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HISTÓRIAS DE PESCADORES

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SAÍDA CRIATIVA

SAÍDA CRIATIVA

Durante o II Seminário de Pesca Artesanal da Bacia do Rio São Francisco, ocorrido na cidade de Buritizeiro, em Minas Gerais, a revista CHICO ouviu os relatos de quatro pescadores que lutam pela preservação do Velho Chico e pela sobrevivência do milenar ofício.

À primeira vista

O amor mudou a vida de Fernanda Henn. Aos 16 anos, acompanhando os pais, ela desembarcara na Bahia, vinda do Rio Grande do Sul. A ideia da família era encontrar um pedaço de terra e adentrar o lucrativo mundo do agronegócio. O plano, porém, não vingara, com o sertão baiano dominado por latifúndios. Mas Fernanda conheceu um pescador, o Tonis. E pouco tempo depois já estavam casados e de mudança para a cidade histórica de Barreiras, às margens do Rio Verde Grande, um dos principais afluentes do Velho Chico na Bahia. “Já tinha meus 22 anos e fui aprendendo a tratar, cuidar do peixe, aprendi um pouco mais sobre a pesca”, contou ela, hoje com 43 anos.

Com o olhar afiado e a sensibilidade à flor da pele, Fernanda logo percebeu que podia fazer mais pela sua nova casa do que apenas limpar os peixes que o marido pescava. “Eu via aquela beira de rio, os pescadores tratavam o peixe ali mesmo, nos barcos, mas havia muito lixo em volta”, lembrou. “Eu e meu marido começamos, então, uma limpeza simples das margens, num pedacinho pequeno da orla”. Com o tempo, o casal mirou a força das crianças: “Passamos a cuidar das fachadas, incentivar as crianças da região a terem esse cuidado também, comprávamos e distribuímos doces, para que elas criassem o hábito de cuidar do rio”.

Com o olhar afiado e a sensibilidade à flor da pele, Fernanda logo percebeu que podia fazer mais pela sua nova casa do que apenas limpar os peixes que o marido pescava. “Eu via aquela beira de rio, os pescadores tratavam o peixe ali mesmo, nos barcos, mas havia muito lixo em volta”, lembrou. “Eu e meu marido começamos, então, uma limpeza simples das margens, num pedacinho pequeno da orla”. Com o tempo, o casal mirou a força das crianças: “Passamos a cuidar das fachadas, incentivar as crianças da região a terem esse cuidado também, comprávamos e distribuímos doces, para que elas criassem o hábito de cuidar do rio”.

Do trabalho de formiguinha, Fernanda e Tonis decidiram pensar grande: “Desenvolver um trabalho de consciência, de educação ambiental, e, acima de tudo, de luta pelos direitos dos pescadores”. Por essa época, ela foi indicada pelo presidente da colônia de pescadores locais para integrar o Comitê do Rio Verde Grande. Daí em diante, arregaçou as mangas, ajudando a fundar a Associação de Pescadores Artesanais da Bacia do Rio Grande (Apariogrande). Atualmente, preside a associação. “A associação vem justamente com esse objetivo, voltado às questões ambientais, acesso a possíveis editais de fomento, luta pelos direitos, conscientização, buscando fazer um trabalho diferenciado nas colônias”, enumerou. “A gente ainda não fez o acordo de cooperação com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Pretendemos fazer isso já no próximo ano, uma vez que chegamos agora, estamos aprendendo e não queremos tirar o foco do rio”.

Além de comandar a associação, Fernanda também virou pescadora. “Eu fui gostando e aprendendo a pescar, gosto de tratar o peixe, descamar, vender”. O casal costuma dividir a labuta no barco. Às vezes ela pilota a embarcação, enquanto Tonis joga a tarrafa. “Sou encantada com essa arte da tarrafa, de trançar a tarrafa, então fui me envolvendo, pescando”, disse. “A arte de pescar, a ciência que eu fui aprendendo com aqueles pescadores do Nordeste, por exemplo, como é lindo o Surubim no período de desova, nunca tinha visto um Curimatá roncar, pular na piracema, e vi isso tudo em Barreiras”.

Segundo Fernanda: “Essa é a nossa luta, e estamos no seminário para aprender, expandir o conhecimento, o trabalho e, principalmente, para compartilhar o que aprendemos com os pescadores, para que eles sejam agentes de mudança, para transformar a realidade do pescador, valorizar a pesca artesanal, o respeito à categoria, é uma questão de conscientizar, organizar a classe e principalmente de lutar para que nosso rio seja um rio saudável”.

De pai para filho

“Não foi a pesca que surgiu na minha vida, fui eu que surgi na vida da pesca”, comentou José Fausto, pescador e morador do povoado do Brejão, no município de Brejo Grande, em Sergipe. Filho e neto de pescadores do baixo São Francisco, herdara o ofício, do qual tirou o sustento de sete filhos. Atualmente, preside a colônia de pescadores Z-7, sediada em Neópolis, que abrange cinco municípios do leste sergipano.

“Na colônia, eu busco sempre o melhor para os associados, porque eles são meus patrões, são eles que, por meio da contribuição do associado, que é de 25 reais mensais, pagam o salário da diretoria e de mais sete funcionários de carteira assinada”.

A colônia tem uma longa história, fundada em 1931. “Por ser uma colônia com mais de 3.500 pescadores, a necessidade de atendimento é muito grande, e nós procuramos fazer esse atendimento em cada povoado, para que os pescadores economizem o dinheiro que seria gasto em deslocamento”, ressaltou. “Eu espero que, quando chegar o término do mandato ou da vida, possamos ter contribuído para os pescadores da região”. Na sede da associação, os pescadores, mediante pagamento mensal, contam com atendimento médico e odontológico semanal gratuito. “Queremos cuidar dos pescadores e de suas famílias”.

Para José Fausto, “não há meio ambiente sem sociedade, e não há sociedade sem meio ambiente, por isso precisamos de maior educação ambiental, inclusive em relação à carcinicultura na região”. Segundo ele: “A pesca sempre está oscilando. Agora, em outubro de 2022, em Brejo Grande, estamos num período relativamente bom, mas só para aqueles que entram no mar. Quem pegava 100 quilos por semana, agora está pegando 200 quilos por dia, mas quem não entra no mar sofre, pois a pesca está escassa no rio. Vivemos assim, nesse desequilíbrio natural”.

A grande família

Conhecido como Naldinho, Arnaldo Alves nunca viveu longe do São Francisco. Morador de Lagoa Grande, em Pernambuco, aos oito anos já tinha a primeira canoa para pescar num açude da região. A adolescência e a juventude ele passou pescando. E, já adulto, resolveu que era hora de lutar pelo Velho Chico. Primeiro filiou-se à colônia de pescadores de Sobradinho, na Bahia. Depois, com a dificuldade de deslocamento, transferiu-se para a colônia de Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco. Também sem grande sucesso nessa segunda filiação, optou pela fundação da colônia Z-39, no próprio município, Lagoa Grande. Atualmente, preside a associação, que conta com uma média de 600 associados.

Com exceção de uma filha professora, a família inteira seguiu o caminho de Naldinho. “Três dos meus quatro filhos, minha esposa, todos são pescadores. Fazem a tarrafa, a rede, todos muito inteligentes para a pesca”, comentou, orgulhoso. Aos 61 anos, Naldinho acabou de se aposentar. Ele e a esposa: “Foram 15 anos de INSS pago, minha esposa, que tem 55 anos, também 15 anos de INSS pago, demos entrada no pedido de aposentadoria, e em 90 dias recebemos o comunicado que estávamos aposentados”.

Mesmo já aposentado e após 12 anos na gestão da colônia, Naldinho faz questão de seguir à frente da colônia de pescadores de Lagoa Grande. “Hoje continuo como presidente da colônia, e o ‘barco é pesado’ por lá, mas sempre conversamos com todos, pegamos informações com colegas da pesca, inclusive estamos aqui, com mais 26 pessoas da nossa região, isso para desempenhar um bom trabalho para os pescadores associados”.

Galinha dos ovos de ouro

“O que a gente pode dizer é que o São Francisco é um santo grandioso na vida do pescador. Vivemos por milagre desse rio”, afirmou, com propriedade, Raimundo Ferreira. Em 1986, ele começou a pescar, na região de Três Marias, em Minas Gerais. Antes já havia sido carvoeiro, lavrador e marceneiro. “Tive várias histórias, e me deparei com a pesca nestes últimos tempos, dela tirei o sustento de minha família”.

Segundo Raimundo, de uns tempos para cá, a pesca no Alto São Francisco se tornou uma luta diária: “Se perguntam para mim se dá para sobreviver, eu digo que dá, mas não anda fácil”. Em 36 anos de trabalho, ele conseguiu construir a casa própria e diz que, desde que virou pescador, tem uma vida boa. Ao longo dos anos, experenciou momentos de abundância e momentos de escassez. “É claro que vivemos momentos delicados, por conta da crise hídrica, da poluição, da devastação, do desmatamento, tudo isso proporciona certa escassez de água, mas a gente vai superando isso, levando a vida, nessa luta do dia a dia”, avaliou.

Ele complementou: “O Rio São Francisco trata milhares de famílias, por isso a gente o defende com unhas e dentes, a nossa obrigação é cuidar cada dia melhor dele, ele é a galinha dos ovos de ouro para o pescador, e nós jamais podemos perder esses ovos”.

Com a pescada difícil, Raimundo foi buscar uma alternativa, abrindo uma pequena piscicultura, onde seus filhos também trabalham: “O emprego estava difícil demais, poucas condições de emprego, eu tinha um filho e um neto que pescavam comigo, e hoje eles também trabalham na piscicultura, criam e tratam o peixe, e eu administro, tenho o comércio e vendo esse peixe. A vida da gente é agradecer a Deus por esse nosso Velho Chico”.

Por Karla Monteiro

À beira do São Francisco, adornada pelo casario colonial, a bela Piranhas tornou-se cenário para grandes produções do cinema e da televisão, misturando a ficção com a vida real dos moradores da cidade alagoana. Este ano passou por lá a trupe de “Mar do Sertão”.

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