Revista CHICO nº12 - Janeiro de 2023

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REVISTA DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO - JANEIRO DE 2023

Expediente

Presidente : José Maciel Nunes de Oliveira

Vice-presidente : Marcus Vinícius Polignano

Secretário : Almacks Luiz Silva

Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF, Tanto Expresso Comunicação e Mobilização Social

Coordenação-geral : Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis

Coordenação de comunicação : Mariana Martins

Edição : Karla Monteiro

Assistente editorial: Luiza Baggio

Textos : Andréia Vitório, Arthur de Viveiros, Hylda Cavalcante, Karla Monteiro, Luiza Baggio, Mariana Martins

Projeto gráfico: Márcio Barbalho

Diagramação : Albino Papa, Rafael Bergo

Fotos: Acervo Pessoal José Carlos Carvalho, Acervo pessoal Samuel Barreto, Acervo TV Globo, Azael Gois, Bianca Aun, Edson Oliveira, Fernando Piancastelli, Léo Boi, Lula Castello Branco, Michel Oliveira Miguel Aun, Pedro Vilela, Shutterstock, Tiago Rodrigues.

Foto capa: Shutterstock

Ilustrações : Albino Papa, Clermont Cintra

Revisão : Isis Pinto

Impressão : ARW Gráfica e Editora

Tiragem : 3500 exemplares

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

Secretaria do Comitê : Rua Carijós, 166, 5º andar, Centro - Belo Horizonte - MG CEP: 30120-060 - (31) 3207-8500 secretaria@cbhsaofrancisco.org.br

Atendimento aos usuários de recursos hídricos na Bacia do Rio São Francisco: 0800-031-1607

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Acesse o site do CBHSF Utilize o seu celular e acesse o QR Code www.cbhsaofrancisco.org.br Acesse os conteúdos multimídia do CBH São Francisco: Online english version: bit.ly/Chico-Magazine-12 SUMÁRIO 4 Editorial Caminhos para o novo governo 6 Páginas Verdes O marco hídrico é o retrocesso do retrocesso 10 Legislação A Lei das Águas e o Marco Hídrico 14 Meio Ambiente Os Invasores
Publicações On-line: issuu.com/cbhsaofrancisco
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42 Ensaio 40 Aconteceu 28 Perfis História de pescadores 32 Cultura Cidade cenográfica 36 Turismo Coisas de novela 20 Política Ambiental Ação Coletiva 24 Economia Saída criativa

CAMINHOS

PARA O NOVO GOVERNO 4

Em janeiro de 2023, o Brasil terá um novo presidente da República. Novo, aliás, é maneira de dizer. Eleito em 30 de outubro, Luís Inácio Lula da Silva irá governar o país pela terceira vez. O petista assume sob o olhar apreensivo – e atento – do planeta. Nas mensagens parabenizando-o pela eleição, líderes e personalidades mundiais fizeram questão de ressaltar a urgência de se colocar o meio ambiente no centro das preocupações do governo brasileiro.

Nesta edição da CHICO, celebramos os 25 anos da “Lei das Águas” (Lei nº 9.433/1997) e abrimos o debate sobre o projeto do marco hídrico, em tramitação no Congresso Nacional. Se a prioridade do governo que se inicia será, de fato, a questão ambiental, como afirmou Lula ainda durante a campanha, a gestão dos recursos hídricos precisa ocupar o centro das discussões. Na reportagem “A Lei das Águas e o Marco Hídrico”, especialistas avaliam o impacto desse projeto naquela considerada uma das mais modernas legislações do mundo.

“É o retrocesso do retrocesso. Liquida com todas as medidas contemporâneas criadas no âmbito da Lei nº 9.433/1997. Inclusive retorna à possibilidade de privatização dos recursos hídricos, que nós eliminamos com a ‘Lei das Águas’”, comentou José Carlos Carvalho, ex-ministro do Meio Ambiente e um dos idealizadores do IBAMA. Nas Páginas Verdes, ele faz um balanço da política ambiental do governo Bolsonaro e traça os desafios que Lula terá para retomar uma agenda positiva: “O que coloca o Brasil hoje no mundo é a Amazônia”.

Além de debater políticas públicas para a gestão hídrica, a CHICO foi conhecer iniciativas da economia criativa, que floresce às margens do São Francisco. Também colhemos histórias de pescadores que se dedicam à luta pela preservação do rio que lhes dá o sustento. E mais: tudo sobre os bastidores das gravações da novela “Mar do Sertão”. Filmada no Vale do Catimbau, em Pernambuco, e na cidade de Piranhas, em Alagoas, a produção da faixa das seis tem como protagonista a beleza do Velho Chico, que, desde sempre, vem inspirando as artes.

Boa Leitura!

Editorial

Páginas

verdes

Entrevista: Karla Monteiro Ilustração: Albino Papa

O nome do capixaba José Carlos Carvalho tornou-se sinônimo de gestão ambiental. Nascido na pequena Jerônimo Monteiro, no Espírito Santo, e graduado em Engenharia Florestal, ele fora um dos idealizadores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), e coordenara os estudos e o projeto que dera origem à Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad).

No governo Fernando Henrique Cardoso, assumira o Ministério do Meio Ambiente.

“O MARCO HÍDRICO

É O RETROCESSO DO RETROCESSO” 6
Antes de partir para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-27, que aconteceu em novembro, no Egito, Carvalho falou à revista CHICO sobre os desafios do novo governo. E alertou: “O que está em risco é a humanidade, e não o planeta”.
Arquivo Pessoal

Em 30 de outubro, o país elegeu o novo presidente, Luís Inácio Lula da Silva. Qual a sua avaliação da política ambiental que se encerra? Qual o cenário que aguarda o presidente eleito?

Em quatro anos, vivemos um imenso retrocesso na política ambiental. Houve retrocessos em diversas áreas. Mas, no meio ambiente, ocorreu uma desconstrução. Para não ficar apenas na linguagem retórica, eu destacaria algumas questões fundamentais. O primeiro grande equívoco fora a transferência da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) do Ministérioo do Meio Ambiente para o Ministério do Desenvolvimento Regional. Desde a sua criação, no começo dos anos 2000, o fundamento dessa agência era o estabelecimento de toda uma estrutura de governança que levasse em conta a gestão do uso múltiplo das águas. Obviamente, a ANA não poderia ser subordinada a um campo de poder que prioriza um único uso. E o Ministério do Desenvolvimento Regional atua em políticas de irrigação.

Quando a ANA foi criada, o senhor era ministro do Meio Ambiente, correto? Sim. A criação da ANA não foi uma tarefa fácil no Congresso Nacional. Ela substituiu o antigo Departamento Nacional de Águas e Energia (Denae). Portanto, um modelo de gestão das águas subordinado à política energética acabara substituído por uma entidade que se colocaria num espaço político neutro. O governo Bolsonaro atropelou esse princípio básico. Da mesma forma, o serviço florestal brasileiro fora transferido do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura.

Um contrassenso, em tese.

Faço parte de uma corrente de pensamento que defende a participação do Ministério da Agricultura nas questões ambientais, mas não dessa forma. Outro ponto basilar da nossa política ambiental desbaratada pelo governo Bolsonaro fora a gestão colegiada e participativa. Surpreendentemente, este modelo contemporâneo começara a ser implantado ainda na ditadura militar, graças à liderança do professor Paulo Nogueira Neto, da Universidade de São Paulo (USP). Os militares da época tiveram uma visão mais moderna de gestão do patrimônio ambiental do que o capitão Bolsonaro.

Como o senhor traduziria uma gestão colegiada e participativa para leigos?

Quando se fala de patrimônio ambiental, está se tratando de direitos difusos, os chamados direitos de última geração, que são direitos coletivos. A fruição desses direitos pressupõe uma governança colegiada e participativa para que a comunidade, a população possa participar da formulação e implementação de políticas públicas. Isto caiu por terra com a decisão do ex-ministro Ricardo Salles de reestruturar o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), retirando metade da representação. E fez pior: o Conama também era o espaço da federação. Todos os estados tinham assento. Esse espaço foi reduzido de 27 para cinco estados. O órgão, em suma, deixou de ser um conselho nacional para se tornar um conselho federal, onde o governo passou a deter o monopólio das decisões.

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Em linhas gerais, qual o caminho que vínhamos traçando desde a redemocratização até 2018, quando Bolsonaro assumiu o governo?

Um processo de evolução contínuo e crescente, positivamente crescente, que começara em 1973, logo depois da primeira conferencial ambiental organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), na Suécia. No governo Médici, auge da ditadura, nascia a Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema). Em 1981, governo Figueiredo, editou-se a Política Nacional de Meio Ambiente, a Lei nº 6.938, que resiste como uma lei moderna. A partir dela, viera o Conama, uma conquista absolutamente inovadora. Depois, em 1988, tivemos a Constituinte, momento extraordinário, de solidificação da Lei nº 6.938/1981, instituindo o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, posteriormente regulamentado pela Lei nº 9.433, de 1997. Na minha opinião, a Lei nº 9.433 é a mais moderna política pública estabelecida no país até hoje. Por sinal, a apelidada “Lei das Águas” está completando um quarto de século. O que o senhor diria sobre o projeto do novo marco hídrico, em tramitação no Congresso?

Um mecanismo precioso da Lei nº 9.433/1997, que o Brasil ainda não soube usar, é possibilitar o estabelecimento da bacia hidrográfica como o espaço para o planejamento territorial e das políticas públicas. Estabelecer as bacias hidrográficas como unidade de planejamento permite um ganho na integração do sistema federativo brasileiro. Sempre tivemos um federalismo verticalizado, de decisões monocráticas e monolíticas. A revolução seria compartilhar o processo decisório. Nos Comitês de Bacia, já se aponta para o modelo horizontal, criando mecanismos de cooperação multilateral entre os entes federados para realização de políticas públicas de interesse coletivo.

Após a confirmação do resultado das eleições, líderes mundiais celebraram a vitória do meio ambiente. Qual era a expectativa em caso de reeleição de Bolsonaro?

Não havia expectativa, havia pânico. O mundo, representado pelas nações mais progressistas, estava em pânico com o Bolsonaro. Desde 1973, como já disse, vínhamos avançando, independente das colorações ideológicas. Cada governo foi colocando tijolos na construção. O que o Bolsonaro fez foi retirar os tijolos. Além dos retrocessos que já citamos, tivemos outros: o enfraquecimento deliberado do IBAMA, do Instituto Chico Mendes, a proibição de multas, a facilitação do garimpo ilegal. O que coloca o Brasil hoje no mundo é a Amazônia. Na medida em que o governo demonstrava lá fora as políticas permissivas para a devastação da floresta, isso foi causando um imenso mal-estar.

Por onde começar a retomada de uma agenda ambiental positiva? O que o senhor diria para o próximo ministro do Meio Ambiente?

Vamos falar de perfil. Eu acho que tem que ser uma pessoa com perfil aberto. O momento exige muito diálogo. O governo Bolsonaro estressou. O governo Lula tem que desestressar. Inclusive com os adversários do meio ambiente. A área de meio ambiente tem a missão de refazer as políticas desfeitas e dialogar. Todo mundo critica o agronegócio. Mas os ruralistas que estão no Congresso são os atrasados, os retrógados. Por outro lado, temos o agronegócio exportador que é moderno, ao qual não interessa essa política de terra arrasada, isto cria restrições do mercado externo. A pessoa que for dirigir o ministério tem que estender a mão para estes e isolar o atraso. A humanidade está enfrentando o maior de todos os desafios: a sobrevivência. Mesmo assim não assistimos a uma força-tarefa na profundidade que a ciência aponta. Em vez disto, negacionistas do clima ganham protagonismo. Por quê? Estamos em negação?

Na minha visão, o que está acontecendo é uma grande crise civilizatória. Uma crise de valores, valores que dão dimensão humanística à vida. Um extremo individualismo da sociedade contemporânea. Estamos vivendo sobre três paradigmas muito perigosos: o consumismo desenfreado, hedonismo sem precedentes, sem levar em conta interesses coletivos, e o individualismo. Obviamente tudo isto reflete nas políticas públicas e fortalece as ideologias de direita. Embora a classe média brasileira goste de maldizer a política, nunca a política foi tão necessária.

Como o senhor traduziria o que podemos esperar para as próximas décadas caso medidas drásticas não sejam tomadas? Quais as previsões mais pessimistas e otimistas?

Não acredito no fim do mundo. Mas acredito piamente que um mundo é substituído por outro. Nós nos esquecemos que no curso da história nós já tivemos cinco grandes extinções. A civilização atual age como se estivéssemos na última etapa evolutiva. O que é a mudança climática? É o sinal de um processo de evolução, que vai transformar a Terra. Somos tão antropocêntricos que dizemos que o planeta está em perigo. Ora, o planeta não está em perigo, já teve várias feições, quem está em perigo é a humanidade. O planeta vai continuar existindo, provavelmente com outros seres substituindo o homo sapiens . Essa visão individualista que já falamos é muito alimentada pelo antropocentrismo, o mais visceral que já tivemos. O que está em risco é a humanidade e não planeta.

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Legislação

Ao completar 25 anos, a Lei no 9.433/1997, considerada uma das mais completas do mundo em termos de gestão hídrica, corre o risco de ser suplantada por um projeto do governo federal, em tramitação no Congresso, que ameaça as conquistas sociais obtidas ao longo de um quarto de século.

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Há exatos 25 anos era sancionada a Lei das Águas, como ficaria conhecida a Lei nº 9.433/97. Fruto de muita mobilização social, a nova legislação chegara representando uma verdadeira revolução, sendo considerada uma das mais completas do mundo em termos de gestão hídrica. Entre outros avanços, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), estabeleceu instrumentos para a gestão dos recursos hídricos de domínio federal (rios que passam por mais de um estado ou fazem fronteira) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh). Agora, no entanto, essa lei tão vital está correndo o risco de virar lenda, com a tramitação, no Congresso Nacional, de um projeto do governo federal propondo um marco hídrico para o Brasil. Segundo especialistas, o projeto aponta na contramão da Lei das Águas.

“Foi uma legislação que teve como objetivo geral estabelecer um pacto nacional”, explicou o ambientalista Samuel Barreto, gerente nacional de água da The Nature Conservancy (TNC) Brasil e integrante de um grupo de trabalho dedicado à água da Organização das Nações Unidas (ONU). “Esse pacto fora estabelecido a partir da definição de diretrizes e políticas públicas voltadas para a melhoria da oferta de água, em qualidade e quantidade, gerenciando as demandas e considerando a água um elemento estruturante para a implantação das políticas setoriais, sob a ótica do desenvolvimento sustentável e da inclusão social”.

A opinião é unânime: qualquer proposta para atualizar a legislação vigente deveria passar por um processo de consulta à população, a exemplo do que acontecera nos anos que antecederam a sanção da Lei das Águas. O Brasil encontra-se no Olimpo, privilegiado com 13% da água doce disponível no planeta. Uma riqueza imensurável, quando os cientistas já alertam para o escasseamento preocupante dos recursos hídricos no mundo. De acordo com Barreto, a PNRH instituiu uma gestão descentralizada das bacias hidrográficas, além da participação da sociedade por meio dos Comitês de Bacias. “Mais do que isso, trouxe fundamentos importantes como o entendimento de que a água é um bem de domínio público dotado de valor econômico”, ressaltou.

A partir da Lei das Águas, estabeleceu-se uma engrenagem. As bacias hidrográficas se tornaram unidades de planejamento, com gestão voltada para a promoção da conservação da água e os usos múltiplos. Estabeleceu-se ainda a participação integrada do poder público, dos usuários e da sociedade nas tomadas de decisão. E, para completar esse sistema, foi criada, em 2000, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Hoje, existem no país mais de 230 Comitês de Bacias Hidrográficas, que reúnem interesses setoriais das grandes bacias nacionais, das bacias transfronteiriças e de microbacias. “A Lei das Águas consistiu em uma mudança conceitual para o setor no país”, destacou Barreto.

Ele aponta exemplos diversos de que tanto a lei nacional quanto as leis estaduais de água, com os seus órgãos gestores, conselhos, comitês e agências de bacias hidrográficas, promoveram conquistas em relação à redução e ao gerenciamento de conflitos pelo uso da água. Uma delas diz respeito ao Nordeste e se traduz pelos mecanismos de alocação negociada de água na região. Outro exemplo aconteceu em São Paulo, durante a pior seca do estado, nos anos de 2014 e 2015. Após estudos e debates com a população, chegou-se ao entendimento de que era preciso aplicar os recursos disponíveis em ações de saneamento para a melhoria da qualidade dos rios. O Rio Jundiaí passou de um rio de classe de água 4 (considerado um rio morto) para um rio de classe 3, ajudando a promover o abastecimento da população.

“Também tivemos importantes diretrizes para melhoria da qualidade da água na zona rural, com investimentos em sistemas de saneamento e a incorporação na recuperação e conservação das bacias, de soluções baseadas na natureza (SbN), como restauração florestal, por exemplo”, disse o ambientalista.

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Pessoal
Arquivo

A consequência desse processo de consolidação do uso das águas no Brasil foi a criação, em 2017, do Observatório de Governança das Águas (OGA) - um movimento multisetorial com cerca de 60 instituições e 17 pesquisadores, que acompanha a governança das águas e sugere melhorias. Para o coordenador da Câmara Consultiva Regional (CCR) Baixo São Francisco do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, esses 25 anos da Lei deveriam ser comemorados. “Passado um quarto de século dessa conquista que foi a Lei Nacional das Águas, que considero a melhor lei que já existiu por sua visão estratégica de futuro, infelizmente vamos comemorar sob um cenário de nuvens muito carregadas, um cenário de grandes ameaças à continuidade dessa lei”, afirmou.

Segundo Anivaldo Miranda, o Projeto de Lei de nº 4.546/21, elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), que tramita no Congresso desde janeiro, “configura um verdadeiro golpe contra aquilo que foi construído nos últimos 25 anos em termos de gestão pública das águas e o alvo central é o coração da Lei das Águas”.

A promotora de Justiça do Ministério Público Estadual da Bahia, Luciana Khoury, também defende a legislação em vigor. Na sua opinião, “não existe gestão ambiental e nem gestão das águas sem controle social e sem participação”. Para a promotora, é importante dizer que a Lei Nacional das Águas se pauta por orientar a todos no sentido de ter diretrizes e princípios que falam da descentralização, da gestão a partir da lógica de bacia, pautada pelo planejamento. “Nossa interpretação da legislação precisa ter esse olhar sistêmico”, alertou.

Os especialistas não descartam pontos frágeis da legislação. “É verdade que a Lei das Águas não é perfeita e que precisa de aprimoramentos. Mas as lições aprendidas na mitigação do risco hídrico mostram que os bons resultados se deram com liderança, ação coletiva, pragmatismo e boa governança das águas com base nos princípios, fundamentos e instrumentos dessa Lei. Por isso, é tão importante que a lei atual seja aprimorada, fortalecida e não fragilizada”, afirmou Samuel Barreto.

Ele defende o fortalecimento da lei “por meio da adequação das estruturas oficiais de funcionamento dos Sistemas de Recursos Hídricos; da ampliação da capacidade dos órgãos gestores; da disponibilização de uma estrutura mínima para o funcionamento dos Comitês de Bacia, com seus representantes bem-preparados; do aprimoramento na produção e sistematização de informações técnicas que subsidiam melhores decisões entre os diferentes entes que compõem o sistema”.

Também cita, entre suas sugestões a implementação de instrumentos de gestão dos recursos hídricos, o estímulo à participação dos municípios e uma sociedade “amplamente informada e mobilizada”.

“A gestão da água representa uma grande oportunidade pelo seu poder de integração e por afetar todos os segmentos da sociedade. O Brasil ainda tem uma boa Lei das Águas, que precisa ser compreendida e defendida perante a opinião pública e o Congresso Nacional”, acentuou Barreto.

Poder econômico

Para Anivaldo Miranda o principal problema para a aplicação da lei tem sido a resistência feita pelo poder econômico ao longo desse tempo. “A Lei nº 9.433/1997 foi um avanço muito grande, mas o poder econômico resiste à aplicação da legislação, sem contar a burocracia do Estado. O principal aspecto para demonstrar isso é o instrumento de gestão das águas. Infelizmente os planos de bacias hidrográficas não saem do papel, o sistema de outorgas não está estabelecido e reduzidamente implantado no país. A cobrança pelo uso da água bruta não está equiparada à cobrança pelo uso da água tratada, há uma diferença enorme”, reclamou.

A promotora Luciana Khoury, por sua vez, destacou, entre as fragilidades da atual legislação, a necessidade da participação maior das comunidades tradicionais. “A expulsão dos povos e das comunidades tradicionais dos seus locais de origem trouxe ainda mais impactos no meio ambiente. Não tem como a gente tratar de gestão

das águas sem tratar de garantia de povos tradicionais em seus territórios”, comentou. “Quanto mais tivermos a presença e o respeito aos nossos povos e seus territórios, mais teremos a garantia de proteção dos recursos hídricos, e para isso é necessário repensar os instrumentos de gestão das águas”.

Para a promotora, “é extremamente necessário que estejamos protegidos pela segurança jurídica, e para isso precisamos respeitar o que manda a legislação. Todos nós temos que assegurar isso como cidadãos”.

Quando se fala em incrementar a participação social, de acordo com Anivaldo Miranda, há uma questão fundamental: o fortalecimento dos Comitês de Bacia, com a implantação de cobrança pelo uso da água bruta. Sem dinheiro em caixa, esses Comitês não conseguem ampliar suas atividades. Se é para mudar a legislação, que seja na direção da melhoria dos instrumentos de gestão. E não de uma proposta que ponha abaixo tudo que foi construído com tanta luta social.

“Existe uma luta para estabelecer a cobrança pelo uso da água bruta em todo território nacional. Isto é primordial”, afirmou Anivaldo Miranda. “Que o dinheiro seja entregue aos Comitês de Bacias que representam usuários, sociedade civil e poder público. A intenção disso é a de realizar o mínimo de trabalho porque os nossos rios estão abandonados e a nossa terra, que equivale ao nosso corpo, está sendo pisoteada por falta de governança”.

Horizonte
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Lula Castello Branco

O que é a Lei das Águas:

É a Lei nº 9.433, sancionada em 8 de janeiro de 1997. Instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Como era antes da sua existência:

Até então, a proteção legal das águas brasileiras seguiu um caminho semelhante ao da proteção ao meio ambiente: acontecia de forma indireta. A água era acessória a outros interesses, assim seu uso era determinado por normas de caráter econômico e sanitário, ou relativas ao direito de propriedade.

Lei anterior a essa legislação:

O Brasil tinha a água ainda tratada como um bem quando foi alvo de legislação própria, o Código das Águas de 1934. Foi a partir da Constituição de 1988 e, mais tarde a lei de 1997, que houve o reconhecimento no país da necessidade de proteger as águas dentro da estrutura global ambiental, com uma gestão que se preocupa em integrar os recursos hídricos ao meio ambiente para garantir o desenvolvimento sustentável e a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Política nacional:

A lei, em seu artigo 1º, elenca os principais fundamentos da Política Nacional. Ali há a compreensão de que a água é um bem público (não pode ser controlada por particulares) e recurso natural limitado, dotado de valor econômico, mas que deve priorizar o consumo humano e de animais, em especial em situações de escassez.

Usos múltiplos:

A legislação estabelece que a água deve ser gerida de forma a proporcionar usos múltiplos (abastecimento, energia, irrigação, indústria) e sustentáveis, e esta gestão deve se dar de forma descentralizada, com participação de usuários, da sociedade civil e do governo.

Papel do Estado:

De acordo com a lei, o Estado compartilha com os diversos segmentos da sociedade uma participação ativa nas decisões. Cabe à União e aos estados, cada um em suas respectivas esferas, implementar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh), legislar sobre as águas e organizar, a partir das bacias hidrográficas, um sistema de administração de recursos hídricos que atenda às necessidades regionais.

Os Comitês

Dentro do Singreh, o poder público, a sociedade civil organizada e os usuários da água integram os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH) e atuam, em conjunto, na definição e aprovação das políticas acerca dos recursos hídricos de cada bacia hidrográfica. Também fazem parte do Sistema, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, a Agência Nacional de Águas (ANA), os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos, e as Agências de Água, órgãos assessores dos CBHs.

OS INVASO

Detectado pela primeira vez no Velho Chico em 2015, o mexilhão-dourado, um pequeno molusco de cerca de dois centímetros, vem se espalhando rapidamente e se tornando uma praga que impacta os ecossistemas nativos do Rio São Francisco.

Por Luiza Baggio
Meio Ambiente 14

RES

O mexilhão-dourado, alcunha popular do Limnoperna fortunei, está invadindo o Velho Chico. Além de impactar os ecossistemas aquáticos nativos, a espécie afeta sistemas de captação de água, produção de energia e a pesca. Uma praga que, se não for combatida, ainda poderá trazer muitos problemas para a bacia do Rio São Francisco. “O mexilhão-dourado é um pequeno molusco de cerca de dois centímetros de comprimento. Esse invasor é responsável por significativos impactos ambientais, como a morte de peixes nativos e a alteração da cadeia alimentar e da qualidade da água”, esclareceu o professor Newton Pimentel de Ulhôa Barbosa, do Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras da Universidade Federal de Minas Gerais (CBEIH/UFMG), que vem estudando os efeitos dessa invasão.

O molusco foi detectado no Velho Chico pela primeira vez em 2015, no reservatório de Sobradinho (PE). O avanço da ocupação do mexilhão-dourado desde seu primeiro registro tem sido extremamente rápido: em 2017 a cidade de Piaçabuçu teve problemas em seu sistema de abastecimento de água, da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), que foi suspenso pela obstrução generalizada deste pelos mexilhões dourados. De lá para cá, a espécie se espalhou pelo Baixo Rio São Francisco.

Os impactos ambientais e econômicos ocorrem principalmente devido às suas altas taxas de reprodução e competição por recursos. “Além disso, ele não encontra, em águas brasileiras, predadores, parasitas ou mesmo variações ambientais capazes de reduzir seu crescimento populacional”, afirmou o professor. Dessa forma, esse organismo se configura atualmente como uma das mais

graves ameaças ao ecossistema aquático do Velho Chico. As superpopulações de mexilhão-dourado (que podem chegar a 200 mil por metro quadrado), aliadas à grande capacidade desses organismos de aderir a superfícies rígidas de qualquer natureza, causam problemas de obstrução de tubulações e aumento da corrosão dos materiais. O entupimento de tubulações de equipamentos responsáveis pelo resfriamento de turbinas em uma usina hidrelétrica, por exemplo, implica até o desligamento temporário do sistema. Essas paralisações provocam enormes prejuízos econômicos, principalmente devido à perda de energia que a usina deixa de gerar e ao custo do trabalhador usado para retirar e descartar esses organismos.

Na bacia do Rio São Francisco existem cinco usinas hidrelétricas (UHEs): Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó. “Estudos mostram que o desligamento de uma única turbina de 40 MW para controle da bioincrustação pode custar US$ 6,2 milhões por ano na geração de energia perdida!”, acrescentou Newton Pimentel.

O mexilhão-dourado e a pesca

A presença do mexilhão-dourado é especialmente preocupante para o produtor de peixes em sistema de tanques-rede, em que espécies de interesse comercial são criadas confinadas dentro de estruturas de redes ou telas que permitem a troca de água com o ambiente. Os mexilhões-dourados conseguem aderir às redes e formar colônias nas telas, o que prejudica a oxigenação e a eliminação dos resíduos dos peixes e restos de ração. Em casos extremos, pode haver o afundamento dos tanques-rede, causado pelo peso das colônias.

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Fotos ShutterStock

A grande densidade populacional desses mexilhões também modifica rapidamente a presença e abundância de diversas espécies de organismos nativos. Com a menor disponibilidade de presas, alguns peixes se alimentam dos mexilhões, mas muitos deles são incapazes de digerir as conchas e morrem. Além disso, o mexilhão-dourado tem a taxa de filtração (que representa a demanda por alimento) mais alta. Considerando os contingentes populacionais, a invasão pelo mexilhão-dourado demanda um grande volume de plâncton para sua alimentação, o que impacta toda a cadeia alimentar, podendo reduzir significativamente populações de peixes e outros organismos do ecossistema que dependam majoritariamente dele como fonte de alimento.

O manejo preventivo e a educação ambiental são o caminho no combate ao mexilhãodourado. “A crescente ameaça econômica causada por espécies como essa oferece um forte incentivo econômico para se investir em manejos preventivos, tais como biossegurança e a erradicação de resposta rápida. Outra questão é estar atento às questões da degradação da bacia do São Francisco e trabalhar a educação ambiental”, concluiu o professor da UFMG.

De carona nos navios

O mexilhão-dourado é um molusco bivalve (que tem concha com duas peças fechadas) de água doce. Originalmente, sua distribuição geográfica estava limitada ao Sudeste Asiático, principalmente ao Rio Yang Tsé, na China. Na década de 1960, foi encontrado pela primeira vez como espécie invasora em Hong Kong e, em 1991, foi achado na América do Sul.

Provavelmente, essa introdução se deu por meio da água armazenada no fundo dos navios para lhes conferir estabilidade (chamada água de lastro). Essa prática introduz espécies não nativas em todo o mundo, pois apenas um navio cargueiro é capaz de transportar milhões de litros de água, que cruzam estados, países e continentes. Essas águas podem conter organismos capazes de sobreviver a viagens de longa distância e duração, e, assim, acabam invadindo novos ambientes à medida que a água é liberada.

Pesquisadores acreditam que o processo de levar peixes de um rio para o outro - “peixamento” - contribuiu para deslocar o molusco para o São Francisco - as larvas, invisíveis a olho nu, podem estar na mesma água.

Webinário

Preocupado com a invasão do mexilhãodourado, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) realizou um webinário sobre o tema. O objetivo foi mostrar o que é uma espécie invasora, as questões do mexilhãodourado e como conviver com mais esse desafio na bacia. O webinário foi apresentado pelo professor Newton Ulhôa, da UFMG, e moderado pelo conselheiro do CBHSF, o professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Carlos Garcia.

Assista ao webinário sobre o mexilhão dourado em: bit.ly/3WaW00y

O mexilhão-dourado foi encontrado no Rio São Francisco pela primeira vez em 2015 e representa uma ameaça para bacia

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A espécie invasora mexilhãodourado é conhecida pelo potencial de ocasionar obstrução de tubulações e equipamentos em instalações hidrelétricas e de abastecimento

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MEXILHÃO DOURADO

ORIGEM

China e Sudeste Asiático..

QUANDO CHEGOU AO BRASIL

1998, vindo da Argentina, onde aportou em 1991, a partir de água de lastro de navio.

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PREJUÍZOS BRASIL ARGENTINA

Destruição da vegetação aquática; Disputa por alimento com os moluscos nativos; Prejuízos à pesca;

Entupimento de canos e dutos de água, esgoto e irrigação;

Entupimento de sistemas de tomada de água para geração de energia elétrica.

COMO IMPEDIR A PROLIFERAÇÃO

Não transportar restos de plantas para outros lugares no rio, principalmente rumo à cabeceira;

Não transportar peixes contaminados, principalmente de tanques-rede;

Limpar o barco regularmente. Se estiver com mexilhões, utilizar lixa e cloro, em local afastado do rio.

mais afetadas
Regiões
URUGUAI MG SP PR RS BA Foi encontrado recentemente na bacia do São Francisco 19
Clermont Cintra
Infografico:

AÇÃO COLETIVA

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Para denunciar a falta de diálogo com o governo de Minas Gerais, sete organizações da sociedade civil renunciaram coletivamente às suas representações nos conselhos ambientais deste estado. O grito coletivo de resistência foi um protesto contra a transformação dos conselhos em “teatros” para “legitimar decisões autocráticas”.

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Miguel
Aun

“Quero dizer agora que não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie, chamada humanidade, e não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdades entre ricos e pobres”, lembrou Luís Inácio Lula da Silva, em celebrado discurso na COP-27, a conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) para mudanças climáticas, ocorrida no Egito, em meados de novembro. Na ocasião, o presidente eleito propôs uma aliança para combater a fome em todo o mundo e cobrou dos países ricos o cumprimento da promessa de recursos para o enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas nos países mais pobres. Também prometeu se esforçar para zerar o desmatamento até 2030, punindo o garimpo, a mineração, a extração da madeira e a agropecuária ilegais no Brasil.

Se, em Brasília, a sinalização do novo governo é de estabelecimento de uma força-tarefa para a proteção do meio ambiente, em Minas Gerais, o poder estadual parece caminhar na direção oposta. Pelo menos é o que aponta o pedido de demissão coletiva de sete Organizações Não Governamentais (ONGs), que anunciaram a saída do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH/MG). O documento de renúncia foi lido na reunião do Copam, no dia 17 de novembro, por uma representante da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda). Segundo o coordenador do Instituto Guaicuy, Marcus Vinícius Polignano, também Vice Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), os conselhos deixaram de ser fóruns de discussão e proposição de políticas ambientais para o estado.

“O Copam e o CERH deixaram de ser fóruns de discussão e proposição de políticas ambientais e de recursos hídricos para o estado, tornando-se um palco de ´legitimação´ de decisões autocráticas por parte do Executivo”, afirmou: “O governo, de forma unilateral, sem discussão com a sociedade, revoga, modifica e cria normas ambientais à revelia da sociedade e até do Copam”.

As razões da renúncia coletiva se enfileiram. Entre estas, a insatisfação com a aprovação de uma licença de instalação da Taquaril Mineração S.A (Tamisa) na Serra do Curral, cartão postal de Belo Horizonte, quando já havia em andamento o processo de tombamento do local. Caso vá adiante, o projeto da Tamisa pretende explorar uma área equivalente a 1.200 campos de futebol, coberta por Mata Atlântica e Cerrado. Outra polêmica envolveu o desmatamento de quase 12 mil hectares de Cerrado, em Bonito de Minas, próximo ao Parque Estadual Veredas do Peruaçu, no norte do estado. Mirando a expansão do agronegócio, o governo Romeu Zema tratou a proposta como prioridade e o caso só não foi adiante porque a empresa interessada na área pediu o arquivamento do projeto.

“Em vários momentos, nas discussões em torno das licenças concedidas a empreendimentos, principalmente minerários, as proposições da sociedade civil não foram consideradas e, em outros, foram até rebatidas em forma de ataque”, reclamou Tobias Tiago Pinto Vieira, coordenador do Movimento Verde Paracatu (Mover) e coordenador da Câmara Técnica de Cobrança e Outorga do CBHSF. De acordo com ele, em vários momentos, as ONGs tentaram reacender o diálogo com o estado: “A única forma de construir um meio ambiente mais equilibrado em nível estadual é com diálogo. Mas, infelizmente, não obtivemos grandes avanços. Permanecer em conselhos para não poder construir e sempre ser voto vencido nas decisões não faz muito sentido. Estávamos presentes somente para as decisões sem poder opinar”.

A superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Dalce Ricas, também lamentou a postura do governo Romeu Zema: “Temos certeza de que os conselhos deliberativos, com participação da sociedade civil, são fundamentais para Democracia. Por isso, lamentamos a saída, mas nossas sugestões, reclamações e denúncias não eram levadas em consideração. Somente o governo tem razão”. Na sua opinião, não existe hoje qualquer abertura para o debate e as decisões são sempre unilaterais.

Por seu turno, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) declarou, em nota oficial, ter recebido com surpresa a renúncia coletiva das sete entidades, ressaltando que a postura difere das demais 27 ONGs que permanecem no Conselho Deliberativo: “A secretaria segue com propósito de buscar, de forma democrática, e por meio do diálogo, manter o equilíbrio, a transparência e a seriedade em todas as ações ambientais em Minas Gerais”. Apesar da longa nota, em que a Semad se defendeu das acusações, afirmando que os conselhos seguem sendo espaços de discussão, ambientalistas foram às redes sociais apoiar o grito por uma política ambiental participativa em Minas Gerais. “Grave”, escreveu o biólogo André Aroeira, mestre em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre pela UFMG. Para ele, o estado enfrenta a “ditadura do agronegócio e das mineradoras”.

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Fernando Piancastelli Bianca Aun Marcus Vinícius Polignano Tobias Tiago Pinto Vieira

Das sete organizações que renunciaram aos Conselhos em Minas, três se encontram na bacia do Velho Chico: Instituo Guaicuy, Mover e Amda

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Léo Boi

SAÍDA

CRIATIVA

Na bacia do Velho Chico, a indústria da criatividade encontrou solo fértil. Selecionamos seis iniciativas que geram renda e impulsionam a economia local, abraçando a singularidade e a sustentabilidade.

Por Andréia Vitório Economia
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O que é economia criativa? O conceito tem pai, o escritor e pesquisador inglês John Howkins, autor do livro “The Creative Economy: How People Make Money From Ideas”, publicado em 2001. No Brasil, a obra desembarcou com o título “Economia Criativa: Como Ganhar Dinheiro com Ideias Criativas”. Conforme o próprio termo indica, trata-se da junção da criatividade com o capital social para desenvolver produtos exclusivos, que dificilmente poderão ser imitados por outra pessoa ou organização.

A indústria da criatividade, segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), gerou, em 2017, 171 bilhões de reais, abarcando 837 mil trabalhadores. Em 2012, inclusive, o potencial desse mercado chamou a atenção do poder público, com a criação da Secretaria de Economia Criativa, vinculada ao Ministério da Cultura. Na bacia do São Francisco, graças ao imenso manancial cultural, a onda encontrou solo fértil, rendendo uma grande diversidade de negócios pautados pelos valores contemporâneos: singularidade e sustentabilidade.

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Associação Aroeira
Acervo

Um Toque de Mel

Em Brotas de Macaúba, cidade baiana localizada na Chapada Diamantina, um grupo de 14 agricultoras transformou o mel em matéria-prima para a produção de cosméticos. Após um curso de capacitação promovido pela Associação dos Apicultores do Vale do Riacho Grande, criaram a marca “Um Toque de Mel”, com seis produtos à base de mel, própolis e cera de abelhas: shampoo, condicionador, hidratante, sabonete líquido, pomada cicatrizante e sabonete em barra.

“Futuramente, pretendemos inserir a geleia real e o extrato de algumas ervas e plantas medicinais,” comentou Rosana Mendes dos Santos. De acordo com ela, a marca vem contribuindo para ajudar a alertar a comunidade para a importância das abelhas para o meio ambiente, que sofrem com as constantes queimadas e o uso abusivo de produtos químicos nas plantações.

Saiba mais: @um_toque_de_mell

Associação Aroeira

Em 2011, na alagoana Piaçabuçu, foz do São Francisco, nasceu a Associação Aroeira, voltada para o agroextrativismo sustentável. Hoje, já são 45 famílias engajadas na criação de produtos que valorizam as frutas da terra, sobretudo a pimenta rosa. “Já não enxergam mais a gente como coitadinhas que catam frutas no mato para sobreviver”, afirmou Rita Paula dos Santos Ferreira, diretora administrativa e financeira da Aroeira.

Além da pimenta rosa, fazem parte da nova cozinha local o araçádo-mato, o guajiru, o jamelão, a ameixa amarela, a mangaba, a maçaranduba e o tamarindo. Chama atenção o bolo azul de jenipapo servido com pimenta rosa. “Fazemos o que outras pessoas não fizeram, como é o caso da cocada de cambuí”, ressaltou Rita. Também tem geleia, cachaça, sorvete, picolé, suco.

Comercializando o que produzem, as associadas geram renda. E mais: alcançam os mercados convencional, solidário e gourmet. Há pouco mais de um ano e meio foi criada a Cooperativa Ecoagroextrativista Aroeira de Piaçabuçu (Coopearp), para facilitar a comercialização das iguarias.

Saiba mais: @ass.aroeira

Grupo Matizes Dumond

O Velho Chico é a inspiração para o bordado do Grupo Matizes Dumont, nascido e criado em Pirapora, Minas Gerais. São mais de 36 anos de existência, emprestando novas possibilidades criativas à milenar arte. Uma das inovações é o bordado para ilustrar livros, já utilizado por autores ilustres como Rubem Alves, Jorge Amado e Marina Colasanti.

Formado por cinco membros de uma mesma família, o Matizes Dumond tornou-se conhecido pelo bordado livre, que rompe com os padrões da técnica original. “Minha mãe nos ensinou e nós ensinamos para filhas e sobrinhas. Hoje, são três gerações bordando”, contou Sávia Dumont, filha de mãe bordadeira e pai contador de histórias.

Trançando futuros, o Matizes Dumont fundou o Instituto de Promoção Cultural Antônia Diniz Dumont (Icad), contribuindo para gerar renda e inclusão socioprodutiva na comunidade. Já foram capacitadas mais de 200 mulheres que têm na sede, em Pirapora, toda infraestrutura para bordar. São produzidos pelo Icad vestidos, almofadas, lençóis, toalha de banho, entre outras peças.

Saiba mais: @matizesdumontbordados e @icadbordados

“Somos a única cooperativa do Brasil que trabalha com o processamento do umbu e do maracujá da caatinga in natura ”, destacou Dailson Andrade, gestor de mercados privados da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc).

Tem até cerveja à base dessas frutas. E licor, cachaça, doces, polpas de suco. Outras frutas locais também são utilizadas na produção, como goiaba, acerola, manga. Atualmente, são 283 cooperados de base da agricultura familiar que ganham ou incrementam sua renda com as produções.

Essa história começou em 2004, a partir do sonho de agricultores familiares desses três municípios do semiárido baiano, no Território do Sertão do São Francisco.

No modelo de negócio, mulheres são prioridade e representam 70% do quadro. O protagonismo juvenil também é um diferencial, assim como o compromisso com a sustentabilidade.

“Temos em curso uma estratégia de abertura de centros de distribuição espalhados no Brasil. Atualmente, temos dois centros de distribuição na cidade de São Paulo, um em Brasília, um em Salvador e estamos inaugurando outro na cidade de Juazeiro”, explicou Dailson.

Saiba

Bom Bolos Delmiro

“Somos uma empresa jovem, mas sempre tivemos consciência social. Incentivamos os produtores locais, separamos nosso lixo, colaboramos com os coletores de recicláveis, fazemos ações para comunidades carentes e praticamos o preço justo”, afirmou Dioneia Rayane Nunes, da Bom Bolo Delmiro, de Delmiro Gouveia, em Alagoas.

A empresa, fundada em outubro de 2018, passou para as mãos de Dioneia em maio de 2019. Entre as produções, destacam-se os bolos artesanais à base de insumos locais, como macaxeira e milho, comprados de produtores da agricultura familiar do município.

“Começamos, eu e meu esposo, com duas funcionárias. Hoje somos sete e nossa produção aumentou em 50% desde quando abrimos a loja”, celebrou. Ela conta que, sem experiência no início da empreitada, buscou capacitações no Sebrae para chegar ao mercado mais preparada.

Saiba mais: @bombolodelmiro

Sabarabuçu

Da vontade de fazer algo que surpreendesse as pessoas, no sabor e na qualidade, surgiu a Sabarabuçu – Produtos de Jabuticaba. A marca, lançada em 2008, revela em si seu local de origem e tem nome de Estrada Real.

Licor, aguardente, cachaça, cerveja artesanal. Tudo à base de jabuticaba, não à toa chamada de ouro negro em Sabará e considerada patrimônio imaterial do município. Tem também diferentes molhos a partir da fruta: picante, defumado, com mostarda, café, alho. Tem até a versão teriyaki. Sem dizer das geleias com cebola roxa, pimenta e bacon! Isso, além dos tradicionais doces de corte.

Meire Ribeiro, sócio-proprietária da Sabarabuçu, conta que a empresa tem em média um crescimento de 10% ao ano e que esse número deve subir. “Estamos planejando a criação da nossa agroindústria. Com ela, acreditamos que vamos aumentar a produção em mais de 50%. Hoje trabalhamos com a capacidade produtiva de 30 toneladas de jabuticaba/ ano e o nosso foco em 2023 é aumentar esse número para 70 a 100 toneladas/ano.

A empresa é familiar, tem parceria com produtores locais, conscientiza sobre os cuidados com meio ambiente e lançou, em meio à pandemia, seu e-commerce.

Saiba mais: @sabarabucu

Coopercuc

Por Arthur de Viveiros

Fotos: Tiago Rodrigues Ilustração: Albino Papa

HISTÓRIAS DE PESCADORES

Durante o II Seminário de Pesca Artesanal da Bacia do Rio São Francisco, ocorrido na cidade de Buritizeiro, em Minas Gerais, a revista CHICO ouviu os relatos de quatro pescadores que lutam pela preservação do Velho Chico e pela sobrevivência do milenar ofício.

À primeira vista

O amor mudou a vida de Fernanda Henn. Aos 16 anos, acompanhando os pais, ela desembarcara na Bahia, vinda do Rio Grande do Sul. A ideia da família era encontrar um pedaço de terra e adentrar o lucrativo mundo do agronegócio. O plano, porém, não vingara, com o sertão baiano dominado por latifúndios. Mas Fernanda conheceu um pescador, o Tonis. E pouco tempo depois já estavam casados e de mudança para a cidade histórica de Barreiras, às margens do Rio Verde Grande, um dos principais afluentes do Velho Chico na Bahia. “Já tinha meus 22 anos e fui aprendendo a tratar, cuidar do peixe, aprendi um pouco mais sobre a pesca”, contou ela, hoje com 43 anos.

Com o olhar afiado e a sensibilidade à flor da pele, Fernanda logo percebeu que podia fazer mais pela sua nova casa do que apenas limpar os peixes que o marido pescava. “Eu via aquela beira de rio, os pescadores tratavam o peixe ali mesmo, nos barcos, mas havia muito lixo em volta”, lembrou. “Eu e meu marido começamos, então, uma limpeza simples das margens, num pedacinho pequeno da orla”. Com o tempo, o casal mirou a força das crianças: “Passamos a cuidar das fachadas, incentivar as crianças da região a terem esse cuidado também, comprávamos e distribuímos doces, para que elas criassem o hábito de cuidar do rio”.

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Com o olhar afiado e a sensibilidade à flor da pele, Fernanda logo percebeu que podia fazer mais pela sua nova casa do que apenas limpar os peixes que o marido pescava. “Eu via aquela beira de rio, os pescadores tratavam o peixe ali mesmo, nos barcos, mas havia muito lixo em volta”, lembrou. “Eu e meu marido começamos, então, uma limpeza simples das margens, num pedacinho pequeno da orla”. Com o tempo, o casal mirou a força das crianças: “Passamos a cuidar das fachadas, incentivar as crianças da região a terem esse cuidado também, comprávamos e distribuímos doces, para que elas criassem o hábito de cuidar do rio”.

Do trabalho de formiguinha, Fernanda e Tonis decidiram pensar grande: “Desenvolver um trabalho de consciência, de educação ambiental, e, acima de tudo, de luta pelos direitos dos pescadores”. Por essa época, ela foi indicada pelo presidente da colônia de pescadores locais para integrar o Comitê do Rio Verde Grande. Daí em diante, arregaçou as mangas, ajudando a fundar a Associação de Pescadores Artesanais da Bacia do Rio Grande (Apariogrande). Atualmente, preside a associação. “A associação vem justamente com esse objetivo, voltado às questões ambientais, acesso a possíveis editais de fomento, luta pelos direitos, conscientização, buscando fazer um trabalho diferenciado nas colônias”, enumerou. “A gente ainda não fez o acordo de cooperação com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Pretendemos fazer isso já no próximo ano, uma vez que chegamos agora, estamos aprendendo e não queremos tirar o foco do rio”.

Além de comandar a associação, Fernanda também virou pescadora. “Eu fui gostando e aprendendo a pescar, gosto de tratar o peixe, descamar, vender”. O casal costuma dividir a labuta no barco. Às vezes ela pilota a embarcação, enquanto Tonis joga a tarrafa. “Sou encantada com essa arte da tarrafa, de trançar a tarrafa, então fui me envolvendo, pescando”, disse. “A arte de pescar, a ciência que eu fui aprendendo com aqueles pescadores do Nordeste, por exemplo, como é lindo o Surubim no período de desova, nunca tinha visto um Curimatá roncar, pular na piracema, e vi isso tudo em Barreiras”.

Segundo Fernanda: “Essa é a nossa luta, e estamos no seminário para aprender, expandir o conhecimento, o trabalho e, principalmente, para compartilhar o que aprendemos com os pescadores, para que eles sejam agentes de mudança, para transformar a realidade do pescador, valorizar a pesca artesanal, o respeito à categoria, é uma questão de conscientizar, organizar a classe e principalmente de lutar para que nosso rio seja um rio saudável”.

De pai para filho

“Não foi a pesca que surgiu na minha vida, fui eu que surgi na vida da pesca”, comentou José Fausto, pescador e morador do povoado do Brejão, no município de Brejo Grande, em Sergipe. Filho e neto de pescadores do baixo São Francisco, herdara o ofício, do qual tirou o sustento de sete filhos. Atualmente, preside a colônia de pescadores Z-7, sediada em Neópolis, que abrange cinco municípios do leste sergipano.

“Na colônia, eu busco sempre o melhor para os associados, porque eles são meus patrões, são eles que, por meio da contribuição do associado, que é de 25 reais mensais, pagam o salário da diretoria e de mais sete funcionários de carteira assinada”.

A colônia tem uma longa história, fundada em 1931. “Por ser uma colônia com mais de 3.500 pescadores, a necessidade de atendimento é muito grande, e nós procuramos fazer esse atendimento em cada povoado, para que os pescadores economizem o dinheiro que seria gasto em deslocamento”, ressaltou. “Eu espero que, quando chegar o término do mandato ou da vida, possamos ter contribuído para os pescadores da região”. Na sede da associação, os pescadores, mediante pagamento mensal, contam com atendimento médico e odontológico semanal gratuito. “Queremos cuidar dos pescadores e de suas famílias”.

Para José Fausto, “não há meio ambiente sem sociedade, e não há sociedade sem meio ambiente, por isso precisamos de maior educação ambiental, inclusive em relação à carcinicultura na região”. Segundo ele: “A pesca sempre está oscilando. Agora, em outubro de 2022, em Brejo Grande, estamos num período relativamente bom, mas só para aqueles que entram no mar. Quem pegava 100 quilos por semana, agora está pegando 200 quilos por dia, mas quem não entra no mar sofre, pois a pesca está escassa no rio. Vivemos assim, nesse desequilíbrio natural”.

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A grande família

Conhecido como Naldinho, Arnaldo Alves nunca viveu longe do São Francisco. Morador de Lagoa Grande, em Pernambuco, aos oito anos já tinha a primeira canoa para pescar num açude da região. A adolescência e a juventude ele passou pescando. E, já adulto, resolveu que era hora de lutar pelo Velho Chico. Primeiro filiou-se à colônia de pescadores de Sobradinho, na Bahia. Depois, com a dificuldade de deslocamento, transferiu-se para a colônia de Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco. Também sem grande sucesso nessa segunda filiação, optou pela fundação da colônia Z-39, no próprio município, Lagoa Grande. Atualmente, preside a associação, que conta com uma média de 600 associados.

Com exceção de uma filha professora, a família inteira seguiu o caminho de Naldinho. “Três dos meus quatro filhos, minha esposa, todos são pescadores. Fazem a tarrafa, a rede, todos muito inteligentes para a pesca”, comentou, orgulhoso. Aos 61 anos, Naldinho acabou de se aposentar. Ele e a esposa: “Foram 15 anos de INSS pago, minha esposa, que tem 55 anos, também 15 anos de INSS pago, demos entrada no pedido de aposentadoria, e em 90 dias recebemos o comunicado que estávamos aposentados”.

Mesmo já aposentado e após 12 anos na gestão da colônia, Naldinho faz questão de seguir à frente da colônia de pescadores de Lagoa Grande. “Hoje continuo como presidente da colônia, e o ‘barco é pesado’ por lá, mas sempre conversamos com todos, pegamos informações com colegas da pesca, inclusive estamos aqui, com mais 26 pessoas da nossa região, isso para desempenhar um bom trabalho para os pescadores associados”.

Galinha dos ovos de ouro

“O que a gente pode dizer é que o São Francisco é um santo grandioso na vida do pescador. Vivemos por milagre desse rio”, afirmou, com propriedade, Raimundo Ferreira. Em 1986, ele começou a pescar, na região de Três Marias, em Minas Gerais. Antes já havia sido carvoeiro, lavrador e marceneiro. “Tive várias histórias, e me deparei com a pesca nestes últimos tempos, dela tirei o sustento de minha família”.

Segundo Raimundo, de uns tempos para cá, a pesca no Alto São Francisco se tornou uma luta diária: “Se perguntam para mim se dá para sobreviver, eu digo que dá, mas não anda fácil”. Em 36 anos de trabalho, ele conseguiu construir a casa própria e diz que, desde que virou pescador, tem uma vida boa. Ao longo dos anos, experenciou momentos de abundância e momentos de escassez. “É claro que vivemos momentos delicados, por conta da crise hídrica, da poluição, da devastação, do desmatamento, tudo isso proporciona certa escassez de água, mas a gente vai superando isso, levando a vida, nessa luta do dia a dia”, avaliou.

Ele complementou: “O Rio São Francisco trata milhares de famílias, por isso a gente o defende com unhas e dentes, a nossa obrigação é cuidar cada dia melhor dele, ele é a galinha dos ovos de ouro para o pescador, e nós jamais podemos perder esses ovos”.

Com a pescada difícil, Raimundo foi buscar uma alternativa, abrindo uma pequena piscicultura, onde seus filhos também trabalham: “O emprego estava difícil demais, poucas condições de emprego, eu tinha um filho e um neto que pescavam comigo, e hoje eles também trabalham na piscicultura, criam e tratam o peixe, e eu administro, tenho o comércio e vendo esse peixe. A vida da gente é agradecer a Deus por esse nosso Velho Chico”.

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À beira do São Francisco, adornada pelo casario colonial, a bela Piranhas tornou-se cenário para grandes produções do cinema e da televisão, misturando a ficção com a vida real dos moradores da cidade alagoana. Este ano passou por lá a trupe de “Mar do Sertão”.

CIDADE CENOGR

Cultura
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ÁFI CA
Foto Divulgação GloboMontagem Grafica Albino Papa

Entre o final de maio e o início de junho, uma equipe de cerca de 60 pessoas desembarcou em Piranhas, a cidade alagoana que se tornou cenário. Nos últimos anos foram muitas produções, como “Baile Perfumado”, “Entre irmãs”, “Rio Cigano”, “Cordel Encantado” e “Velho Chico”. Desta vez, a missão era filmar cenas de “Mar do Sertão”, a nova novela da TV Globo. Dirigida por Pedro Brenelli, a caravana passou antes pelo Vale do Catimbau, em Pernambuco, segundo maior parque arqueológico do Brasil. Na trama, o sertão se torna muito mais do que apenas paisagem, ganhando inédito protagonismo, ao abrigar uma divertida fábula contemporânea, com o triângulo amoroso formado por Candoca (Isadora Cruz), Zé Paulino (Sérgio Guizé) e Tertulinho (Renato Góes). A luta pelo bem mais precioso da região perpassa todo o enredo: a água do Velho Chico.

“Nossa novela retrata o sertão como ele é: um lugar alegre e colorido. Nós queremos mostrar o Nordeste que vai além da aridez. Queremos resgatar a alegria do forró e a vivacidade da flor do mandacaru”, afirmou Mário Teixeira, o autor de “Mar do Sertão”. Para o diretor artístico Allan Fiterman, a ideia é encantar o público: “Aproveitamos ao máximo os dias em que estivemos pelo sertão nordestino para captar as melhores e mais lindas imagens da região. Estou tentado trazer para a novela a poesia na imagem”.

A jornada teve início pelo Vale do Catimbau. Localizado entre o Agreste e o Sertão pernambucano, o vale conta com diversos sítios arqueológicos, grutas, cemitérios pré-históricos e pinturas rupestres com mais de seis mil anos. Os trabalhos seguiram por mais uma semana em Piranhas, onde foram gravadas cenas da exuberância do São Francisco, assim como as cores e a alegria da cidade de aproximadamente 25 mil habitantes, que teve seu centro histórico como inspiração para a criação de Canta Pedra, a fictícia cidade onde se passa a história de ‘Mar do Sertão’. De acordo com o roteiro, Canta Pedra já foi mar e virou sertão. A profecia de Antônio Conselheiro de que o sertão vai virar mar alimenta a esperança da população. Há muito tempo, o povo de Canta Pedra espera pela chuva enfrentando as dificuldades impostas pela seca.

Um dos desafios das equipes de produção de ‘Mar do Sertão’ foi voltar ao Rio de Janeiro, trazendo para os Estúdios Globo a essência do que fora captado em Pernambuco e Alagoas. “Absorvemos bastante tudo o que vimos durante a nossa viagem ao Nordeste. Nossa história é uma fábula, o que nos dá certa liberdade de criação, mas não queríamos perder as características da cultura nordestina. Fomos a Recife e a Olinda, em mercados e ateliês, em busca de material e ficamos prestando atenção nos detalhes e costumes, em como funciona aquele universo”, contou Flávia Cristófaro, responsável pela produção de arte da novela. “Trouxemos amostras de terra para termos como referência na construção dos nossos cenários”, complementou o cenógrafo Paulo Renato.

Vida real

Para Ranieri Davisson, um jovem guia de turismo de Piranhas, as grandes produções que aterrissam na cidade tornaram-se ganha pão. Como conhece cada palmo daquele chão, é ele quem ajuda a encontrar as locações perfeitas para cada roteiro. A próxima produção já está em marcha, com o legendário diretor Cacá Diegues filmando “Deus ainda é brasileiro”. Em “Mar do Sertão”, Ranieri começou a trabalhar no começo do ano: “Fui procurado pelo produtor de locação do Recife (PE), João Miguel. Informaram a ele que eu já tinha trabalhado em algumas locações e aí iniciamos os trabalhos onde eu levei a produção para os locais ideais com os cenários que procuravam para a novela”, comentou.

Uma das principais locações foi o bar Nossa Bodega, no centro histórico de Piranhas, que abrigou a casa do personagem Daomé (Wilson Rabelo), o pai de Zé Paulino (Sérgio Guizé). Com arquitetura colonial do século 19, a casinha azul, pequena e simples, já fora a morada de dona Zidinha e hoje é um bar decorado com muitas peças de época, como cuscuzeira, bomboniere, luminárias, panelas, canecas e o colorido sertanejo. A proprietária Fabiana Amorim, neta da Dona Zidinha, transformara o espaço em bar no ano de 2018. “A minha ideia com o bar não é ser um grande comércio, mas estar junto dos meus”, comentou Fabiana. “A produção de ‘Mar do Sertão’ gravou cenas sem mexer na decoração.

Foi um imenso prazer receber os atores e uma honra ter o local visto nacionalmente. Estamos felizes pelo destaque que estamos recebendo”.

Com a estreia de “Mar do Sertão”, o Nossa Bodega virou atração turística, de acordo com Fabiana: “Os turistas passam e reconhecem a casa, fotogravam, querem saber os detalhes das gravações”.

Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, Maciel Oliveira, também comemora a visibilidade que a novela “Mar do Sertão” trouxe para a cidade e, sobretudo, para a causa da preservação do Velho Chico. “Mostrar o rio, o povo sertanejo, a Caatinga, a cultura do nosso povo, as belezas naturais da região, a história, tudo é motivo de orgulho”, comentou. “Também é muito importante em temos de valorização do Nordeste. Desta vez, inclusive, muitos atores são da região. Por meio da novela e dos seus personagens os encantos do Velho Chico estão sendo mostrados em sua essência. É uma novela com uma raiz que espalha um pouco do Sertão para o mundo. Com isso espero que os brasileiros de outras regiões reconheçam a cultura tradicional do semiárido brasileiro, bem como a cultura dos nordestinos”.

O agricultor Kelinho Vaqueiro chegou a atuar em “Mar do Sertão”. “Ajudei na produção, emprestando alguns animais. No dia da gravação, acabei fazendo uma ponta”, contou. “Fiquei surpreso e, ao mesmo tempo, feliz. Foi gratificante demais. Creio que nessa vivência ambos ganharam: eu, a experiência; eles, com o fato de ter um morador como personagem, trazendo o modo de falar e agir”. Para Kelinho Vaqueiro, sobrou a fama: “Quando eu passo na rua, dizem: ‘olha o artista’.”

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Piranhas é uma cidade histórica localizada no sertão de Alagoas, às margens do Rio São Francisco. Ator Renato Góes, o Tertulinho da novela “Mar do Sertão” em gravação nos cânions do Rio São Francisco. Azael Gois Pedro Vilela Acervo TV Globo
turismo
Por Karla Monteiro

COISAS DE NOVELA

Um passeio pelo Vale do Catimbau, em Pernambuco, e pelos arredores de Piranhas, em Alagoas, as duas paisagens que compõem a fotografia de “Mar do Sertão”.

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Pedro Vilela

Catimbau

Difícil descrever tão vasta beleza, uma imensidão ladeada por paredões de pedra. Localizado entre os municípios de Buíque, Ibimirim e Tupanatinga, no estado de Pernambuco, o Parque Nacional do Catimbau é o segundo principal sítio arqueológico do país, depois da Serra da Capivara, no Piauí. Além das grutas e pinturas rupestres de seis mil anos, guarda ainda os últimos resquícios da Caatinga, o bioma 100% brasileiro, que se encontra hoje ameaçado de extinção.

Entre as milenares rochas areníticas da região, o atrativo mais famoso do parque é a Pedra da Igrejinha, mais conhecida como Pedra Furada, uma formação natural esculpida pela chuva e pelo vento. Para quem gosta de caminhar, destacam-se três trilhas, cada uma delas com suas especificidades e dificuldade: Torres, Alcobaça e Chapadão.

Com 2,5 quilômetros de extensão, a Trilha do Chapadão é imperdível para apreciar o pôr do sol. Sem dúvida, o mais bonito entardecer do vale. Já a Trilha das Torres, uma caminhada de dois quilômetros, impressiona pelos lapiás, como são chamadas as coloridas camadas sedimentares do trajeto. Por fim, a Trilha Alcobaça leva os visitantes até o maior sítio arqueológico do Catimbau, uma sequência de 50 metros de pinturas entremeadas por imponentes cactos.

Piranhas

A 300 quilômetros de Maceió, Piranhas se transformou em Canta Pedra, a cidade fictícia de Mar do Sertão. Sua maior atração, além da imensidão do Velho Chico, é o centro histórico, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O conjunto arquitetônico abriga cerca de mil casas coloniais coloridas, que, certamente, parecem coisa de novela. Não deixe de visitar a Igreja Nossa Senhora da Saúde, a Igreja de Santo Antônio de Lisboa e o Museu do Sertão.

De Piranhas, também partem os catamarãs rumo aos Cânions do São Francisco, os corredores de água entre paredões rochosos que surgiram após a construção da Hidrelétrica de Xingó. Um dos mais belos passeios deste conjunto de atrações é o Vale dos Mestres, a 41 quilômetros da cidade.

Para quem quiser conhecer a história do cangaço, a dica é visitar a Grota dos Angicos. Nela foram mortos os cangaceiros Lampião e Maria Bonita, em 1938. O local segue repleto do espírito do sertanejo. Ao voltar para a cidade, nada como assistir o pôr do sol do Mirante Secular, onde o Velho Chico enche a vista.

O Vale do
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Pedro Vilela Edson Oliveira Edson Oliveira
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Edson Oliveira Edson Oliveira Azael Gois

Aconteceu

II Seminário de Pesca Artesanal da Bacia do Rio São Francisco

Pescadores e pescadoras de cinco estados do Brasil – Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia – participaram, nos dias 05 e 06 de outubro, do II Seminário de Pesca Artesanal da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, na cidade de Buritizeiro (MG). Realizado pelo CBHSF, o seminário teve como objetivo debater em conjunto com os pescadores do Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco ações para a defesa da revitalização do rio e o uso racional das águas. Também tratou de temas como os impactos dos agrotóxicos no meio ambiente, processo de avaliação do risco de extinção de espécies da fauna brasileira, possíveis impactos da UHE Formoso, as vazões e as cheias do Velho Chico, expedições e, principalmente, a pesca artesanal.

Assita ao vídeo do seminário em: youtu.be/wyEzWZ0CEjE

V Expedição Científica do Baixo São Francisco

Ciência, educação e saúde. A tríade da Expedição Científica do Baixo São Francisco chega à quinta edição ainda mais fortalecida e embasando as ações dos 66 pesquisadores voluntários de todo o Brasil, que, de 3 a 12 de novembro, fizeram das barcas-laboratório o seu lar. Passando por 10 municípios durante o trajeto da expedição, os pesquisadores desenvolveram ações como coleta de amostras e análise da água, do solo, da ictiofauna, da flora, do pescado nas feiras livres, da situação de saúde da população ribeirinha, de indígenas e quilombolas e muito mais. Foram contempladas 35 áreas de pesquisa, cujos resultados serão disponibilizados em livro, à semelhança dos anos anteriores.

Assita ao vídeo da expediçao em: bit.ly/3HOUahE

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Por Mariana Martins Tiago Rodrigues Edson Oliveira

CBHSF participa do XVI SRHNE, em Caruaru (PE)

Entre os dias 06 e 11 de novembro, foi realizado o XVI Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste (SRHNE), em Caruaru (PE). Com o tema “Fortalecendo a capacidade adaptativa em busca da segurança hídrica frente às mudanças climáticas”, o simpósio discutiu a integração das águas do Rio São Francisco, a revitalização de bacias hidrográficas, a efetividade de ações para o desenvolvimento sustentável, a resiliência dos ambientes urbanos e outros temas correlatos. O CBHSF participou com um estande para distribuição de material e divulgação das ações do colegiado.

Assita ao video do simpósio em: bit.ly/3WaLbeZ

III Encontro de Carrancas

A Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) e seus desdobramentos foram o principal tema dos diálogos estabelecidos durante o III Encontro de Carrancas, realizado em Aracaju, nos dias 10 e 11 de outubro, com o apoio do CBHSF. Além das possibilidades de debate, o evento avaliou as interações da FPI com o Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do São Francisco (PRH-SF), visando a ampliação das possibilidades através de metodologias de trabalho em grupo.

Circuito Penedo de Cinema

O Circuito Penedo de Cinema, realizado entre 14 e 20 de novembro sob formato híbrido (virtual e presencial), contou com uma extensa programação inteiramente gratuita, que está disponível no site oficial do Circuito (circuitopenedodecinema. com.br). Com patrocínio do CBHSF, o evento realizou diversas mostras de filmes, debates, oficinas, palestras, rodas de conversa, conferências, apresentações artísticas e muito mais. Nesta edição, o destaque foi para a retomada dos grandes eventos de cinema do antigo Cine São Francisco, que hoje abriga o Centro de Convenções Zeca Peixoto.

Assita ao vídeo do Circuito de Cinema em: bit.ly/3v1cjB1

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Pedro Vilela Michel Oliveira Edson Oliveira

SAM BU RÁ

Ensaio 42
Por Fernando Piancastelli

“Sinto como uma missão. É preciso mostrar essa nascente geográfica às pessoas. Como é possível que ninguém conheça a verdadeira nascente do Velho Chico?” Foi a partir desse questionamento que o fotógrafo e ambientalista Fernando Piancastelli se debruçou sobre a realidade do Rio Samburá, localizado na cidade mineira de Medeiros. Piancastelli, que conhece a região desde 2001, realizou quatro viagens ao local entre 2018 e 2021, cada uma com média de três dias de exploração pela região. O resultado da empreitada é o fotolivro “Samburá: à sombra de um rio”.

Assista ao vídeo “Samburá, à sombra de um rio” e entenda a diferença entre a nascente histórica e a nascente geográfica do Rio São Francisco. bit.ly/sambura-a-sombra-de-um-rio

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cbhsaofrancisco.org.br
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