam grandes plantações, lixiviação transportando fertilizantes e agrotóxicos – e isso vai gerar problemas múltiplos e desnecessários. Temos aqui o analfabetismo ambiental, a ganância e a cobiça devidamente misturados, determinando a receita de um veneno que nós estamos inoculando no sistema circulatório do país campeão mundial de água doce.

Tanto em nível estadual, como em federal (e o exemplo mais recente disso é o Projeto de Lei nº 4546/2021, que institui o Novo Marco Hídrico e altera a Lei das Águas), a gente observa uma série de movimentos que visam enfraquecer a participação social na gestão das águas. Na sua visão, qual a importância dos Comitês de Bacias Hidrográficas, outros colegiados e entidades da sociedade civil na gestão ambiental, e mais particularmente de recursos hídricos do país?

Reclamam muito da democracia, mas a solução para democracia é mais democracia. Participação dos setores da sociedade dá trabalho? Dá trabalho. Haverá conflito de ideias? Haverá, faz parte. Agora, como eu disse: tudo começa a partir de um marco regulatório, de uma lei e nós temos uma lei. É preciso haver o empoderamento dos Comitês; os presidentes dos Comitês não podem ser indicados por outra razão senão pelo conhecimento, pelo respeito ao assunto que ele vai ter que construir. As negociações, a mobilização, a promoção do diálogo, a defesa dos princípios corretos que qualquer Comitê precisa obedecer – a gente não pode ter a raposa no galinheiro, se é que me entende. O Comitê tem que ter organicidade, um propósito que seja muito claro para todos e, quem está à frente, ser o zelador desses princípios. Não é uma figura decorativa, o Comitê precisa ser protagonista da história, produzir informações, mobilizar os atores distribuídos na bacia e usar todos os recursos ao seu alcance para defender esses princípios: o uso sustentável da água, atendendo aos interesses difusos nos termos da lei.

Programa Cidades e Soluções, do qual Trigueiro é o editorchefe e apresentador, abre espaço para experiências que transformam para melhor a vida das pessoas através do uso inteligente e sustentável dos recursos naturais.

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Em 2022 escolheremos novos representantes para a presidência da república, governo do estado, senadores e deputados. Como você avalia e projeta a agenda ambiental no meio político brasileiro?

Não é possível imaginar que tenhamos em pleno século XXI dirigentes políticos, e vale para as eleições deste ano, no Executivo ou no Legislativo, que repliquem o analfabetismo ambiental, ignorem a ciência, não deem importância à crise ambiental que experimentamos e que não entendam a correlação que existe entre a promoção do meio ambiente com saúde, resiliência econômica, geração de emprego e renda. Os novos dirigentes políticos ou os mesmos que retornarem aos postos que hoje ocupam não têm o direito de desprezar a gravíssima crise ambiental que experimentamos no Brasil e no mundo. Eles não têm esse direito! Primeiro porque proteger o meio ambiente não é opção, não é uma alternativa, não é um capricho – é uma diretriz constitucional. Segundo porque se eles não fizeram a coisa certa agravar-se-ão as situações difíceis que já estamos testemunhando e que vão se tornar mais difíceis em havendo omissão, desprezo, negacionismo e inversão de prioridades. Perdemos o direito de errar e não há tempo a perder.

Nas redes sociais, em especial, você costuma falar de espiritualidade e sustentabilidade. Como as duas se complementam?

Espiritualidade não é religião. É uma visão transcendental, um exercício de entendimento do sentido da vida, um respeito às leis que regem o universo, a tentativa de compreender quem nós somos, de onde viemos e para onde vamos. Portanto, quando se fala de espiritualidade a gente está falando de algo que remete a um tempo que não é só o aqui e o agora; não é o interesse de curto prazo, meu e que diz respeito apenas a mim. Quando você fala de espiritualidade, você está abrindo a cabeça para o transcendente, tentando entender o que é a vida. E quando você fala de meio ambiente, você fala do palco da vida, ou, no sentido mais espiritualizado, do lugar onde a vida se resolve e que não surgiu por obra do acaso. Não há projeto de vida possível em um planeta destroçado, destruído e devastado. Não por acaso, em 2015, o Papa Francisco redigiu a primeira encíclica da igreja totalmente inspirada em meio ambiente e sustentabilidade: ‘Laudato si’, que significa “louvado seja”.

“Um ambientalista não precisa ser crente em Deus ou acreditar no transcendente, como uma pessoa que acredita em Deus não precisa ser ambientalista. Mas uma coisa tem tudo a ver com a outra.”

Ecologia significa estudo da casa. Estamos todos na mesma morada, o projeto humano só se resolve se for um projeto coletivo. Então, quando se fala disso, isso faz sentido para ecologistas e faz sentido para espiritualistas. Nós precisamos ser os protetores da vida: esse é o discurso religioso e esse é o discurso ambientalista. Nós não podemos fazer a regência da nossa existência pensando apenas em nós mesmos: esse é o discurso religioso, esse é o discurso ambientalista. Quando o ambientalista defende o fim da poluição do ar, das águas e da terra, e que precisamos proteger a ‘nossa casa comum’, esse também é o discurso místico-religioso. Um ambientalista não precisa ser crente em Deus ou acreditar no transcendente, como uma pessoa que acredita em Deus não precisa ser ambientalista. Mas uma coisa tem tudo a ver com a outra.

Jornalista é também conferencista espírita e realiza palestras sobre meio ambiente e bem-estar por todo o país.

Divulgação CEMUlisses Lopes
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Turismo

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Serra da Piedade, em Caeté, é um dos principais pontos turísticos do circuito religioso de Minas Gerais.

Minas são muitas e de muitos

Vilas históricas, paisagens exuberantes, cultura e religiosidade fazem da bacia do Rio das Velhas um universo a se descobrir

Guimarães Rosa, poeta de Cordisburgo, cidade mineira no Médio Rio das Velhas, e um dos maiores escritores do Brasil, estava com razão ao dizer que “Minas são muitas”. Se o estado é capaz de atender praticamente todas as dimensões do turismo, a bacia do Rio das Velhas é um recorte desse potencial que está presente ao longo dos 51 municípios que fazem parte do território.

São riquezas naturais que podem ser encontradas em locais como as Serras do Cipó, do Curral, do Cabral e do Gandarela, a essência do interior sentida em um passeio pelos vilarejos bucólicos como São Bartolomeu, Lapinha da Serra, Conselheiro Mata e Curimataí, o registro paleontológico observado na região do Carste e a força da religiosidade vivenciada em lugares como a Serra da Piedade.

Em Minas Gerais se concentram “belezas naturais, história, diversidade cultural, tradições, potencial gastronômico, vários patrimônios imateriais tombados e inúmeras experiências de viagens que fazem do estado um dos mais importantes e potentes casos de desenvolvimento do turismo em curso no mundo”, explica Hebert Canela, historiador e turismólogo.

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Tranquilidade cheia de sabor

O vilarejo do Luiz Fortes tem um gostinho especial. O mineiro aprendeu desde cedo a mexer no tacho de cobre para fazer doce de goiaba, jabuticaba, cidra, laranja, mexerica, entre outras frutas que são colhidas dos fartos pomares da região. Um talento da família, esta que junto com outras do local colaborou para que a ‘Tradicional Produção de Doces Artesanais de São Bartolomeu’ fosse reconhecida como Patrimônio Imaterial de Ouro Preto em 2008. “O doce é uma tradição dentro da minha família, passada de geração para geração. Meu avô e minha avó sempre foram receptivos com turistas. E eu, desde novo, gosto de lidar com as pessoas e apresentar as coisas boas que temos aqui”, conta. O doce é uma delas.

São Bartolomeu é um distrito de Ouro Preto, na região do Alto Rio das Velhas, cercado pelo Parque Estadual de Uaimií e bem pertinho de onde o Velhas nasce. O lugar reserva uma experiência de tradição, gastronomia, religiosidade e beleza natural a ponto de, em 2021, ter disputado o título de “Melhor vila turística do mundo”, promovido pela Organização Mundial do Turismo (OMT), da agência das Nações Unidas.

O Luiz sabe muito bem do valor da terra onde nasceu e vive. Tanto é que desde os 13 anos, além de trabalhar com a gastronomia, passou a atuar também com o turismo rural. “Sou condutor nos 12 distritos de Ouro Preto. A gente trabalha com travessias, passeios em meio às belezas naturais ao redor dos distritos, cachoeiras, rios, tem o Rio das Velhas que a gente faz o passeio de caiaque, Stand Up e o Trekking. Aqui temos uma variedade de atividades na natureza e vivências com produtos locais para conhecer o processo de fabricação de doces, queijo, mel, cachaças”, explica.

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Primeiro vilarejo às margens do Rio das Velhas, São Bartolomeu tem a produção de doces artesanais reconhecida como patrimônio imaterial. Do Alto ao Baixo Rio das Velhas, cicloturismo e turismo de aventura crescem a cada ano. Em 2021, São Bartolomeu foi considerada uma das três vilas mais charmosas do mundo, em concurso promovido pela ONU. Ane Souz Robson Oliveira Ane Souz

Economia do Turismo

De acordo com dados do Observatório de Turismo de Minas Gerais, a atividade movimentou R$ 22,3 bilhões em 2019, o que significa 3,9% do total do PIB (Produto Interno Bruto) do estado no ano. Segundo dados do Programa Reviva Turismo, lançado em 2021 para incentivar a recuperação do turismo no estado, o setor representa 12,4% das empresas e 7,9% dos empregados formais em Minas Gerais, que foi considerado um dos dez destinos mais acolhedores do mundo em 2021, segundo o site booking.com.

Mas quando a Covid-19 chegou em 2020, o turismo do estado foi prejudicado, assim como em todo o mundo. Para recuperar as perdas causadas pela pandemia e valorizar as riquezas culturais e naturais, o governo de Minas Gerais lançou em 2022 o “Ano da Mineiridade”. Uma das ações da iniciativa é repassar recursos, por meio de editais, a projetos que promovam os valores do estado nas artes cênicas, visuais, musicais e literárias, a preservação do patrimônio imaterial, entre outras linguagens culturais. Mineiridade que está presente em 853 municípios: é Minas Gerais que lidera o Mapa do Turismo Brasileiro com 567 municípios catalogados como locais com potencial turístico.

Mineiridade para o mundo ver

Se o turismo nos municípios do interior da bacia do Rio das Velhas precisa e merece ser valorizado, e políticas públicas estão sendo implantadas para promover essa regionalização, a capital mineira, que soma várias qualidades em um lugar só, esbanja visibilidade e reconhecimento internacional. A começar pela premiada gastronomia, que conferiu o título a Belo Horizonte de Cidade Criativa pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), lista que reúne cidades que têm atividades criativas como propulsoras do desenvolvimento sustentável. Primeira cidade moderna planejada da América Latina, no final do século XIX, “BH”, carinhosamente chamada por seus moradores e visitantes, foi modernizada nos anos 1940 com projetos do arquiteto Oscar Niemeyer. Dentre eles, estão o Complexo da Pampulha e a Capela de São Francisco de Assis, com pinturas de Candido Portinari (1903-1962). Em 2016, a obra ganhou o título de Patrimônio Cultural da Humanidade pela ONU (Organização das Nações Unidas).

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Turismo em Minas movimentou mais de R$ 22,3 bilhões em 2019, quase 4% do PIB do estado. Lapinha da Serra, Serra do Cipó - MG Complexo da Pampulha, em BH, é reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela ONU. Lucas Nishimoto Rodrigo de Angelis ShutterStock

Com base no conceito de Turismo de Base Comunitária (TBC), Makota Cássia Kidoiale quer fortalecer o Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango e outros quilombos da capital mineira.

Um passeio pela ancestralidade

Na zona leste da capital, pertinho do Ribeirão Arrudas, afluente do Rio das Velhas, a Makota Cássia Kidoiale atrai turistas do mundo todo pela sua cultura. É no Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, comunidade tradicional de matriz africana, que Makota ajuda a promover ações que valorizam a ancestralidade do seu povo. Em 2018, o governo do estado reconheceu a comunidade como Patrimônio Cultural Imaterial de Minas Gerais.

Por lá já passaram grupos de estudantes dos Estados Unidos, da África, grupos de capoeira da Suíça, Chile, Alemanha e festivais internacionais que receberam mestres de capoeira do Brasil e do exterior. Um contato que ela acredita ser importante para o quilombo. “O Manzo atrai turistas por aquilo que representa. Quando abrirmos para receber o turista, compreendemos como a sociedade se organiza e como ela pode nos reconhecer dentro dessa organização. Isso não faz com que a gente perca a nossa identidade, nossa relação, nosso modo de nos organizar internamente, e faz a gente ser inserido dentro da sociedade e contribuir com um lugar que é de conhecimento. Entrar em contato com pessoas de outros lugares nos ajuda na nossa formação política e nos fortalece dentro de uma organização coletiva”, afirma Makota.

No quilombo, além das atividades do terreiro, são realizadas outras práticas de valorização da cultura africana, como os festejos tradicionais que são abertos ao público. Em 2022, aconteceram as primeiras ações com a juventude periférica quilombola LGBTQIA+, porém Makota ainda tem dificuldades para entender como lidar melhor com o turismo. “Temos sempre grupos visitando o quilombo. Pra gente é muito interessante entender como funciona o turismo para a gente nos entender dentro dessa proposta.”

Uma necessidade que a fez buscar ajuda de estudantes de turismo para compreender como funciona o Turismo de Base Comunitária (TBC). Sua ideia é fortalecer o Manzo e os outros quilombos da capital mineira.

Por falar em TBC, em 2021 foi aprovada a Lei Estadual nº 23.763/21, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que cria uma política estadual voltada a esse tipo de turismo que vai atender os indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, agricultores familiares e povos de terreiro, entre outros grupos sociais. “Quando falamos em Turismo de Base Comunitária, estamos nos referindo a um coletivo organizado, com autonomia sobre a gestão de um modelo de negócio turístico local, onde todos devam ter a chance de participar”, explica Maria Lúcia Santos Fernandes, turismóloga especialista em projetos sociais e políticas públicas.

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Bianca Aun

Comunidade que se organiza, se fortalece

Se a Makota, que já recebe visitantes na sua comunidade, está tentando se organizar e se entende dentro do Turismo de Base Comunitária, tem um grupo de mulheres da Serra do Cabral que “arregaçou as mangas” para empreender e ajudar os comerciantes de Buenópolis e Joaquim Felício, no Baixo Rio das Velhas. A Maíra Lima é uma delas. A turismóloga, que é vicepresidente da Associação Rota do Cabral, quer que sua região se desenvolva para gerar renda aos trabalhadores locais.

“A Rota do Cabral é uma associação formada por empreendedores, prioritariamente da área do turismo, que propõe o desenvolvimento do setor como instrumento para as mudanças socioeconômicas na região. A Serra do Cabral é uma região lindíssima e aqui temos uma cultura sertaneja muito forte”, explica Maíra. E tem mesmo. A Serra do Cabral faz parte da Cordilheira do Espinhaço que divide as bacias dos Rios das Velhas e Jequitaí, ambos afluentes do Velho Chico. A região é repleta de nascentes, cachoeiras e veredas, além de uma riqueza de fauna e flora. Por lá, há aproximadamente 350 anos, viveram povos indígenas nômades, os Cabralinos, que deixaram muitas pinturas rupestres.

Uma das iniciativas da associação é a construção de um portal que vai incorporar os prestadores de serviço locais envolvidos com a cadeia do turismo. Além disso, a associação trabalha com capacitação e consultoria para esses profissionais. “A gente tem o Circuito Turístico da Serra do Cabral, que é uma iniciativa pública do governo do estado, mas a gente também quer trabalhar e fortalecer a iniciativa privada. Afinal, o turismo acontece quando, aos finais de semana, o turista chega no prestador de serviço, seja por meio de hospedagem, no restaurante, no condutor. Ou então, o visitante vai precisar de um serviço mecânico, vai querer comprar um artesanato local, e a gente precisa fortalecer todos esses seguimentos”, conta a vice-presidente da Rota do Cabral.

Riqueza natural a favor do desenvolvimento local

Enquanto a Maíra mobiliza os empreendedores para fortalecer o turismo na Serra do Cabral, o município de Morro da Garça, no Médio-Baixo Rio das Velhas, está descobrindo novas formas de valorizar o seu território. “Aqui sempre foi muito voltado para o turismo literário de Guimarães Rosa, mas isso nunca gerou retornos financeiros. Por isso, achamos melhor também investir em outro tipo de turismo que é aquele ligado ao esporte”, explica Liliane Diamantino Boaventura, que é secretária de Meio Ambiente, Agricultura e Pecuária e assessora de Cultura, Esporte e Turismo.

Caminhadas, ciclismo, voo livre. O público chega para ter mais contato com a natureza e quem sai ganhando é o comércio local. “O que a gente quer são as pousadas lotadas e o comércio vendendo muito.”

Liliane quer ir para o topo e transformar o famoso Morro da Garça, que aparece nas histórias de Guimarães Rosa e dá nome ao município, em um atrativo para os amantes do voo livre. “A gente vai construir uma pista de voo livre. Segundo um pessoal que veio fazer diagnóstico para construção da pista, só existe uma outra no Brasil que tem as características que ela também vai ter, que é poder saltar dos quatro lados, já que o topo é um círculo. Assim, sempre será possível saltar da pista e isso é muito raro. Se a gente construir uma coisa legal, pode virar até uma pista internacional”, conta.

Serra do Cabral, no Baixo Velhas, é repleta de nascentes, cachoeiras e veredas, e atrai cada vez mais turistas.

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Michelle Parron Circuito literário de Guimarães Rosa inspira turismo no Médio e Baixo Rio das Velhas.

Quem planta e cuida tem água

Unindo técnicas de manejo e de conservação do solo, proprietários rurais produzem água e ainda podem ser recompensados financeiramente por isso

Texto: Luiza Baggio

46 Robson
Oliveira
Restauração

A conservação dos ambientes e manutenção das matas é essencial para a produção de água. Ao lado, Ribeirão Soberbo na Serra do Cipó.

Hortaliças, legumes, verduras ... e água! Além do cultivo tradicional, trabalhadores rurais também podem produzir em suas terras o líquido essencial para o desenvolvimento e para a vida. Em tempos de mudanças climáticas e escassez hídrica a possibilidade soa como esperança.

Produzir água já é realidade para homens e mulheres do campo que conciliam a atividade agropecuária com boas práticas conservacionistas que melhoram o meio ambiente. Eles têm visto a água brotar de novo da terra, nutrir o solo e correr para o rio. Além de contribuir para a segurança hídrica, existe ainda a possibilidade de receber por isso. Você quer saber como isso funciona? Primeiro, é preciso entender como se produz água!

Só há uma maneira de produzir água, que é permitindo que a chuva infiltre no solo para recarregar os aquíferos e aumentar o volume disponível nas bacias. A água quando chega ao solo tem dois processos a seguir: ou infiltra ou escorre pela sua superfície.

Para uma infiltração preponderante, as plantas são a solução, é o que explica o professor e pesquisador de Recursos Hídricos e Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Flávio Pimenta. “As plantas contribuem para manter a água no perfil do solo servindo também como proteção ao escoamento superficial. Com isso, a água infiltra no solo, chegando ao lençol freático, recarregando-o e gerando o que chamamos de escoamento de base, ou seja, teremos mais água ‘brotando’ da terra”, afirma.

É o que acontece na Fazenda Olhos D`Água em Itabirito, na região do Alto Rio das Velhas, propriedade de Elias Costa de Rezende, produtor da Cachaça São Gonçalo do Bação. “Aqui não falta água. Minha propriedade tem 28 hectares, eu trabalho a produção da cachaça em três hectares e o restante é área preservada. Proteger nossas nascentes, as margens de rios e plantar árvore é uma necessidade urgente! Além de diminuir a erosão e evitar o assoreamento, as práticas que auxiliam na produção de água também podem gerar renda. Muitos produtores acreditam que para preservar só temos gastos. Essa realidade mudou com o Pagamento por Serviços Ambientais [PSA]”, destaca.

Os produtores que recuperam ou protegem os recursos naturais passam a ser remunerados por um serviço até então prestado de forma gratuita. De maneira simplificada, o PSA é um mecanismo financeiro para remunerar produtores rurais, agricultores familiares e assentados pelos serviços ambientais prestados e que geram benefícios para toda a sociedade.

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Produtor rural em São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito, Elias Rezende passará a ser remunerado pelos serviços ambientais prestados na proteção de recursos naturais. Projeto do CBH Rio das Velhas na bacia do Ribeirão Carioca foi o pontapé para início do PSA em Itabirito. Bianca Aun Fernando Piancastelli Acervo Pessoal Elias Rezende

O PSA na bacia do Rio das Velhas

Para incentivar os proprietários rurais na preservação e conservação do solo, visando a produção de água, o CBH Rio das Velhas investiu na capacitação de proprietários rurais para receberem o PSA. A ação é parte de um projeto para recuperação ambiental da bacia do Ribeirão Carioca elaborado pela The Nature Conservancy, em parceria com a Agência Peixe Vivo.

O secretário de Meio Ambiente de Itabirito e coordenador do Subcomitê Rio Itabirito, Frederico Leite, explica que já existem propriedades aptas a receber. “Por meio de um chamamento, recebemos a inscrição de 34 produtores rurais para participarem da capacitação do PSA. Destes, 10 já estão aptos a receber. Por meio do decreto nº 3.523/2021 que dispõe sobre a Política Municipal de Pagamento por Serviços Ambientais e institui o Programa Municipal de Pagamento por Serviços Ambientais (PMPSA) regulamentamos a iniciativa em Itabirito e a expectativa é que o primeiro pagamento ocorra ainda em 2022”, explica.

O PSA é um instrumento econômico que busca recompensar aqueles que utilizam boas práticas em suas propriedades que beneficiam a natureza. O proprietário rural que participa do programa – de forma voluntária – é um agente protagonista para a conservação da água para uso próprio, mas também para um benefício público.

O gerente da TNC, Samuel Barrêto, explica também que a bacia do Ribeirão Carioca, na região de Itabirito, é estratégica para a produção de água. “A região é reconhecida pela sua relevância na produção de água devido às suas características geográficas e hidrogeológicas”, afirma.

O município de Itabirito está cercado de um lado pela Serra da Moeda; tem a Serra das Serrinhas ao centro e do outro lado, as Serras do Gandarela e de Capanema. O Ribeirão Carioca escoa suas águas para o Rio Itabirito, que por sua vez abastece o Rio das Velhas.

Quem paga o PSA

Gerente Nacional de Água da TNC Brasil, Samuel Barrêto destaca importância das Soluções Baseadas na Natureza no combate às mudanças climáticas.

A lei nacional ajuda a dar segurança jurídica a diversos arranjos de PSA existentes ou a serem criados no futuro, permitindo que sejam captados recursos de fontes como pessoas físicas ou jurídicas de direito privado e perante as agências multilaterais e bilaterais de cooperação internacional.

Esse novo conjunto de normas prevê também o estabelecimento do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, que poderia atrair muitos recursos nacionais e internacionais. O pagamento ao produtor rural pode ser efetuado de diferentes formas, como repasse direto (monetário ou não), através da prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas, fruto de compensações vinculadas a certificados de redução de emissões por desmatamento e degradação, via comodato, títulos verdes (green bonds) ou Cotas de Reserva Ambiental. Também é possível usar receitas obtidas com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, decisão que compete aos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs).

Secretário de Meio Ambiente do município, Frederico Leite é também coordenador do Subcomitê Rio Itabirito.

Múltiplos cobenefícios

CONSERVAÇÃO FLORESTAL

Proteger e melhorar o manejo de florestas e pastagens sustenta o habitat da vida selvagem, reduz erosão e melhora a qualidade e confiabilidade dos fluxos de água a jusante.

RESTAURAÇÃO ECOLÓGICA

O replantio de florestas e a restauração da vegetação natural reduzem a erosão, filtram poluentes, capturam carbono e expandem o habitat.

Mitigação Climática

Rio
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Divulgação TNC Leonardo Ramos

Água X Clima

O clima é outro fator que influencia a produção de água. O ciclo da água está diretamente ligado ao clima. Assim, mudanças no clima que alterem o regime de chuvas podem provocar o aumento da ocorrência de eventos hidrológicos extremos, como inundações e longos períodos de seca.

O gerente nacional de água da The Nature Conservancy (TNC Brasil), - organização internacional sem fins lucrativos, líder na conservação da biodiversidade e do meio ambiente, Samuel Barrêto, explica que em “um cenário de aumento na intensidade das chuvas em bacias hidrográficas degradadas, por exemplo, haverá um maior pico de inundação com maior escoamento superficial e menor infiltração de água para a recarga dos aquíferos”, esclareceu.

Samuel afirma, ainda, que não podemos renunciar as Soluções Baseadas na Natureza (SbN), pois estudos mostram que elas podem fornecer 37% da resposta no combate às mudanças climáticas para limitar o aquecimento global a menos de 2°C. “As SbN também oferecem um mecanismo para melhorar os ecossistemas degradados, incluindo os sistemas de água doce, levando à melhoria da qualidade e quantidade da água, ao sequestro de carbono e biodiversidade, entre muitos outros benefícios”, explanou.

As SbN consistem na reprodução e/ou reconstrução de recursos naturais para reduzir impactos ambientais e socioeconômicos das atividades humanas no planeta.

Conservação e Produção de Água

Outra iniciativa do CBH Rio das Velhas para a aumentar a quantidade de água é o Programa de Conservação e Produção de Água. Lançado em 2021 e com a previsão de duração de seis anos, a iniciativa consiste no desenvolvimento e na execução de ações com o objetivo de maximizar o potencial de produção de água nas sub-bacias hidrográficas, a partir do planejamento e execução de Soluções baseadas na Natureza.

Quatro microbacias foram selecionadas para a execução do programa: Ribeirão Maracujá, no Alto Rio das Velhas; Ribeirão Ribeiro Bonito, no Médio-Alto; Córrego Soberbo, no Médio-Baixo; e Córrego Pedras Grandes, no Baixo Rio das Velhas.

No primeiro semestre de 2022, o CBH Rio das Velhas deu início às ações do programa com o objetivo de maximizar o potencial de produção de água de sub-bacias hidrográficas, trocando as intervenções pontuais por iniciativas mais condensadas e menos pulverizadas. Ainda no segundo semestre deste ano, a expectativa é de estender o programa para outras microbacias.

Conheça o programa de Conservação e Produção de Água da bacia do Rio das Velhas. Assista ao vídeo: bit.ly/preservacao-conservacao

AGRICULTURA INTELIGENTE

As boas práticas agropecuárias reduzem a erosão e evitam a poluição. Um bom planejamento da paisagem pode aumentar a renda do proprietário rural.

VAZÃO

Os solos retêm e filtram a água quando chove e a liberam lentamente, o que ajuda a sustentar fluxos de água mais previsíveis.

Uma bacia hidrográfica bem administrada fornece um abastecimento de água potável limpo e confiável, de modo que as cidades gastam menos com tratamento e filtragem de água para uso humano.

Bem Estar Humano BACIAS HIDROGRÁFICAS SAÚDÁVEIS Bacias saudáveis ajudam a filtrar poluentes, fornecem habitat crítico para plantas e animais e contribuem para a geração de serviços ecossistêmicos. ÁGUA LIMPA
Rio acima Rio abaixo
Adaptação Climática
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Clermont
Cintra

Unidades Territoriais

Em região de rica biodiversidade, Ribeirão da Mata sofre com falta de mata ciliar, assoreamento, lançamento de esgoto doméstico e resíduos industriais.

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Fernando Piancastelli

História e luta

Com uma história que remonta há mais de 12 mil anos, a UTE Ribeirão da Mata guarda rica biodiversidade e população que não cansa de lutar por melhorias ambientais

Um ribeirão que nasce limpo, recebe águas de outros cursos d´água, corre em área de Mata Atlântica, Cerrado e campos limpos. Une dez municípios em uma mesma bacia populosa que abriga vestígios arqueológicos e paleontológicos. Com uma rica biodiversidade, a complexidade da Unidade Territorial Estratégica (UTE) Ribeirão da Mata é enorme. O ribeirão se encontra assoreado e, em muitas regiões, em acelerado processo de degradação, pois recebe em seus caminhos esgoto, resíduos industriais e sofre intenso desmatamento. No entanto, uma de suas maiores ´riquezas´ é a população engajada que há anos luta pelo seu território.

Nascendo no município de Matozinhos, no Pico da Roseira, com 1.011 metros de altitude, o Ribeirão da Mata percorre ainda outros seis municípios, na seguinte ordem: Capim Branco, volta a Matozinhos, Pedro Leopoldo, Confins, São José da Lapa, Vespasiano e, por fim, Santa Luzia – onde deságua na margem esquerda do Rio das Velhas. Além desses, a bacia abrange também Esmeraldas, Lagoa Santa e Ribeirão das Neves. Dos 10 municípios pertencentes à bacia do Ribeirão da Mata, cinco também fazem parte da UTE Carste.

Ao contrário de outras regiões mineiras, que nasceram e cresceram sob os auspícios do ciclo do Ouro, na UTE Ribeirão da Mata a economia se desenvolveu em torno das fazendas que abasteciam áreas mineradoras do centro do estado. Em 1895, é inaugurada no município de Pedro Leopoldo a Estação Ferroviária da Central do Brasil, denominada Dr. Pedro Leopoldo. A estrada de ferro, construída ao lado do Ribeirão da Mata, contribuiu para o desenvolvimento da região, favorecendo a comunicação do arraial com outras localidades, facilitando o transporte de matéria-prima, do produto industrializado e da produção agrícola.

Nessa mesma época, o município de Pedro Leopoldo encontrou a vocação econômica que o acompanharia por boa parte do século seguinte com a instalação da Fábrica de Tecidos Cachoeira Grande. A indústria foi local de trabalho do espiritualista Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier, que é natural de Pedro Leopoldo. O município também abriga a Casa de Chico Xavier, um referencial para quem deseja conhecer melhor a vida deste mineiro. Residência de Chico entre 1948 e 1959, a edificação foi reformada para abrigar o centro de referência à vida e obra do espiritualista em sua cidade natal. Embora remodelada visando melhorias estruturais, as principais características da casa foram mantidas.

Natural de Pedro Leopoldo, Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier, foi um dos mais importantes expoentes do Espiritismo.

Estrada de ferro, construída no final do século XIX ao lado do Ribeirão da Mata, contribuiu para o desenvolvimento da região.

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Acervo A.E Chico Xavier Fernando Piancastelli

Riquezas que devem ser preservadas

A bacia do Ribeirão da Mata está localizada no encontro de duas formações rochosas: o gnaisse, composto por diversos minerais, e o calcário, rocha formada por sedimentos. O calcário contribui para que peças como ossos e dentes fossem preservados e fez da região um importante reduto arqueológico e paleontológico. “A região tem história e, cientificamente, um valor incalculável e desconhecido para muito mineiros. Trata-se do lugar onde foram encontrados os primeiros fósseis humanos e pré-históricos do continente americano”, afirma José Procópio de Castro, morador da bacia e membro do CBH Rio das Velhas e Subcomitês Ribeirão da Mata e Carste.

A formação cáustica da região proporcionou a formação de grutas, que em muito contribuíram para que o homem primitivo ali se instalasse em busca de proteção e abrigo. Provas dessa ocupação estão nos sítios arqueológicos: fósseis humanos, restos de cerâmicas, instrumentos em bom estado de conservação, pinturas rupestres, entre outros. Foram essas provas que conquistaram o naturalista dinamarquês Peter Lund, que se instalou na região, por volta de 1835, para estudar a pré-história. “Quase dois séculos após os estudos realizados por Lund, e posteriormente por diversas universidades e comissões internacionais, ainda existe muito a ser pesquisado e revelado”, destaca Procópio.

Preservar essas e outras riquezas é o objetivo de áreas de preservação permanente como o Parque Estadual do Sumidouro, que tem parte de seus 2.004 hectares localizados na UTE Ribeirão da Mata, situado nos municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, na divisa com a UTE Carste. Atualmente, o parque está inserido no programa turístico Rota das Grutas Peter Lund.

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Riqueza histórica e paleontológica da região atraiu o naturalista dinamarquês Peter Lund. Vocação industrial, com várias mineradoras de calcário e indústrias cimenteiras, decorre das características geológicas da UTE Ribeirão da Mata. Fernando Piancastelli Fernando Piancastelli Bianca Aun

A UTE Ribeirão da Mata possui ainda diversos remanescentes florestais que devem ser preservados para oferecer uma melhora na qualidade de vida para as pessoas, animais e vegetação, por meio da formação de corredores ecológicos. É o caso do Monumento Natural Estadual Lapa Vermelha, situado no divisor de águas entre o Ribeirão da Mata e o Carste, em Pedro Leopoldo, ao lado da cidade de Confins, do Parque Estadual Serra do Sobrado, localizado nos municípios de São José da Lapa e Pedro Leopoldo, bem ao lado da calha do Ribeirão da Mata, do Refúgio de Vida Silvestre Estadual Serra das Aroeiras, situado próximo ao parque entre o Ribeirão Areias e o Ribeirão das Neves, e a Área de Proteção Ambiental Municipal (APAM) Cachoeira da Lajinha.

A fim de contribuir para a conservação da biodiversidade local, o CBH Rio das Velhas concluiu em 2022 um estudo que promoveu o mapeamento dos corredores ecológicos no Sistema de Áreas Protegidas (SAP) Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), no âmbito das UTEs Ribeirão da Mata e Carste.

A integrante do Subcomitê Ribeirão da Mata, Conceição Lima, esclarece que o mapeamento dos corredores ecológicos é um sonho antigo. “Ao contratar esse estudo, o Comitê fornece importante instrumento técnico para os gestores públicos promoverem a futura implementação dessas áreas, corroborando com a implementação da chamada Trama Verde-Azul no que tange à conexão de espaços no contexto metropolitano, com foco na valorização da diversidade e contribuição para a melhoria da qualidade ambiental da região. É um sonho antigo que deve ser aliado à mobilização social para ter sucesso na região”, afirma.

Os corredores ecológicos são áreas que unem remanescentes florestais ou unidades de conservação fragmentadas devido à ação do homem, permitindo que organismos possam deslocarse entre elas, aumentando o fluxo gênico entre as populações. São de grande importância, pois reduzem ou previnem a fragmentação florestal, permitem a recolonização de áreas, contribuindo assim para a conservação da biodiversidade.

Formação cárstica da região proporcionou a formação de grutas, abrigo do homem primitivo há milhares de anos atrás.

Conselheiro fundador do Subcomitê Ribeirão da Mata, Procópio de Castro diz que muito da região ainda há de ser estudado e descoberto.

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Foz do Ribeirão da Mata, no encontro com o Rio das Velhas, no município de Santa Luzia. Bianca Aun Michelle Parron Fernando Piancastelli

Ocupação desordenada e poluição

Os municípios da bacia do Ribeirão da Mata registraram acentuada expansão demográfica a partir da década de 1970. Pela sua própria localização geográfica no entorno da capital mineira, a bacia sofre, há muitos anos, as consequências do uso e ocupação equivocados do solo. Não houve na região um correto planejamento da expansão urbana e do ordenamento das atividades rurais.

Na bacia há a presença de atividades agrícolas, mineradoras, industriais, extrativistas e a urbanização, tudo o que vêm causando problemas ambientais, como a erosão do solo. O despejo de esgoto doméstico e efluentes industriais é outro problema grave. O Ribeirão da Mata é considerado, atualmente, como o terceiro maior poluidor do Rio das Velhas, atrás apenas dos Ribeirões Onça e Arrudas, localizados na RMBH.

Rodrigo Hott Pimenta, educador ambiental da prefeitura de Ribeirão das Neves e membro do CBH Rio das Velhas e Subcomitê Ribeirão da Mata, esclarece que a região sofre com falhas de cobertura do sistema de tratamento de esgoto. “O que temos visto é que a bacia tem sofrido com a instalação de grandes empreendimentos imobiliários, mineração e a falta de investimentos em saneamento básico. O resultado de tudo isso é um rio com volume de água diminuído, assoreado e poluído. A região precisa de mais investimentos com o saneamento básico”, afirma ele, destacando que, ainda assim, acredita ser possível despoluir o ribeirão e colaborar para que o Rio das Velhas tenha uma água de melhor qualidade.

Mesmo degradada, região é grande produtora de hortaliças. Em destaque, plantações em Ribeirão das Neves, em região próxima às nascentes do Ribeirão da Mata.

Rodrigo Hott Pimenta, representante da prefeitura de Ribeirão das Neves, lista os grandes empreendimentos imobiliários, a mineração e a ausência de saneamento como principais problemas da região.

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Fernando Piancastelli Ohana Padilha Michelle Parron

População engajada

Os problemas da bacia do Ribeirão da Mata são antigos e as buscas por soluções também. Em 2006, foi criado o Subcomitê Ribeirão da Mata, um dos primeiros no âmbito do CBH Rio das Velhas. “São anos de luta pelo nosso território. Os desafios são enormes, mas não perdemos a esperança. Desde a criação do Subcomitê temos atuado de forma ativa, buscando as melhores soluções para a preservação e revitalização do nosso território, em busca de melhorias para o meio ambiente”, destacou a coordenadora do Subcomitê Ribeirão da Mata, Germânia Florência Pereira Gonçalves.

Uma das lutas da população foi pela revitalização da Lagoa de Santo Antônio, em Pedro Leopoldo. Por mais de nove anos o projeto não saiu do papel. A bióloga e presidente da Associação Movimento Lagoa Viva, Marcia Lopes, explica que a revitalização começou a colher frutos em 2021. “Por meio de uma articulação multissetorial entre a ONG, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o CBH Rio das Velhas (Subcomitês Ribeirão da Mata e Carste), o MPF, o ICMBio, a Copasa e o Instituto Guaicuy, o projeto saiu do papel”, disse a presidente da ONG. As instituições envolvidas realizaram um diagnóstico dos problemas e potenciais da lagoa, que indicou programas e projetos de revitalização que permitirão a recuperação e a inserção da comunidade em seu uso.

A Lagoa de Santo Antônio está inserida na UTE Carste e o esgoto interceptado nela terá como destino a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Pedro Leopoldo, localizada na bacia do Ribeirão da Mata. Ela sofre com a proliferação de espécies vegetais venenosas, lixo e ocupação irregular da área, o que acaba prejudicando o ambiente e, consequentemente, quem mora e frequenta a região.

Outra conquista do Subcomitê Ribeirão da Mata foi a elaboração do Plano de Manejo de duas importantes Unidades de Conservação (UC): a Área de Preservação Ambiental Municipal (APAM) Cachoeira da Lajinha e do Parque Estadual Serra do Sobrado. O plano de manejo visa conciliar a preservação da fauna, flora e mananciais de águas, considerando suas vocações econômicas, cujo planejamento é necessário para assegurar a

proteção e o desenvolvimento de forma equilibrada.

A APAM Cachoeira da Lajinha é uma unidade de conservação, de 386 hectares e que possui espécies em extinção, se encontra ameaçada pela intenção do governo de Minas Gerais em construir um Rodoanel que atravessaria o território. O Plano de Manejo da APAM Cachoeira da Lajinha foi finalizado em março de 2022. Já o Plano de Manejo da Serra do Sobrado está previsto para ser finalizado ainda em 2022. O Parque fica localizado na divisa dos municípios de Pedro Leopoldo e São José da Lapa e integra o Sistema de Áreas Protegidas do Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (SAP Vetor Norte).

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APA Municipal Cachoeira da Lajinha, em Ribeirão das Neves Antiga demanda da comunidade, revitalização da Lagoa de Santo Antônio, em Pedro Leopoldo, começa a colher frutos. Subcomitê Ribeirão da Mata presente! Da esquerda para a direita: Rogério Tavares, mobilizador social local; Marcia Lopes e Conceição Lima, do Movimento Lagoa Viva; e Germânia Gonçalves, coordenadora-geral da entidade. Fernando Piancastelli Fernando Piancastelli Ohana Padilha

derRamA

Adriane Garcia é poeta, nascida e residente na cidade cujo nome - Belo Horizonte - fez sentido graças à Serra do Curral. Publicou os poemários “Fábulas para adulto perder o sono”, “Só, com peixes”, “Arraial do Curral del Rei – A desmemória dos bois”, dentre outros.

Robson Oliveira é natural de Raposos, onde ainda reside. Das terras da Serra do Gandarela, defende igualmente a co-irmã Serra do Curral. Conhecido como ‘Fotógrafo do Rio das Velhas’, conquistou em 2022 o segundo lugar do concurso internacional ambiental Wiki Loves Earth, promovido pela Wikipédia, com participantes de 34 países.

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Minas é um animal ferido Todos os dias seu corpo esquartejado segue Em vagões onde a liberdade Não pega carona Onde a liberdade sequer É uma palavra

Uma outra inconfidência Outra conspiração Suspeita-se Na calada da noite Silvérios dos Reis trocam Cifrões pelos nossos currais

Mais barragens de rejeitos A matança de nascentes Tremula a bandeira De medo Esse triângulo vermelho É sangue.

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Amargamente atual, a obra ‘Olhe bem as montanhas...’ (1974), de Manfredo de Souzanetto, vista em pinturas, postais e icônicos adesivos entre os anos de 1970 e 80, chamou a atenção da sociedade para a necessidade de preservação das serras mineiras.

Sobreposta em um horizonte sinuoso, as peças integraram a série de pinturas “Memória das Coisas que Ainda Existem” que, além de lhe valer uma bolsa de estudos em Paris na Escola de Belas Artes como ganhadora do V Salão Nacional de Arte Universitária, foi merecedora de uma crônica inteira de Carlos Drummond de Andrade, publicada no “Jornal do Brasil”.

48 anos depois do lançamento da obra, cá estamos.

Realização Apoio Técnico Comunicação Acesse nosso portal e redes sociais @cbhriodasvelhas cbhvelhas.org.br Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas Rua dos Carijós, 244 - Sala 622 Centro - Belo Horizonte - MG 30120-060 - (31) 3222 8350 cbhvelhas@cbhvelhas.org.br Assessoria de comunicação comunicacao@cbhvelhas.org.br

A Revista Velhas semestralmente homenageia um artista em suas contracapas. Nesta edição: ‘Olhe bem as montanhas...’, de Manfredo de Souzanetto (Aquarela, nanquim e pastel s/ papel, 50x75cm, 1974).

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