Travessia nº74 - Setembro de 2024 - Notícias do São Francisco
Estiagem afeta
áreas da Bacia do São Francisco
CBHSF lança edital para execução de obras de esgotamento sanitário
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Leia a entrevista com o pesquisador do INPE, Jean Ometto
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EDITORIAL
Avanços e novidades
É com grande entusiasmo que apresentamos nesta edição do Informativo Travessia uma série de atualizações e novidades que marcam importantes avanços para a bacia do Rio São Francisco e para o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF).
Um dos destaques desta edição é o lançamento, pela Agência Peixe Vivo, de um report mensal que irá acompanhar de perto os projetos em andamento do CBHSF. Este relatório visa oferecer maior transparência e acompanhar a evolução das iniciativas, garantindo que todos tenham acesso às informações mais recentes sobre os projetos que impactam diretamente a nossa bacia. Em um marco significativo, lançamos nesta edição, a coluna “Direc em Ação”, que trará ao público as principais decisões tomadas nas reuniões da Diretoria Colegiada. Esta nova coluna tem o objetivo de aumentar a transparência e o engajamento, oferecendo um panorama claro e acessível das deliberações que moldam a gestão da bacia. Com isso, esperamos fortalecer a comunicação e permitir que todos acompanhem de perto as ações que impactam o futuro do nosso Velho Chico.
Além disso, é com orgulho que anunciamos que o CBHSF agora ocupa a suplência no Conselho Nacional de Recursos Hídricos. O Comitê tem procurado se articular com os comitês interestaduais do país visando o diálogo e a união para atingir objetivos comuns e fortalecer os colegiados. Esta posição reforça a importância do nosso Comitê na formulação e implementação de políticas de gestão de recursos hídricos
em nível nacional, permitindo-nos contribuir ainda mais efetivamente para a preservação e desenvolvimento sustentável do Rio São Francisco.
Neste número, abordamos também a preocupação crescente com a longa estiagem que afeta o país. A reportagem especial examina os impactos desta crise hídrica na bacia do Velho Chico, oferecendo uma visão detalhada dos desafios enfrentados.
Em um passo significativo para a proteção do Rio São Francisco, os procuradores-gerais dos estados da bacia assinaram um acordo de cooperação inédito. Este acordo representa uma união de esforços em defesa do Velho Chico, consolidando um compromisso coletivo para enfrentar as ameaças e promover a sustentabilidade da nossa principal fonte de vida.
O CBHSF também lançou um Chamamento Público para a execução de obras de sistemas coletivos de esgotamento sanitário. Esta iniciativa visa melhorar as condições sanitárias nas áreas abrangidas, um passo fundamental para garantir a saúde pública e a preservação dos recursos hídricos.
Finalmente, trazemos uma entrevista exclusiva com Jean Ometto, pesquisador titular do INPE, que compartilha suas percepções e análises sobre as condições climáticas atuais e suas implicações para o Rio São Francisco.
Boa leitura!
Marcus Vinícius Polignano Presidente Interino do CBHSF
AGÊNCIA PEIXE VIVO LANÇA NOVO REPORT DE PROJETOS DO CBHSF
A Agência Peixe Vivo, entidade delegatária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), lança novo report de execução de projetos na Bacia do São Francisco. A partir de agora, você poderá acompanhar mensalmente os avanços e conquistas dos projetos executados na bacia hidrográfica do Rio São Francisco, financiados com recursos provenientes da cobrança pelo uso dos recursos hídricos.
Este report tem como objetivo oferecer um panorama detalhado dos projetos em andamento, destacando os resultados já alcançados e as próximas etapas a serem realizadas. Ele também apresenta um resumo dos projetos que foram recentemente concluídos e uma prévia das iniciativas futuras
que visam promover a sustentabilidade e a conservação da bacia hidrográfica.
Com este novo formato de comunicação, pretende-se manter a transparência e fortalecer o engajamento de todos os envolvidos, desde gestores e parceiros até a comunidade em geral, que direta ou indiretamente contribuem para o sucesso dessas ações.
Para ver o report completo, acesse via QR Code:
CBHSF ASSUME SUPLÊNCIA NO CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco assumiu a primeira suplência no Conselho Nacional de Recursos Hídricos pelo segmento Comitês de Bacias Hidrográficas de Rios de Domínio da União. A escolha e indicação dos representantes e suplentes aconteceu no dia 30 de julho, no Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR).
A titularidade da cadeira foi assumida pelo Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica Rio Paraíba do Sul (CEIVAP). De acordo com o presidente do CBHSF, Maciel Oliveira, esse é um passo importante para as discussões dos comitês e uma articulação entre eles deve assegurar a participação efetiva de todos. “Nós fizemos uma articulação com os comitês interestaduais para a composição e para eleição do Conselho
Nacional de Recursos Hídricos e, com isso, estabelecemos um acordo para que pudéssemos assumir a titularidade no segundo ano e assim poder participar também de forma ativa. Trata-se de um espaço de grande importância, de união, onde os comitês lutam pela causa dos recursos hídricos do país, e então pensarmos enquanto regiões para poder nos articular cada vez mais”, destacou Maciel.
Os Comitês representam o segmento da sociedade junto ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos em nova estrutura instituída pelo Decreto 11.960, de 21 de março de 2024. Na segunda suplência, assumiu o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Verde Grande, afluente do Rio São Francisco.
RESUMO DAS ATIVIDADES DE AGOSTO E SETEMBRO
Bem-vindos à estreia da nossa coluna “Direc em Ação”, uma iniciativa que visa trazer transparência e engajamento direto com as decisões tomadas pela Diretoria Colegiada do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Com o propósito de conectar o público com as ações e estratégias que moldam o futuro do Comitê e do próprio rio São Francisco, nossa coluna oferecerá uma visão clara e acessível das deliberações e resoluções provenientes das reuniões da Diretoria.
A Diretoria Colegiada, cujos membros são eleitos pela plenária, desempenha um papel crucial na definição de políticas e na implementação de projetos que visam a preservação e o desenvolvimento sustentável da bacia.
Aqui, você encontrará o resumo das principais decisões e debates realizados nas reuniões da Diretoria. Nosso objetivo é promover um diálogo mais amplo e inclusivo, permitindo que todos os interessados acompanhem e compreendam as ações que influenciam diretamente o nosso rio e a vida ao seu redor.
O primeiro apanhado traz informações quanto às principais questões discutidas nas reuniões de Agosto e Setembro.
AGOSTO:
Processo Eleitoral CBHSF 2025/2029: Escolhidas as cidades para a campanha de mobilização e realização das plenárias setoriais. Serão 8 cidades no Estado de Minas Gerais, 9 no Estado da Bahia, 07 em Pernambuco, 5 em Alagoas e 05 em Sergipe.
Enquadramento para Rios Afluentes: Aprovado o enquadramento para toda a bacia do São Francisco, já iniciado no Alto São Francisco, em Minas Gerais, e avançando para os afluentes baianos até 2025.
SETEMBRO:
Atualização do Plano de Recursos Hídricos: Revisão de mais de 270 ações, incluindo estudos de enquadramento, atualizações no SIGA São Francisco, participação em campanhas de fiscalização, e monitoramento hidrometeorológico, análise da evolução das ações e metas ao longo da execução do Plano desde a sua implantação, com o objetivo de nortear as ações do Comitê.
POA 2025: apresentação de propostas e projetos para compor o POA 2025.
Diretoria decide pela busca por recursos adicionais, como do Fundo Eletrobrás e do Ministério do Meio Ambiente, para o desenvolvimento do Plano De Recursos Hídricos da Bacia.
Grupo de Trabalho (GT): Criação de um novo GT para acompanhar a execução do Plano de Educação Ambiental (PEA).
Reivindicação Judicial: Solicitação da participação do CBHSF no Conselho Gestor dos Recursos do Fundo Eletrobrás.
Edital de Apoios e patrocínio: Com o objetivo de dar transparência aos processos e criar oportunidades, foi aprovado o texto do edital de apoios epatrocínio que será publicado no próximo ano (2025). Ficou decidido que haverá um teto orçamentário para os apoios.
Agência Delegatária: Foram discutidas questões relacionadas à integração e gestão do CBHSF com a Agência Peixe Vivo (APV), além da questão da governança da entidade. Foi colocada a necessidade de planejamento estratégico e ações de transparência junto ao Conselho de Administração da APV.
Texto: Juciana Cavalcante / Foto: João Alves
Presidente do CBHSF, Maciel Oliveira
HISTÓRICA”:
A SECA NA BACIA
DO RIO SÃO FRANCISCO
Texto: Léo Ramos e Mariana Martins
Fotos: Daniel Brito, Fernando Piancasteli e Léo Boi
A longa estiagem em diversas regiões da Bacia do São Francisco acende alerta da disponibilidade hídrica. Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, “comparando o período de maio a agosto de 2024 com o mesmo período histórico (dados desde 1981), este quadrimestre é o pior [em precipitação] da série histórica na bacia”.
Diante de um longo período de estiagem em quase todo o Brasil, aliado a ondas fortes de calor, o alerta sobre a disponibilidade hídrica aumenta. A Bacia do Rio São Francisco, com cerca de 54% do território no Semiárido, sofre bastante com a falta de chuva. Atores como a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e o Cemaden atuam em diferentes áreas para monitorar a disponibilidade hídrica para os usos múltiplos, as condições climáticas e o nível dos reservatórios das Usinas Hidrelétricas (UHE) fornecendo informações para que ações sejam tomadas a fim de amenizar os efeitos da seca.
As águas do Velho Chico e seus contribuintes são essenciais para atividades como irrigação, navegação, abastecimento, geração de energia entre muitas outras, para uma população de 20 milhões de habitantes, segundo dados de 2020 da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco do e Parnaíba (Codevasf). Por essa razão, a falta de água nessas regiões leva a incertezas e impactos, tanto econômicos quanto humanitários. Já se veem grandes bancos de areia em áreas anteriormente navegáveis e comprometimento no abastecimento.
Tudo isso se intensifica quando vivemos uma era de extremos climáticos que vêm se tornando cada vez mais frequentes. Este evento de seca, por exemplo, comum para esta época do ano, está se tornando cada vez maior e com um volume de chuva que fecha o período cada vez menor e mais concentrado – o que também é uma preocupação, visto que fortes chuvas concentradas num curto período de tempo podem gerar grandes destruições, como recentemente se viu no Rio Grande do Sul. “Espera-se que aconteça com mais frequência eventos de chuvas mais intensas e períodos de secas mais prolongados”, conta Adriana Cuartas, hidróloga pesquisadora do Cemaden. Ainda segundo ela, deve haver “um atraso no início da estação chuvosa no Brasil, com chuvas abaixo da média até novembro. Portanto, nos próximos meses, espera-se que a seca piore na Bacia”, alerta.
Os impactos já são sentidos na vazão do rio São Francisco. “A gente está numa situação em que ao longo do rio, o volume fica cada vez mais preocupante”, diz Marcus Vinícius Polignano, presidente interino do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF).
“Para se ter uma ideia: na UHE Três Marias, está chegando uma vazão de 28m3/s, e a represa está defluindo 400m3/s, enquanto que na UHE Sobradinho chega 440m3/s e deflui 1300m3/s, sendo que cada uma dessas represas está com apenas 54% do volume útil”, continua Polignano. Ou seja, sem o auxílio das represas, a situação do Velho Chico seria ainda mais dramática.
Afluentes
Um dos mais importantes afluentes do rio São Francisco, o Rio das Velhas, em Minas Gerais, já sofre com a estiagem. O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) declarou situação crítica de escassez hídrica superficial em vários municípios da bacia, determinando a redução na captação dos usuários outorgados, com restrições para os diversos usos da água, tais como consumo humano, dessedentação animal ou abastecimento público, irrigação, consumo industrial e agroindustrial e demais finalidades, exceto usos não consuntivos. A medida é válida por 45 dias. As restrições atingem 156 outorgas localizadas em vários municípios, incluindo Augusto de Lima, Corinto, Lassance, Joaquim Felício, Várzea da Palma, Diamantina, Morro da Garça, Santo Hipólito, Monjolos, Buenópolis e Curvelo, todos em Minas Gerais e pertencentes à bacia do Rio São Francisco.
O mesmo acontece na bacia do Rio Pará, também afluente mineiro do Velho Chico, cujas restrições estão afetando cerca de 200 outorgados em vários municípios. Em caso de descumprimento das determinações, os direitos de uso dos recursos hídricos das outorgas serão suspensos totalmente até o prazo final de vigência da situação crítica de escassez hídrica.
O longo período de seca provoca a diminuição do volume de água nos rios
As queimadas tem feito parte do cenário em quase todo o estado de Minas Gerais
Sala de acompanhamento
Para acompanhar a situação hídrica na bacia, a ANA mantém, mensalmente, a reunião da Sala de Acompanhamento do Sistema Hídrico do Rio São Francisco, transmitida ao vivo no canal da agência no YouTube. Diversos especialistas apresentam as condições hidrológicas, climáticas e de reservatórios no território a fim de entender o panorama atual e as previsões para os próximos meses.
Na reunião realizada na última terça-feira (3), algumas informações chamaram a atenção. Esperava-se que, ao fim do evento climático El Niño se seguisse a La Niña, com esperança da chegada das chuvas. No entanto, segundo Marcelo Seluchi, do Cemaden, a La Niña deve chegar com atraso e vir mais fraca. “Os fenômenos do El Niño e da La Niña tem impacto especialmente no trecho Médio da bacia. Em tese, caberia esperar uma situação melhor, porque La Niña costuma aumentar a precipitação, sobretudo no Norte e no Nordeste. Contudo, esta La Niña deve ser curta e de intensidade fraca devido ao aquecimento dos oceanos Atlântico e Pacífico ao norte do Equador. Então, mesmo com a La Niña, é possível que haja precipitações abaixo do normal”, analisa.
Paulo Vitor, do ONS, trouxe informações importantes sobre os reservatórios da bacia. “No mês de agosto, a vazão natural esteve em apenas 26% da Média de Longo Termo (MLT) em Três Marias, o que configura o segundo pior agosto na série histórica (1931-2022), enquanto que em Sobradinho foi de 42%, sendo o quarto pior agosto histórico”, destaca. Além disso, a previsão é de que haja uma ligeira elevação na vazão dos reservatórios apenas no final de outubro.
Diante de tudo isso, Polignano alerta que não haverá rio se não houver um esforço conjunto entre CBHs e governo. “Enquanto Comitê, sabemos que a disponibilidade hídrica depende de diversos fatores: de um lado, é preciso chuva, mas precisamos também de biomas vivos, para que o solo possa absorver as águas das chuvas e fazê-las permanecer no solo, alimentando os afluentes. Não existe rio vivo em terra devastada. É preciso uma ação efetiva de revitalização do São Francisco na sua plenitude, que envolva a produção de água e recuperação de matas ciliares e das áreas de recarga. O CBHSF tem tentado sensibilizar o poder público para que haja uma ampla ação coletiva, integrada e sistematizada para a revitalização da bacia como um todo. Isso é um trabalho que não cabe só ao CBH fazer, mas também ao governo federal e aos governos estaduais”, conclui.
A capital mineira, Belo Horizonte, encoberta pela fumaça dos incêndios. Quase não se avista a Serra do Curral, um dos símbolos da cidade
IMPACTOS
Conversamos com os coordenadores das Câmaras Consultivas Regionais (CCRs) da Bacia para entender como essa longa estiagem afeta cada uma das regiões. Leia os depoimentos:
Altino Rodrigues – Coordenador da CCR Alto São Francisco
“A maioria de nós, aqui na CCR e no Brasil, fomos pegos desprevenidos. Havia uma expectativa de que, com o enfraquecimento do El Nino, a La Niña já começasse a atuar, o que não se confirmou. Isso mostra claramente que as mudanças climáticas têm acentuado esses extremos. Estamos com uma limitação muito grande de água e, o que é pior, os incêndios que se propagam por todo o território. A situação é dramática. O que eu vejo é que há um total despreparo por parte dos municípios, até mesmo do setor produtivo, para equipar e fazer frentes permanentes de prevenção de incêndios e de mitigação da seca. Precisamos priorizar, na revisão de 2025 do nosso PDRH, ações que possam mitigar e combater esses extremos climáticos”.
Ednaldo Campos – Coordenador da CCR Médio São Francisco
“Estamos enfrentando uma estiagem prolongada que tem impactado diretamente o nível de água dos reservatórios na região do Médio São Francisco. Embora as áreas irrigadas ainda não tenham sido gravemente afetadas, o baixo nível dos reservatórios representa um grande risco, especialmente para a fauna aquática. A queda drástica do volume de água pode resultar em uma alta mortandade de peixes, o que prejudica diretamente os pescadores, que dependem dessa atividade para sustentar suas famílias. Nossa região já está acostumada com longos períodos de seca, mas a situação dos reservatórios é um sinal de alerta que não podemos ignorar.”
Cláudio Ademar – Coordenador da CCR Submédio São Francisco
“O CBHSF tem participado da Sala de Situação no sentido de tentar garantir o mínimo de água possível em cada estrutura de barramento. Precisamos garantir os usos múltiplos da água, ainda que minimamente — seja para consumo humano, animal, irrigação... No âmbito da CCR, criamos um grupo de trabalho para tratar do processo de desertificação, que atinge diretamente a questão da seca. Nos municípios de Abaré, Rodelas, Chorrochó e outros já são áreas consideradas como desertos. Mas o que o Comitê faz são projetos demonstrativos -- fazemos para mostrar aos governantes do nosso país que é possível aplicar recursos e desenvolver tecnologias de combate à seca.”
Anivaldo Miranda – Coordenador da CCR Baixo São Francisco
“A longa estiagem que afeta Minas Gerais e outras áreas do Brasil, notadamente na sua região central, tem reflexos diretos no volume das vazões do rio São Francisco e seus principais afluentes, sobretudo no período úmido, reflexos que se estendem até a foz do rio no encontro de suas águas com o Oceano Atlântico, entre Sergipe e Alagoas. Trata-se de um fenômeno altamente preocupante que nada mais é do que o resultado amargo da expansão descontrolada das fronteiras agropecuárias do país, agravada pela ação criminosa de grileiros, madeireiros e ladrões de terras públicas sobretudo na Amazônia e nos biomas do Cerrado e do Pantanal. Torna-se inevitável reconhecer que hoje o Brasil está vivendo uma situação de emergência climática e ambiental. Não dá mais para conviver com os desmatamentos e com os incêndios florestais criminosos.”
PROCURADORES-GERAIS ASSINAM ACORDO INÉDITO EM DEFESA DO VELHO CHICO
Texto e fotos: Juciana Cavalcante
Os procuradores-gerais dos estados pertencentes à bacia do São Francisco protagonizaram uma ação inédita. No dia 12 de agosto, eles assinaram um Acordo para Cooperação Permanente e Continuada em Defesa da Bacia do São Francisco, que pretende alcançar a proteção e revitalização, reafirmando a cooperação entre MPs estaduais, do Distrito Federal, Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho. A iniciativa está em consonância com a recomendação 65/2018, que dispõe sobre a necessidade de integração da atuação do MP para a proteção dos recursos hídricos, apoiado pelo Grupo Nacional de Meio Ambiente, do Conselho Nacional dos Procuradores Gerais de Justiça, e com a recomendação 1.013/2023, que dispõe sobre o aprimoramento e integração do MP para enfrentamento às crises hídricas e estabelece estratégias jurídicas para a prevenção e medidas de adequação de escassez hídrica.
O acordo foi assinado durante o curso de aperfeiçoamento sobre a atuação do Ministério Público na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, realizado em Juazeiro (BA) nos dias 12 e 13 de agosto, pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) e promovido pelos Ministérios Públicos da Bahia (MPBA), Minas Gerais (MPMG) e seus respectivos centros de estudos, Sergipe (MPSE) e Alagoas (MPAL), além da Associação
Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e a Agência Peixe Vivo (APV).
Assinaram o documento os Procuradores-gerais de Justiça, Pedro Maia Souza Marques (MPBA), Jarbas Soares (MPMG), Antônio Ferreira de Araújo (MPAL), George Carlos Frederico (MPDF e territórios) e Eduardo Matos (MPSE). Os demais MPs dos estados de Pernambuco e Goiás, além do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e o Conselho Nacional do Ministério Público assinarão posteriormente.
O Procurador-geral de Justiça do Distrito Federal, George Carlos Frederico, lembrou que os desafios são grandes, mas a assinatura do Acordo de Cooperação Permanente marca um passo importante para uma atuação conjunta dos Ministérios Públicos. “O desafio se torna muito claro pelo interesse difuso que envolve inúmeras unidades da federação, inclusive a União, os estados e os municípios. A relação que o Distrito Federal tem com a água é muito específica e existe uma grande preocupação com essa questão. Quando falamos do São Francisco, a importância que ele tem para a sociedade é grande. Então, estamos em um momento simbólico de assinar um acordo para que possamos fazer a proteção e a preservação do São Francisco, que é uma responsabilidade
nossa. Espero que este acordo traga para todos nós uma nova pactuação para dar mais vida ao Velho Chico, ampliar o desenvolvimento e, especialmente, o equilíbrio ecológico necessário. É um momento muito importante para caminharmos de mãos dadas e alcançarmos esses objetivos”.
O presidente do CBHSF, Maciel Oliveira, destacou a importância deste passo no sentido de proteger o rio São Francisco. “Este é um acordo inédito no Brasil onde os procuradoresgerais de justiça e a subprocuradora-geral de justiça assinaram o termo de compromisso com o foco em defender as causas do nosso rio São Francisco. É algo extremamente importante para fortalecer a atuação dos promotores de justiça, os procuradores da república e procuradores do trabalho na atuação em defesa do nosso Velho Chico e das suas populações”.
A Promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia e coordenadora da FPI Bahia, Luciana Khoury, foi incisiva ao dizer que “o encontro com os promotores e procuradores de justiça da bacia do São Francisco durante esses dois dias significaram uma mudança importante, uma garantia de investimento profundo no trabalho da FPI, contando com a presença da diretoria do CBHSF, essenciais para esse trabalho”, concluiu.
Assinatura de acordo entre os Ministérios Públicos da Bacia fortalece a luta pela sua preservação
CBHSF ABRE SELEÇÃO PARA MUNICÍPIOS DA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO
Texto: Mariana Martins
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) está com edital aberto para a seleção de municípios e consórcios públicos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco que possuam projetos executivos para sistemas coletivos de esgotamento sanitário. A iniciativa visa garantir a coleta, tratamento e disposição final adequados dos efluentes gerados nos municípios, com financiamento a fundo perdido para a execução das obras.
Objetivos
O edital é um passo estratégico para atingir as metas do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Rio São Francisco. O objetivo é que, até 2025, 76% dos domicílios da região estejam servidos por sistemas de esgotamento sanitário e que 95% dos domicílios urbanos tenham coleta de lixo, em conformidade com o Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB).
A ação também faz parte da Agenda Setorial do CBHSF, dentro do programa de Recuperação da Qualidade da Água, que inclui estudos, planos, projetos e obras voltadas à implantação, expansão e adequação dos sistemas de efluentes domésticos, conforme previsto no Plano de Aplicação Plurianual (PAP) 2021-2025.
Quem pode participar?
Podem se inscrever municípios ou consórcios públicos da Bacia do Rio São Francisco que tenham a prestação dos serviços de esgotamento sanitário sob administração direta (departamentos ou secretarias municipais) ou indireta (autarquias ou empresas públicas municipais). Além disso, municípios onde esses serviços são prestados por concessionárias estaduais privadas ou através de outro instrumento jurídico também podem participar, desde que os distritos/localidades estejam fora da área de concessão.
Premissas para participação
Para participar, os municípios devem pertencer à bacia do Rio São Francisco, possuir um Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) aprovado pela Câmara Municipal e ter projetos executivos finalizados para a implantação ou ampliação de sistemas de esgotamento sanitário. Esses projetos devem garantir a redução da carga poluidora, conforme declarado na funcionalidade dos sistemas.
Inscrições e prazos
Os interessados poderão obter maiores informações sobre as condições de participação através do endereço eletrônico da Agência Peixe Vivo, a partir de 06/09/2024 até 14/05/2025, e pelo e-mail: chamamentopublico@agenciapeixevivo.org.br.
As propostas e respectivas inscrições deverão ser entregues do dia 07/10/2024 até o dia 06/11/2024, às 18h00min, exclusivamente pelo e-mail: chamamentopublico@agenciapeixevivo.org.br.
Os resultados finais serão calculados com base nas notas dessas duas etapas, e os proponentes terão um prazo de cinco dias úteis para corrigir eventuais pendências na documentação.
Acesse o edital completo aqui
DOIS DEDOS DE PROSA
Jean Ometto
Nos últimos meses, pelo menos 15 estados tiveram a seca agravada, atingindo 83% do território brasileiro de acordo com o Monitor das Secas, sendo considerada a maior da série histórica iniciada há 74 anos. Embora a região Norte tenha registrado a situação mais severa de seca extrema, todas as cinco regiões do Brasil sofreram com o avanço entre os meses de junho e julho. Oito estados e o Distrito Federal registraram seca em 100% do território em julho, incluindo Minas Gerais, onde nasce o Rio São Francisco.
O pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e coordenador do AdaptaBrasil,Jean Ometto, fala sobre a situação que afeta o país e reflete sobre a dimensão dos problemas ambientais.
Ouça a entrevista completa no nosso podcast
Presidente: José Maciel Nunes Oliveira
Vice-presidente: Marcus Vinícius Polignano
Secretário: Almacks Luiz Carneiro Silva
Entrevista: Juciana Cavalcante
O Brasil vive a maior estiagem da história, sendo a pior da série histórica iniciada há 74 anos. Quais os dados que confirmam ser essa a pior seca vivenciada no país?
As definições de seca consideram a relação da quantidade de chuva e evaporação, além da quantidade de dias consecutivos sem chuva. Nas regiõeso central do Brasil, Sudoeste da Amazônia até o Norte, Sudeste, e boa parte do Cerrado, inclusive na Bacia do São do Francisco, há municípios em que não chove há mais de 100 dias. Esses são indicativos muito importantes de seca, considerando ainda que ela começou um pouco mais cedo do que o esperado e vem sobre um outro período de seca importante que foi em 2023, ou seja, temos dois períodos de seca subsequentes muito fortes e isso agrava ainda mais seus efeitos.
Há uma previsão de quando ela deve se findar?
De setembro a novembro lentamente devemos sair do processo de seca intensa, considerando cada região. No caso do Cerrado brasileiro, será mais lento. Agora, é importante dizer que se trata de um processo dinâmico e muito do que tem causado essa situação se deve ao aquecimento das águas do Atlântico. No ano passado, o El Niño foi muito importante. Este ano ele já está quase em neutralidade e o aquecimento das águas tem provocado essa mudança no padrão, levando ao período de seca subsequente. Além disso, boa parte da intensidade do El Niño se deve ao aquecimento da atmosfera, ou seja, a mudança climática vem intensificando os processos que naturalmente ocorriam, onde as secas ficam mais intensas e os períodos de precipitação também.
É possível que tenhamos condições semelhantes ou ainda piores do que esta situação?
Importante dizer que esse é um processo cumulativo, o que quer dizer que ao longo dos tempos temos regiões que têm ficado mais secas e isso tende a agravar os processos através da mudança das estruturas dos ecossistemas e da disponibilidade de água nos aquíferos. Precisamos estar atentos, pois podemos ter eventos tão ou mais graves ainda no futuro. Se pararmos agora de mudar a composição da atmosfera, não será no final de semana que tudo ficará bem de novo. Serão necessários anos ou décadas para que se retome o clima a que estávamos habituados há 50 anos, por isso é preciso se adaptar e planejar.
Em que situação se encontra a Bacia do São Francisco quanto ao cenário de vulnerabilidades?
A Bacia do São Francisco é muito grande, por isso temos que olhar setorialmente, e alguns aspectos são importantes. Um deles é que, por conta da questão climatológica os corpos hídricos do Brasil, especialmente nessa região, têm perdido volume de água. Outro aspecto é a mudança do uso do solo que, associado à demanda por água, seja para irrigação, abastecimento público ou produção de energia, muda o ciclo hidrológico das bacias e, na bacia do São Francisco, esses elementos todos estão colocados. Na plataforma AdaptaBrasil é possível verificar quais municípios são mais vulneráveis quando se trata de sistemas sociais, sistemas produtivos e sistemas naturais. Quando estes aspectos se somam, vê-se claramente que a bacia do São Francisco é um ambiente de alta vulnerabilidade. E o olhar dos gestores deve considerar esses elementos mais suscetíveis aos impactos dos eventos climáticos.
Em junho, um sistema de alerta de emergência climática para celulares foi proposto durante audiência pública realizada pelas comissões da Câmara dos Deputados que analisam a PEC n0 44. Como essa discussão avançou até o momento e como podemos destacar a importância desse mecanismo?
É muito importante que o legislativo se envolva nessa questão, que se trata de um problema nacional de ordem transversal. Não é só um problema que está no colo do presidente da república, do governador ou do prefeito. É de responsabilidade do legislador também, do judiciário e da sociedade como um todo. A última informação sobre essa proposta de emenda constitucional dizia que uma alocação de 5% das emendas parlamentares seria destinada ao uso em situação de emergências naturais, desastres. Isso deve ficar muito bem qualificado considerando o aspecto importante de olhar para a emergência e como reduzir o tamanho do impacto de uma catástrofe. Outro ponto em que devemos investir fortemente no país é o planejamento e como lidar com essas mudanças nos próximos 20 a 30 anos: como pensar o país na questão de ordenamento territorial, de justiça social, oportunidade de conhecimento, para que as pessoas possam se preparar para uma mudança de padrão. E nisso, o investimento para adaptação às mudanças do clima é central.
Em termos de urgência climática, quais seriam as projeções para o país?
Uma coisa que é certa é que estamos indo para um mundo mais quente e isso muda toda a dinâmica climatológica que teremos que enfrentar. O que se projeta é que se tenha um aumento de precipitação na parte sul do país, e seca bem pronunciada no oeste da Amazônia e parte central do Brasil, pegando uma parte importante do Semiárido. Na Zona da Mata talvez se tenha mais chuva, algumas médias têm indicado isso. A gente pode dizer que o padrão climático pode, em uma determinada região, ser amplificado. E o que a gente busca fazer é justamente modelar o clima e olhar para os sistemas, de forma a qualificar as informações para que os gestores possam tomar suas decisões.