Revista CHICO nº 16 - Dezembro de 2024

Page 1


REVISTA DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO - DEZEMBRO DE 2024

Expediente

Presidente: José Maciel Nunes de Oliveira

Vice-Presidente: Marcus Vinícius Polignano

Secretário: Almacks Luiz Carneiro da Silva

Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF, Tanto Expresso Comunicação e Mobilização Social www.tantoexpresso.com.br

Coordenação-geral: Paulo Vilela, Pedro Vilela e Rodrigo de Angelis

Coordenação de comunicação: Mariana Martins

Edição: Karla Monteiro

Assistente editorial: Arthur de Viveiros

Textos: Andréia Vitório, Arthur de Viveiros, Hylda Cavalcante, Juciana Cavalcante, Karla Monteiro, Leonardo Ramos, Mariana Martins e Paulo Barcala

Projeto gráfico: Márcio Barbalho

Diagramação: Albino Papa

Fotos: Ascom / FPI, Ascom Fliparacatu

Azael Gois, Bianca Aun, Edson Oliveira, Fernando Piancastelli, Kel Dourado, Léo Boi, Manuela Cavadas, Marcizo Ventura, Robson Oliveira e ShutterStock, Capa: João Alves

Ilustrações: Albino Papa

Revisão: Isis Pinto

Impressão: EGL Editores

Tiragem: 3500 exemplares

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Direitos reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

Secretaria do Comitê: Rua Carijós, 166, 5º andar, Centro - Belo Horizonte - MG CEP: 30120-060 - (31) 3207-8500 secretaria@cbhsaofrancisco.org.br

Atendimento aos usuários de recursos hídricos na Bacia do Rio São Francisco: 0800-031-1607

Assessoria de Comunicação: comunicacao@cbhsaofrancisco.org.br

Online english version: bit.ly/Chico16English

Acesse os conteúdos multimídia do CBH São Francisco:

www.cbhsaofrancisco.org.br

Acesse o site do CBHSF

Utilize o seu celular e acesse o QR Code

Instagram: Instagram.com/cbhsaofrancisco

Facebook: Facebook.com/cbhsaofrancisco

Publicações On-line: issuu.com/cbhsaofrancisco

Vídeos: youtube.com/cbhsaofrancisco

Fotos: flickr.com/cbhriosaofrancisco

Podcasts: soundclound.com/cbhsaofrancisco

SUMÁRIO

Editorial Páginas verdes

24 Mineração

Só Vendo a Vista

28 Meio Ambiente O Intenso Agora

34 Ações CBHSF

54

Ensaio

52

46 Aconteceu

Turismo

Vinhos Sertanejos

38 Perfil Luciana Khoury

UM BRINDE A 2025

Na Praça de Navona, em Roma, encontra-se a Fontana dei Quattro Fiumi, um símbolo do papel vital dos rios na história da humanidade. Projetado por Gian Lorenzo Bernini, artista do barroco italiano, entre 1648 e 1651, o monumento celebra os quatro principais cursos d’água no século 17: o Nilo, na África; o Ganges, na Índia; o Prata, na América do Sul; e o Danúbio, na Europa. Desde tempos imemoriais, todas as grandes civilizações se ergueram assim, à beira de um grande rio, porém, paradoxalmente, ao longo dos séculos, os mesmos rios que possibilitaram o seu florescimento foram sendo assassinados.

Como mudar essa triste história? A experiência em várias partes do planeta demonstra que o caminho é a Cobrança pelo Uso da Água. Na reportagem “Pelos Rios do Mundo”, um giro para entender a quantas andam os mecanismos de cobrança e a consequente revitalização de nove rios que cortam importantes países, do Volga, na Rússia, passando pelo Sena, na França, e pelo Tâmisa, na Inglaterra, ao Mississipi, nos Estados Unidos. Noutra reportagem, “O Custo da Água”, a radiografia da legislação brasileira: Quem paga? Quando custa? Como é cobrada a taxa? Por que é importante?

ilustração: Albino Papa

Nas Páginas Verdes, o climatologista Carlos Nobre, referência mundial quando o assunto é aquecimento global, acende o alerta vermelho: ou cuidamos do planeta, sobretudo das águas, ou, já no próximo século, a humanidade estará extinta. “As metas terão que ser infinitamente mais ambiciosas, possivelmente teremos que zerar todas as emissões de gases muito antes de 2040. Será o maior desafio que a humanidade já enfrentou”, disse à revista CHICO. Enquanto isto, na reportagem “Só Vendo a Vista”, o Projeto Apolo, da mineradora Vale, ameaça a Serra do Gandarela, região metropolitana de Belo Horizonte, onde se acha o último aquífero intacto do quadrilátero ferrífero.

A notícia boa é que a cultura resiste. Em “Poesia da Luta”, os casos e acasos da Fliparacatu, o Festival Literário Internacional de Paracatu, cidade mineira banhada pelo maior afluente do São Francisco, o Rio Paracatu. Por cinco dias, pelo centro histórico, desfilaram nomes importantes da literatura brasileira, como Ailton Krenak, Conceição Evaristo e Itamar Vieira Jr. Para encerrar, um brinde de final de ano, com os vinhos sertanejos. Transformado em destino para o enoturismo, o Vale do São Francisco oferece, além da paisagem exuberante, um cardápio para todos os gostos.

Feliz 2025!

Páginas Verdes

Por: karla Monteiro Fotos: Kel Dourado

ENTÃO ESTAREMOS PRÓXIMOS DA

SEXTA EXTINÇÃO

O climatologista Carlos Nobre, referência mundial quando o assunto é aquecimento global, não está otimista. Se tudo continuar caminhando na mesma toada, sem mudanças radicais, já no próximo século estaremos extintos. Seria a “sexta extinção”, segundo ele. Nos últimos 500 milhões de anos, a Terra passou por cinco momentos em que a vida foi dizimada. Esses períodos ficaram conhecidos como as cinco grandes extinções em massa. Agora, em junho de 2023, um limite perigoso foi cruzado, com o aumento da temperatura do planeta em 1,5oC. Caso a elevação se confirme nos próximos dois ou três anos, a coisa pode ficar feia. “As metas terão que ser infinitamente mais ambiciosas, possivelmente teremos que zerar todas as emissões de gases muito antes de 2040. Será o maior desafio que a humanidade já enfrentou”.

Aos 73 anos, Nobre é o primeiro cientista brasileiro a integrar o Planetary Guardians, grupo de pesquisadores e ativistas criado pelo bilionário Richard Branson. A missão dos chamados guardiães do planeta passa por diversas iniciativas, como elaborar e divulgar pesquisas científicas sobre meio ambiente, defesa de populações vulneráveis e transição energética. Nascido em São Paulo, Nobre também é membro da Academia Brasileira de Ciências, além de fazer parte da Royal Society. Integrou ainda o time que, junto com o ex-presidente dos EUA, Al Gore, recebeu o Prêmio Nobel da Paz por alertar sobre os riscos do aquecimento global. Suas pesquisas sobre a savanização da Amazônia embasam os estudos sobre o temido ponto de não retorno da floresta.

“Eu fui o primeiro a publicar um artigo científico, em 1990, sobre os riscos das mudanças climáticas para a Amazônia, que hoje está à beira do colapso”, disse Nobre à CHICO: “Nós estamos tão perto do ponto de não retorno que nós precisamos, imediatamente, zerar o desmatamento e a degradação. Temos ainda que restaurar uma grande quantidade de floresta, eu diria, não menos que 500 mil quilômetros quadrados”.

Qual o legado do governo Jair Bolsonaro para o meio ambiente? Na sua opinião, a negação da crise climática pelo expresidente tem consequências no hoje?

No mundo inteiro, estamos vendo a eleição de políticos populistas, principalmente de extrema-direita, mas também de extrema-esquerda. E esses populistas são negacionistas da emergência climática, como o foram o ex-presidente Donald Trump e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Nos Estados Unidos, durante o governo Trump, as emissões de gases do efeito estufa aumentaram muito. Aqui ocorreu o mesmo, sem nenhuma política voltada para o meio ambiente. Pelo contrário. No Brasil, tivemos, durante o governo passado, a explosão dos desmatamentos, que quase dobraram na Amazônia. Além disso, vimos a expansão da agropecuária tradicional. Também não houve nenhuma política de adaptação das populações à nova realidade do planeta. Em todos os sentidos, quando esse tipo de político é eleito, assistimos a retrocessos. Trump tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. Se for reeleito, prometeu autorizar todas as explorações de petróleo e gás natural. Isso vai ter um impacto negativo no mundo. Tudo é preocupante. O governo do Bolsonaro foi extremamente preocupante. Antes da reunião do G20, na Itália, por exemplo, ele chegou a ir na terra indígena Raposa do Sol, em Roraima, reunir-se com garimpeiros ilegais, premiando um modelo econômico de destruição dos ecossistemas. Desde que se começou a falar em crise climática, não houve no Brasil um presidente tão negacionista.

O presidente Lula assumiu o cargo com o discurso oposto, até propondose a liderar globalmente as mudanças necessárias para enfrentar a questão climática. O que avançou e o que ficou só na conversa?

Logicamente só a presença da ministra Marina Silva no Meio Ambiente já muda a abordagem. Há muito tempo, ela vem falando de práticas importantíssimas, que agora vemos sendo debatidas ou implantadas. Sabemos que, em 2022, 75% das nossas emissões vieram de desmatamento da Amazônia e do Cerrado, além da prática da agropecuária. Sendo assim, o presidente Lula assumiu propondo-se a zerar os desmatamentos de todos os biomas até 2030 e, de fato, tivemos um grande sucesso. Em 2023, a redução, na Amazônia, foi de 50% em relação a 2022. E, no desmatamento da Mata Atlântica, a redução foi de 26%. No caso do Cerrado, infelizmente, houve aumento. No geral, na questão do desmatamento a política do governo Lula tem sido positiva. Agora, é lógico, em 2024, com os incêndios, a degradação agravou. Praticamente todos os incêndios ilegais. Seca, onda de calor, claro, agravam o quadro de queimadas, mas a questão maior foi o crime organizado querendo ganhar esta guerra. Fora isto, o governo Lula ainda não agiu com eficiência nas políticas de adaptação das populações às mudanças climáticas. Isso está muito atrasado no Brasil.

Quando se fala em metas para conter o aumento da temperatura dos oceanos, do que estamos falando?

No Acordo de Paris, de 2015, ficou estabelecido que o aumento da temperatura da Terra não poderia passar de 2 graus. E o ideal seria não ultrapassar 1,5 grau. Para conter a temperatura, foram estabelecidas, então, metas de redução da emissão de gases. Porém, na COP-26, em 2021, na Escócia, estabeleceu-se que não se poderia, de jeito nenhum, chegar nos 2 graus, pois

o risco para o planeta seria avassalador. Ficou estabelecido que a meta seria a redução das emissões em 46% até 2030, além de zerar as emissões líquidas até 2050. Só que, a partir de junho do ano passado, já atingimos o aumento de 1,5 grau. Se continuarmos assim nos próximos dois anos, consolidando esse aumento de 1,5 grau na temperatura, as metas terão que ser infinitamente mais ambiciosas, possivelmente teremos que zerar todas as emissões muito antes de 2040. Será o maior desafio que a humanidade já enfrentou. Teremos que criar gigantescos projetos de restauração florestal, capazes de retirar da atmosfera 5,6 bilhões de toneladas de gás carbônico, para garantir que não passaremos muito desse 1,5 grau. Depois, seguindo com a remoção de gás carbônico, poderemos, daí, chegar ao fim do século com aquecimento inferior a 1,5 grau. É possível? Sim, mas muito difícil.

O senhor já publicou estudos amplamente divulgados acerca do ponto de não retorno da Amazônia. O que é o ponto de não retorno? Já estamos quase lá?

Sim, fui o primeiro cientista que, lá trás, em 1990, escreveu um artigo mostrando que se houvesse muito desmatamento nós passaríamos do ponto de não retorno na Amazônia. Por quê? A degradação atingiria todo o sul da floresta, porque a estação seca ali aumentaria para seis meses ou mais. E isso é o envelope climático do Cerrado. Depois disso, realizamos centenas e centenas de estudos. Infelizmente a Amazônia está agora muito próxima do ponto de não retorno. Do Atlântico à Bolívia, a estação seca aumentou entre 5 e 6 semanas em quatro décadas, desde 1979. Em duas ou três décadas, vai atingir, provavelmente, seis meses por ano. Assim não há como manter, entre 50 e 60% da Amazônia vai ser degradado. Isso vai jogar cerca de 250 a 350 bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, tornando impossível ficar abaixo de 1,5 grau de aumento da temperatura. Temos que buscar soluções na natureza, zerando completamente o desmatamento o mais rápido possível e combatendo a atuação do crime organizado na região. Na COP-28, o Brasil lançou o arco da restauração: restaurar 240 mil quilômetros quadrados entre agora e 2050, sendo 60 mil quilômetros quadrados até 2030. Em toda a Amazônia, precisamos restaurar mais de 500 mil quilômetros quadrados até 2040. Só assim poderemos evitar o ponto de não retorno. Para isso, temos que criar uma nova economia, uma socioeconomia de floresta em pé, usando os produtos da maior biodiversidade do planeta.

Fala-se muito de Amazônia e muito pouco do Cerrado e da Caatinga. O que o senhor diria sobre esses dois biomas tão maltratados?

A professora Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, tem demostrado que o Cerrado, assim como a Amazônia, está muito próximo do ponto de não retorno. Segundo estudos do INPE, o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais, a Caatinga inclusive já expandiu sobre o Cerrado cerca de 200 mil quilômetros, ali entre oeste da Bahia, Maranhão e Piauí. O Cerrado vai se tornando semiárido. A estação seca no Cerrado está cada vez mais longa. A professora Mercedes mostrou que mais de 50% do Cerrado pode se transformar em semiárido. Por outro lado, também a Caatinga está próxima do ponto de não retorno. No norte da Bahia, a condição já é de semideserto. Esses dois ecossistemas estão correndo muito risco. Temos que parar o desmatamento já e criar grandes projetos de restauração florestal.

Alguns ambientalistas dizem que o Rio

São Francisco também está perto do seu ponto de não retorno. O senhor conhece a situação do São Francisco? Teria alguma consideração sobre a importância dele para o país?

A situação do Rio São Francisco hoje é o exemplo direto do impacto das mudanças climáticas, que, a cada ano, reduz o volume de chuvas na bacia. Isso vem ocorrendo há décadas. Além disso, os desmatamentos do Cerrado e da Caatinga provocam erosão, levando para o rio muito sedimento. São Francisco é superimportante para o país. Mais uma vez: é preciso projetos de restauração da vegetação para reter águas das chuvas.

Qual o futuro das águas diante do aquecimento global? O que o futuro nos reserva em termos de recursos hídricos?

É muito grave o que temos feito. Sobretudo no Brasil, o aquecimento global atinge muito o ciclo de chuvas em várias regiões do país. Os recursos hídricos vão se reduzir muito para a manutenção da biodiversidade. Boa parte da Caatinga pode virar semideserto. Grande parte do Cerrado pode virar semiárido. Mais de 50% da Amazônia pode sumir. Grandes riscos. Se chegarmos ao final do século com aumento de temperatura de 3,4 graus, é o Ecocídio. Então, estaremos próximos de gerar a sexta extinção de espécies.

O escritor estadunidense Jonathan Franzen escreveu um artigo para a revista Piauí intitulado “E Se Parássemos de Fingir?”. No texto, avalia o cenário, os esforços globais e conclui que deveríamos encarar o fato de que estamos caminhando para a extinção da humanidade. O senhor concorda? Há futuro?

O artigo dele é verdadeiro. Esperávamos chegar a um aquecimento de 1,5 grau só em 2030, 2035. No entanto, estamos conseguindo isso dez anos antes. Se continuarmos com as emissões de gases do efeito estufa do jeito que é hoje, certamente nós não teremos futuro.

Leo Boi

Por: Léo Ramos, Arthur de Viveiros e Deisy Nascimento

Fotos: Léo Boi

O CUSTO DA ÁGUA

Quem paga? Quanto custa? Como o valor é calculado? Por que é importante? A arrecadação por meio da Cobrança pelo Uso da Água é a maneira mais eficaz de financiar os projetos de recuperação da Bacia do Rio São Francisco

Desde o começo dos anos 2000, a Cobrança pelo Uso da Água está em debate. Em 1997, foi oficialmente instituída pela chamada “Lei das Águas” e, desde então, vem sendo progressivamente implantada de bacia em bacia. Hoje já são 34 bacias hidrográficas que se valem dos recursos desse importante instrumento econômico de gestão das águas. A previsão é de que, em 2025, a cobrança seja para todos os Comitês. A importância é óbvia. Com o dinheiro arrecadado torna-se possível a estruturação de programas, ações e intervenções incluídos nos Planos de Recursos Hídricos dos Comitês de Bacia, sempre com vistas à melhoria da quantidade e da qualidade das águas dos rios.

Segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), “essa cobrança não é um imposto, mas sim uma remuneração pelo uso de um bem público: a água. Todos e quaisquer usuários que captem, lancem efluentes ou realizem usos consuntivos diretamente em corpos de água necessitam cumprir com o valor estabelecido”.

O valor é determinado por cada Comitê, a partir da ampla discussão entre poder público, sociedade civil e usuários. Conforme explicou Thiago Barros, coordenador de Sustentabilidade Financeira e Cobrança da ANA, a agência emite os boletos e encaminha aos usuários que possuem outorga de uso. “À medida que ocorre a arrecadação deste recurso na bacia, a totalidade dele é repassada, por meio da Agência Peixe Vivo (APV) [entidade que funciona como secretaria executiva do Comitê], para implementação do Plano de Bacia”, completou.

O QUE É OUTORGA

De acordo com a ANA, “é uma autorização oficial para o legítimo exercício do direito de acesso à água dentro de parâmetros de controle quantitativo e qualitativo”. O objetivo é assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água. Aqueles usuários que realizarem captação de água ou lançamento de efluentes devem solicitar junto ao órgão competente a outorga para o devido fim. Captações e lançamentos de pequeno porte, chamados “insignificantes”, dispensam a outorga. Cabe ao órgão gestor responsável de cada bacia definir quais volumes são considerados insignificantes. “A outorga tem a ver com o direito de uso, e a cobrança tem a ver com a gestão das águas”, explicou Marcus Vinícius Polignano, vice-presidente do CBHSF.

No caso do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) não foi diferente. O colegiado foi o terceiro Comitê do país a implementar a Cobrança pelo Uso da Água em rios de domínio da União, em julho de 2010. Os valores atuais da cobrança estão discriminados no site da ANA e foram definidos em 15 de setembro de 2016, quando o CBHSF aprovou a atualização do Plano de Recursos Hídricos (PRH), para o período de 2016 a 2025. Esse ato resultou na atualização dos valores. Hoje, em caso de captação de água bruta, o valor cobrado, por metro cúbico, é de R$ 0,0158. Pelo consumo, R$ 0,0316 por metro cúbico. Já no caso de lançamento de efluentes, R$ 0,0016 por metro cúbico.

É de responsabilidade do usuário realizar o automonitoramento, que envolve medir, registrar e armazenar os dados de captação, lançamento e qualidade da água. A partir daí, ele deve enviar esses dados para a ANA, que fará o cálculo do valor a ser pago pelo uso da água. O boleto com a cobrança deve ser baixado diretamente no site da agência.

Para onde

vai o dinheiro

O valor arrecadado pela ANA é integralmente repassado ao CBHSF, por meio da Agência Peixe Vivo, APV. Segundo André Horta, Gerente de Gestão Estratégica da APV, “os recursos financeiros arrecadados pela cobrança são repassados às Agências de Bacias Hidrográficas, que, como a Agência Peixe Vivo, contratam estudos, obras e projetos que visam implementar os Planos de Recursos Hídricos estabelecidos pelos Comitês de Bacias Hidrográficas”.

Daí para a frente, cabe ao colegiado do CBH, levando em conta suas diversas instâncias, conduzir a alocação do dinheiro, por meio da seleção de projetos e ações prioritárias. Os critérios para essa escolha também são aprovados pelo CBHSF e são essencialmente técnicos e de domínio público, cabendo à APV a fiscalização da execução das ações.

“Assim, há um ciclo de retorno direto ao usuário por meio da melhoria contínua da qualidade e disponibilidade da água”, completou: “Essa gestão integrada garante a sustentabilidade hídrica, assegurando que os mananciais possam atender às necessidades atuais e das futuras gerações”.

De acordo com Marcus Vinícius Polignano, vice-presidente do CBHSF, os recursos são destinados “através do instrumento maior, que é o Plano Diretor de Recursos Hídricos” (PDRH), e que o plano de aplicação “é decidido pela Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos (CTPPP). “E a gente tenta ver todas as demandas vindas da base, das Câmaras Consultivas Regionais (CCRs), da população e das comunidades através de um planejamento feito juntamente com a agência de bacia”.

O valor arrecadado com a cobrança pode financiar, por exemplo, Projetos de Recuperação Hidroambiental, Planos Municipais de Saneamento Básico e ações como a organização de seminários, reuniões, eventos, dentre outros. Segundo levantamento da APV, até agosto de 2024, o CBHSF executou quase R$ 10,5 milhões em projetos que beneficiaram, direta e indiretamente, os usuários ao longo da bacia. Um dos exemplos é o projeto de capacitação, já finalizado, direcionado a irrigantes, com o objetivo de fornecer técnicas para o manejo da irrigação. Esse é um projeto que beneficia diretamente aqueles que possuem outorgas. Nessa capacitação, o CBHSF investiu mais de R$ 1 milhão, levando a diversos usuários em todas as regiões da bacia hidrográfica um conhecimento que, ao mesmo tempo, pode aumentar a produtividade e contribuir para o uso racional dos recursos hídricos.

Pedra no caminho

Mesmo sendo um instrumento de gestão tão importante para ações de revitalização em bacias hidrográficas, os valores arrecadados por meio da Cobrança pelo Uso da Água poderiam ser bem mais expressivos, não fosse a inadimplência. “Nesse período de cinco anos, de 2019 até 2024, o valor chega a R$ 54 milhões e 15 mil reais aproximadamente. É um valor elevado, se a gente considerar que a bacia arrecadou no último ano R$ 43 milhões”, alertou Barros.

Para se ter uma ideia, com o valor que deixou de ser pago, o CBHSF poderia executar 75 projetos de soluções individuais de tratamento de efluentes domésticos, como o que está sendo executado na comunidade de Tamboril, em Jaíba (MG). Ou 25 obras como a de interligação da rede de esgoto sanitário do Centro Histórico de Penedo (AL) com a Estação de Tratamento de Efluentes (ETE), prevista para ser finalizada em setembro de 2025.

“Evidentemente que todos aqueles que têm outorga de água têm essa obrigação legal de fazer esse pagamento”, relembrou Polignano. Para ele, o valor cobrado tem, inclusive, valor simbólico de valorização de um bem comum: “Uma das coisas que nos preocupa muito é a inadimplência, porque, enquanto a gente vê uma parte grande de usuários cumprindo com as suas obrigações legais, mantendo os seus pagamentos em dia e beneficiando o coletivo e, inclusive, a si mesmos, a gente às vezes assiste àqueles que vão ficando inadimplentes no processo, ou seja, que não dão a sua obrigação legal. E isso contribui para que falte recursos para que o Comitê exerça plenamente as suas ações”.

Para Polignamo, pagamento pelo uso da água não é só uma exigência legal, “mas uma contribuição socioambiental de relevância significativa para que o Velho Chico mantenha toda a sua vitalidade e continue alimentando todas as populações e a economia da bacia”.

Proposta de mudança na metodologia preocupa membros do CBHSF

A ANA abriu, no último mês de novembro, a Consulta Pública nº 08/2024, para receber sugestões da sociedade para a proposta de alteração do artigo 7º da Resolução ANA nº 124/2019, documento que contém os procedimentos operacionais para a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União (interestaduais, transfronteiriços e reservatórios federais).

Segundo a proposta, para alteração da Resolução nº 124/2019, os usos de recursos hídricos de um determinado ano serão cobrados no ano seguinte. Como regra de transição, a alteração proposta prevê que - nos casos dos usos de recursos hídricos nas bacias dos rios São Francisco; Doce; Paraíba do Sul; e Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) - os usuários de águas de domínio da União poderão solicitar à ANA que, durante os próximos três anos, o uso de recursos hídricos, efetuado num determinado ano, seja cobrado nesse mesmo exercício, ao final do ano corrido.

Durante reunião da CCR Baixo São Francisco, realizada também em novembro, foram expressas preocupações quanto aos impactos financeiros dessa transição, como a possibilidade de inviabilizar projetos já programados. O presidente do CBHSF destacou a necessidade de mobilização para evitar prejuízos à gestão hídrica e aos projetos em andamento.

A HISTÓRIA DE CADA UM

Em vários países, seja por meio de leis, ações privatistas, regulação firme do Estado ou expectativa de mudanças imediatas, o debate sobre a Cobrança pelo Uso da Água e a consequente revitalização dos rios avança, mas não existe receita de bolo

Quando o assunto é aquecimento global, trata-se, basicamente, de uma coisa: crise hídrica. Segundo a ONU, no artigo intitulado “Água e Mudança Climática”, o impacto está à vista de todos, em secas cada vez mais prolongadas e enchentes avassaladoras. Além disso, as geleiras andam derretendo. Daqui por diante, o maior desafio da humanidade talvez seja justamente preservar e revitalizar nascentes e rios. Mas como fazer isso? Onde buscar o dinheiro? Para especialistas no assunto, a Cobrança pelo Uso da Água talvez seja o único caminho. No mundo inteiro, governos, juntamente com a sociedade civil, debatem o tema. Qual o melhor modelo de cobrança? Dos Estados Unidos à Alemanha, passando por Canadá, Inglaterra ou França, as estratégias mudam. Cada país encontra-se num estágio diferente de projetos, mas o desafio unifica: equilibrar a gestão dos recursos hídricos com crescimento econômico.

Desde 1997, quando nasceu o Plano Nacional de Recursos Hídricos, o Brasil se inspira na experiência francesa. A França largou na frente, pioneira nas ações de recuperação de rios, apoiadas na Cobrança pelos Usos da Água. Por lá, o modelo de gestão dos recursos hídricos foi implantado ainda em 1966. Mesmo assim, durante as Olimpíadas de Paris, os orgulhosos franceses passaram por maus bocados. Apesar de o governo já ter gasto US$ 1,4 bilhão com ações para a revitalização do Rio Sena, às vésperas dos jogos, foram registradas altas taxas de poluição, que levaram manifestantes às ruas com questionamentos sobre os mecanismos de cobrança. Na França, a legislação leva em consideração a atividade do setor: industrial, mineral, saneamento, agropecuária, geração de energia, entre outros.

De acordo com o professor Partrick Laigneau, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o sistema francês foi, primeiramente, dividido em diferentes tipos de cobrança. Hoje, com o aprimoramento das regras, já são sete. Cobra-se pela captação de água, nível de poluição, modernização das redes de coleta de esgoto, poluições difusas, armazenamento de água em período de estiagem, obstáculos nos cursos d’água (barramentos) e proteção dos ecossistemas aquáticos. A partir de 2008, com o aumento exponencial das taxas por poluição, os usuários gritaram contra o aumento nas faturas, o que levou a uma mudança na forma de cobrança, sendo introduzida uma taxa de “cobrança pela modernização das redes de coleta de esgoto”. Na ocasião, a cobrança pela poluição passou a ser diretamente proporcional ao volume de água faturado aos usuários domésticos.

O Tâmisa e a desprivatização

Já o Reino Unido anda às voltas com as regras de gestão das águas. No momento, cogita, inclusive, mudar a política para as empresas do setor, voltando a estatizar boa parte do segmento. É importante frisar, entretanto, que apesar dessas dificuldades, o Rio Tâmisa, o rio símbolo da Inglaterra, um dos mais importantes do mundo, serve até hoje como exemplo significativo do que pode ser feito em termos de recuperação. O Tâmisa foi considerado biologicamente morto e renasceu em menos de 50 anos de investimentos. No século 19, era conhecido como “O Grande Mau Cheiro”, disseminando doenças como a cólera. O primeiro passo para a mudança foi a construção de um sistema de captação de esgoto. Desde então, as estações vêm sendo ampliadas. Todos os dias barcos passeiam pelo Tâmisa, retirando lixo, mapeado por meio de câmeras de vídeo, radares e sonares. Com o cuidado, a vida voltou, com 125 espécies de peixes e mais de 400 espécies de invertebrados. A despoluição também foi resultado de reforma das estações de tratamento, fiscalização de despejo, tratando do material orgânico e inorgânico e consertos de encanamentos. Os bons resultados, no entanto, estão ameaçados. Entre os principais conflitos observados não apenas no Tâmisa, mas também em vários rios do Reino Unido, acha-se a gestão das inundações, que, com as mudanças climáticas, voltaram a acontecer.

Além disso, a gestão das águas também tem sido palco de disputas entre os diferentes interesses dos usuários, incluindo demandas agrícolas, industriais e de abastecimento público.

Com a troca, este ano, do primeiro-ministro do Reino Unido, o premier Keir Starmer assumiu o cargo se comprometendo a estudar alternativas. Conforme pesquisas, as empresas privadas responsáveis pelo tratamento de água e esgoto apresentam desempenho abaixo do esperado: elevadas perdas, poluição de rios e águas costeiras recebendo lançamentos de esgoto bruto. No Reino Unido, as legislações que regulam o setor são a Lei de Abastecimento de Água, de 1989, e a Lei de Gestão de Água, de 2010. A primeira estabelece o quadro legal para a prestação de serviços de abastecimento de água e saneamento, enquanto a segunda aborda questões relacionadas à qualidade e gestão dos recursos hídricos.

“Foi uma aposta do governo conservador que não valeu a pena – a menos que você seja um presidente-executivo ou acionista de uma empresa de água”, comentou a diretora do Meio Ambiente do Unison (principal entidade europeia independente de gestão de direitos que oferece um serviço de licenciamento multiterritorial), Donna Rowe-Merriman. “Fracassou desastrosamente”.

Mississippi em chamas

Os Estados Unidos não possuem uma “lei de água”, e sim, várias legislações que orientam o consumo e o manejo. No âmbito federal, o país conta com o Clean Water Act (CWA), que se concentra no controle da contaminação das águas superficiais, e o Safe Drinking Water Act (SDWA), que ajuda a garantir a qualidade da água “potável”. Muitas vezes atualizado, o CWA trata da proteção da qualidade das águas superficiais, regulamentando descargas de poluentes. Além disso, reconhece os padrões ambientais estabelecidos pelos estados para águas - que definem normas para a instalação de estações de tratamento.

O CWA também determina que indústrias e outras instalações, tais como escolas, hospitais, companhias de saneamento público e de tratamento de água, possuam licenças (National Pollutant Discharge Elimination System - NPDES) para descarregarem resíduos no leito dos rios, após apropriado tratamento.

Nos EUA, 46 de 50 estados estão atualmente “autorizados” a emitir estas licenças. Já o SDWA está voltado para o estabelecimento de padrões para manter a qualidade das águas potáveis, sejam elas provenientes de fontes superficiais ou subterrâneas.

Embora tenha como base o que está previsto no CWA e no SDWA, o modelo estadunidense de gestão dos recursos hídricos varia conforme o estado da federação. Desde o final dos anos 80, são autorizadas pelo Congresso transferências de fundos diretamente para os cofres dos estados.

O mais famoso rio dos Estados Unidos, o Mississippi, é também a principal hidrovia do país, fornecendo bilhões de galões de água doce para as principais indústrias e água potável para 20 milhões de pessoas em 50 cidades todos os dias. O rio tem enfrentado, nos últimos anos, problemas que precisam de ajuda mais intensa, como a redução histórica dos seus níveis de água, o que restringe a circulação de barcos e reduz, de forma sensível, a cobrança de taxas. Programas diversos estão sendo estudados e adotados para tentar resolver essas deficiências. Mas a força-tarefa criada com esse objetivo continua em busca de outros parceiros, como universidades, organizações agrícolas e comunidades para aumentar a efetividade dos trabalhos.

Grande Lago do Escravo

O principal rio do Canadá chama-se Mackenzie, tem 4241 quilômetros de extensão. Nasce nas montanhas rochosas, num lugar de nome sugestivo: Grande Lago do Escravo. Com 7% das reservas mundiais de água doce renovável do planeta, o Canadá é um dos maiores produtores de hidroeletricidade do mundo, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). Com as mudanças climáticas, no entanto, além do uso industrial excessivo, o abastecimento e a saúde da água por lá estão ameaçados. Entidades como a The Council of Canadians (Conselho dos Canadenses) costumam frisar que o consumo elevado de água não se dá nas residências, onde é mínimo, e sim, na geração de energia nas hidrelétricas e nas indústrias de uso intensivo de água.

No país, uma série de leis federais, provinciais e municipais regula o uso da água doce. Entre as principais está o Canada Water Act, a lei federal de recursos hídricos, consolidada em 1985, que é atualizada periodicamente e estabelece regras de gestão de uso da água. A Política Federal da Água, de 1987, determina a integração e a responsabilidade pela gestão do recurso compartilhada entre os três níveis governamentais. As províncias são responsáveis pelas águas existentes dentro de suas divisas; os municípios, pelo tratamento e distribuição da água potável a suas comunidades. Já ao governo federal fica a responsabilidade pelas águas que correm em parques nacionais, reservas indígenas e outros territórios da federação. O governo também tem domínio sobre as águas que cruzam as fronteiras entre o Canadá e os Estados Unidos.

Em 2020, o governo federal investiu US$ 155 milhões em um programa de crescimento limpo nos setores de energia, mineração e florestas, com o objetivo de acelerar o desenvolvimento de tecnologias limpas que reduzem as emissões de gases de efeito estufa e poluentes do ar. Parte desses projetos vem dos fundos de pensão canadenses, que são alguns dos maiores do mundo, com ativos totais de mais de US$ 2 trilhões. Para muitos analistas, a financeirização da água é um fenômeno global, mas os fundos de pensão canadenses estão desempenhando um papel de liderança nesse campo e tendem a algumas preocupações, como os riscos de levarem à privatização dos recursos hídricos, à degradação ambiental e ao aumento dos preços da água.

Reno, Danúbio e Elba

Na Alemanha, país de rios históricos como o Reno, o Danúbio e o Elba, o sistema legal que regula a água está fundamentado em diferentes leis. Uma das principais é a Lei Federal da Água (Wasserhaushaltsgesetz – WHG), de 2009, que estabelece os princípios gerais para a proteção e gestão dos recursos hídricos. A WHG abrange regras que vão desde a gestão da qualidade da água, à proteção contra enchentes e a utilização sustentável dos recursos hídricos. Em relação às instituições responsáveis , destaca-se a Agência Federal do Meio Ambiente (Umweltbundesamt – UBA). O processo da cobrança pelo uso da água na Alemanha foi iniciado em 1981 e o sujeito passivo é qualquer usuário urbano ou indústria que lance resíduos nos rios.

Num país de poder municipal forte, foram firmados consórcios locais que, em várias bacias, buscam métodos apropriados de saneamento e abastecimento. No entanto, prevalecem como regulamentadores e gerentes do sistema, os governos federal e estadual. A cobrança por lançamento de efluentes é subsidiada por normas que determinam que as emissões de resíduos não podem estar acima dos padrões uniformes de poluição, pois prevalece o entendimento de que mesmo em quantidades reduzidas, as emissões causam transtornos de ordem econômica.

Na Alemanha, a cobrança pelo uso da água é relativa ao consumo de água bruta e água tratada, tais como cobrança pela captação de águas superficiais e subterrâneas, praticada em alguns estados, cobrança pela poluição instituída pela Lei da Taxa de Esgotos, política de recuperação integral de custos nas tarifas de água e esgoto, e cobrança por tratamento de água de chuva. O abastecimento, por sua vez, é gerenciado tanto por companhias públicas quanto privadas. Atualmente são comuns debates sobre divergências entre interesses públicos e privados na gestão dos recursos hídricos.

O Eufrates e o Tigre

Na Turquia, onde estão rios como o Eufrates e o Tigre, o sistema de leis para monitoramento e gestão desses recursos hídricos atua sob o arcabouço da Lei de Águas, de 1983. A legislação abrange a gestão dos recursos hídricos, incluindo a proteção, uso, distribuição e controle da água em todo o país e fornece diretrizes claras para a gestão sustentável dos recursos hídricos, a prevenção do abastecimento e a promoção do uso eficiente da água em diferentes setores. O abastecimento de água é gerenciado por várias empresas, tanto públicas quanto privadas. Uma das principais empresas públicas é a DSI (Direção Geral de Obras Hidráulicas do Estado), responsável pela construção e operação de infraestruturas, como barragens, canais e sistemas de irrigação. Além disso, existem empresas privadas que operam no setor na Turquia, como a Istanbul Water and Sewerage Administration (ISKI), responsável pelo fornecimento de água na região metropolitana de Istambul.

Volga, o maior

A Rússia, o maior país do mundo em extensão territorial, é cortada por significativos rios, como o Volga (o maior da Europa) e o Yenisei, além de contar com extensos sistemas de lagos, como o Baikal, o mais profundo do mundo. Segundo o pesquisador Lucas Tonaco, especialista no gerenciamento dos recursos hídricos na Rússia, o sistema de leis sobre a água é regido principalmente pela “Lei da Água da Federação Russa”, promulgada em 3 de junho de 2006. Essa legislação abrange diversas questões relacionadas à gestão, proteção e uso dos recursos hídricos no país. Dá destaque à garantia da sustentabilidade e à proteção ambiental dos corpos d’água, estabelecendo direitos e responsabilidades para a administração dos recursos hídricos, o controle de poluição e a exploração racional dos rios e lagos.

A mesma legislação também regulamenta a concessão de permissões para atividades que afetam as águas, como construção de usinas hidrelétricas, obras de dragagem e captação para fins industriais e agrícolas. A gestão dos recursos hídricos é realizada por várias instituições, sendo a mais importante delas o “Serviço Federal de Recursos Hídricos” (Rosvodresursy), criado em 2004. Já o sistema de abastecimento é predominantemente estatal.

Karla Monteiro

A Fonte dos Quatro Rios

Na Praça Navona, em Roma, encontra-se a Fontana dei Quattro Fiumi, um símbolo do papel central dos rios na história da humanidade.

Projetado por Gian Lorenzo Bernini, artista do barroco italiano, entre 1648 e 1651, o monumento celebra os quatro principais cursos d’água no século 17: o Nilo, na África; o Ganges, na Índia; o Prata, na América do Sul; e o Danúbio, na Europa. Acima da fonte, está o obelisco de 16 metros de altura que pertenceu ao Circo de Maxêncio. As fontes públicas serviam, então, a dois propósitos. Em primeiro lugar, oferecer água à população. Além disso, eram homenagens aos papas. No caso da Fontana dei Quattro Fiumi, a encomenda foi do Papa Inocêncio X.

Mineração

Por: Paulo Barcala

Fotos: Bianca Aun e Robson Oliveira

A Serra do Gandarela, um dos últimos refúgios de biodiversidade e águas cristalinas em Minas Gerais, está sob ameaça da mineração
Bianca
Aun

Ainda nos anos 70, um adesivo chamava a atenção para a necessidade de se preservar as serras que cercam Belo Horizonte. Cinco décadas depois, chegou a vez da Serra do Gandarela entrar na mira da Vale. Especialistas atestam que o Projeto Apolo, acalentado pela mineradora há algum tempo e agora retomado, pode dizimar o último aquífero intacto do quadrilátero ferrífero

Nos arredores de Belo Horizonte, a Serra do Gandarela, um naco da cadeia do Espinhaço, esconde tesouros: o maior aquífero profundo e intacto de todo o Quadrilátero Aquífero Ferrífero; centenas e centenas de nascentes de água, boa parte das quais correndo para formar o Rio das Velhas, o mais extenso afluente do São Francisco; a segunda maior área contínua de Mata Atlântica de Minas Gerais; cachoeiras a perder a conta, além de um espetáculo de biodiversidade, com fauna e flora endêmicas e espécies em extinção. Bem no alto da serra ainda se encontra, entre outras mais de cem cavernas, uma “paleotoca”, toca cavada por preguiças gigantes que viveram na região há literais dez mil anos. Tão vasta riqueza natural deveria ser o suficiente para garantir a preservação, certo? Infelizmente, não. Na mira da Vale, a Serra do Gandarela tem somente 20% de sua área dentro do Parque Nacional da Serra do Gandarela, unidade de conservação federal criada em 2014. “O que ficou de fora são 80% da cumeeira (área de recarga) e as maiores singularidades, como as cavidades de relevância máxima”, explicou Paulo Rodrigues, professor do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN).

Pelo menos desde 2009, a Vale acalenta o projeto de minerar a região. Para batizar a empreitada, escolheu o nome de um Deus: Apolo, o Deus da beleza, mas, ao mesmo tempo, o Deus da morte súbita. Os planos da mineradora incluem a supressão de 1.054 hectares de Mata Atlântica e uma cava que implicará o rebaixamento de terreno de 80 a 100 metros de profundidade, em média, com máximo de 240 metros, e cortará a serra numa extensão de seis ou sete quilômetros, destruindo, sem remissão, o aquífero. Para armazenar os 230 milhões de metros cúbicos de rejeitos, duas gigantescas pilhas – cujos diques para conter sedimentos precisam estar no Cadastro Nacional de Barragens de Mineração e têm manchas de inundação já previstas – atingirão, respectivamente, a altura equivalente a prédios de 68 e 84 andares, envolvendo grande risco de erosão, além do fato de que, na seca, o vento forte do alto da montanha que vai dispersar a poeira sopra justamente em direção a Belo Horizonte.

A Vale sustenta que a “nova proposta” é “resultado de pesquisas e evoluções nas práticas de engenharia para uma mineração mais segura e sustentável”. Informa também que “o empreendimento prevê a produção de cerca de 14 milhões de toneladas por ano, sem uso de água no beneficiamento do minério de ferro”, eliminando “a necessidade de barragens”. A empresa aduz que o “novo Projeto Apolo ocupa área 32% menor do que a proposta inicial de 2009”. Para a conselheira do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Maria Teresa Corujo, pedagoga com especialização em Educação Ambiental e militante ambientalista, o discurso é “mera estratégia de marketing” porque “a cava que destrói o aquífero ficou de 50 ou 60 hectares maior do que era no projeto antigo”. Ela se pergunta: “Que novo conceito é esse se o principal, em termos de água, piorou?”.

Segundo Rodrigues, o professor do CDTN, a tragédia pode ser, de fato, inenarrável. Por ser uma alta muralha, a Serra do Gandarela impede a passagem de massas úmidas provenientes do Oceano Atlântico, aumentando a quantidade de chuva nos cumes. Trata-se da chamada “chuva orogênica”, que, justamente no Gandarela, encontra condições ideais para infiltrar no solo: “Grande zona de recarga dos topos de morro, uma camada geológica que não é horizontal, como em outros aquíferos, mas muito verticalizada e profunda, com água encontrada a um quilômetro de profundidade”. As características geológicas da formação Itabirito, dura e porosa, facilitam, resistindo à erosão e permitindo a fácil infiltração. Por isso, “pela grande capacidade de armazenamento”, diz Rodrigues, a frequente ocorrência “das cachoeiras em topo de morro”.

Outro destaque é a qualidade da água subterrânea. No Nordeste brasileiro, onde há água subterrânea em grandes extensões, “em geral ela é salobra, pois o processo de percolação e a estagnação no aquífero acabam dissolvendo minerais”. Já no Gandarela, como marca do Quadrilátero Ferrífero Aquífero, “nem o quartzo nem o ferro se deixam diluir”. A alegação de que as águas provenientes da serra aportam no Velhas a jusante da captação em Bela Fama e que, portanto, não interfeririam no abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, tampouco procede. “Se o Ribeirão da Prata deságua depois de Bela Fama, que se dane o resto da bacia? Quanto mais o Velhas se recuperar abaixo, mais conforto para a captação a montante”, comentou Rodrigues, que discorreu ainda sobre a “recarga regional, a água da chuva que, ao invés de voltar como nascente ali pertinho, vai muito longe de onde a chuva caiu e nem sempre sob a forma de nascente, mas às vezes como água subterrânea, as ‘nascentes afogadas’. E as muitas chuvas que caem no Gandarela podem repercutir por esse caminho, e temos motivos para acreditar, antes de Bela Fama”.

Luta antiga

O vice-presidente do CBHSF, Marcus Vinícius Polignano, é também fundador e membro da coordenação do Projeto Manuelzão, iniciativa pioneira da Faculdade de Medicina da UFMG, que uniu, no final dos anos 90, saúde, cidadania e meio ambiente. Segundo ele, a luta pela Serra do Gandarela vem de longe. Desde a primeira década deste século, “já se falava no Projeto Apolo”. “Unimos os movimentos em favor da ideia de fazer contraponto à exploração minerária nessa região tão cara do ponto de vista hídrico e ambiental”, comentou Polignano. Ainda em 2009, o Instituto Guaicuy, ONG de apoio ao Projeto Manuelzão, apresentara a proposta de criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela: “Conseguimos, então, prioridade sobre empreendimentos minerários”. No entanto, “retiraram do projeto original” uma grande porção dos limites originais do Parque. “A Vale deu uma mordida onde é a área da paleotoca, que tem proteção legal, e, também, numa região de aquífero extremamente rico que será altamente impactado”.

Paulo Rodrigues vai na mesma direção: “Não foi criado o parque que se imaginava, contrariando o desenho original do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O próprio decreto de criação tem como peculiaridade o fato de que a base cartográfica que o instrui é a da Vale”.

Para Polignano, diante da crise hídrica associada a extremos climáticos, não se pode prescindir de uma gota d’água. “Nesse mundo de cataclismas, toda reserva é benta”, afirmou. Por isso, o CBHSF está acompanhando com atenção o desenrolar dos acontecimentos na Serra do Gandarela: “A luta pela proteção dos mananciais em toda a bacia do São Francisco é vital e é abraçada pelo Comitê, e uma dessas lutas é a proteção do Gandarela”. “A gente entende”, disse, “que a mineração já vem explorando esse Quadrilátero Aquífero Ferrífero há mais de uma centena de anos e precisa pensar nos efeitos para o futuro em relação ao patrimônio hídrico e ambiental dessa região, fundamental para se resguardar o que temos ainda de reserva para a sociedade atual e para o futuro. Exaurir é retirar direitos das gerações futuras”.

Como um dos fundadores do Projeto Manuelzão, Polignano defende a equação que não separa cidadania de meio ambiente: “Não dá para desconectar essas coisas, o mundo é um só. Nossa sociedade é que resolveu fragmentá-lo em vários pedaços, separando homem e natureza”. O que está em jogo na Serra do Gandarela dialoga exatamente com isso, com esse conceito de integridade. Atualmente a região já convive com a ameaça de dezenas de barragens de rejeitos de mineração, muitas em variados níveis de emergência e, uma delas, em nível máximo. A eventual ruptura de apenas uma dessas estruturas já comprometeria por muito tempo – até por anos – o abastecimento da capital mineira e da Região Metropolitana, o que torna ainda mais precioso o imenso aquífero da Serra do Gandarela.

“Depois de dizimados os aquíferos das Serras do Rola Moça, das Serrinhas, de Congonhas, Ouro Preto, de Mariana até Itabira, a Gandarela é a última formação aquífera preservada no Quadrilátero”, alertou o professor Daniel Neri, do Instituto Federal de Minas Gerais, campus Ouro Preto, cidade-berço do Rio das Velhas: “É um crime contra a humanidade jogar fora a a água. O aquífero é o backup mais imediato para a capital.”

Robson Oliveira

este santuário é preservar não apenas suas espécies, mas também sua importância para o equilíbrio ambiental

A arnica, planta comum na Serra do Gandarela, floresce em meio à biodiversidade única da região. Proteger
Bianca Aun

O INTEN

Este ano, queimadas atingiram níveis alarmantes e devastaram grandes áreas do país, comprometendo ecossistemas inteiros, colocando espécies em risco e intensificando as mudanças climáticas

Fernando Piancastelli

Por: Hylda Cavalcanti

Fotos: Fernando Piancastelli

SO

AGORA

Em 2024, o alerta vermelho foi acionado, com enchentes monstruosas no Rio Grande do Sul e secas prolongadas em diversos estados do Brasil. Entre fogo e água, o que se pode fazer para retardar o fim do mundo? Segundo especialistas, o momento exige ação

O futuro distópico, retratado em filmes de ficção científica, chegou. Em 2024, com as grandes enchentes do Rio Grande do Sul e as secas prolongadas país afora, causando incêndios aterrorizantes, o que se viu foi destruição. O que fazer para retardar o fim do mundo? Segundo levantamento do governo federal, três em cada quatro brasileiros, 73% da população, vivem em locais suscetíveis aos efeitos de eventos climáticos extremos. Produzido sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República, o estudo orientou a escolha das cidades que irão receber recursos do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), bandeira do governo para a prevenção de riscos. O trabalho aponta construção de contenção de encostas, sistema de macrodrenagem, barragens de regularização de vazões e controle de cheias, além de recuperação de nascentes e regras mais firmes para se evitar construções em margens de rios.

O aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, reaberto recentemente, ficou totalmente inundado com a cheia de maio

“As perdas poderiam ter sido menores se medidas de adaptação tivessem sido implementadas, como tem sido repetidamente recomendado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)”, afirmou o professor Valério D. Pillar, do Laboratório de Ecologia Quantitativa, Departamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), em artigo publicado na Revista Science.

A pesquisadora Luciana Gatti, do INPE, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, concorda: “De 2019 a 2022, perdemos 50 mil quilômetros quadrados de floresta na Amazônia. Depois, diminuímos 40% do desmatamento, mas não reflorestamos os 50 mil. Demora muitas décadas para a floresta voltar. Agora está cada vez mais seco, quente e o fogo cada vez mais incontrolável. O fortalecimento de medidas de comando e controle precisa continuar, os órgãos de fiscalização bem como os povos originários que preservam a floresta precisam ser valorizados e apoiados”.

A conscientização é o primeiro passo para a mudança, segundo os especialistas. Para o biólogo Renato Rodrigues, doutor em Geociências e pós-doutor em Sistemas de Gestões Sustentáveis, a tragédia que assolou o Rio Grande do Sul exemplifica a ligação direta entre a mudança do clima e a intensificação de eventos climáticos extremos. De acordo com ele, “a urgência em tomar medidas eficazes para mitigar e se adaptar à mudança do clima não pode ser subestimada”. A implementação de soluções sustentáveis, desde o uso de energias renováveis até o desenvolvimento de infraestruturas resilientes, a seu ver, é “crucial para minimizar os impactos futuros”.

“A mudança do clima é um desafio global que exige ação coletiva. Cada indivíduo, comunidade e governo deve se engajar nessa luta, adotando práticas sustentáveis e apoiando políticas que promovam um futuro mais verde e resiliente”, alertou. “A tragédia no Rio Grande do Sul é um exemplo claro de como a mudança do clima está alterando os padrões meteorológicos e aumentando a vulnerabilidade das regiões a eventos extremos. Entender essa conexão é crucial para implementar medidas eficazes de mitigação e adaptação, que possam reduzir os impactos de futuros desastres climáticos”.

O despreparo que mata

Pesquisa realizada pela organização social Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) apontou que 94% dos municípios brasileiros não estão preparados para eventos climáticos extremos. Fazem parte desse grupo todos aqueles que têm menos da metade de um total de 25 estratégias para o enfrentamento de enchentes, inundações e deslizamentos de encostas. O trabalho investigou, por exemplo, se existem medidas preventivas no Plano Diretor e na Lei de Uso e Ocupação de Solo. Também foi observado se há lei específica para medidas de combate às tragédias causadas pelo clima, plano municipal de redução de riscos, mapa das áreas vulneráveis, programa habitacional para realocação da população e plano de contingência, entre outros dispositivos.

Para completar o quadro de despreparo, a população está mal ou superficialmente informada, alheia às lutas ambientais. Em 2020, a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), coordenada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), incluiu pesquisa de opinião com duas mil pessoas de 130 municípios brasileiros, com o intuito de avaliar o comportamento em relação a prevenções com mudanças climáticas e ações para mitigar o problema. De acordo com o resultado, para 79% dos entrevistados, o problema é das prefeituras. Para 41%, a principal medida deveria envolver o aumento e a conservação das áreas verdes e, para 36%, é preciso haver controle do desmatamento e da ocupação nas áreas de manancial. Enquanto isso, os números são críticos. Os balanços sobre o ano de 2023 e os 10 primeiros meses de 2024 mostram um quadro alarmante. De acordo com o relatório da Organização Meteorológica Mundial (agência especializada da ONU), divulgado em maio passado, em 2023 o Brasil teve 12 eventos climáticos extremos. Desse total, nove foram consideradas ocorrências “incomuns”, uma comum e duas “sem precedentes”, entre ondas de calor, de frio, chuvas torrenciais, enchentes e ciclone. A salvação, segundo especialistas, passa por muitos caminhos: ampliação da atuação do judiciário em litígios envolvendo questões ambientais, fiscalização, adoção de medidas técnicas, como monitoramento e planos de controle de barragens, maior ação policial para controlar incêndios e queimadas, incrementos nas políticas de créditos de carbono e retomada de estratégias já traçadas e abandonadas.

Desde a década de 70, o Velho Chico já convive com o fantasma das mudanças climáticas. Nos últimos anos, porém, o medo se alastrou. A bacia do São Francisco é a única inteiramente brasileira. De acordo com o secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Almacks Luiz Silva, a cheia de 2021 quebrou um ciclo histórico de pelo menos quatro outros eventos naturais acontecidos exatamente em intervalos de 30 anos. Agora, os períodos de cheia se tornaram completamente irregulares. Em 2021, a intensidade das chuvas registradas em toda a bacia, pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), esteve acima da média, resultando num cenário de cheia. Também foi registrada cheia em 2022. Do ano passado para cá, porém, a coisa mudou.

“As cidades têm que se preparar, não para reverter, porque já está sinalizado em todas as cidades ribeirinhas o nível que a água pode atingir de acordo com a quantidade de vazão liberada. Então, o que precisamos é que sejam cumpridas as normas e não se permitam construções ou ocupação da agricultura nessas áreas”, comentou Almacks Silva. “É preciso realizar educação ambiental de modo a conscientizar as pessoas de que as áreas inundáveis pertencem ao rio e, quando ele enche, tudo volta a ser ocupado pelas águas”.

A afirmação tem razão de ser. No final de 2021, estudo intitulado “Avaliação de Secas na Bacia do Rio São Francisco por meio de Índices Terrestres e de Satélite”, publicado pelo periódico suíço Remote Sensig, mostrou que a bacia hidrográfica do Velho Chico já havia perdido, em 35 anos, mais de 30 mil hectares de superfície com água.

O dado científico é perceptível a olho nu. Em junho do ano passado, um estudo feito por pesquisadores brasileiros mostrou que 53% da bacia apresenta vulnerabilidade alta e muito alta, e que a área com fragilidades socioambientais totaliza 337.569 quilômetros quadrados (km2). No Parnaíba, a proporção foi de 37% (121.990 km2).

No estudo, foi usada uma combinação de indicadores. Quando analisada a capacidade adaptativa, notou-se que 549.830 quilômetros da área, o que corresponde a 57%, estão no patamar baixo e muito baixo. A bacia do São Francisco apresentou área de exposição alta e muita alta, maior do que a do Parnaíba (62,8% e 30,7%).

A área de sensibilidade também é maior. Segundo o Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (Sevi), que pretende expor diferentes níveis de vulnerabilidades socioambientais de acordo com as características da região, a principal limitação para reduzir as fragilidades socioambientais na região do Parnaíba é a capacidade adaptativa, com os problemas de infraestrutura, de renda e de condições para o desenvolvimento humano. Na região do São Francisco, tais fragilidades estão ligadas à densidade populacional, à degradação do solo, ao uso da terra e a indicadores de clima, como temperatura e precipitação.

Estátua do Juquinha, um dos principais símbolos da Serra do Cipó, em meio à destruição causada pelos incêndios de agosto

De acordo com uma das autoras do trabalho, Rita Marcia da Silva Pinto Vieira, a área analisada foi de 962 mil quilômetros quadrados, onde vivem 20 milhões de pessoas, predominantemente em zona urbana. Destes, 16 milhões habitam na bacia do São Francisco e 4 milhões na do Parnaíba. A bióloga explicou que o Sevi resultou de uma combinação de indicadores relacionados à adaptação (desenvolvimento humano, infraestrutura e renda), à sensibilidade (número de dias sem chuva, uso e cobertura da terra, temperatura e tipo de solo) e à exposição (densidade populacional, degradação e desertificação do solo). Os resultados foram classificados em muito alto, alto, moderado, baixo e muito baixo.

Rita Marcia destacou que as mudanças climáticas devem piorar o cenário nas próximas décadas, com a vazão dos dois rios diminuindo em 46% e 26%, devido ao aquecimento global, e que as populações em situação de pobreza dessas áreas serão atingidas com mais frequência por eventos climáticos extremos. “A pesquisa é importante porque, sabendo quais são os locais mais vulneráveis, é possível analisar as políticas públicas necessárias para aquela área. Essa é a grande contribuição do estudo. Com os resultados, temos um mapa de vulnerabilidade socioambiental e, com isso, pode-se fazer várias coisas, porque os dados podem servir para tomadas de decisões rápidas”, disse.

Em agosto deste ano, incêndios devastaram cerca de 8.500 hectares no Parque Nacional da Serra do Cipó

Pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Plínio Falcão acrescentou que o Velho Chico, apesar de ter atravessado processos de transposição e construção de canais, não recebeu os cuidados para seguir saudável. De acordo com ele, as repercussões das mudanças climáticas no São Francisco vêm ocorrendo em diferentes cenários, a exemplo das alterações na vazão e nas mudanças nos padrões de chuva nas nascentes e nos afluentes da bacia como um todo: “Como de praxe, existe burocracia e ausência de priorização político-institucional, o que torna a ordem do dia sempre complexa no que se refere ao avanço dessa pauta”.

“O fato é que se não revitalizar, o rio poderá morrer. E o que se pergunta é: o que fará a natureza como resposta?”, comentou Plínio Falcão: “O que farão as milhares de pessoas, a fauna, a flora, nos cinco estados banhados pelo rio (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe) que dependem da sua vitalidade? Como se dará a dinâmica dos diversos ecossistemas associados?

Não são perguntas de ficção científica ou teorias de conspiração; são perguntas fundamentadas em realidades preditivas e, em muito, já diagnosticadas pela Ciência e de conhecimento do próprio Estado brasileiro. O que se precisa é de ação imediata”.

0 FOGO

O relatório deste ano só será divulgado em 2025, mas, pelo que já se sabe, a situação piorou muito. Somente em relação às queimadas, a área devastada no Brasil, entre janeiro e agosto, segundo relatório do instituto MapBiomas, quase que dobrou em relação ao mesmo período de 2023. Foram 11,39 milhões de hectares devastados – 6 milhões de hectares a mais, ou um crescimento de 116%, na comparação com o ano passado. Quase três em cada quatro hectares (70%) queimados foram de vegetação nativa, principalmente em formações campestres, que representaram um quarto (24,7%) de toda a área queimada no Brasil nos oito primeiros meses deste ano.

O levantamento apontou que o estado do Mato Grosso concentrou 21% da área queimada no Brasil entre janeiro e agosto deste ano, com 2,3 milhões de hectares. Roraima, com 1,99 milhão de hectares (17% do total), e Pará, com 1,56 milhão (14% do total), ficaram em segundo e terceiro lugares, respectivamente. Embora esses três estados respondam por mais da metade (52%) da área queimada no período, é no Mato Grosso do Sul que fica o município com maior área queimada entre janeiro e agosto de 2024: Corumbá (616.980 hectares). São Félix do Xingu (PA) e Amajari (RR) vêm na sequência, em segundo e terceiro lugares, com 277.951 hectares e 250.949 hectares, respectivamente.

Quando a comparação é feita por número de incêndios, sem necessariamente ter o recorte sobre queimadas, entra em campo estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), segundo o qual o número deles em 2024 na Amazônia, no primeiro semestre, só foi superado em 2003 e 2004. Mas ao contrário dos altos índices de desmatamento observados nesses dois anos, em 2024 o aumento das queimadas aconteceu após dois anos consecutivos de queda no desmatamento.

Buscando uma atualização do próprio governo federal sobre incêndios no país a partir de dados dos governos estaduais, de corpos de bombeiros e de polícias, de 1º de janeiro até 9 de setembro, o número de focos registrados este ano chegou a 159.411. Para se ter ideia, em todo o ano de 2023, o registro total foi de 189.901 focos de incêndio no país.

Quando o assunto são as enchentes, o balanço ainda é incompleto. Não existem dados nacionais, mas em função do que aconteceu no Rio Grande do Sul, o cenário é igualmente assustador. Somente no Rio de Janeiro, nos dois primeiros meses do ano, mais de 100 mil pessoas foram afetadas pelas chuvas, que deixaram cerca de 30 mil pessoas desalojadas e quase mil desabrigadas, em 92 cidades.

Entre os gaúchos, o balanço decorrente das enchentes que atingiram o estado em maio passado foi de 213 pessoas mortas ou desaparecidas, 2,4 milhões de pessoas afetadas, incluindo 600 mil pessoas deslocadas, e perdas sem precedentes em infraestrutura urbana e rural, incluindo criações.

A ÁGUA

Ações e projetos CBHSF

Na foto, trecho do Velho Chico em Piranhas (AL), cidade que é cenário de histórias e lutas

Por: Mariana Martins e Juciana Cavalcante

Foto: Edson Oliveira

2024 CBHSF EM AÇÃO

O ano de 2024 foi de muito trabalho no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, em todas as suas instâncias: Câmaras Técnicas, Câmaras Consultivas Regionais e Diretoria Colegiada. Este resumo oferece uma visão ampla e integrada das iniciativas, refletindo, mais uma vez, o compromisso contínuo com a gestão sustentável dos recursos hídricos.

CT = Câmaras Técnicas

ABRIL

Proposta à Diretoria do Comitê a realização de capacitações voltadas às populações tradicionais do Velho Chico, com foco no desenvolvimento socioeconômico e sustentável das comunidades, nas quatro regiões fisiográficas da bacia.

ABRIL

Apresentada proposta à Diretoria do CBHSF para a elaboração de editais de programas e projetos voltados especificamente para as comunidades tradicionais.

JUNHO Proposta sobre realização de um encontro específico sobre as águas subterrâneas.

JUNHO

Aprovação da indicação da Câmara Técnica quanto ao estudo para a região do Baixo Oeste São Francisco, conexão entre a área de afloramento do Urucuia e o Rio São Francisco; cárstico da Bacia Hidrográfica do Rio Verde Jacaré; Sistema Aquífero Tucano-Jatobá / Tacaratu-Inajá ou Formação Barreiras, na foz do Rio São Francisco.

JULHO

Alinhamento sobre planos para o segundo semestre de 2024 e para o ano de 2025.

JULHO

FEVEREIRO

Abordagem sobre a proposta de atualização do banco de dados do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco (PRH-SF).

ABRIL

Entrega dos relatórios dos Seminários dos Povos Indígenas e dos Povos Quilombolas, realizados pelo CBHSF em 2023, a representantes do governo federal.

FEVEREIRO

Abordagem sobre o Plano Integrado da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) sobre disponibilidade de outras fontes de recursos para aplicação nas bacias hidrográficas.

Discutida a capacitação dos membros para monitorar a execução do Programa de Educação Ambiental (PEA-SF).

OUTUBRO

Entrega de obras e insumos para revitalização dos canais rudimentares de irrigação e construção de reservatórios lonados na bacia do Rio Preto, em Planaltina (DF).

Debate sobre a minuta do Edital de Projetos de 2024, que prevê o apoio financeiro em ações e eventos realizados nos territórios.

JUNHO

Realização da Oficina do Programa Produtor de Água, em Belo Horizonte.

SETEMBRO

Apresentação da Resolução ANA nº 188/2024, que trata sobre o automonitoramento do uso da água.

ABRIL

Início da organização do Seminário sobre o Programa Produtor de Águas.

JUNHO

Realização da campanha Eu viro Carranca para Defender o Velho Chico 2024*

ABRIL

Reunião conjunta CCRs

Submédio e Baixo São Francisco.

Balanço dos projetos em andamento na região do Alto SF.

SETEMBRO Realização do Seminário sobre Produção de Água e Pagamento por Serviços Ambientais, em Petrolina. Criação do Grupo de Trabalho (GT) Mulheres no âmbito da CCR Submédio SF.

Apresentação do plano de ações estratégicas – o Semiárido Brasileiro – com foco na bacia do Rio São Francisco e área de transposição resultantes do Processo Participativo Multiescala 3H-ODS.

AGOSTO

CTIL apresenta à CCR as competências e finalidades do CBHSF, como prestação de contas à sociedade.

MAIO

Retomada da questão da inadimplência na bacia do São Francisco, que hoje acumula mais de R$ 50 milhões em dívidas dos usuários.

MAIO

JUNHO

Adiamento da capacitação sobre a geração de série de vazões em bacias sem dados de monitoramento, iniciada em abril deste ano.

MAIO

Instalação do Procedimento de Resolução de Conflito de Uso dos Recursos Hídricos, sobre variações na vazão da Hidrelétrica de Xingó, provocado pelo MPF-AL.

FEVEREIRO

Atualização do edital do processo eleitoral.

SETEMBRO

Apresentação do Relatório Parcial da Comissão Processante sobre Conflito de Uso na região do Baixo São Francisco (variações na vazão da Hidrelétrica de Xingó).

Iniciam-se os trabalhos no documento que trata da atualização do processo eleitoral do CBHSF.

MARÇO

Apresentação do relatório de execução das metas do exercício de 2023.

Apresentação de análise sobre a inadimplência dos usuários de água na bacia feita pela ANA.

AGOSTO

Escolhidas as cidades a serem trabalhadas durante a campanha de mobilização do processo eleitoral do CBHSF 2025/2029.

Aprovada a publicação dos Procedimentos Unificados de Manifestação de Interesse (PMI).

Aprovada a reativação do GT de Educação Ambiental.

Com o objetivo de evidenciar o progresso e os resultados dos projetos do CBHSF, a Agência Peixe Vivo disponibiliza, a cada dois meses, o report atualizado das ações. Os projetos em execução são financiados pelos recursos oriundos da Cobrança pelo Uso da Água.

Aponte a câmera para o QR Code e acompanhe os reports atualizados!

Bit.ly/ReportSF2024

Apresentação da minuta da composição e das funções do Grupo de Trabalho para revisão do banco de dados do Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

Apresentação da campanha Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico 2024.

JUNHO

ABRIL

Reunião conjunta CCRs

Submédio e Baixo São Francisco. Apresentação dos status dos projetos na região do Baixo SF.

OUTUBRO

Apresentação panorama geral de projetos que serão executados na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco no âmbito da CCR Baixo SF.

NOVEMBRO Debate sobre metodologia de Cobrança pelo Uso das Águas brutas do Rio São Francisco.

Debate e proposições da CCR Baixo para a discussão do Plano Orçamentário Anual (2025) do CBHSF.

MAIO

Deliberada solicitação de que as licenças ambientais concedidas a empreendimentos de produção de energia eólica e solar incluam a participação dos Comitês e de representações locais.

Apresentação do relatório sobre o conflito pelo uso da água na bacia do Rio Boa Sorte.

Participação da CTIL para prestar esclarecimentos sobre a mediação do conflito em razão da operação de vazões realizadas pela Chesf, em Xingó.

O presidente do Comitê sugeriu acrescentar ao PRH-SF um plano integrado, executado com a ajuda da ANA, e um novo eixo abordando mudanças climáticas.

Aprovada a resolução referente ao Grupo de Trabalho sobre inadimplência.

SETEMBRO

Apresentação da prévia do Plano Orçamentário Anual (POA) para 2025.

Avaliação de ações para requerer a participação do CBHSF no Conselho Gestor dos Recursos.

NOVEMBRO

Apresentação do Plano Orçamentário Anual (POA) projetado para os próximos três anos.

Aprovadas as diretrizes para o calendário de atividades de 2025.

Definição das cidades que receberão a capacitação de irrigantes em 2025.

Apresentação do projeto de pesquisa “Lançar Redes – um diagnóstico da pesca e aquicultura em municípios banhados pelo Rio São Francisco no estado de Sergipe”.

Procedimento de conflito de uso das águas a jusante da Hidroelétrica de Xingó com foco prioritário para os impactos socioambientais das grandes oscilações de vazões que afetam a região do Baixo São Francisco.

JUNHO

Realização de reuniões com os CBHs Grande e Correntes abordando a Cobrança pelo Uso da Água e a importância de sua instituição nos Comitês.

AGOSTO

Realização do Seminário Sobre Produção de Água na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, em Luiz Eduardo Magalhães.

AGOSTO

Realização de reunião conjunta com o CBH Rio Grande.

Execução de projetos e obras de esgotamento sanitário, abastecimento e saneamento rural em toda a região do médio SF.

Por: Andréia Vitório

Fotos: Manuela Cavadas

MULHER DA LEI

Coordenadora-geral do Programa de Fiscalização Preventiva Integrada na Bacia do São Francisco, a FPI, a promotora Luciana Khoury é, hoje, um dos principais nomes na luta pelo Velho Chico. Baiana de Salvador, ela carrega dupla missão: defender, ao mesmo tempo, o meio ambiente e os direitos dos povos originários e tradicionais

No Jardim Baiano, em Salvador, mais precisamente num prédio do Ministério Público, encontra-se uma mulher da lei: a promotora Luciana Khoury. Com a caneta na mão, ela tem se destacado como um dos principais nomes na luta pelo Velho Chico. Forte, destemida e com um propósito de vida: defender o meio ambiente. Leitora de poetas engajados, como Amadeu Thiago de Mello, ícone da literatura regional, move-se guiada pelo forte senso de justiça. Entre os seus pares, carrega a fama de incansável e resiliente. “Meu estilo é de luta”, segundo se define. Nas horas vagas, gosta de dançar, de ir a shows e até de cantar. Dança desde sempre, como diz. Entre os cantores prediletos, cita Alceu Valença. Mas vai da MPB ao reggae. Resumindo, uma boa baiana.

Até ser reconhecida pela atuação na proteção do São Francisco, Luciana caminhou léguas. Como estudante de Direito, passou a integrar a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), entidade com forte atuação em políticas públicas para a população do campo. Ali, entendeu que defender os direitos de povos e comunidades tradicionais era o seu caminho. Também na faculdade, começou a atuar no SAJU, o Serviço de Apoio Jurídico para populações sem renda e movimentos sociais. Com o Velho Chico, a história vem de mais longe, cruzando gerações. Ainda jovem, o avô, sírio de nascença, chegou ao Brasil, fugido da guerra, e acabou se estabelecendo em Juazeiro, norte da Bahia, onde começou tangendo gado e foi até dono de cinema. Ali, na cidade cortada pelo São Francisco, conhecida como terra das carrancas, os pais se conheceriam.

“Eu sempre acreditei na importância das entidades da sociedade civil na implementação de direitos. O Estado é muito importante, o poder público é muito importante, mas a gente precisa das entidades da sociedade civil organizadas”, comentou Luciana. “O Direito entra como um instrumento de luta em conjunto com outros grupos e diferentes segmentos da sociedade”.

Foi imbuída por essa vontade de melhorar o mundo que, no início da carreira, Luciana começou a trabalhar no Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS (GAPA), como voluntária, e, posteriormente, como advogada contratada. Também integrou a Comissão de Direitos Humanos da OAB e atuou como conselheira do Conselho Municipal de Saúde de Salvador. Enquanto isso, já mirava seu grande objetivo: o Ministério Público do Estado da Bahia. No ano de 2000, finalmente, assumiu como promotora pública. E, no ano seguinte, 2001, iniciou o trabalho em prol do São Francisco. A base da sua formação acadêmica é a Universidade Federal da Bahia (UFBA), como faz questão de frisar. A escolha do curso também teve razão de ser: “Eu achava que o Direito poderia contribuir para as mudanças, ser um instrumento de transformação social e de emancipação”.

“Principalmente, quando você vai buscar que as leis sejam aplicadas de forma justa”, destaca Luciana, que também tem mestrado na área do Direito, “e quando você vai buscar o acesso à justiça para todas as populações, incluindo as mais pobres, que são muito excluídas. Acredito muito na nossa profissão, na nossa atividade”, completa.

Trabalho de campo

A primeira promotoria que Luciana assumiu foi em Lençóis, na região da Chapada Diamantina. Depois, passou por promotorias de Xique-Xique, Paramirim e Paulo Afonso, esta última, especializada em Meio Ambiente. Em Paulo Afonso, atua há 13 anos coordenando o Núcleo de Defesa do Rio São Francisco, que presta apoio às Promotorias de Justiça integrantes da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, em parceria com os órgãos públicos de meio ambiente, entidades ambientalistas e movimentos sociais. Além disso, ainda é a coordenadora-geral dos estados no Programa de Fiscalização Preventiva Integrada na Bacia do São Franciso, a FPI. O programa não para nunca. E a “doutora Luciana”, como é chamada, também não: “estou sempre ativa, o tempo todo”.

A FPI do São Francisco foi criada em 2002. Desde a idealização do programa, o único do Brasil com atuação continuada, Luciana marca presença. Quando a fiscalização sai em campo, está junto, acompanhada de dezenas de pessoas e equipes de diferentes órgãos. São 50 parceiros na Bahia, vendo de perto as dificuldades atravessadas pelo Rio São Francisco e sua gente. Seu trabalho, Luciana gosta de destacar, é resultado de uma soma de esforços. Hoje, o programa FPI trabalha com a fiscalização geral do território, com educação ambiental, diagnóstico e implementação de políticas públicas. “A gente vai diagnosticando e tomando medidas”, explica.

Segundo Luciana, todo o trabalho é realizado em alinhamento com o CBHSF, um dos grandes apoiadores do programa. “Temos um lema na FPI: a gente sempre pode melhorar”. Como exemplo, cita a piscicultura na região de Paulo Afonso e Glória, no norte da Bahia, um dos maiores polos do Brasil, que não tinha nenhuma atividade regularizada. Agora, com a atuação do programa de fiscalização, mais de 80% da atividade da piscicultura ali está

devidamente regular. As conquistas são ainda mais importantes quando se pensa nos desafios da área ambiental que, para além de ser “muito interdisciplinar”, tem uma quantidade gigantesca de demandas. “Quando você conhece o problema dos agrotóxicos, por exemplo, não dá pra ficar sem ter uma atitude. Não existe uso seguro de agrotóxico”.

O combate aos agrotóxicos é uma das principais bandeiras de Luciana. Como alerta, o potencial de destruição desses insumos na bacia do São Francisco é imenso, afetando tanto a qualidade da água como a saúde da comunidade. Muitas vezes, o veneno vem até mesmo no ar, com a pulverização aérea. “Fizemos um trabalho para que todo estado tenha um fórum de combate aos impactos dos agrotóxicos”, contou a promotora: “por exemplo, no fórum da gente, não pode entrar defensor do veneno, não entra. Se for empresa que produz agrotóxico, não entra”. Além de atuar como Coordenadora do Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos Transgênicos e pela Agroecologia, ela integra a comissão de articulação do fórum nacional, defendendo a ideia de que “não existe ciência neutra. A gente tem que acreditar em algo e a gente acredita que não tem uso seguro (de agrotóxicos)”.

Outra questão que bate forte no coração de Luciana é a ideia fixa de que se faz necessário enfrentar o problema do acesso à terra. Reconhecendo que a violência no campo não para de crescer, coloca como prioridade a defesa dos territórios de povos e comunidades tradicionais, além da garantia do patrimônio imaterial, da forma de viver e de fazer de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, de fundo e fecho de pasto. “É realmente uma área do meu coração, junto com as águas, e de dedicação continuada da minha parte”, ressaltou, destacando a relevância desses povos, seus saberes e fazeres, para a preservação do Velho Chico e o enfrentamento às questões climáticas. Não por acaso o disco que Luciana mais ouve chama-se “Belo Sertão”, de Targino Gondim, Nilton Freitas e Roberto Malvezzi (Gogó). Antes de encerrar a conversa, cantou um verso:

“Olhando o sertão bonito, e as águas que ele tem... E as terras que ele tem...

Então, eu pergunto a Deus por que tanta terra em tão poucas mãos...

E eu como um filho de Deus não tenho nem terra, nem água, nem pão

Chega de esmola, chegou a hora de ser cidadão”

Fotos: Divulgação

Por: Jamil Chade

POESIA DA LUTA

Por cinco dias, em agosto, a cidade mineira de Paracatu se tornou a capital do livro. Pelo centro histórico, desfilaram nomes importantes da literatura brasileira, como Ailton Krenak, Conceição Evaristo e Itamar Vieira Jr. Mais de 25 mil pessoas assistiram aos debates da segunda edição da Fliparacatu

Em Minas, mas já esquina de Goiás, a 230 quilômetros de Brasília, fica a cidade de Paracatu. Apesar da pouca chuva, a região é rica em veredas de buritis. Delas, brotam as nascentes que formam rios e ribeirões. Uma espécie de ato de ressureição, onde a vida vinga. Entre os rios que correm ali, está o grande Rio Paracatu, o mais caudaloso afluente do Velho Chico. Foi neste cenário que, em agosto de 2024, a ressureição ganhou novos contornos. Não foi armada. Foi de amor, de consciência e de generosidade. Por alguns dias, Paracatu se transformou na capital do livro, juntando grandes nomes da literatura e público recorde. Mais de 25 mil pessoas.

Com o tema “Amor, Literatura e Diversidade”, a segunda edição do Fliparacatu, o Festival Literário Internacional de Paracatu, aconteceu entre os dias 28 de agosto e 1º de setembro. Pelo centro histórico, onde o circo literário se instalou, desfilou uma fila consagrada de autores: Ailton Krenak, Bianca Santana, Carlos Starling, Cármen Lúcia, Conceição Evaristo, Edney Silvestre, Eliana Alves Cruz, Geni Nuñez, Itamar Vieira Junior, Juliana Monteiro, Lívia Sant’Anna Vaz, Lucas Guimaraens, Marcia Tiburi, Marco Haurélio, Paulo Lins, Ruth Manus, Sérgio Abranches, Sérgio Rodrigues, Taiane Santi Martins, Tino Freitas, Tom Farias, Trudruá Dorrico e Zeca Camargo.

Não foi uma festa qualquer. Como anunciou solenemente Conceição Evaristo, poeta, romancista e ensaísta, uma das vozes mais influentes da literatura contemporânea, a Fliparacatu representou um encontro de resistência, na defesa de um Brasil onde todos caibam. “Tempo de ressurreição”, nas palavras da escritora de 77 anos. Em Paracatu, a mineira de Belo Horizonte recebeu a notícia, levada por um enviado do presidente francês, Emanuel Macron, de que havia sido escolhida para receber a legião de honra da França. Nada mais simbólico, diante de uma cidade que é hoje, ao mesmo tempo, a maior exportadora de ouro do país e o espelho do que o geógrafo Milton Santos chamou de “cidadania inconclusa”.

“Aqui no Brasil parece que está tudo resolvido… mas quando Milton Santos fala de uma cidadania inconclusa, a experiência de descendentes africanos é essa experiência inconclusa”, disse Evaristo: “Essa pátria mãe gentil escolhe seus filhos, ela tem preferência por alguns filhos. A população negra e indígena não são as escolhidas pela pátria mãe gentil. As populações afrobrasileiras estão na mira da bala. Tanto a bala real quanto a bala no contexto da política. As classes populares vivem numa situação de fronteira. Uma situação de exílio dentro do próprio país”.

Durante a primeira edição da festa, realizada no ano passado, a escritora e jornalista Juliana Monteiro escrevera: “Em Paracatu, tínhamos pressa”. Segundo ela, “por cinco dias, o pensamento, a denúncia, a reflexão e a beleza da língua portuguesa ocuparam a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos Livres, construída, em 1744, por escravos alforriados”: “Se Jesus encarnasse em Paracatu, teria escutado Lívia Sant’Anna cantar, à capela, que a justiça é uma mulher negra. Teria visto que dos 12 autores mais vendidos no festival, oito são negros. Teria visto uma curadoria brasileira realizar algo muito simples para ser tão raro: devolver aos corpos pretos e femininos seu lugar de dignidade e legítima igualdade, sem o alívio de ser cota, sem excepcionalidade, sem a fórmula 3mulheres+2pretos que costumam aplicar para propagandear inclusão e diversidade”.

Neste mesmo altar da igreja dos pretos, este ano, Evaristo reafirmou: “Em uma nação que teve uma igreja dos brancos e uma igreja dos pretos, e que ainda repete esses lugares identitários em que determinadas identidades ainda são sacrificadas, a cultura tem poder e força para atenuar essas mazelas”. Oxalá!

O homenageado do ano foi o filósofo Ailton Krenak, o primeiro indígena membro da Academia Brasileira de Letras, a ABL. Ele alertou que o mundo está à beira de um colapso nervoso, porque não sabe mais falar com a natureza, mas apenas extrair. Um recado contundente a uma cidade que depende, hoje, da mineração. Não faltaram ainda os autores estrangeiros, liderados pela ítalo-somali Igiaba Scego e seu romance “Cassandra em Mogadício”. Ao retornar ao seu país depois de cinco dias na cidade mineira, a escritora publicaria uma reportagem num dos principais jornais italianos, revelando o sentimento de êxtase que havia vivido em Paracatu:

“Mas é depois do festival que o incrível acontece”.

“Escritores que estiveram ocupados no palco começam a tocar. Alguns tiram as flautas, alguns o violão, alguns a percussão e o berimbau. E eles começam a cantar, desde os clássicos da Bossa Nova até os últimos sucessos. Enquanto isso, as pessoas compram livros, recitam poemas, falam sobre literatura”, traduziu o clima: “Eu também abraço todas as pessoas ao meu redor. Um abraço aquilombado, antirracista. Ao abraçar a cidade, ouço de longe a voz baiana de Luedji Luna, de sua música Banho de folhas, que diz que é um orixá que nos guia. A minha, a deusa guerreira Iansã, me levou a um país que nunca para de sonhar”.

Por alguns dias, sim, Paracatu sonhou com um Brasil que podemos ser. Que queremos ser. Que seremos. A ressureição regada à música, à arte e amor. Ao ser homenageado, encerrando a Fliparacatu de 2024, Krenak contou como, certa vez, o compositor José Miguel Wisnik lhe perguntou como administrava o fato de abordar temas tão pesados, como o fim do mundo, sem perder o sorriso. O filósofo respondeu: “Se você fosse convidado para uma dança cósmica, sairia cabisbaixo ou iria dançar? Temos que ter poesia em nossa experiência de luta”.

Cidade de Paracatu (MG) mescla história, cultura e o charme das tradições mineiras em um só lugar

Conceição Evaristo definiu a Fliparacatu como um encontro de resistência

Turismo

Por: Juciana Cavalcante

Fotos: Marcizo Ventura

VINHOS

SERTANEJOS

Transformado em destino para o enoturismo, o Vale do São Francisco oferece, além da paisagem exuberante, um cardápio de vinhos e espumantes produzidos com diferentes tipos de uvas que brotam o ano inteiro graças ao milagre das águas do Velho Chico

O sertão não virou mar, mas o Velho Chico transformou água em vinho. Margeando Petrolina, Lagoa Grande, Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco, e Juazeiro, Casa Nova e Sobradinho, na Bahia, ele sai cortando de fora a fora o Vale do São Francisco, irrigando as parreiras que ali na região encontram as condições ideais para dar frutos: altas temperaturas e baixa umidade. Há cerca de quatro décadas, a produção dos vinhos do sertão vem crescendo, convidando os turistas a passeios de degustação. Já imaginou? Plantar uvas e fazer vinhos em pleno semiárido brasileiro? Pois é, milagre do Velho Chico, que, graças às suas águas, propicia um fenômeno: o Vale do São Francisco é o único lugar no mundo a produzir o ano todo e ter duas colheitas por ano das mais variadas uvas.

“Existe um apoio muito forte da pesquisa. Algumas instituições de ensino, como a Universidade Federal do Vale do São Francisco, o Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE), além de órgãos como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Semiárido) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), apresentaram formas de adaptar a produção de uva no sertão”, comentou o enólogo Euclides Neto: “Quando se fala de uva de vinho, algumas variedades, adaptadas ao clima frio, encontraram na região um berço de desenvolvimento atípico, que se utiliza de mecanismos e estratégias para adaptar a produção, indo desde o estudo de solo, ao estudo de adaptação dessas cultivares internacionais. Tudo isso não foi exatamente fácil, mas já existiam pistas na natureza: muito sol e água disponíveis”.

O precursor de tudo chama-se Mamoru Yamamoto, um japonês que chegou ao Vale do São Francisco ainda no começo dos anos 80 e, em 1986, já exportava 12 mil caixas de vinho para a Europa, passando para 80 mil caixas no ano seguinte. Foi Yamamoto também que inventou os passeios etílicos pelo Velho Chico, regados a vinho. O fato de se produzir uva o ano inteiro, segundo Euclides Neto, é determinante para o sucesso das vinícolas. Com cerca de três mil horas de sol por ano, a estabilidade da temperatura propicia produção escalonada, com rotatividade perfeita. “Nos últimos 40 anos, o Vale do São Francisco acumulou expertise no cultivo tanto de uva de mesa quanto de uva de vinho. Hoje, com as nove vinícolas que operam na região, a produção foca em vinhos finos e vinhos de mesa”, comentou o enólogo.

A moda agora são os espumantes, que se tornaram o carrochefe da maioria das vinícolas. Os frisantes também fazem sucesso, atingindo o público jovem, seja pela praticidade das garrafas e latas ou pelo frescor. Entre os vinhos finos, destacam-se os produzidos a partir da uva Syrah (ou Shiraz), normalmente tintos ou rosados. “As especificidades da região proporcionam um terroir único, diferente do Vale dos Vinhedos, por exemplo, onde o clima é subtropical úmido, enquanto aqui o clima é tropical semiárido”, disse Euclides Neto. “Essas mudanças de temperatura mudam drasticamente a concentração de açúcar, ácidos e polifenois da uva, permitindo que as nossas ganhem significativamente mais de algumas dessas substâncias devido ao próprio stress climático que a uva enfrenta”, completou.

As rotas do vinho

Em 2022, a região conseguiu a primeira indicação de procedência para vinhos tropicais e, há cerca de 10 anos, outro roteiro também foi implantado, desta vez na porção pernambucana do Velho Chico. Na Bahia, o passeio acontece no Lago de Sobradinho, o maior da América Latina, com 320 quilômetros de extensão, uma superfície de espelho d’água de 4.214 km 2 e uma capacidade de armazenamento de 34,1 bilhões de metros cúbicos. O passeio começa na orla de Petrolina, de onde partem os ônibus, com guias e enólogos a bordo. Depois, a bordo do Vapor do Vinho, os turistas seguem até a hidrelétrica de Sobradinho, passando por cima da usina. Os passeios acontecem todos os finais de semana e feriados.

Durante o passeio, turistas fazem visitas às vinícolas, onde podem degustar os vinhos e provar as uvas

“O enoturismo começou com a chegada do grupo Miolo, no distrito de Casa Nova, chamado de Santana do Sobrado, na Bahia. O enoturismo já se destacava em outras regiões, principalmente em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, onde o mesmo grupo já atuava”, comentou o empresário Luiz Rogério Rocha Pereira, proprietário das embarcações do Vapor do Vinho: “Então, nossa parceria começou. Eu tive a felicidade de navegar com meu pai na barca Nina e com a decadência da navegação, a gente foi mudando, adotando os passeios para as ilhas. Essa foi uma boa aposta, investir no rio, onde todos nós dependemos direta ou indiretamente dele”. Segundo Pereira, o enoturismo tem crescido na última década e o passeio que começou aos sábados com no máximo 30 passageiros, hoje contabiliza, em média, 2 mil passageiros por mês. O passeio começa às 8h e termina às 18h, saindo a R$ 240 por pessoa.

“Temos um fator natural diante dos nossos olhos que agrega muito valor à região que é o Rio São Francisco. O Velho Chico atrai esse público para cá, além da perspectiva de produzir em uma zona que inquestionavelmente não acomodaria o formato produtivo que tem hoje se não fosse pela sua água. Então, creio que tudo isso cria um certo magnetismo em quem vem e descobre as belezas do Rio São Francisco indo muito além do óbvio”.

Com música ao vivo, o Vapor do Vinho segue até a primeira das ilhas, onde atraca para o banho. Depois de uma hora de navegação, os turistas têm mais uma hora para o banho nas águas cristalinas do Velho Chico. No retorno, o almoço já é

servido a bordo e, em seguida, todos seguem para a Vinícola Terranova (Miolo Wine Group), onde é possível conhecer o processo de elaboração dos vinhos e realizar a degustação de rótulos famosos, com acompanhamento de enólogos. A região produz variedades de uva da espécie vitis vinifera , apropriadas para elaboração de vinhos finos. As mudas vêm de países europeus, como a França, Espanha e Portugal. Ainda tem, entre as nove vinícolas, uma que se dedica ao cultivo orgânico certificado e que se destaca pela produção mais natural possível, evitando uso de agrotóxicos.

Estabelecido o sucesso das vinícolas, os restaurantes da região já têm na carta a opção dos vinhos locais. Os valores variam de acordo com o produto considerando desde a linha de entrada, intermediários, alto padrão e vinhos para colecionadores. É possível encontrar garrafas a partir de R$ 10 reais. “Lojas e conveniências de vinho com atendimento especializado de sommeliers e enólogos têm aumentado na região, lá os visitantes também têm acesso a informações sobre as vinícolas e passeios que podem ser feitos todos os dias em veículos próprios e acontece só nas vinícolas até aos passeios dos finais de semana que são feitos no rio e no lago de Sobradinho”, finalizou Rocha Pereira.

Do lado pernambucano, em Petrolina, acontece o passeio Rota dos Vinhos promovido pela vinícola Rio Sol. A ideia é propiciar ao turista uma experiência, conectando-o à história das vitivinícolas no sertão, uma vez que a Rio Sol foi estabelecida por um grupo de origem portuguesa, com expertise em produção de vinhos em zonas mais quentes de Portugal.

Com duração de oito horas, a Rota dos Vinhos parte da cidade de Lagoa Grande - PE, há cerca de 50 quilômetros de Petrolina. “Na rota dos vinhos”, todos os serviços já estão incluídos, a gente encontra com cada pessoa em seu hotel e o percurso até a vinícola é de aproximadamente 1h e nossa capacidade é para até 120 pessoas”, explicou o gerente Tobias Melo.

O passeio de catamarã tem parada para banho na Ilha do Pontal, quando são servidos quatro rótulos diferentes de espumantes. Já o almoço é servido no restaurante da própria vinícola, com cardápio de comida regional, destacando o carneiro ao vinho e a moqueca de tilápia. Além disso, os visitantes participam de uma visita guiada de campo e na fábrica, que acontece antes do passeio de catamarã e almoço. Nesse momento é possível provar uvas direto dos parreirais em qualquer época do ano. “O enoturismo tem um papel muito importante para a região, pois movimenta uma cadeia de produtos e serviços”, comentou Melo. “A vinícola tem diversos rótulos premiados, destacando-se o Gran Reserva 8 Premium (mais conhecido como Paralelo 8). Esse vinho já venceu diversos concursos, nacionais e internacionais, trazendo uma grande notoriedade para a nossa marca”.

Por fim, a palavra que define a experiência dos turistas e visitantes é encantamento, como concluiu o enólogo Euclides da Cunha. “A palavra que mais ouvimos em cada passeio é encantamento. A gente proporciona aos visitantes uma conexão com essa região que, de fato, muda a perspectiva atrelada ao semiárido. O turista percebe, com grande deslumbre, que a persistência do nordestino e o senso de crescimento transformou e transforma o cenário à nossa volta. Aqui todos saem com a mensagem de que é preciso preservar o que temos de riqueza natural: o Rio São Francisco e a Caatinga, para só assim colher os frutos dessa transformação.”

Leia a matéria completa em: bit.ly/3Zp5ysK

10o Fórum

Mundial da Água em Bali, Indonésia

Em maio, os coordenadores Altino Rodrigues Neto e Cláudio Ademar brilharam no 10º Fórum Mundial da Água, em Bali, Indonésia! Representando o Comitê da Bacia do São Francisco, eles trouxeram à tona as ações do CBHSF em prol dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, além de destacar a união do colegiado no combate à desertificação.

Campanha Vire Carranca

No dia 3 de junho, um movimento emocionante tomou conta das cidades de São Francisco (MG), Carinhanha (BA), Lagoa Grande (PE) e Delmiro Gouveia (AL). Com o lema “Velho Chico: revitalizar o rio, preservar riquezas”, a campanha Vire Carranca uniu corações e mentes em defesa do querido Rio São Francisco. Um verdadeiro ato de amor!

Assista aos vídeos do evento em: bit.ly/VireCarranca2024

Comenda Guardião das Águas

Em setembro, o presidente do CBHSF, Maciel Oliveira, foi homenageado com a honrosa comenda Guardião das Águas pelo governo de Alagoas, em reconhecimento à sua dedicação à proteção dos recursos hídricos. Ele agora se une a um seleto grupo de 15 personalidades com a mesma nobre missão.

Leia a matéria completa em: bit.ly/3ZrvHY5

Azael Goes
Deisy Nascimento
CBHSF

Leia a matéria completa em: bit.ly/3ZqlB9H

Reabertura em Petrolina

E para fechar o ano com chave de ouro, a Agência Peixe Vivo reabriu o escritório regional do Submédio São Francisco, em Petrolina. Fechado durante a pandemia, o escritório retorna com energia renovada para fortalecer o diálogo com os municípios e avançar na preservação do nosso Velho Chico.

Águas São Franciscanas

Com oficinas e seminários de peso, o CBHSF movimentou o Alto, Médio e Submédio São Francisco com o Programa Águas São Franciscanas. O evento trouxe experiências transformadoras do Programa Produtor de Água, um sucesso da ANA, para promover soluções sustentáveis de gestão hídrica.

Programa FPI no Prêmio Innovare

O Programa de Fiscalização Preventiva Integrada (FPI São Francisco) é um dos grandes finalistas do Prêmio Innovare, promovido pelo Instituto Innovare e apoiado por importantes entidades jurídicas e o Grupo Globo. Há 22 anos a FPI faz história na bacia do São Francisco, e o reconhecimento chega como um merecido aplauso.

Leia a matéria completa em: bit.ly/4g4AcNC

Assista ao vídeo sobre o Programa Produtor de Água em:: bit.ly/3ZqlB9H

Primeira Suplência no Conselho Nacional de Recursos Hídricos

Leia a matéria completa em: bit.ly/3ZowYPA

O CBHSF conquista um novo espaço de destaque ao assumir a primeira suplência no Conselho Nacional de Recursos Hídricos, representando os Comitês de Bacias de Rios de Domínio da União. A cerimônia de indicação foi realizada no Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, em Brasília.

Juciana Cavalcante
Ascom / FPI

Ensaio

Quase todas as cidades do mundo nasceram beirando um rio. Mas, paradoxalmente, estas mesmas cidades que surgiram graças aos cursos d’água floresceram numa batalha contra o meio ambiente. Ao longo dos séculos, os rios foram tratados simbolicamente como lugar de despejo. Com a crise climática e o despertar para a finitude dos recursos hídricos, isto está mudando. A nova ordem exige revitalizar.

A revitalização do Velho Chico já é uma obra em progresso. Com os recursos arrecadados com a Cobrança pelo Uso da Água, o CBHSF quer investir cada vez mais na recuperação deste rio vital, que banha seis estados, incontáveis cidades. Todos os dias, todos os brasileiros deveriam acordar e pensar: sem o São Francisco não existe o Brasil de dentro. A responsabilidade de mantê-lo vivo é de cada um e de todos nós.

NOVO VELHO CHICO

Edson Oliveira
João Alves
Bianca
Aun
João Alves Bianca
Edson Oliveira
João Alves

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.