O Sabor das Letras

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ORGANIZADORES Ricardo Camargos VirgĂ­nia Castro



ORGANIZADORES Ricardo Camargos VirgĂ­nia Castro


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Copyright © Ricardo Camargos e Virgínia Castro Produção e organização: Ricardo Camargos e Virgínia Castro Edição: Leida Reis – Páginas Editora Revisão: Marina Mattos Coordenação de fotografia: Marcos Alvarenga e Carlos Avelin Colaboradores: Américo Antunes e Otto Sarkis Projeto gráfico e diagramação: Cláudio Diniz Alves Foto de capa: Breno Pataro Parceria: Fecomércio MG • Sesc em Minas Gerais • Senac em Minas

Catalogação na Publicação (CIP) Camargos, Ricardo C172

Sabor das letras / Ricardo Camargos e Virgínia Castro. — Belo Horizonte: Páginas Editora, 2018. 220 p.: il. color. ISBN 978-85-93572-44-9 1.Ficção brasileira – crônicas 2. Gastronomia – Brasil I. Castro, Virgínia II. Título CDD: B869.3

Elaboração: Cleide A. Fernandes CRB6/2334


Dedico este trabalho a Tiago Servilha Maciel (Tití) e André Servilha Maciel (Dedé), meus netos, principal fonte de luz e alegria da minha vida.

— Ricardo Camargos

Dedico este trabalho às minhas filhas queridas Mariana e Maria Fernanda, e aos cozinheiros e cozinheiras que não enxergamos, por estarem “escondidos” nas incontáveis cozinhas de bares e restaurantes espalhados pelo Brasil afora.

— Virgínia Castro


Apresentação


As oportunidades entram na vida das pessoas e das instituições de maneira surpreendente. Numa dessas circunstâncias conhecemos o projeto do livro “O Sabor das Letras”. Mais que uma deliciosa oportunidade de viajarmos para a intimidade de tantas cozinhas e famílias, as crônicas ativam em nós as lembranças de nossas experiências e aguçam sensações de cheiros e sabores. Isso sem falar na memória de momentos especiais que já vivemos. E o que dizer quando culinária, cultura e o talento de tantos jornalistas se unem num projeto de protagonismo inovador e irresistivelmente atraente? E quando esse projeto se apresenta a instituições que têm na gastronomia, educação, saúde, assistência, esporte, turismo, lazer e cultura as bases de suas atuações, como a Fecomércio MG, o Sesc e o Senac? Só poderia dar match. E deu!!! O Sesc, por meio do projeto Mesa Brasil, faz chegar à mesa de milhares de pessoas, diariamente, toneladas de alimentos de qualidade que, de outra forma, seriam descartados. Por meio de atitudes sustentáveis e de respeito ao meio ambiente, o Mesa Brasil se propõe a avançar sobre questões sociais de uma forma criativa e saborosa. E não é só isso. O Sesc apoia a cultura em suas diversas modalidades e para diversos públicos, reconhecendo a importância do entretenimento para o trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo. O Senac em Minas, por sua vez, tem seu DNA na gastronomia. Com mais de 70 anos de atuação, a instituição é uma das principais referências em Minas e no Brasil na educação profissional nessa área. Diversos

profissionais, atuando no país e no exterior, muitos deles hoje reconhecidos pelo grande público, tiveram seus talentos potencializados no Senac que, além de oferecer conhecimento técnico, incentiva atitudes empreendedoras, sustentáveis, colaborativas para uma visão crítica do mundo e um protagonismo de sua aprendizagem e atuação profissional. Gastronomia é, portanto, uma arte, uma técnica, um business, um prazer que incentiva o comércio de bens, serviços e turismo, razão de ser da Fecomércio MG que, durante seus 80 anos de atuação, apoia os empresários desses segmentos em diversas ações. Dentre elas, destacamos a formação de profissionais cada vez mais qualificados e diferenciados, que fazem do nosso Estado uma referência nacional e até mundial quando se fala em tradição e alta gastronomia. A convergência dessas propostas tornou viável essa parceria e nos permite celebrar essa obra em que o leitor encontrará, não apenas a oportunidade de ler e se deliciar com as histórias, mas o incentivo a interagir com elas e criar momentos de raro prazer. Sim, porque muitos dos grandes momentos de alegria e descontração são vividos em torno de uma boa mesa, do fogão, com amigos e familiares. Deixamos aqui, então, nosso convite para que, inspirado nas crônicas e receitas dos autores, você leitor coloque a mão na massa e possa escrever suas próprias histórias, ao redor das montanhas de Minas, com o calor das amizades, o tempero da alegria e o toque especial do chef que existe em cada um.

Fecomércio MG, Sesc e Senac


Sumรกrio


A boa mesa, o estômago e o espírito (Mauro Werkema) ¦ 15 ¦ Cultura & história (Ricardo Camargos) ¦ 19 ¦ Poeira, letras e sabores (Virgínia Castro) ¦ 20 ¦ Os jornalistas e a arte culinária (Américo Antunes) ¦ 22 ¦ Um bom torresmo para abrir o regabofe (Acir Antão) ¦ 24 ¦ Uma rainha na cozinha (Ruth Barros) ¦ 27 ¦ Picadinho do presidente (José Amaro Siqueira – Zinho) ¦ 31 ¦ Receitas de família (Edilene Lopes) ¦ 37 ¦ A cozinha rápida do Kiko (Kiko Ferreira) ¦ 39 ¦ Bife de fígado para uma mãe atormentada (Helia Ventura) ¦ 42 ¦ Vamos comer feijão? (Sinésio Bastos) ¦ 46 ¦ A Feijoada do Maranhão (Valdez Maranhão) ¦ 49 ¦ Boi Vermelho (Vera Godoi) ¦ 53 ¦ Lombo com cachaça e afeto (Maurício Lara) ¦ 57 ¦ Confesso que cozinho (Heraldo Leite) ¦ 59 ¦ Um fotógrafo na cozinha (Marcos Alvarenga) ¦ 65 ¦ Mexidão, sim, senhor. E daí? (Samuelito Mares) ¦ 67 ¦ Barquinho da Dione (Edson Ferreira Martins) ¦ 69 ¦ “O couve” (Ivan Drummond) ¦ 71 ¦


Estrogonofe do Norte de Minas (Janaína da Mata) ¦ 74 ¦ O Telegastroetílicoalmoço (Sérgio Augusto) ¦ 77 ¦ Espremendo uma receita, com Tutti Maravilha (Ricardo Camargos) ¦ 91 ¦ Na Serra do Cipó, a gente gosta de comer e de contar “causos” (Sérgio Lacerda) ¦ 92 ¦ O estrogonofe da Tiana (Rosália Dayrell) ¦ 95 ¦ Arroz de pato ou feliz como pinto no lixo (Lúcio Braga Guimarães) ¦ 97 ¦ Minha festa de Babette (Fátima de Oliveira) ¦ 100 ¦ Um bobó de camarão histórico (Ricardo Camargos) ¦ 102 ¦ Um peixe quase abissal (Márcia Lage) ¦ 105 ¦ Bacalhoada portuguesa, sim, senhor (Déborah Rajão) ¦ 108 ¦ Arroz com bacalhau (Maria Amélia Tostes) ¦ 111 ¦ Punhetas de bacalhau e outros tira-gostos para quem não gosta de peixe (Mana Coelho) ¦ 115 ¦ Arroz com bacalhau Dona Iracema (Carlos Herculano Lopes) ¦ 119 ¦ Peixada Capixaba, a musa da culinária brasileira (Juliano Azevedo) ¦ 121 ¦ Bacalhau gaúcho-português (Valter Lockmann) ¦ 124 ¦ Cochinita Pibil (Márcio Metzker) ¦ 128 ¦ Vamos falar de culinária exótica? (Cezar Vanucci) ¦ 131 ¦ Doces dos tempos de antanho (Rogério Zola Santiago) ¦ 135 ¦


Torta de ricota (Ruth Barros) ¦ 137 ¦ Torta alemã (José Amaro Siqueira – Zinho) ¦ 138 ¦ Aquele que empapa (Ludmila Carneiro) ¦ 139 ¦ Brigadeiro de capim limão da Neném (Edilene Lopes) ¦ 143 ¦ Torta de amendoim (Tecris de Souza) ¦ 145 ¦ Porão, nosso território sagrado (Carlos Felipe) ¦ 148 ¦ Estrogonofe de shittake para ceia de natal (Giselle Dupin) ¦ 156 ¦ Berinjelas do Amaury (Amaury Machado) ¦ 159 ¦ Receita para família de boca ruim (Clara Arreguy) ¦ 161 ¦ Caldo e sabedoria (Jalmelice Luz) ¦ 165 ¦ Babaganush (Daniella Zupo) ¦ 169 ¦ Um gostinho de passado (Beth Fleury) ¦ 172 ¦ Macarronada da mama (Vilma Fazito) ¦ 177 ¦ Anna Marina Siqueira: quantas histórias! (Virgínia Castro) ¦ 180 ¦ “Trilhas do sabor”: receita de sucesso (José Eduardo Gonçalves) ¦ 187 ¦ Trilhas do sabor (Rusty Marcellini) ¦ 189 ¦ Viajando nas cozinhas de Minas e do mundo (Eduardo Tristão Girão) ¦ 193 ¦ Cozido mineiro marroquino (Chico Maia) ¦ 199 ¦ Um brinde à arte do recomeço (Eduardo Murta) ¦ 203 ¦ Porque bacon (e cerveja) é vida! (Fabiana Arreguy) ¦ 205 ¦


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A boa mesa, o estômago e o espírito

Mauro Werkema

M

arcus Gávio Apicius, primeiro crítico gastrônomo, que viveu em Roma no ano 37, autor de De Re Coquinaria, já dizia que o encontro à mesa, para que a refeição seja realmente agradável, exige três ingredientes: boas iguarias, um bom cozinheiro e uma prazerosa convivência regada por uma boa conversa. Ou seja: o grande e universal prazer que é comer ainda é maior, e fica completo se, além da boa comida, tivermos bons comensais compartilhando a mesa, compondo um momento alegre, saudável e amigo. E mais: é essencial à boa digestão, palatável para o corpo e para alegria do espírito. Em Minas, por sua história tricentenária, a gastronomia vai além dos bons ingredientes: a mesa farta e variada, a tradição que se revela em receitas próprias da cultura regional e uma confraria de amigos amantes do comer bem, mas também da boa conversa e da saudável convivência. E, como é da tradição, é melhor ainda quando o encontro e a conversa começam na “Cozinha”, um santuário para o mineiro, seja pelo clima acolhedor no entorno do fogão, especialmente se for à lenha, como também pela escolha do que comer, os temperos, aromas e cheiros, a preparação dos alimentos, o uso dos utensílios, frigideiras, chaleiras, pratos, compoteiras, facas e talheres. Mas e, sobretudo, no convívio, que permite apreciar e desfrutar da arte culinária e sua sagrada liturgia. Arte que, nos nossos dias, é cada vez mais atraente e mágica, a exigir talento, esmero e criatividade do cozinheiro, capaz de harmonizar ingredientes, temperos, tempos e suscitar a boa conversa. Completa-se tudo no ritual comensal à mesa e não precisa ser um banquete, porém é essencial que seja um momento de qualidade espiritual. Dentre muitos traços que conformam a personalidade dos mineiros, heranças de três séculos de sua história, um se distingue: a hospitalidade, famosa e apreciada, da qual resulta o gosto pela boa conversa e o prazer de oferecer ao visitante um café, um pão de queijo ou uma broa de fubá e um agrado, sempre algo típico

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da culinária regional, em geral de preparo domiciliar. Pesquisadores da cultura mineira dizem que a hospitalidade nasce de duas circunstâncias na formação dos mineiros: a primeira advém do minerador, da “Minas Geratriz”, dos primeiros anos de ocupação territorial, na expressão de Guimarães Rosa; e a segunda, do mineiro ruralista, fazendeiro e interiorano em que se transforma quando esgotado o Ciclo do Ouro e ocorre a busca de novos fazeres e terras mais férteis. Será o momento das grandes fazendas, produtivas, que vivem efetivamente do pleno aproveitamento da terra, da lavoura e da pecuária, ensejando expressiva expansão culinária, novos produtos, novas práticas e condutas alimentares. Surgem o pomar e a horta. A criação bovina e suína. Ambos, minerador e fazendeiro, pelos tipos de vida, superavam seu isolamento geográfico pela hospitalidade, no gosto por receber, de tratar bem o visitante, oferecer o café, o queijo, oferendas da cozinha e, sobretudo, o encontro a que não falta a boa e acolhedora conversa. A culinária mineira é uma herança cultural da nossa peculiar formação. É parte da mineiridade, conjunto de traços distintivos que caracterizam nossa identidade regional, reconhecida por estudos que tratam da personalidade dos mineiros e sua distintiva presença no mapa brasileiro. A nossa diversidade gastronômica, tanto quanto a singularidade da culinária mineira, decorre de um sincretismo que se forma pelas contribuições dos portugueses, indígenas, africanos, paulistas, baianos, pernambucanos, aventureiros de várias origens que acorreram a Minas desde os anos finais do século 17, na corrida pelo ouro. E também de italianos, árabes, alemães e outros que se incorporam aos cardápios e já “amineirados”. O que explica a variedade de pratos e iguarias de imenso gosto também dos visitantes, do que nos dão testemunho turistas de todo o mundo e fazem a fama internacional da nossa cozinha. A comida mineira está incorporada ao nosso patrimônio cultural, é fator de atratividade turística, tem fama e demanda. E, na sua variedade, tem ofertas para todo o calendário anual: para o Natal, ceia da passagem do ano, a Semana Santa, a Quaresma, celebrações, para o inverno e o verão. Aos produtos naturais da terra mineira somam-se outros trazidos pela composição étnica e que, entre misturas e complementações dadas pela evolução econômica e social, compõem hoje a diversidade da nossa culinária. O plantel alimentar do índio brasileiro passava por caças, peixes, tubérculos, raízes e folhas. E, em convivência com o negro africano, passaram a apreciar outros cereais como o milho, o sorgo, o arroz, a mandioca, nas formas de preparo de farinhas, broas e mingaus. Os portugueses, a princípio dividindo a comida com índios e negros, introduziram o alho, a cebola e a pimenta, entre outras especiarias recolhidas dos seus domínios na África, Ásia e Ilhas Madeira e Cabo Verde. E trouxeram também frutas e alguns legumes e hortaliças. E logo passaram a comer carnes de animais de maior porte, pouco no ciclo da mineração, mas muito na Minas

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Rural. E, para a mesa dos senhores, vinham barris de vinho, pipas de azeite, azeitonas, carnes defumadas, legumes secos e farinha de trigo. Quem não gosta do frango com quiabo e angu, do tutu de feijão, do feijão tropeiro típico da culinária regional, do molho pardo, da feijoada, do bambá de couve, da carne de porco, do caldo de galinha, dos ensopados, da polenta, da linguiça de pernil e, para os apreciadores, da boa e afamada cachacinha, outro patrimônio de Minas, com torresmo de tira-gosto, apenas para citar os mais famosos. E do indispensável queijo, gerador do famoso pão do queijo, uma instituição mineira de fama internacional, da broa de milho, brevidades e biscoitos, do arroz-doce com canela, do doce de leite, da ambrosia, goiabada, geleias, pudins e manjares, que nos permitem momentos de qualidade e felicidade. E que nutrem o corpo e a alma, e trazem a alegria, estimulam a proximidade humana. Tudo ao gosto natural, na imensa riqueza de paladares que a terra mineira propicia. Nas últimas décadas, a historiografia social dedica crescentemente sua atenção à gastronomia que, nos nossos dias, tornou-se matéria de curso superior e desperta amplos interesses. É assunto de todos. Prolifera a literatura culinária, multiplicamse receitas, amplia-se o paladar. As cozinhas são laboratórios, com equipamentos e instrumentos que acompanham a modernidade tecnológica. Os supermercados transformam-se em fantásticos templos do consumo, tamanha a multiplicidade de ofertas, experimentações, novidades a cada dia, diferentes composições e uma surpreendente internacionalização. O bem comer é hoje não só visto como prazer, mas também requisito básico para a saúde. As composições químicas se tornam conhecidas e são fatores seletivos. Sofisticam-se as práticas de cozimento, de busca de novos cultivares alimentares e dos temperos e tenta-se conhecer mais seus componentes que interferem na vida saudável e longeva. Cruzam-se as preocupações biológicas e sociais e a culinária apresenta-se, no século 21, como prática de entretenimento, de experimentações alimentares e criações cada vez mais gratificantes ao paladar. Mas a boa mesa, com a presença de amigos e convivas, em bons restaurantes ou em casa, em meio a todas essas transformações, também faz a diferença e só vai ampliando seu fascínio, consagrando-se como momento de felicidade para reuniões familiares, festas dos calendários cívicos e religiosos, comemorações, motivação para encontro com os amigos e até para facilitar conversas de trabalho. Vamos à mesa. Os alimentos são mais do que coisas materiais. São sacramentos de encontro e de comunhão. Tanto quanto os que comem, como os que cozinham, têm incontido prazer de mostrar a sua arte. Os jornalistas, talvez pelos ossos do ofício (ou os ofícios dos ossos) não iam deixar de mergulhar neste universo. E, enfim, todos que gostam de comer e de beber são gente boa.

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Foto: Arquivo Pessoal

Foto: Marcos Alvarenga

Ricardo Camargos

VirgĂ­nia Castro

AmĂŠrico Antunes

18 Foto: Paula Martin


Ricardo Camargos

Cultura & história

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ostumo dizer que para exercer a arte do jornalismo é preciso ter, principalmente, o que chamamos de “cultura de superfície”. Traduzindo, não tem receita exata para ir ao fundo da notícia ou das coisas. O principal é começar. Ter uma noção superficial do que se vai tratar e depois mergulhar nos fatos e assunto. Quando se mexe a colher de pau das perguntas e das respostas, a gente vai mergulhando no caldo da receita. E quando se chega ao caldo, tem-se o sabor. O gosto da verdade. É bom não se esquecer que a culinária mineira, desde os tempos de antanho, é considerada uma das mais importantes do país. Entrou para a história com os tropeiros e bandeirantes e depois foi se aprimorando. Não sem motivos, desde os anos 1980 foram surgindo vários grupos e movimentos visando qualificar e divulgar a diversidade da nossa cozinha. Para ficar em dois exemplos, o antológico “Telegastroetílicoalmoço”, promovido pela velha Telemig durante quase duas décadas, e o célebre “Porão do Carlos Felipe” que, também há décadas, vem promovendo encontros constantes, reunindo jornalistas e vários artistas de renome (do Estado e de fora). Eu mesmo, numa de minhas passagens pela direção de jornalismo da Inconfidência, cheguei a produzir de lá (ao lado do mano Miguel Resende), todos os domingos um programa ao vivo. Foram encontros memoráveis com verdadeiras aulas sobre música, cultura e política e, claro, culinária. O jornalista Sérgio Augusto Carvalho e “Mestre” Carlos Felipe e sua Maria Helena vão contar isso aí para a frente.

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Poeira,letras e sabores H

Virgínia Castro

avia um número razoável de periódicos circulando na empoeirada Belo Horizonte recém-nascida do final do século 19. Eram jornais e panfletos de natureza política, literária, cultural, esportiva, operária e religiosa.

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Os imigrantes que por aqui aportavam, em busca de ofício, davam um tom de diversidade ao lugar escolhido para substituir Ouro Preto como capital de Minas Gerais. Árabes, italianos, alemães, portugueses misturavam-se aos brasileiros do lugar, parte descendente de africanos e indígenas, formando um rico caldeirão cultural. Nesse caldeirão de línguas e costumes chegavam também as novidades no preparo dos alimentos. Receitas de “outros mares” iam sendo adaptadas aos produtos disponíveis à época, bem escassos, diga-se de passagem. Bisbilhotando jornais daquele tempo, no arquivo da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, localizada na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, constatei que, embora reservassem um espaço ainda tímido à culinária, esse assunto já começava a ser abordado em algumas poucas colunas. Também se misturavam às notícias, artigos, poemas e orações, os tradicionais anúncios de armazéns de Secos & Molhados que, além dos alimentos da cesta básica, tais como o sal, o arroz, o feijão, a farinha, o óleo e ovos, vendiam também carne seca, linguiça, queijo curado, rapadura, aguardente, vinho e outras iguarias. Nessa garimpagem, deparei-me com a edição de número 25 do Jornal Bello Horizonte, de 23/02/1886, com um belo artigo (não assinado, mas, provavelmente, escrito pelo proprietário do jornal) de uma feira que acontecia aos domingos na futura capital, ainda em construção. Alimentos produzidos nas imediações eram trazidos em lombo de burro, para serem vendidos ou trocados, compondo a matéria-prima da boa culinária então emergente. Enquanto lia o artigo, me transportava, aos poucos, para aquele tempo em que as horas passavam devagar e os alimentos, por mais simples que fossem, eram degustados com parcimônia. Uma incrível viagem!


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Os jornalistas e a arte culinária

Américo Antunes

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Muito antes de a gastronomia ter alcançado o merecido reconhecimento como uma das mais importantes especialidades do jornalismo cultural, a arte culinária já encantava jornalistas e profissionais de veículos de comunicação. Receitas e dicas culinárias, críticas gastronômicas, roteiros de restaurantes, bares e botecos sempre tiveram espaços garantidos nas editorias de cultura de jornais e revistas, em publicações especiais ou em programas de rádio e TV de todo o país. Como bom exemplo, vale lembrar que durante a ditadura militar, receitas de bolo chegaram até mesmo a ocupar páginas nobres dos jornais, em substituição - e insólito protesto – às matérias vetadas pelos censores de plantão nas redações.

Em Belo Horizonte, às seções de culinária e gastronomia e às publicações especiais dedicadas ao tema, como a revista Sabores de Minas, do jornal Estado de Minas, somaram-se outras iniciativas inéditas, como o “Telegastroetílicoalmoço”. Promovido pela então estatal Telemig, o almoço de confraternização reunia centenas de jornalistas, publicitários e comunicadores, sempre às vésperas do Natal, projetando e difundindo pioneiramente a arte culinária mineira e revelando chefs talentosos, tanto na arte da comunicação quanto da cozinha. Apesar da importância do jornalismo para a projeção da arte culinária e da gastronomia de Minas, essa história é pouco contada, pois, como reza o ditado, “em casa de ferreiro, o espeto é de pau”.

Talvez seja isso o que explique que boa parte dos jornalistas tenha uma espécie de encantamento com a culinária. Não são poucos os companheiros que compartilham dessa paixão. Sempre encontram um momento entre a correria das escalas e pautas infindáveis para convidar os amigos a um almoço ou jantar caseiros (geralmente nos fins de semana) sempre regados a cerveja gelada, um bom vinho ou uma cachacinha mineira. Além de prosa boa e revelações de arrepiar os cabelos. Vestem seus aventais, vão para o fogão e sempre (como diria o “irmão” Acir Antão) assinam um regabofe que fica na história.

O objetivo deste Sabor das Letras é, portanto, o de contraditar a máxima popular, resgatando a paixão arrebatadora de jornalistas pela culinária e pela gastronomia em um livro histórico. Muito mais do que uma simples publicação de receitas, com aquela estrutura careta do tipo “nome do prato, ingredientes e modo de preparo”, o livro traz histórias, molhos e temperos finalmente revelados por profissionais da imprensa mineira que se aventuram na arte culinária.


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Um bom torresmo para abrir o regabofe Foto: Divulgação Rádio Itatiaia

Acir Antão

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Foto: Breno Pataro

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icou comum hoje os homens estarem na cozinha. Eu estou acostumado à cozinha desde criança. Minha mãe me mandava cozinhar, sempre me alertando que não a teríamos por muito tempo. Ela morreu aos 44 e eu tinha 12 anos. Como tenho de dar uma receita pra vocês, vou ensinar a fazer o torresmo que faço em casa. Uso sempre o toucinho magro, que corto em pedacinhos iguais, com pele e pouco toucinho. Reservo também os pedaços de toucinho com carne. Pego uma panela grossa: gosto muito de usar as de alumínio batido, pois elas são consistentes. Deixo a panela esquentar por alguns minutos no fogo baixo e depois coloco o toucinho com pele, sem usar mais nada. Chamo a atenção de que o toucinho não pode ser lavado antes. Com uma colher de pau, você vai mexendo o toucinho na panela e ele vai fritando. Isso em fogo baixo. Quando ele estiver gelatinoso, você coloca o toucinho com carne, que naturalmente já foi cortado em cubos. Misture bem e aumente o fogo da panela. Nunca se esqueça de ir mexendo e, nesse processo, a gordura já está farta na panela e o torresmo inicia a fritura. Nesse momento, vamos acrescentando o sal, e para tal, faça como eu, experimente um pedacinho para sentir que chegou no ponto e, nessa hora, acompanhe com uma cachacinha. O torresmo inicia o processo de fritura e a panela fica com uma espuma. Só depois que a espuma for acabando é que você começa a retirar o torresmo da panela com uma espumadeira. Coloque numa vasilha forrada com papel toalha e deixe o torresmo quente receber um pouco de ar. Está pronto o seu torresmo. Nada além do toucinho cortado em cubos com pele e a outra fase de toucinho com carne, que deve ser acrescentada quando o torresmo estiver gelatinoso. Sirva-se à vontade. Esse é o torresmo, sem segredos.

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Foto: Juvenal Pereira


Uma rainha na cozinha

Ruth Barros

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inha mãe, professora, não era chegada em cozinha. Meu pai, médico, milico e intelectual, não necessariamente nessa ordem, nunca se ocupou de trabalhos manuais, apesar das belas mãos. Como a maioria dos homens de sua geração, ainda por cima neto de um ex-senhor de escravos, via o ato de fazer comida como coisa de mulher ou subalternos. Soma diminuída desses talentos; para mim a cozinha era uma coisa habitada pelas empregadas, de onde a comida surgia como passe de mágica. Na verdade, a ideia do passe de mágica só me ocorreu quando, depois de me casar na igreja da Boa Viagem com pompa e circunstância, fui transportada ainda mocinha para Paris, onde havia uma cozinha muito pequena. Certo que existia o marido (o jornalista Flamínio Fantini), mais independente e vivido que eu, com mais noção do mundo real, inclusive de fazer um prato de comida. Mas não podia mais continuar deitada em berço esplêndido. A magia se fez na verdade quando, transpostas as dificuldades de qualquer iniciante, eu passei a mandar nas panelas. A necessidade, mãe da invenção, revelou um talento, modéstia às favas, insuspeito. E uma criatura muito mais apta a lidar com seu cotidiano do que a criação de dondoca fazia prever. Cozinhar foi fundamental para manutenção de saúde, do bom humor, amigos e até minha família originaria, os Moraes e Barros. Na ocasião de festas, quando se faz necessário, quem comanda as panelas sou eu. Ainda de quebra chamo uma das sobrinhas para aprender alguma coisa. Meu filho não repetiu a história da mãe, desde cedo tento incutir que não existe milagre, que rango dá trabalho como qualquer outra atividade cotidiana. Ele nunca teve direito de dizer “ah, disso eu não gosto”, quando era criança, sem sequer

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ter provado o prato. Quer dizer, direito até tinha, mas a resposta invariável era “aqui não é restaurante, vai comer o que tem”. Até hoje é meu companheiro de feira e supermercado. Tem boas noções, se vira no fogão e quando chegar a hora de abandonar a casa do pai, acho em breve, estará mais apto do que eu era. O que também não chega a ser enorme maravilha. Adoro receber, me hospedar com amigos e sempre invento festa ou pretexto. Quando fico na casa de alguém me proponho a cozinhar, faço as compras para não encher o titular da pasta, amigos são chamados e, claro, tudo regado a generosas doses alcoólicas, complemento perfeito. Aí rola papo bom e muitas vezes dança, barato legal para gastar um tanto das inúmeras calorias adquiridas. Acho tremendamente injusto manter até hoje o DNA do homem pré-histórico. Guardamos tudo o que absorvemos, herança genética de quando comer não dependia apenas da vontade própria. Eu poderia atravessar glaciações, guerras e outros tormentos geradores de fome com galhardia. DNA filho da puta. Aqui vai uma receita meio francesa, meio Maria Ruth, fácil de fazer e boa de comer. De quebra, mais adiante, vai uma sobremesa que não falha, maravilhosa, e sempre faz o maior sucesso.

BOUEF BOURGUIGNON Vem com duas versões: uma mais metida à besta e outra mais proletária, cada uma melhor que a outra. O original leva vinho Borgonha, daí o nome. Mas qualquer vinho tinto seco (desde que não seja o velho Olho de Boi) serve. Cozinhe um quilo de carne mais ou menos com uma garrafa. Musculo é ótimo para isso, ainda mais se tiver saco e tempo para panela normal. Se não, vai na pressão mesmo. Os europeus fazem isso no inverno e o perfume e o calor da comida inundam corações e mentes durante horas. Faça o tradicional refogado de alho e cebola e sele carne cortada em cubos depois, fritando levemente todos os lados no azeite. Tempere com sal e pimenta, coloque o vinho e um bouquet garni, que pode ser uma folha de louro, salsinha, alecrim e manjericão amarrados com linha e barbante, pois serão retirados ao final. Senão umas duas ou três folhas de louro funcionam, não tem como ficar ruim. Fique atento se usar panela de pressão, a carne não pode secar, é um ensopado; se necessário, acrescente água. Quando a carne amaciar, tirar a pressão e cozinhar

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mais uns 40 ou 50 minutos com cebolas pequenas (que devem ser colocadas mais para o final, pois cozinham rapidamente) e champignons frescos. Se quiser fazer a versão carbonnade de bouef fica tudo igual, e no lugar do vinho entra cerveja preta. Na finalização entram pedaços de cenoura e batata. E salsinha verde em último lugar. Para ser bem francês, acompanhe com purê de batata, mas arroz também é da hora. Salada verde e pronto. Ah, tem sobremesa no capítulo “Adoçando as Letras”. Mas antes, vamos tomar um drink?

O CAJU AMIGO DE TODAS AS HORAS Bem que eu avisei que aquele bouef bourguignon não ia ficar sem um drink especial e uma sobremesa. Ela vai ficar mais para adiante. Mas vamos tomar um drink primeiro. A receita original é do Sergio Arno, do livro do fabuloso Vechia Cucina, mas eu enfiei umas modas nela também. E fica bárbaro. Como ela puxou um drink vai ele também. Primeiro, a calda. Pode ser qualquer fruta da época. Eu aproveito pechincha da feira. Uma vez cheguei em casa com uns 30, 40 cajus. O que um ser humano faz com 40 cajus? Comi uns dois ou três, fiz suco, uma caipirinha de vodca e para não chorar pela burrice da compra, resolvi tentar conservar fazendo um doce. Lavei os cajus e não descasquei de preguiça. Pus no fogo com um pouco de açúcar, depois de tirar a castanha, claro. Adicionei um gole de conhaque. Eu uso bebum em tudo, doce ou salgado, dá um sabor maravilhoso e o álcool evapora – nada é perfeito. Cozinhou alguns minutos, pus o suco de um limão para criar o acidulante e tirei as frutas já reduzidas com a escumadeira, deixando a calda apurar mais um pouco, reduzindo mais ou menos a metade. Isso é procedimento padrão, pode ser feito com morangos, manga, abacaxi ou qualquer outra oferta de fruta da época. No caso, quando acabou, eu tinha dezenas de cajus em calda. O que era pura e honesta economia doméstica virou caminho de perdição. Lembrei na hora do

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“Caju amigo”, drink magia do Pandoro, bar paulistano famoso desde os anos 1950 que, infelizmente, não sobreviveu nesse terceiro milênio. A base é a compota do caju adoçado pela própria calda, suco de caju daqueles de garrafa mesmo e vodca. Ou pinga. Serviu também como calda da torta de ricota. E legal ser fruta de cor pra criar contraste com a torta branquela. Mas vai do gosto do freguês ou do que tem em casa.

Foto: Juvenal Pereira

Promessa é dívida. Então vamos encerrar a história do bouef bouguignon e do “Caju amigo” com uma sobremesa de verdade? Confiram depois da bela viagem histórica do Rogério Zola Santiago.

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Picadinho do presidente José Amaro Siqueira (Zinho)

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antuário é um pequeno e distante bairro de Conceição do Pará, cidade de uns 5 mil habitantes, a 120 quilômetros de BH. Tem nada, mas tem tudo. Praça, o coreto, umas três dezenas de casas, a capela de N. S. da Conceição, um bar com cerveja gelada. Foi lá que aprendi a “pilotar” um fogão à lenha. E me apaixonei! Meu padrinho João Roberto, o Betão, me ensinou, pacientemente, a arte de cozinhar nesse fogão, quase num passo a passo. A gente “arranchava” numa casa construída há uns 70 anos, com quartos, sala pequena, banheiro com serpentina (mecanismo que esquenta a água no fogão à lenha) – e a cozinha, sempre o principal local da casa, que abria para uma varanda, e essa para o belo Rio Pará. Era programa de homem. Juntava um tanto de primos, mais queridos e agregados. Na sexta-feira saíamos de BH depois do trabalho ou do estudo. Um coitado dirigia e o resto já ia parando em botecos da estrada, com cervejas meio quentes esquentando a conversa. Em menos de três horas a gente chegava e a primeira providência era catar lenha e acender o fogão. A conversa rendia e descambava pro pôquer ou, na maioria das vezes, prum truco que acordava até o galo que tinha perdido a hora... No dia seguinte, quem acordasse primeiro já ia encontrar a negra Sá Ana tentando arrumar a bagunça e nos dando lições de vida. Ela era uma pequena senhora de menos de um metro e meio, filha de escravos, sem dentes, alegria permanente, que adorava aqueles “meninos” barulhentos. Já tinha reabastecido o

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Foto: Carla Madeira


fogão, feito um café forte pra ressaca e ainda trazia uns dois frangos pra fazer o melhor caldo que já bebi. Andava com a vassoura e enxotava quem ficava em seu caminho, com carinho e determinação. A gente ria e puxava conversa. Ela parava, fazia observações engraçadas e originais sobre a vida, apoiada com as mãos grossas na vassoura também pequena, e ia arrumando a casa. Da turma, alguns iam pescar; outros começavam devagar num jogo de buraco; nas redes, dois ou três liam. Logo, e talvez já seria ao entardecer, um violão conseguia a proeza de reunir todos em volta do fogão. A lenha estalava, o que não era um bom sinal, pois estava verde, compravam-se mais cervejas e alguém produzia tira-gostos enquanto outro fazia o arroz com pequi pra comer com o que restara dos frangos caipiras. Ao lado, os ingredientes da feijoada marinavam desde a madrugada de sexta. Chegava domingo, o maldito dia de ir embora, a gente dava uma caminhada para aliviar a culpa pelo excesso de comida e bebida, sorvíamos água em bicas, nadávamos despreocupados numa praia do Rio Pará. Enquanto isso, lá no fogão a lenha, dois quilos de feijão já incorporados aos pés, orelhas, lombos, toucinhos e torresmos, engrossavam a feijoada, pilotada por Sá Ana, mas sempre supervisionada pelo Betão, e que fazia a alegria de todos nós. Após nos empanturrarmos, aquela apagada em qualquer lugar com sombra, e voltávamos pesarosos aos estudos e/ou trabalho em BH. Todo esse nariz de cera é pra contar que, desde a década de 1970, adoro fogão a lenha. Fazer a comida nele é certeza de que um gosto extra, peculiar e maravilhoso, chegará ao guisado. Basta respeitar o cozimento lento e atento, sem rima, pois a desatenção queima a comida rapidinho... Verdade! Ficar lendo mensagens no smartphone, por exemplo, e cozinhar no fogão de lenha não dá certo! Vai faltar água bem na hora que piscar a notificação ou enquanto você escolhe o filtro para postar a foto. Já numa roda de amigos, com ou sem bebidas, a boa conversa será o tempero necessário para executar uma receita fantástica que alguém conseguiu com um cozinheiro não menos fantástico. Em Rio Acima, onde comprei um terreno há 20 anos, uma das primeiras coisas foi, evidentemente, construir um fogão a lenha. Como tinha tomado gosto por cozinhar, vira e mexe pegava receitas em jornais, revistas, com amigos/as ou fazia curtos cursos de culinária e ia testar. E devo confessar: umas não deram certo. Por outro lado, uma vez peguei uma receita da chef Roberta Sudbrack. Fiz poucas adaptações (e é o que repasso), mas o crédito da receita é dela. Porém, quero realçar um ponto fundamental e que aprendi numa aula do chef Felipe Ramed. O caldo! Invista na produção do caldo. Nada de caldo Knorr! Gaste tempo, compre os ingredientes e faça o melhor caldo. É a garantia. Tiro e queda! É do caldo de carne feito em casa que o Picadinho do Presidente fica delicioso! Dá trabalho – umas 24 horas! –, mas é superdivertido! Vamos lá:

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CALDO — INGREDIENTES

Dica 3 – Já os legumes não dão reaproveitamento. Jogue fora.

1 kg de osso de boi 2 kg de ossobuco de boi 2 cenouras 2 cebolas 2 talos de salsão Azeite Muitos litros de água fria

Dica 4 – Faça o caldo de carne mesmo se não tiver fogão a lenha. No fogão a gás funciona bem também!

PICADINHO — INGREDIENTES

CALDO — PREPARO Depois de pedir ao açougueiro para cortar os ossos em pedaços de 15 cm, coloque o ossobuco e os ossos numa assadeira e leve ao forno. Quando estiverem dourados, acrescente os vegetais já cortados em pedaços pequenos. Cinco minutos depois, é hora de colocar tudo numa panela grande, acrescentar um pouco de azeite, levar pra chapa quente e deixar dourar até atingir uma cor escura. Ponha mais lenha no fogão, coloque seis litros de água fria e deixe a panela sem a tampa. Durante quatro horas, fique retirando a espuma da superfície e coloque mais água fria sempre que o volume diminuir. Deixe o fogo abaixar, ou tire a panela da chapa quente, e fique cozinhando por mais duas horas. Depois disso, tampe a panela e deixe repousar bem longe do fogão até o dia seguinte. No outro dia retire a gordura da superfície, coe e volte à panela ao fogo (bem alto). Espere reduzir até um terço do volume inicial. Sempre que chegar a esse volume, coloque mais um litro de água fria e deixe reduzir novamente. Coe e repita esse processo três vezes, até encorpar bem. No final, dá menos de dois litros e que podem ser usados, se congelados, por até três meses. Dica 1 – Cozinhe os ossos com arroz e dê para os cachorros. Eles vão amar! Dica 2 – Faça uma massa e coloque a carne do ossobuco com molho de tomate. Fica ótimo!

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1,5 kg de filé mignon 3 dentes de alho picados 1 cebola picada 6 tomates sem pele e sementes em cubos 100 ml de tomates pelados tipo italiano passados na peneira 8 colheres de sopa de manteiga 10 colheres de sopa de azeite ½ litro de caldo de carne (receita anterior) Pimenta preta moída e sal a gosto

PICADINHO — PREPARO Coloque a manteiga e o azeite e refogue o filé cortado em pequenos cubos até dourar. Tempere com sal e pimenta. Reserve. Na mesma panela acrescente um pouco mais de azeite e refogue o alho e a cebola. Em seguida, vá acrescentando os tomates, a carne, o tomate pelado e o caldo de carne (já quente). Deixe cozinhar até encorpar. Vá provando e acerte o tempero, se precisar. Para acompanhar: faça um arroz branco, farofa de cenoura e banana à milanesa empanada com farinha Panko.* Ah, tem uma bela sobremesa, minha “Torta Alemã”, que você vai encontrar no “Adoçando as Letras”. *Remova a casquinha do pão e deixe secar, sem tampar, coloque-o dentro do forno desligado e deixe-o passar um dia secando lá por 24 horas. Não jogue fora as casquinhas, tempere com um pouco de azeite, sal e orégano e leve ao forno até ficar crocante, é um crouton rápido e delicioso para acompanhar saladas, agrega crocância e sabor!)


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Fotos: Irlene Lopes


Receitas de família Edilene Lopes

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unca fui uma pessoa de inventar receitas, mas mantenho a tradição da família de repetir as melhores da casa. Abaixo, seguem receitas do meu pai, da minha irmã e da nossa caçulinha. Faltaram as do meu irmão, que poderia ganhar a vida como churrasqueiro facilmente.

PARA O CAFÉ DA MANHÃ FAROFA DE BANANA

PARA ALMOÇO OU PRO CHURRASCO

Receita do Seu Heber, uma tradição na família

Farofa da mamãe

INGREDIENTES

INGREDIENTES

300 g de queijo 3 colheres de sopa de manteiga 3 bananas-prata cortadas em rodelas 150 farinha de milho de biju

500 g farofa pronta de milho 250 g bacon 1 vidro pequeno de azeitona sem caroço 1 cebola inteira picadinha 2 colheres de sopa de manteiga Pimenta biquinho a gosto Vai bem no churrasco e também deve combinar com a cochinita pibil do Metzker.

MODO DE PREPARO Em uma panela em fogo baixo, coloque 2 colheres de manteiga, forre com banana cortadas em rodelas, cubra a banana com fatias de queijo. Assim que o queijo derreter vire tudo, de modo que a banana fique pra cima; adicione mais 1 colher de sopa de manteiga e vá colocando a farinha aos poucos (não muito, pois a farofa deve ficar molhada), misture por dois minutos e desligue.

MODO DE PREPARO Picar o bacon em cubos pequenos e fritar. Tire a maior parte da gordura e adicione a cebola, deixa fritar um pouquinho; adicione 2 colheres de manteiga, a azeitona, a pimenta biquinho e, por último, a farofa (ao ponto de não deixar a farofa seca). E apague o fogo em seguida. Confira a sobremesa no capítulo “Adoçando as letras”.

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Foto: Isadora Boucherni


A cozinha rápida do Kiko

Kiko Ferreira

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a dobradinha ao caviar. Meu lema gastronômico. Ou culinário, para ficar menos pomposo.

Criado em família de operário metalúrgico e dona-de-casa, ambos vindos de famílias numerosas, aprendi, desde cedo, a comer o que fosse servido. Felizmente, minha mãe era excelente cozinheira, especialista na tradicional comida mineira. Uma vez por mês, acompanhava Dona do Carmo ao Armazém do Povo, no centro de Ipatinga, onde vivi dos seis aos 13 anos, para as compras do mês. E lá, depois de percorrida a lista tradicional, tínhamos tempo para improvisar. Feijoada em lata, aspargos, cogumelos, quitutes, geleias, molhos... o que tinha de novidade entrava nos engradados que, mais tarde, o caminhão do armazém deixava em casa. De volta para Belo Horizonte, depois de três anos na casa de minha avó Conceição, no Padre Eustáquio, passei a viver sozinho. Trabalhava manhã e tarde na loja Gramophone, na Avenida Brasil, e estudava na PUC Minas à noite. Chegava por volta das onze e, só aí, ia para a máquina Remington, pelo menos três vezes por semana, fazer resenhas para o Jornal de Minas, o Diário de Minas, o Hoje em Dia e outros, além de preparar roteiros para programetes e programas especiais da Rádio Inconfidência. Ou comentários para as TVs Band, Globo ou Rede Minas. E ainda fazer os poemas que passei a publicar. Inspirado no que via mãe e vó fazerem, e nas facilidades do novato auxiliar micro-ondas, que os incautos e preguiçosos só usam para fazer pipoca gordurosa e esquentar água, fui criando um modo particular de cozinhar em pouco tempo o jantar que ia me deixar com um pouco mais de paciência para enfrentar as teclas pela madrugada. E, quase sempre, nos finais de semana.

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O prato básico, que costumo fazer até hoje, mas varia todo dia nas cores, sabores, temperos e proteínas, é um assado de legumes, acompanhado ou não de arroz colorido ou macarrão ao pesto, com uma carne diferente a cada dia. Pato, rã, avestruz, frango, costelinha, filé, bacalhau, linguiças artesanais, chouriço, polvo, camarão, truta, coelho, cordeiro, codorna... cada dia uma novidade, para não dar preguiça a olhos e bocas. O tabuleiro sempre rende para até quatro porções. Solo ou em dupla, costuma sobrar para congelar e ir recomendo aos poucos. Principalmente quando o tempo for ainda menor e só dá para chegar em casa na hora do jogo do Galo, a tempo de abrir o vinho e colocar o tupperware no micro-ondas.

INGREDIENTES

de largura, pelo menos meia dúzia dos vegetais de cores e texturas diversas. Tempere com sal, alho, pimenta do reino, um pouco de páprica, ervas secas. Acrescente uma cabeça de dentes de alho (pode ser com casca) e meia dúzia de azeitonas pretas. Regue com bastante azeite.

1 cenoura 1 batata doce 3 batatas Asterix 1 pimentão vermelho 2 cebola 1 tomate 4 rabanetes 1 pedaço de abóbora Sal Pimenta Alho Páprica picante Ervas secas Azeitonas pretas 1 cabeça de alho Azeite extra virgem Rúcula 1/4 de um repolho roxo pequeno Salsinha Manjericão 1 colher pequena de milho de pipoca 1 limão 4 filés mignon altos

Num outro tabuleiro, junte meio quilo de linguiça de carne-de-sol, ferventada antes por cinco minutos no micro-ondas e lavada para tirar excesso de gordura, em pedaços de quatro dedos cada. Asse os dois por 45 minutos, reforçando o azeite nos legumes depois de 25 minutos de forno. No final, pique a linguiça e misture aos legumes. Sirva separado se houver vegetariano(a) na mesa.

MODO DE FAZER Então vamos a uma das versões à que uma amiga batizou de A Cozinha Rápida de Kiko Ferreira. Lave e pique, em pedaços de dez centímetros de comprimento por um

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Quando estiver quase pronto, passe numa frigideira grande e pesada quatro pedaços altos de filé mignon, temperados com alho, sal, pimenta, mostarda e um pouco de mel. A carne deve estar mal passada, quase como um rosbife. Sirva com uma salada fresca de rúcula, tomatinho cereja, repolho roxo, salsinha, manjericão e um pouco de pipoca e nozes (ou castanhas) para dar “crocância”. Tempere a salada na mesa, com azeite extra virgem, limão, vinagre e uma pitada de cúrcuma.


Foto: Isadora Boucherni


Bife de fígado para uma mãe atormentada Helia Ventura

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ou jornalista, formada pela UFMG. Só no “Estado de Minas” e “Diário da Tarde” trabalhei por quase 30 anos. Entrei como estagiária e saí como subeditora de economia. Nesse mesmo período, também exerci a profissão no serviço público do Estado de Minas Gerais. Perdão por abrir este texto com informações que não devem ser de interesse de vocês. Mas preciso explicar que esses anos todos de militância na profissão que amo não foram suficientes para me dar uma cara de jornalista, se é que jornalista tem algum traço que o defina. Particularmente, não acho que a gente tenha uma “cara”, embora alguns estereótipos e lendas criadas em torno da profissão apontem isso. A “estagiária do calcanhar sujo”, de Nelson Rodrigues, é um bom exemplo. Me pergunto também se existe uma “cara de cozinheira”? No entanto, não faço essa afirmação com a mesma certeza em relação a outras atividades, como a de cozinheira, mesmo quando estão em foco aquelas curiosas, ou seja, que vão ao fogão só de vez em quando e por mero prazer. Falo assim com conhecimento de causa, com base em fatos nos quais me vi envolvida não faz tanto tempo. Certo dia, enquanto esperava um ônibus tranquilamente, já sabendo que teria de ficar um bom tempo parada ali, assentou uma mulher ao meu lado. Pessoa que nunca tinha visto. De repente, sem mais nem menos, ela me pergunta se sabia fazer bife de fígado. Pelo fato de ter sido pego desprevenida, hesitei um pouco para responder e, assim, ela teve tempo de continuar a conversa, fazendo uma observação que me deixou encabulada: “A senhora tem cara de quem sabe fazer de tudo na cozinha”. Pensei comigo que cara seria essa, mas guardei a curiosidade para mim mesma.

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43 Foto: Marcos Alvarenga


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Foto: Breno Pataro


Na verdade, não queria render conversa. Porém, mesmo um pouco incomodada com aquele diálogo tão sem pé e sem cabeça, tive de ensinar o passo a passo de como fazer um bife de fígado acebolado e suculento. Isso, em um movimentado ponto de ônibus, num fim de tarde bravo em Belo Horizonte e para uma pessoa que não sabia quem era. Não ia mencionar este detalhe, mas tenho de confessar. Em dado momento dos fatos aqui relatados, a confissão de uma mulher que parecia atormentada por não saber cozinhar para a filha me comoveu, ao mesmo tempo que me causou espanto. Ela contou que a menina era doida com bife de fígado, mas que nunca soube preparar um que ela conseguisse comer. E, com a ignorância própria dos que apenas ignoram, desfiou sua receita: “Pego o bife, tempero, jogo na panela, cubro com água, tampo e deixo cozinhar”. Coitada da menina, pensei. Só pensei. Não disse nada. Nessas horas, o coração corta, ainda mais sendo mãe e com um pouco de noção sobre cozinha, mesmo que seja saber preparar um simples bife de fígado. Em tempo: não sou cozinheira. Também não sei “fazer de tudo” na cozinha. Mas adoro cozinhar. Sem tempo preciso, sem ou com cara de cozinheira e sem hora marcada. Para as pessoas de quem gosto e sabem que cozinhar é, para mim, uma espécie de terapia. Mais que isso. Um momento de puro prazer.

A RECEITA O modo de preparo bife de fígado é o mesmo que sigo para fazer bife de outras carnes.

INGREDIENTES Meio quilo de fígado bovino Meia colher de sopa de tempero de sal com alho Óleo suficiente para untar a frigideira em que o bife será passado Uma cebola grande (de preferência roxa) fatiada

MODO DE FAZER Um dos cuidados no preparo do bife de fígado é limpar bem a víscera, com especial cuidado na retirada da membrana que a envolve. Prefiro preparar o fígado em iscas. Corte em fatias de mais ou menos um dedo de

largura. Acrescente o tempere de sal e alho e misture bem. Melhor temperar na hora de fazer. Deixe a frigideira ficar bem aquecida e passe as iscas em porções pequenas para a panela não esfriar. Não mexa, até que o líquido que solta da carne evapore. Nessa fase, se notar que está ressecada, pode acrescentar mais um pouco de óleo. Revire com uma colher para que as iscas passem de todos os lados e até que estejam no ponto (elas têm de ficar suculentas e macias). Transfira para o recipiente em que será servido. Na mesma panela usada para preparar o fígado, coloque a cebola e a deixe murchar ao ponto de preferência. Cubra o fígado com a cebola e sirva em seguida. Se esfriar, endurece e fica horrível. Se optar por fazer o bife inteiro, o preparo é o mesmo. Passe um bife de cada vez.

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Vamos comer feijão? Sinésio Bastos

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e que jeito se adivinha, de que modo se reconhece, sob esse céu azul e debaixo desse sol a pino, quem vai ganhar esse jogo?

No reino da plebe que começa nessa atmosfera tomada de alegria todas as coisas vibrantes e “foliadoras”, de que modo se reconhece o torcedor? Não são os atos que o afirmam – os atos são sempre transparentes, sempre visíveis; tampouco, as “bandeiras”. Basta olhar para as camisas: verdes, tricolores, alvinegras, rubronegras ou mesmo as alvas e celestes para saber para quem vão torcer. Hoje, como o jogo é um clássico, são encontradas muitas das galeras que revelam, por suas manifestações, que um ardente desejo os empurra para aquilo que é nobre: torcer com paixão. Mais nobre ainda é o encontro antes do jogo: todos se reúnem, independentemente da paixão pelo time do coração, no entorno, para a resenha preliminar do jogo e para degustar um belo feijão-tropeiro e cerveja gelada para relaxar. Não são as bandeiras ou camisas. É a fé que decide, que fixa o olhar, para empregar uma velha fórmula religiosa num sentido novo e mais profundo do torcer: é uma espécie de certeza que uma paixão tem em si mesma, algo que não se deixa procurar nem encontrar e que, talvez, não se deixa sequer perder. A paixão por aquela camisa ou bandeira tem respeito por si mesma. Ao final daquela zanga, vão-se todos ao mesmo encontro nos bares da horda saída do estádio, reunir-se em volta de um prato de um bom feijão-tropeiro.

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Foto: Arquivo Pessoal

Ou para comemorar ou para lastimar o evento. Acredite, “se no campo a bola pune, fora dele a bola une!”. !que así sea! – como diria Garcia Lorca, ao sair do Camp Nou.

O TROPEIRO DA MASSA INGREDIENTES 150 g de bacon picado em cubos 300 g de feijão carioca cozido al dente 150 g de linguiça de porco 200 g a 300 g de farinha de mandioca branca 2 cebolas médias picadas em cubos 7 ovos 1 molho de cheiro-verde picado 2 dentes de alho Tempero a gosto.

MODO DE FAZER 1. Frite o bacon, juntamente com a linguiça. Acrescente o alho e a cebola até dourarem. 2. Coloque os ovos e mexa até firmarem. 3. Acrescente o feijão, uma pitada de sal e a farinha. 4. Misture até aquecer. 5. Desligue a panela e salpique o cheiro-verde. 6. Sugestão de acompanhamentos: arroz branco, couve, bife de porco e torresmo. Em tempo: para abrir o apetite, vai bem uma dose de pinga da boa.

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Foto: Arquivo Pessoal


A Feijoada do Maranhão Valdez Maranhão

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m 1992, fui vítima de roubo, perdendo meu principal instrumento de trabalho – a câmera fotográfica. Com o grande círculo de amizade que tenho, os amigos me sugeriram fazer uma feijoada com o objetivo de arrecadar dinheiro para comprar outro equipamento. Na ocasião, cerca de 200 pessoas do trade turístico, da imprensa e amigos se reuniram no Bar Varandão, no 25º andar do Belo Horizonte Othon Palace Hotel, em uma tarde de sábado com música, feijoada, sorteios de vários brindes e muita diversão. Com a renda da feijoada, consegui comprar a nova máquina para meus trabalhos. Assim nasceu a “Feijoada do Maranhão”, que para minha felicidade é considerado um dos eventos turísticos, empresariais e sociais mais badalados do ano. Hoje o evento é uma festa de confraternização, unindo a deliciosa feijoada com a diversão. É um evento que atrai pessoas da capital, da Região Metropolitana e de outros estados.

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A divulgação ocorre comercialmente, por meio de panfletos, outdoors, colunas sociais, mídia televisiva e impressa, emissoras de rádio, internet e mídia espontânea. Isso sempre atrai um público maior do que o esperado, não só o público-alvo, como todos os públicos, fazendo com que a marca e produto sejam expostos numa escala muito maior do que foi investido no marketing. A cada ano a Feijoada tem uma camisa personalizada. Renomados artistas plásticos como Victor Dzeck e Fernando Pacheco já criaram temas para a “Feijoada do Maranhão”. Com grande sucesso em Belo Horizonte, a Feijoada foi alçar novos ares na minha terra natal, São Luís, capital do Maranhão, e até atravessou o Atlântico, indo dar em Lisboa, capital de Portugal, onde reuniu brasileiros e portugueses. Além do trabalho diário no Buteco do Maranhão, que foi fundado há 12 anos no bairro de Lourdes, eu não paro. Continuo fazendo coberturas em eventos sociais, casamentos e batizados, com minha máquina fotográfica, além de dar sequência à Feijoada, que já é sucesso há 27 anos.

Foto: Arquivo Pessoal

••• Valdez Maranhão e Dona Lucinha

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INGREDIENTES 2 kg de feijão 1 kg de carne seca magra 2 kg de rabinho de porco salgados 2 kg orelhas de porco salgadas 2 kg de lombo de porco defumado 4 folhas de louro 500 g de bacon 2 kg de paio 2 kg de linguiça calabresa 2 kg de costelas de porco defumadas 2 kg de lombo defumado 4 colheres (sopa) de óleo 3 cebolas grandes picadas 6 dentes de alho amassados Sal e pimenta a gosto.

MODO DE FAZER Lave o feijão, escorra e deixe-o de molho na véspera (por 8 horas). Coloque também de molho a carne seca, os rabos, as orelhas e o lombo em vasilhas separadas. É preciso trocar a água algumas vezes.

panela grande com água para cobrir, junte o louro e leve a fogo alto para ferver. Abaixe o fogo e cozinhe até o feijão quase amaciar, uma hora e meia, aproximadamente. Acrescente o bacon, o paio, a linguiça e as costelas e continue cozinhando até o feijão e as carnes ficarem macios, e o caldo levemente espesso, 40 minutos a uma hora mais. À parte, coloque o óleo numa frigideira, em fogo médio, e refogue a cebola e o alho. Junte 2 ou 3 conchas de feijão e amasse com uma colher. Despeje o refogado na panela da feijoada, tempere com sal e pimenta a gosto. Deixe ferver por mais uns minutos, até ficar bem quente. Retire do fogo. Sirva a feijoada acompanhada de arroz branco, laranjas em gomos, molho de pimenta, couve refogada e, para beber, caipirinha. (Receita para 20 pessoas)

No dia seguinte, descarte a água do molho das carnes e do feijão. Coloque o feijão e as carnes demolhadas numa

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Foto: Vera Godoi


Boi Vermelho Vera Godoi

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uando o rapaz, desconhecido, e o “nanico” do motorista da empresa entraram com um pernil de boi pingando sangue, o gerente, em seu plantão na garagem, sorridente e ofegante, gaguejou e per pe per perguntou: “O que, que, que aconteceu?”. Em respeito ao leitor, vamos começar do início. Era março de 1982. Irene Godoi, Vilson Godoi e Valeria Godoi, mãe e irmãos dessa pessoa que relata o fato ocorrido (seguido de uma receita culinária deliciosa), estão descendo a Serra da Alegria, a caminho de Marataízes, Espírito Santo, trajeto que essa família, e outras milhares de outras centenas de milhares, sempre fizeram na busca de uma praia que Belo Horizonte morre de inveja de não ter. Ali pelas quatro, quatro e meia, horas da madrugada, depois de um estrondo que acordou toda a lotação completa de passageiros que seguiam cochilando para a sonhada folga, assustados e sem entender nada, conferiram que ainda estavam vivos. Perplexos e mudos, avistaram na estrada um boi preto, ennnnnnnnnorme, “jazendo”, inteirinho, mortinho, com um baita fígado (de boi, claro), tamanho “melancia” (palavra de meu irmão), para fora da barriga. Estava esperando para ser escalpado, destrinchado, fresquinho, levado, comido, assado, cozido, enfim, devorado no corpo e espírito, nem tão santo assim. Afinal, aquele poderia, ou deveria ter dono e, convenhamos, aquele monte de músculos e filés estavam sendo “roubados”, antes que um monte de urubus fizessem o serviço sujo. Continuando... Já refeito, o hábil motorista, embora tivesse apenas um metro e quarenta de altura, foi um gigante na esperteza de dominar o volante, batendo de frente de outro gigante bovino, um abismo de um lado e do outro um barranco alto. Esse foi o ponto alto da viagem. O outro ponto abaixo desse foi o seguinte: Minutos seguintes, uma voz, do ainda desconhecido Vilson Godoi, grita: “Alguém tem uma faca?”. Segundos depois apareceram várias e, acreditem, pois pescador nunca mente, 45 minutos depois, o gado negro estava totalmente cortado e repicado em partes desiguais e enfiado, confortavelmente, no bagageiro.

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Tripulantes e passageiros cujos pensamentos criaram uma narrativa parecida e comum a quase todos, não conseguiram dormir o restante da estranha, porém, rendosa viagem. Ou seja, farofa, churrasco, praia e cerveja gelada não faltariam. Para meu irmão, mestre em abater um suíno, foi aprendizado importante para o resto das nossas vidas. Inclusive depois da morte, por assassinato, do nosso querido pai, que nos ensinou o manejo do punhal para ser enfiado debaixo do sovaco direito (ou será o esquerdo?), do pé dianteiro do porco para o sangue sair. Líquido vermelho, lindo, viscoso, gostoso para um delicioso chouriço que até hoje sentimos falta de comer, feito pela velha Jacinta, que se dizia parenta lá de longe, cujas tranças brancas desciam pela barriga gorda, e recebia “espíritos” no meio do quintal ou em seu barraco de aluguel, numa espécie de cortiço que meu pai criou para sustentar a quase dezena de filhos que embarrigou nossa mãe. Coube, ao meu irmão Vilson, um quarto do “cujo” que, informou ele, parecia pesar uns cem quilos. O que nos levou a calcular que o dito boi pesava em torno de quatrocentos quilinhos, de pura carne vermelha, de grátis, no freezer de cada um que o tivesse, no day after. No dia seguinte, eu, minha prole e marido, chegamos para encher a casa que minha mãe alugou, para onde foram também o restante dos filhos, no total de oito. E todos, depois de ouvirmos, boquiabertos, a história que parecia coisa de cinema, fomos congelar as partes do bovino, que descobrimos macho, o que a escuridão da noite escondeu, para ser depois descongelado. Processo esse que aprendemos, naquele dia, ser ideal para a retirada do sangue que ficou embrenhado naquele corpanzil de quatrocentos e alguns quilinhos. Naquele dia mesmo foi só o fígado, enooooooooooooooooooorme, que comemos, com cebola e jiló, como bons mineiros. BOI VERMELHO AO VINAGRETE 1ª PARTE

um dia para outro. Ao usar, retire uma meia hora antes de cortar.

Todo mundo sabe fazer um vinagrete, então capriche: vinagre do bom (se a grana der use o balsâmico), cebola, tomate, pimentão e salsinha frescos e picadinhos; tempero a gosto, mas não se esqueça da italiana “calabresa”; pimenta seca, de ardume saboroso, embora perigoso para algumas partes do corpo, inclusive ele, o poderoso.

Com faca amolada e fina, faça os cortes em fatias finas idem, e coloque no vinagrete. Como veem, tudo fino. Fácil, né? Essa receita é fácil, deliciosa, rentável, um tira-gosto agradável, acompanhado com pão a gosto. Com o sírio, repito, pão sírio é dos deuses! Também pode ser prato principal, acompanhado de saladas, ou maionese caprichada, para os intermináveis dias de calor, dessa terra quente e linda, que é o Brasil.

2ª PARTE Cozinhe um bom pedaço, inteiro, com tempero a gosto, da carne que você mais gosta. Sugiro músculo, que tem pouca gordura e é supersaboroso. Congele de

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Foto: Gustavo Godoi


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Foto: Arquivo Pessoal


Lombo com cachaça e afeto

Maurício Lara

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u sempre digo, meio em tom de brincadeira, meio sério, que Grande Sertão: Veredas é o único livro que li. Isso porque, depois de viciar na obra-prima de João Guimarães Rosa, outros livros sempre correm o risco de perder a razão de ser, de tanto que a disputa é desigual. Pois tem um lombo de porco na cachaça preparado no defumador que, posso afirmar, mais em tom sério do que de brincadeira, é o único prato que sei fazer. Depois dele, o arroz, mesmo que soltinho, um churrasquinho, o café e até carne moída com batatas passam longe da preferência de qualquer comensal. A história do lombo é recente, de poucos anos para cá, mas a vontade de oferecer alguma iguaria que valesse a pena começou muito antes. É fato que nos últimos 65 anos eu não faltei a nenhuma comemoração de Natal de minha “pequena” família, que começa com 14 irmãos filhos do mesmo pai e da mesma mãe. O tempo foi passando, foi nascendo gente, foi agregando gente e a turma hoje passa longe de cem pessoas de variadas idades, crenças e ideologias. Não perco a comemoração de Natal por nada neste mundo. E sempre vinha a vontade de levar um prato que não fizesse feio diante da profusão de talentos masculinos e femininos que preparavam delícias diante do forno e fogão. As poucas habilidades culinárias impediam minha façanha. Até que apareceu, pelas mãos da Fernanda, minha mulher, também jornalista, uma receita de lombo assado, mas que podia perfeitamente ser adaptada ao defumador. Lancei mãos à obra e... deu certo. A iguaria ficou pronta e, principalmente, agradou. Fico alegre feito menino quando vejo que, na mesa farta e com a concorrência de carnes variadas, o lombo defumado dura pouco. Mais alegre ainda fiquei quando Nícia, minha cunhada, “encomendou” um lombo daqueles para ela própria levar à festa de Natal. Ainda não costumo aceitar

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encomendas, mas bem que já fiz para outras mesas, sempre por ocasião das festas de final de ano. Por que sempre nessa época? Não sei. Talvez porque esse clima de dezembro colabore para tirar de dentro da gente algum entulho paralisante e abra espaço para a alegria de servir algo que agrade ao outro. Se Natal é tempo de fraternidade, melhor do que distribuir abraços a torto e a direito é saborear o efeito de um lombinho com cachaça, mais alho e limão, na companhia de uma farofinha farta e bem incrementada. O gratificante sorriso que vem de lá, com a boca ainda cheia com mais um naco da carne, desperta até a vontade de aprender a preparar outros pratos saborosos. Mas enquanto o lombo estiver agradando, deixa estar. Ele segura bem a mistura de sabor e de afeto. RECEITA DE LOMBO COM CACHAÇA DEFUMADO INGREDIENTES 2 ½ quilos de lombo 2 colheres (sopa) de alho picadinho 2 ½ colheres (chá) de sal 2 copinhos de cachaça 6 pimentas de cheiro 2 limões

PREPARO Tempere o lombo com sal, limão e alho, espalhando pela carne. Acrescente a pimenta triturada. Fure a carne e coloque a cachaça. Deixe descansar por um dia. Deixe no defumador por cerca de quatro horas.

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Confesso que cozinho

Heraldo Leite

C

onfesso que nunca fui uma criança prodígio na cozinha, dessas que participam do Master Chef Kids, e que desde a mais tenra idade mal começam a balbuciar as primeiras palavras. Pelo contrário. Sempre fui considerado chato pra comer e durante anos só apreciei o quarteto arroz-feijãobatata-frita-e-bife. O verdadeiro paladar infantil, hoje dor de cabeça de pais, pediatras e nutricionistas. Mas bastaram os primeiros raios fúlgidos da adolescência e a vontade de ganhar o mundo apenas com uma mochila nas costas para as circunstâncias virarem. E o paladar teve de se ampliar, ainda que um pouquinho. Afinal, longe da comidinha da mamãe, a fome aperta, a barriga ronca e PF de beira de estrada vira uma “A Festa de Babette”. Mas esse foi apenas o primeiro passo. O segundo veio, anos depois, quando morei sozinho por pouco mais de cinco anos.

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Outro grande período de aprendizado: a cama e a pia não se arrumam sozinhas; a comida não brota espontaneamente do fogão e o orçamento se esvai ora comendo fora, se empanturrando de pizzas e outras bombas calóricas. Foram algumas semanas – quiçá meses – do insípido e inodoro Miojo (rebatizado posteriormente como Kinojo), ou outras gororobas semiprontas, igualmente insípidas e inodoras. Pior: lentamente letais. Cansado de ver a geladeira com jeitão de loteamento – onde só tem água e luz – resolvi me aproximar mais do fogão. Como todo bom jornalista, tratei logo de estudar o assunto e comprei o Guia para sobrevivência do homem na cozinha, do também jornalista Alessandro Porro. Basicão mesmo, com linguagem bem-humorada e muitas dicas. Datam dessa época o primeiro arroz, as primeiras saladas, as primeiras aventuras com as massas além daquela macarronada básica, com jeitão de comida de hospital. Depois, vieram outros livros, pesquisas, os primeiros programas de culinária, troca de receitas, experimentos – alguns bem-sucedidos, outros nem tanto… Entre os livros, destaco o 100 receitas de macarrão, de outro dublê de jornalista e cozinheiro, Sílvio Lancellotti. Não tenho pretensões de abrir restaurantes ou participar de reality shows. Sou daqueles cozinheiros de fim de semana que convida os amigos e vai para a beira do fogão para “desestressar”. Quanto mais elaborada a receita, melhor. Passa-se mais tempo envolvido com o tempo de cozimento de várias panelas ao mesmo tempo, o corte preciso, pitadas milimétricas de tempero, a observação empírica da melhor aparência e textura. Mexer com as mãos, aprimorar a coordenação motora, a sensibilidade, aguçar olfato e visão ou passar horas em pé à beira do fogão é completamente diferente do dia a dia da profissão – sentado em frente à fosforescência dos computadores ou da TV. O melhor dos mundos para as raras folgas dominicais, quando não tem plantão. Mas o prazer mesmo é ver as pessoas saboreando, experimentando sensações olfativas e gustativas e até se surpreendendo com o hobby deste que vos escreve. Por isso, sou o último a me servir. Servidos?

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Foto: Sandra Helena


PASTITSIO Massa gratinada com molho de carne, uma receita de origem grega, mas com influência italiana. Com essas medidas rende seis porções. INGREDIENTES ½ kg de macarrão (fusili, farfalle, penne) ½ kg de carne moída 1 xícara de chá de caldo de carne 2 colheres de sopa de azeite 1 cebola grande picadinha 2 dentes de alho amassados 1 colher de sopa de hortelã picadinha 4 tomates sem pele e sementes picados 1 colher de extrato de tomate ½ colher de chá de canela em pó ½ xícara de chá de queijo parmesão ralado.

a canela e tempere com sal e pimentado-reino. Refogue até a água secar e acrescente os tomates, a hortelã, o extrato de tomate e o caldo de carne. Cozinhe até o molho ficar encorpado.

Molho branco 4 colheres de sopa de manteiga 5 colheres de sopa de farinha de trigo 500 ml de leite ½ xícara de chá de iogurte natural ½ xícara de chá de queijo parmesão ralado Sal e pimenta-do-reino

Espalhe queijo ralado e leve ao forno médio para gratinar.

Para o molho branco, derreta a manteiga, acrescente a farinha e mexa até dourar. Para não empelotar tem de mexer sem parar. Coloque o leite, o iogurte, o queijo ralado. Sal e pimentado-reino. Mexa até engrossar. Misture o macarrão com molho branco. Em uma vasilha refratária espalhe metade do macarrão, acrescente o molho com a carne moída e cubra com o restante do macarrão.

MODO DE PREPARO Antes de cozinhar o macarrão, coloque a água na panela com um pouco de vinagre. Deixe mais ou menos por uma hora. Assim, o cloro contido na água evapora, melhorando o sabor. Apesar de a receita oficial sugerir três tipos de macarrão, prefiro o penne, que absorve mais o molho e deixa o prato mais encorpado. Nunca é demais lembrar que o sal atrasa o ponto de fervura e deve ser colocado quando a água já estiver bem quente. Aqueça o azeite e depois doure a cebola e o alho. Junte a carne moída e

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Eu, particularmente, coloco alcaparras antes de ir ao forno. As alcaparras – uma espécie de ervilha metida à besta e de gosto ácido – dão um sabor especial. Também tenho o hábito de, depois de escorrer o macarrão, colocar manteiga e alho na panela na qual a massa foi cozida. Volto com o macarrão e misturo. Ainda quente, o alho e manteiga entranham na massa, conferindo um sabor diferente. Se quiser jogar um pouco de queijo ralado quando a massa ainda está no escorredor, também faz o queijo entranhar na massa. E, sob a pena de levar cem chibatadas ou passar horas ajoelhado no milho, nunca jogue água fria no macarrão quando está escorrendo. Quebra o cozimento e deixa um sabor desagradável.


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Foto: Sandra Helena


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Foto: Ray Pamela


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Um fotógrafo na cozinha

Marcos Alvarenga

lô, câmbio! Ops, mídia errada!

O que um repórter fotográfico está fazendo em frente a um computador? Escrevendo? A minha área é a imagem. Bom, o que acontece é que participei das reuniões iniciais para a elaboração coletiva de um livro de receitas. Inclusive, dos ingredientes que nos moveram a gostar de cozinhar, e resolvi, além de fazer algumas fotos, que poderia também mostrar meus dotes culinários. Vou começar com uma receitinha que me pedem em todas as festas do Sindicato. Então lá vai! As experiências com pratos italianos me proporcionaram aprender algumas técnicas que eu consigo aplicar em outras receitas. Um dia, perto de meu aniversário, me lembrei de uma carne ensopada que eu havia experimentado. O grande diferencial era que levava páprica e pimentões. Procurei na internet uma receita e, mãos à obra, lá estava eu fazendo um prato para o meu aniversário: um “Goulash”, que foi apreciado por vários amigos no nosso Sindicato. Foi um dia inesquecível. Fiquei orgulhoso do resultado, e hoje muita gente me pede o repeteco. Cabe, aqui, dizer que faço as receitas com minha pitada especial. Quando me perguntam se é uma receita clássica, respondo que é uma versão do “Alvarenga”. Essa habilidade aprendi com minha mãe, D. Adelaide, que conseguia modificar receitas já clássicas e, várias vezes, obtinha um resultado melhor do que o original. Vamos lá.

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GOULASH DO ALVARENGA INGREDIENTES 2 kg de patinho, limpo e cortado em cubinhos 4 cenouras cortadas em rodelas ou em cubos pequenos 1 pimentão vermelho e 1 pimentão amarelo cortados bem pequenos Salsa e cebolinha a gosto Bacon em cubinhos (a gosto) 2 cebolas raladas 5 dentes de alho picadinhos 4 tomates mais maduros, sem sementes e sem a pele, cortados em cubinhos Sal a gosto Páprica picante. MODO DE PREPARO

Foto: Ray Pamela

Numa panela de pressão, frite o bacon e acrescente a carne (patinho). Depois, a cebola, o alho, o tomate e o pimentão. Coloque água cobrindo os ingredientes. Tampe a panela e espere a fervura.

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Diminua o fogo e deixe cozinhar por 30 minutos. Desligue o fogo. Deixe acabar a pressão e abra a panela. Acenda o fogo novamente e acrescente a cenoura. Daqui para frente a panela pode ficar aberta. Coloque a páprica aos poucos. Ela é um pouco picante. Vá experimentando o caldo até ficar com a “picância” desejada. Uns 10 ou 12 minutos deve deixar a cenoura macia. Acrescente a salsa e a cebolinha. Essa receita é feita para se comer como tira-gosto, juntamente com fatias de pão francês, italiano ou aquele de sua preferência. Para servir junto à refeição, podemos cortar a carne em cubos maiores, o mesmo acontecendo com a cenoura.


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Mexidão, sim, senhor. E daí? Samuelito Mares

o contrário do que acreditam as mulheres, os homens também têm suas cerimônias de iniciação. A primeira, e das mais importantes, acontece quando a gente começa a ignorar aquela ordem peremptória dos pais: “Não chegue depois das dez”. Então, têm duas possibilidades. Ou eles são muito duros, te esperam, dão uma bronca inesquecível e te mandam para a cama. Ou, então, desistem do adolescente mal encaminhado, vão dormir e não deixam um prato de comida no forno. Dá-se, aí, o primeiro contato do homem com a culinária. Você abre a geladeira, pega tudo o que sobrou, joga numa panela, ascende o fogão e improvisa um delicioso mexidão. Também foi o meu caso, embora os casamentos, descasamentos e a própria profissão de jornalista tenham me ensinado muito mais. Não posso dizer que sou um chef, mas hoje me viro muito bem! Todavia, até por questões afetivas, resolvi ficar por aí nesta minha modesta colaboração ao Sabor das Letras. Vamos mexer?

MEXIDÃO À LA MARIANA Mariana é minha filha. Quando eu me separei da mãe dela, ela tinha seis anos. Vinha sempre passar os fins de semana na minha casa. Seria um pai vilão se a levasse para almoçar em um restaurante todo dia. Aí, resolvi partir para o mexidão, adaptando-o ao gosto da Mariana, que eu conhecia bem. Funcionou tão bem que ela, mesmo morando hoje nas Filipinas, sempre que volta pergunta: “Pai, que dia você vai fazer o mexidão?”. Fazer o quê? O mexidão, é claro.

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INGREDIENTES Feijão cozido al dente Aquele arroz que sobrou na geladeira Carne de sol. Frita em pedaços bem pequenos Banana da terra, também frita, levemente, em pedaços pequenos (Aliás, casa do povo do Jequitinhonha sempre tem carne de sol e banana da terra) Cebola e pimentão picadinhos Coentro Tempero ao gosto

Depois acrescente o arroz e o feijão. O coentro e a cebolinha entram agora.

MODO DE PREPARO

As medidas vão depender do número de convivas.

Para terminar, acrescente a banana da terra. Acompanha ovo frito (outra coisa que tem de ter técnica para ficar legal). Simples: frigideira bem quente, óleo frio, joga o ovo e uma pitadinha de sal. Se não for para a amada filha e sim para aqueles canalhas que te acompanham pela noite, não se esqueça de servir uma cachacinha (de Salinas) e algumas cervejas antes de servir o prato.

Foto: Marcos Alvarenga

Frite primeiro a carne de sol (que já dormiu na água por uma noite para perder o excesso de sal).

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Barquinho da Dione Edson Ferreira Martins

“S

ó tira-gosto de carne! Não suporto mais.” Essa era uma reclamação de Dione diante dos cardápios de nossos botecos. Efetivamente, os bares que fizeram a fama de Belo Horizonte não se renovaram. Apostam na mesmice de empurrar o de sempre: torresmo, carne de sol frita, filé a palito. E por aí vai. É verdade que promoções em eventos como “Comida di Buteco” produziram novidades. E, para além da enorme contribuição na higienização de banheiros femininos, impuseram o emprego de vegetais. Mais que todos, o jiló. Mas a prática não ganhou a necessária disseminação e, ainda hoje, predomina a carne como elemento central, senão único, do tira-gosto. Comecei a mexer com comida por puro acaso, aquele conhecido “tempere a carne pra mim”, e não tentei inovar ou criar. Preferi o facilitário de cumprir receitas colhidas aqui e ali, principalmente nos programas culinários de chefs ou cozinheiros competentes. Alguns agradáveis, outros chatos, todos instrutivos. Assim foi, entre outros, com o steak au poivre de uma chef espanhola, ou um rosbife de maminha de anônima amiga. Mas o assunto em pauta é o tautológico tira-gosto dos bares, causador de reclamações. Como é uma demanda procedente e cozinhar é um prazer estimulante, juntei a fome com a vontade de comer e resolvi misturar o sabor da carne, o marcante amargor do jiló e o frescor do abacaxi. Assim nasceu essa historinha do “Barquinho da Dione”.

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INGREDIENTES 200 g de carne moída (patinho ou acém) 10 jilós Abacaxi Tempero a gosto

do jiló. Concluir com salsa e cebolinha picadas. Preencher as 20 barquinhas da casca do jiló com o refogado. Ao centro, uma pequena fatia de abacaxi. Fechar o jiló reintegrado, preso com anéis de cebola.

MODO DE PREPARO Ferventar o jiló. Assim que a água ferver, retirá-lo para que seja mantida sua firmeza. Cortar ao meio, longitudinalmente. Retirar o miolo. Reservar.

Levar ao forno quente (220 graus) por 20 minutos. Tempo de preparo: uma hora. O título remete à minha companheira, Dione Dutra.

Foto: Marcos Alvarenga

Refogar a carne. Como tempero, sugiro alho, cebola, pimenta-do-reino, sal, coentro moído, cominho. Acrescentar o miolo

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“O couve”

Ivan Drummond

Esse foi dos acontecimentos mais espantosos de minha vida e da culinária, pra não dizer comida, que seria muito português rastaquera. Esta história aconteceu na Paraíba, mais precisamente em João Pessoa, pra onde minha mulher se mudou em 2011. Depois de algum tempo lá, ela me diz que queria fazer um jantar para o pessoal que trabalha com ela. E tinha de ser comida mineira. Pois bem, concordo. Combinamos e fiquei de fazer o prato. Viajo e, chegando lá, compro os ingredientes. Couve, fraldinha, batata e mostarda. Vou pra cozinha, num sábado, e deixo tudo pronto. Mas antes, uma maratona e uma aventura. Procurar couve no Nordeste é como caçar agulha no palheiro. Mas depois de rodar por cerca de duas horas, vou a um lugar, o único de lá, que vende verdura hidropônica. O preço, podem imaginar, lá nas alturas! E o pior é que a folha era muito pequena. A solução foi comprar cinco molhos. A batata e a fraldinha foram fáceis, assim como o molho de mostarda. INGREDIENTES 2 molhos de couve Azeite de oliva 2 dentes de alho Meio quilo de fraldinha 8 batatas MODO DE PREPARO Pego a couve, lavo, limpo, corto o caule. Depois, foi só picar, bem fininha. A seguir, é hora de fazer o tempero. Colocase azeite numa frigideira, com cerca de dois dedos de altura, no volume. Pica-se alho, bem fininho.

Enquanto isso, a carne está assando no forno depois de ter sido devidamente temperada com tempero caseiro, de alho, sal e cebola. Quando o azeite esfria, é hora de começar a montar o prato. Num pirex, grande, ovalado, forramos com a couve. Depois, despejamos o azeite com o alho, espalhando-o por toda a superfície da couve. O sabor é delicioso. Depois, colocamos a carne em cima do colchão de couve. E, por último, assamos batata, com casca, que será colocada em volta da fraldinha.

Deixa o azeite aquecer. Joga-se o alho lá dentro e, quando ele começar a escurecer, desligue a frigideira e deixe esfriar.

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Eis que chegam os convidados. Música boa, cerveja, a pinga, que não pode faltar para acompanhar o prato. O pessoal já endoida com o aperitivo. Conversa vai, conversa vem, chega a hora de servir. Levo o pirex à mesa e eles estão boquiabertos. Afinal de contas, não podiam imaginar que prato era aquele. Começam a perguntar, primeiro, se era uma carne de sol. Também querem saber que carne era aquela. Não conheciam, não comiam carne de porco, mas sim de bode. Está na hora de servir. Corto a carne em fatias e sirvo o prato, que pode ser acompanhado com arroz, pra quem quiser. Pois bem, todos comem a fartar. O prato parece ter agradado. Mas pra minha surpresa, um dos convidados se levanta e me pergunta: “Foi você quem fez?”. Respondo que sim. Ele então dispara: “Vou ser sincero. Nunca comi ‘um cove’ tão bom, tão gostoso”. Um prato simples, que me foi ensinado pelo chefe Marcinho, dono do Barba Azul, na esquina de Getúlio Vargas com Bernardo Guimarães, que participou do Comida di Buteco daquele ano, acabou por me provocar um acesso de riso. Caí na gargalhada ao ouvir um cove. Quem não riria? Pois é, a culinária mineira só traz alegria, tanto na hora de comer, como na de ouvir.

Foto: João Gabriel Rivers

Faltou um detalhe: antes de colocar na mesa, ponha o molho de mostarda numa cumbuca, dentro da travessa.

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Foto: JoĂŁo Gabriel Rivers


Estrogonofe do Norte de Minas

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Janaína da Mata

uitos acreditam que o estrogonofe é uma comida francesa, mas foi criado na Rússia, no século 19. O interessante é que o prato se popularizou pelo mundo e em cada país a receita original (com sour cream e mostarda) ganhou uma nova versão: com champignons na França, ketchup nos Estados Unidos e pequi no Brasil. Isso mesmo! Pequi, aquele fruto amado por uns e odiado por outros pelo seu sabor marcante. Cada cozinheiro tem seu jeito de preparar o estrogonofe e acrescenta ingredientes variados para inovar a receita. Uma goiana, roedora de pequi desde pequena, não poderia deixar de fora o tradicional fruto do cerrado. O prato ganha outro toque brasileiro com a escolha da carne de sol.

Foto: Arquivo Pessoal

A mistura de uma receita russa com ingredientes típicos brasileiros é de dar água na boca! Pode acreditar!

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Foto: Arquivo Pessoal

INGREDIENTES 600 g de carne de sol (dessalgada e cortada em cubos) 250 g de lascas de pequi 1 colher de sopa de manteiga 1 cebola média picada 2 dentes de alho picados 200 ml de creme de leite (1 caixinha) Azeite de oliva para fritar a gosto Sal e pimenta do reino a gosto.

pitada de sal. Se estiver utilizando pequi em conserva, é bom jogar a água fora e enxaguar para tirar o gosto do vinagre. Em outra panela em fogo médio, aqueça o azeite e a manteiga e refogue o alho e a cebola picados. Junte os cubos de carne de sol (já dessalgada) e deixe fritar, mexendo quando necessário. Depois adicione as lascas de pequi com um pouco da água do seu próprio cozimento. Acrescente o sal e a pimenta do reino. Tampe a panela e deixe a carne de sol cozinhar em fogo brando, até ficar macia. Por último, misture o creme de leite e está pronto!

MODO DE PREPARO Para dessalgar a carne de sol, coloque em uma tigela com água por 2 horas, depois escorra a água e lave a carne.

Sirva com arroz branco e, para inovar, troque a batata pela mandioquinha palha. Experimente!

Numa panela, coloque as lascas de pequi para cozinhar com pouca água e uma

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Foto: Breno Pataro


O Telegastroetílicoalmoço Pequena história de uma festa que reunia, todo final de ano, centenas de jornalistas mineiros em torno de uma farta mesa com a inigualável Comida Mineira preparada por quem entende (das palavras) e do riscado.

Sérgio Augusto Carvalho

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elegastroetílicoalmoço era o nome complicado de uma festa que atiçava os princípios básicos do homem: comer, beber e conversar. Se o homem fizesse essas três coisas a metade da vida, seria duas vezes mais feliz. Pelo menos, sobraria menos tempo para pensar nas coisas pavorosas que o ser humano anda fazendo mundo afora. Seria muita pretensão dizer que o Telegastro – modo como abreviamos o imenso nome – era tudo isso: quem visse aquela gente toda comendo, bebendo, conversando e sorrindo por 5, 6, 7 horas seguidas, no Refeitório da Telemig, podia pensar que era verdade. Quando foi criado, em 1982, a ideia era homenagear a imprensa mineira, semanas antes do Natal, pelo apoio recebido pela empresa

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durante o transcorrer do ano. Nestor de Oliveira, assessor de imprensa da Telemig, teve apoio total da diretoria presidida pelo Brigadeiro Kopp. O nome foi dado pelo jornalista Marco Octavio Camargo Teodoro, o saudoso Marão. Ele fez um verdadeiro Frankenstein. Juntou todas as palavras da festa numa só: TELE (Telemig – Telecomunicações Minas Gerais) + GASTRO (comida) + ETÍLICO (bebida alcoólica farta – e põe farta nisto) + ALMOÇO (desculpa esfarrapada para juntar muita gente em torno de uma grande mesa). Quando os comandantes decidiram que o primeiro cozinheiro a ser chamado seria o publicitário Edgard Melo, dono da ASA e da conta Telemig, foi automaticamente definido que o tema do regabofe seria a comida mineira. O saudoso Edgar sempre foi um dos gurus do assunto. Como nenhum Dom Quixote anda sem seu Sancho Pança, o segundo cozinheiro convidado foi o também guru Targino Lima, disseminador da célebre frase “A mesa é a alcoviteira da amizade!”. O time das panelas foi completado com o cronista e arquiteto Álvaro (Veveco) Hardy, pesquisador emérito dos quitutes mineiros, e eu, curtidor do fogão a lenha e da carne na banha desde os 12 anos. A equipe foi completada com a turma da água-benta: o saudoso Wander Piroli, jornalista e escritor festejado em meio mundo, hábil conhecedor das coisas e cachaças mineiras; o jornalista Amaury Machado, nascido com o dom da caipirinha e Yeyé Batista de Oliveira, amigo e companheiro de todo o pessoal da área. Os três tinham a deprimente missão de preparar as caipirinhas com 24 garrafas de Havana (que tristeza!) gentilmente enviadas, durante vários anos, pelo mais famoso filho de Salinas, o folclórico Anísio Santiago. Nos últimos anos, a Havana foi substituída pela Espírito de Minas, do jornalista Gilberto Mansur, destilada em sua fazenda em São Tiago – perto de São João Del Rey.

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O dia do Telegastro sempre foi o primeiro sábado de dezembro – uma tentativa de fugir das agendas pré-natalinas de todo mundo. Pra chegar o dia com tudo prontinho, a primeira reunião preparatória era marcada com boa margem de precaução: um mês antes. Muita cerveja, uísque e nenhuma providência. Como o primeiro almoço foi um “sucesso”, aumentou a responsabilidade da equipe e resolvemos ampliar a margem de precaução para cinco meses. Assim, numa bela quarta-feira de agosto, a primeira reunião do II Telegastroetílicoalmoço foi feita no restaurante Dona Dica, em Macacos. De novo, nada ficou resolvido, mas o tropeiro com uma leitoa assada no forno de cupim foi um sucesso! (Em 83, Macacos era povoado com algumas casinhas e nem telefone tinha. Foi a turma do Telegastro que conseguiu o primeiro orelhão do lugar, instalado na porta da Dona Dica. Lá fizemos mais três “reuniões” até novembro.). A fórmula deu certo e nos anos seguintes repetimos a mesma agenda, alterando apenas os locais das proveitosas reuniões: além da Dona Dica entraram no roteiro o Xapuri, que na época era apenas o “Atrás da Moita”, e o Xico da Kafua. A rotina era sempre a mesma: uísque, cerveja, cachaça, conversa, comida e nada decidido. NADA! Na verdade, apenas 15 dias antes do evento é que a programação ficava definida. No primeiro almoço (dia 4 de dezembro de 82, com quase 200 presentes), ninguém teve a preocupação de pesquisar a aceitação individual dos pratos servidos. No segundo (dia 3 de dezembro de 83, com o dobro de presenças), o frango com quiabo do Edgard esgotou logo de saída. Foram 15 frangos de Santa Luzia, fornecidos pela Alimenta. Vieram da roça, mas não eram caipiras!

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Foto: Breno Pataro


FRANGO COM QUIABO Deve ser feito, preferencialmente, com frango caipira de 90 a 100 dias de idade, abatido na véspera. Depois de destrinchado, lavar e colocar numa tigela. Regar com limão capeta e deixar na geladeira por 5h. Desse jeito, a carne vai ficar mais macia. Retirar e esfregar todas as partes com tempero mineiro. Numa caçarola de ferro ou pedra, derreter duas colheres de banha de porco. Fritar o frango, colocando quatro pedaços de cada vez para dourar. Retirar, separar e fritar o resto até completar. Não vá deixar o frango queimar. Não pode ser chama forte e de vez quando dê uma mexida. Na roça, há um conflito de técnicas: enquanto uns cozinham os pés junto com o resto do frango, outros jogam fora antes até de temperar, pois dizem que a presença dos pés na panela não deixa a carne amaciar. Eu não arrisco: junto os pés pra fazer canja. Depois que todas as partes do frango estiverem fritas, voltar tudo para a panela e colocar uma cebola grande em rodelas finas e 3 dentes de alho picados. Mexer e após um minuto cobrir com água morna. Deixar cozinhar e ir completando a água até amaciar. Limpar e cortar em tocos de 1,5 cm cerca de 600 g de quiabo. Não convém lavar, para não babar. Picar fino 6 dentes de alho. Numa frigideira, aqueça em fogo alto 2 colheres de azeite (ou banha de porco) e jogue uma mãozada de quiabos. Mexer sem parar. Após 3 minutos, acrescentar uma colher do alho picadinho. Dourar e retirar. Faça a mesma coisa com o resto do quiabo e do alho. Quando o frango estiver cozido (a carne expõe as pontas dos ossos e cede ao ser cutucada com um palito), acrescentar o quiabo frito e servir quente na própria panela – sem frescura. Dá para seis pessoas normais. Acompanha: angu e arroz.

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O processo de seleção dos produtos, separação, cortes e demais detalhes do “misen-place”, era o verdadeiro início do trabalho na cozinha. Limpar e temperar as carnes já exigia toda a seriedade dos cozinheiros. Essa atividade de campo começava na quinta feita antes do evento. Às 18h, a gente se reunia na cozinha do Refeitório (que chamavam de Restaurante!) para dar a largada. O lugar era muito grande, tinha um equipamento completo e uma grande câmara frigorífica, que nos deixava tranquilos quanto à qualidade dos ingredientes. O Edgard trazia de casa um monte de papéis com os roteiros de cada um. Cada prato tinha seu histórico. Assim, os quase 20 ajudantes, que colocavam à nossa disposição, podiam consultar a papelada pregada na parede para refrescar a memória. Raramente alguém pisava na bola. Algumas vezes passamos aperto com fornecedores que deixavam pra última hora a entrega do seu produto. Tinha um que era mestre em atrasar. “Esse é foda”, falava baixinho o Targino com toda a sua meiguice, sem tirar o olho do seu “Lombo com Tropeiro”. A carne, temperada na sexta-feira, entrava para o forno sábado cedo. O Tropeiro, que o Veveco gostava de preparar, era feito às 11h do sábado – ia pra mesa quentinho.

LOMBO ASSADO COM FEIJÃO DE TROPEIRO Geralmente, o lombo já vem aparado e limpo. Se não vier, você deve mandar o açougueiro limpar (só as pelancas). Mas, atenção: não tire o melhor do lombo, que é a gordura. Quanto mais gordo, mais saboroso vai ficar. Se tiver problema com gordura, tire na hora de comer, não antes de assar. Em um tabuleiro, tempere uma peça de lombo com cerca de 1,5 kg, com vinha d’alhos e duas cebolas brancas cortadas finamente. Deixe macerando por uma noite na geladeira. No dia seguinte, pré-aqueça o forno a 220 graus. Retire o lombo do tabuleiro, coloque numa assadeira (pode ser de cerâmica ou porcelana) com o lado da gordura para cima, cubra com papel alumínio (sempre com a parte brilhante virada para o alimento) e leve ao forno. Depois de 20 min, abaixe a temperatura para 180° e deixe por 2h. Após esse tempo, retire o papel alumínio e aumente a temperatura para 220°. Deixe dourar e retire do forno. Reserve e prepare o Feijão de Tropeiro. Só fatie quando a carne estiver fria – para não esfarelar.

No vigésimo Telegastro o número de convidados para a festa já tinha passado dos mil. Tinha até briga por convite, mas a Telemig (que já era Telemar há alguns anos) não abria mão dos princípios básicos: ninguém podia levar

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acompanhante – mulher ou marido. Tinha de ser jornalista ou publicitário e trabalhar em algum órgão do ramo. Mesmo assim, vira e mexe um penetra era descoberto na multidão, e gentilmente era convidado a permanecer no local! A música começava às 13h. No início, com o piano de Túlio Silva. Depois foi o GT Trio e vários outros convidados – como a Roda de Samba do Sílvio Scalioni. O primeiro barril de chope – inicialmente da Brahma e depois da Krug Bier – era aberto logo que chegavam os primeiros convidados.

FEIJÃO DE TROPEIRO Cozinhar 5 xícaras de feijão preto ou vermelho até que fiquem firmes – sem cozinhar muito. Usar algumas folhas de louro e um pedaço de pele de bacon no cozimento – serão desprezados no final. Reservar. Bater grosseiramente 8 ovos para que fiquem bem misturados.

Para completar, fritar dois punhados de torresmo (receita à parte). Se quiser confira também a do Irmão Acir, lá no começo do livro. Dispor o feijão numa travessa e colocar por cima o resto da linguiça, o torresmo, salsinha e cebolinha picadas. Acompanhar com ovos fritos e lombo assado – ou pernil. Ou puro!

Refogar na banha de porco 2 cebolas partidas em rodelas e jogar a mistura de ovos por cima. Abaixar o fogo e deixar cozinhar, sem mexer, por 4 min. Depois, mexer bem para que os ovos fiquem cozidos em pedaços.

TORRESMO

À parte, fritar levemente 200g de bacon sem pele e em cubos, dispensar a pele e acrescentar aos ovos. Mexer para incorporar bem. Picar um molho de salsinha e misturar. Temperar com Tempero Mineiro e provar o sal (cuidado, pois o bacon é salgado).

Retirar a gordura da pele. Derreter a gordura numa grande panela e cozinhá-la em fogo muito baixo, até que fique mole (cozida).

Fritar 300g de linguiça de pernil e picar em tocos de 3 cm. Juntar a metade à panela com a mistura de ovos. Em seguida, despejar o feijão cozido para ligar todos os ingredientes, fazendo movimentos suaves com a colher para não amassar o feijão.

Esta receita é do mestre Targino Lima e era uma das garantias de sucesso no Telegastro. Só ele podia botar a mão na colher!

No dia seguinte, transferir parte da gordura para outra panela menor até a metade e esquentar bem, em fogo alto; quando estiver bem quente (cerca de 160°) jogar punhados de pele retirados da panela em que foi cozida. Quando pururucar, menos de 1 minuto, retirar imediatamente para escorrer. O sal deve ser colocado, preferencialmente, por quem vai comer o torresmo.

Enquanto a turma se esbaldava no salão, na cozinha a preocupação era deixar tudo pronto antes das 15h. Havia uma saleta dos cozinheiros, permanentemente repleta de pessoas e nenhum cozinheiro! Nosso lugar era no meio dos panelões, suando como tampa de chaleira. Vez por outra, um chope para refrescar!

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Geralmente, no dia do almoço a função na cozinha começava cedo. As ajudantes batiam o ponto antes de nós e consultavam o roteiro pregado na parede da sala dos cozinheiros. Quem chegava primeiro checava tudo. Targino, Edgard e eu nunca chegamos depois das 8h. Se chegássemos mais tarde podia ocorrer algum desastre, pois a turma de convidados mais íntimos gostava de aparecer cedo para testar a Havana ou a Veuve Clicquot que o Yeyé sempre levava para agradar as mocinhas. CARNE MOÍDA COM ORA-PRO-NÓBIS Passar 500g de patinho com 500g de pernil no moedor mais grosso. Esfregar a carne com uma colher cheia de Tempero Mineiro e deixar descansar por 1h. Enquanto isso, prepare um fundo (caldo) com aparas de bacon, uma cebola inteira, duas cenouras cortadas de qualquer jeito, dois talos de salsão (aipo) e três dentes de alho inteiros mergulhados em 3 litros de água. Deixe ferver por 2h. Numa panela larga, fogo alto, fritar 150g de bacon picadinho em 3 colheres de banha e jogar a carne por cima para refogar. Mexer bem e deixar secar o líquido que vai surgir. Deixar dourar até que se forme uma crosta no fundo da panela. Quando estiver bem dourada, juntar duas cebolas roxas picadas em cubos pequenos e esperar que fiquem macias, mexendo para misturar bem. Com uma concha, regar a carne com o caldo coado da outra panela e raspar o fundo para soltar a crosta. Continuar regando a carne com o caldo, concha a concha para cozinhar bem. Enquanto cozinha a carne em fogo médio, limpe as folhas de ora-pro-nóbis, junte em um maço grosso e corte em tiras finas. Com a carne já cozida e ainda molhadinha, diminuir o fogo, jogar o ora-pro-nóbis por cima e deixar que cozinhem no vapor. Não mexa, para não babar. Quando as folhas escurecerem, apenas remexa a carne para misturar a verdura e sirva – com angu mole ou arroz. Um ovo frito em cima cai muito bem.

Outra panela que o Edgard pilotava era a da carne de sol – todo cuidado era pouco para não ficar salgada: cozinhava e, depois, fritava. Essa carne vinha do Norte de Minas. Umas vezes de Montes Claros, outras de Mirabela — um reduto de produtos excelentes. Tradicionalmente, era servida com uma mandioca amarela cozida, deliciosa, comprada no Mercado Central de BH. Edgard só colocava sal no final. Quem fritava os 20 kg de linguiça, que vinham de Formiga, eram as ajudantes. Nos últimos anos, o cardápio foi aumentado com três leitoas (porchetta) de 10 kg cada uma. Eu as preparava (desossava e recheava) na sexta-feira, e iam

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Foto: Breno Pataro


para o forno às 7h da manhã de sábado. As bichinhas ficavam tão bonitas depois de assadas por 5 horas, que as pessoas iam paquerar na cozinha e tirar fotos ao lado delas. E olha que ainda não tinham inventado as selfies. O angu, cozido segundo as tradições mineiras, só fubá-de-moinho e água, começava a ser preparado pelo Targino, mas quem terminava remando a massa no panelão para não empelotar eram as ajudantes. Provavelmente, o angu era o prato que exigia mais esforço físico.

ANGU Levar 2 litros de água para ferver. Enquanto isso, escalde 400g de fubá de moinho (granulação média) numa caneca com água morna. O importante é não deixar nenhuma pelota de fubá. Para isso, bata bastante o fubá com um garfo (se você for chic, pode usar um fouet). Quando a água ferver, vá derramando o fubá escaldado na água, batendo firmemente para não empelotar. Quando tiver certeza de que não vai empelotar (isso deve durar de 5 a 10 min), abaixe o fogo e deixe cozinhar por 20 a 25 min, mexendo. Sal? Na roça ninguém usa sal: só água e fubá. Se você achar que só água e fubá não combinam com o seu gosto (!), acrescente 500 ml de caldo de galinha à água que vai ferver, mais uma pitada de sal. O resto, faça igual.

O Tempero Mineiro ficava pronto na véspera – uma quantidade que tinha de ser batida num imenso liquidificador, em substituição ao pilão. Só o torresmo do Targino não levava tempero algum. Sal, só na hora de comer. TEMPERO MINEIRO Pilar ou bater no liquidificador até formar um creme líquido: 1 kg de sal 500 g de cebolas brancas picadas 250 g de alho descascado 1 molho pequeno de salsinha 1 colher de chá de pimenta branca moída Para uso em qualquer cozido, assado ou fritura.

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Enquanto durou o Telegastro, dois pratos foram preparados apenas duas vezes e não mais repetidos: a Peixada Mineira, feita pelo Targino, e a Péla Égua (canjiquinha com costelinha), que eu preparava. A peixada ficou difícil de repetir porque o surubi que vinha de Pirapora não estava passando no controle de qualidade. E o Targino, como era de se esperar, não gostava de peixe de criatório. O fim da canjiquinha foi uma opção lógica: o cardápio já estava grande e farto. Uma pena. Também o Arroz de Forno não teve uma sequência duradoura por causa da mão de obra. Tinha de ser feito no mesmo dia de ser consumido para não perder suas propriedades. Gastava uma mão de obra que devia ser empregada nos outros pratos – especialmente nos petiscos que começavam a ser servidos ao meio-dia. Mesmo assim, marcou presença por uns 10 anos.

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Foto: Arquivo Pessoal

••• Sérgio Augusto, Plínio Carneiro, Roberto Drumond e Faísca

ARROZ DE FORNO Preparar o arroz branco normalmente – 1½ xícara de cafezinho por pessoa. Separe. Cozinhar 200g de moelas com meia cebola picadinha e uma pitada de colorau. Cortar cada moela em 4 e separar. Numa panela larga, derreter 3 colheres de banha de porco. Fritar 300g de fígados de galinha, mexendo bem para não agarrar no fundo. Acrescentar 4 sobrecoxas refogadas e desfiadas para fritar junto. Regar com 2 xícaras de caldo de galinha e raspar o fundo. Adicionar mais duas xícaras de caldo e deixar cozinhar. Mexer de vez em quando até que todos os ingredientes estejam cozidos. Acrescentar as moelas. Cozinhar 3 ovos por 8 min e picar em pedacinhos. Juntar ao arroz: o cozido de miúdos, os ovos, salsinha, algumas azeitonas verdes em pedaços e uma xícara de creme de leite fresco (opcional); misturar tudo para ficar homogêneo e espalhar num refratário. Cobrir com 2 gemas batidas com um pouquinho de água, salpicar farinha de rosca e queijo Minas curado ralado por cima. Levar ao forno quente por 10 min até que fique dourado. Pode ser servido como prato único ou para acompanhar pernil, lombo ou frango ensopado.

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No encerramento da festa, uma mesa farta com doces mineiros – enfeitada com uma antológica Cascata de Frutas que levava 4 horas para ser montada: Romeu e Julieta (goiabada de Ponte Nova com queijo Minas do Serro), Frutas Cristalizadas do Mercado Central, Doce de Leite de Viçosa, Pé de Moleque de Piranguinho, Doce de Mamão Verde e Figo em Calda do Sul de Minas. Os quase 20 garçons que atendiam os alegres convidados acabavam fazendo “hora extra”, pois era grande o número de pessoas que permanecia no local mesmo quando as sobremesas restantes eram retiradas e a banda parava de tocar. Dizem que muitos namoros sérios (e até casamentos) começaram nessa hora gloriosa do Telegastro: o Fim de Festa! A chegada da nova concessionária acabou com esse encontro marcado de tantos jornalistas e publicitários que, por obra do destino, passavam o ano todo sem se ver e só se encontravam no dia do Telegastro. Depois do fim, a vida acabou para Targino, Yeyé, Veveco, Edgar e Marão. Só restamos o Nestor, Amaury e eu. Não tem mais tanta gente para matar a saudade, comer, beber e conversar. Foi bom enquanto durou!

Foto: Arquivo Pessoal

••• Targino Lima, Edgard Mello, Amaury Machado, Sérgio Augusto, Wander Piroli e Yeyé Batista de Oliveira

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is Foto: Leida Re

ssoal Foto: Arquivo Pe


Espremendo uma receita, com Tutti Maravilha Tutti Maravilha

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em gente no rádio que só gosta de falar e detesta escrever sobre si mesmo e sua história. “Escrever não é comigo, mas eu sei cozinhar”, informou peremptório Tutti Maravilha. Tudo bem. Então prova, respondeu Ricardo Camargos, na bucha. E não é que o homem (ou a pérola) saiu da concha e mandou ver? Confiram. FRANGO MARAVILHA INGREDIENTES 1 frango caipira inteiro 1 quilo de batatas (a menor) com casca 3 cebolas brancas cortadas em rodelas 4 cenouras cortadas em rodelas. Tomates vermelhos (cerejinha) inteiros 3 dentes de alho 2 colheres de suco de limão 1 pimentão verde picado 1 pimentão vermelho picado 1 pimentão amarelo picado 1 xícara de salsinha e cebolinhas picadinhas 1 colher de sopa de açafrão Azeitonas pretas Óleo para fritar Sal a gosto Azeite Água quente.

Tempere com o suco de limão, alho e sal e deixe descansando por 20 minutos. Numa Panela de Pedra coloque um pouco de óleo, dentes de alho e as cebolas brancas cortadas em rodelas. Deixe fritar um pouco. Jogue o frango picado. Deixe-o dourar um pouco. Jogue as batatas com casca, cenouras, os pimentões picados e o açafrão. Coloque um pouco de água quente até cobrir metade do frango. Tape a panela. Quando a água secar, desligue o fogo e jogue o cheiro-verde (salsinha e cebolinha), as azeitonas e alguns tomates cereja. Um fio de azeite. Tampe a panela por cinco minutos. E pronto! Só servir. Para acompanhar, um belo arroz branco soltinho e/ou uma farofa de ovo. E uma mesa rodeada de amigos!

MODO DE PREPARO

Bom apetite!

Limpe o Frango (tire toda a pele) e corte-o.

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Na Serra do Cipó, a gente gosta de comer e de contar “causos” Sérgio Lacerda

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efinitivamente, não há como dissociar história de gastronomia quando se fala em comida mineira. E eu não costumo perder a chance de contar algumas histórias antes de servir um prato na mesa de quem visita a minha cozinha, no restaurante da Pousada Barriga da Lua, na Serra do Cipó. Foi assim que eu aprendi desde cedo: sentar à mesa, comer e escutar os “causos”. Esse é um espírito verdadeiramente mineiro. É uma marca da chamada mineiridade. Encontrei algumas histórias interessantes nestas idas e vindas de conversas servidas em torno do fogão a lenha. Uma delas, dizia respeito a uma família de japoneses que viveu há muitos anos no lugar chamado Serra do Tomás, no caminho da Serra do Cipó pra Conceição do Mato Dentro. Naquela serra corre água sem parar e sempre parávamos na viagem morro abaixo pra beber daquele líquido abençoado. Era quase um ritual. E sempre víamos uns moleques vendendo molhos de um vegetal estranho, diferente de tudo o que conhecíamos. Era o broto de samambaia, uma iguaria presente em muitos pratos orientais, que já vi vários amigos prepararem de diversas formas. Com carne de porco, carne moída ou mesmo refogada na manteiga. Herança, repito, de japoneses que viveram lá naqueles brejões. Mas, nunca me saiu da cabeça a pergunta: como uma família de japoneses veio parar nesse lugar perdido entre as montanhas de Minas?

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Já contei inúmeras vezes, também, histórias que têm a ver com as nossas origens. Ouvi dizer certa vez que meu bisavô, que era tropeiro, seguia carregando sua tropa para o Rio de Janeiro, cheia de iguarias como doces e queijos e voltava com os jumentos carregados de sal marinho e tecido. Nascia, ali, um dos pratos mais tradicionais da nossa história: o feijão tropeiro. O feijão misturado com generosos nacos de carne de porco e muita gordura para dar sustança durante a viagem. Era um prato simples, fortificante para longos trajetos e que não perecia durante as jornadas. Mas sempre gosto de terminar minhas conversas ao redor da mesa da cozinha contando a engraçada história de outro prato bem típico de Minas. Um padre estrangeiro havia plantado em sua cerca uma espécie com folhas bem verdes e enormes espinhos nos caules. Sempre que podia, o sacerdote colhia essas folhas e pra fazer um delicioso refogado de frango.

Foto: Hian Rafael

Curiosos, os fiéis começaram a notar o sabor daquela iguaria, mas o padre não permitia que ela fosse colhida na sua cerca. Para despistar o religioso, o povo do local encontrou um jeito bem mineiro de colher as folhas. Os matutos esperavam o pároco ir rezar a oração do ora-pro-nóbis para colher as folhas tão cobiçadas.

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Foto: Hian Rafael

Quando perguntavam que planta saborosa era aquela misturada ao frango, ninguém titubeava: era a ora-pro-nóbis. Assim, a conversa se espalhou pelas vilas de Minas. E nascia um prato que eu considero dos mais deliciosos da riquíssima e deliciosa culinária mineira: o frango com ora-pro-nóbis. De dar água na boca! Confiram. O prato leva a minha assinatura e Fatinha, da Pousada Barriga da Lua, na Serra do Cipó.

INGREDIENTES 1 frango inteiro (de preferência caipira) cortado em pedaços 1 colher de sopa colorau 1 colher de sopa açafrão 1 cebola média picadinha 300 gramas de ora-pro-nóbis fresco picado grosso 1 colher de sopa de tempero alho e sal 1 colher de azeite extra virgem

Coloque em um saco plástico para marinar por aproximadamente 2 horas Refogue a cebola com uma colher de azeite e acrescente o frango na panela Vá pingando água até o frango ficar dourado. Assim que ficar dourado, jogue água até cobrir o frango Espere ferver para tampar a panela,

MODO DE PREPARO

Deixe na panela de pressão por 30 minutos,

Temperar o frango já picado com alho, sal

Acrescente o ora-pro-nóbis picado

Logo após coloque o colorau e misture bem

Sirva com angu, arroz branco e feijão carioca. Se quiser acrescente uma salada de folhas.

Acrescente o açafrão e espalhe de forma homogênea.

Bom apetite!

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O estrogonofe da Tiana Rosália Dayrell

O quarteto era formado por Eliane Machado, Maria Cecília, Roberta Zampetti e eu. Assim que o telejornal da TV Minas encerrava, as quatro jornalistas atravessavam a Avenida Assis Chateaubriand e ocupavam uma das mesas da pizzaria que ficava exatamente em frente à sede da TV pública mineira, recém-inaugurada. A tímida aventura gastronômica deu um salto de qualidade quando uma das quatro, no caso a Eliane Machado, mais conhecida como Lili, deu para abrir sua casa para comemorações: aniversários, batizados, Natal; nem precisava de motivo. Hoje tem “regabofe” lá em casa, dizia a anfitriã. Senha dada e o pensamento interesseiro criando intimidade com o paladar já imaginava o que nos esperava. Do variado cardápio, o estrogonofe ganhou a preferência das comensais. Tiana, a ajudante de cozinha, é a personagem da história toda. O tal estrogonofe era ela quem preparava. Só muito tempo depois é que a gente soube que Tiana era analfabeta. A patroa Lili lia a receita, a cozinheira decorava tudinho, palavra por palavra e, postada em frente ao fogão, fazia o prato mais esperado pelo grupo. O cheirinho do refogado, a natureza dos ingredientes e a magia do tempero invadem a casa adentro e vão abrindo o apetite, para compreender essa linguagem o vinho distribuído pelas taças espalhadas aos quatro cantos da casa. A demora para servir faz parte da armadilha do tempo para o surgimento do efeito etílico. Qual graça de se sentar à mesa sem a inspiração e o efeito de Baco?

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Já era de domínio público na casa de Lili: o almoço era jantar e o jantar era ceia. Às vezes, o atraso acontecia por razões quase indefensíveis: falta de uma panela com tamanho apropriado para servir o número de convidados que costumava aumentar sem muita explicação. Nesse caso, a salvação vinha de outra jornalista, Helena Indi, vizinha de Eliane. Ninguém reclamava, porque lá vinha ela, Tiana, com a receita na cabeça e o estrogonofe nas mãos. Bom apetite! PREPARO

400 g de filé mignon cortado em tirinhas 2 dentes de alho amassados 1 colher (sopa) de mostarda 1 colher (sopa) de molho inglês 3 tomates bem maduros 1 colher (sopa) de manteiga 1 cebola média ralada 3 colheres (sopa) de ketchup 100 g de champignon 2 colheres (sopa) de vinho branco seco 1 lata de creme de leite Sal e pimenta-do-reino a gosto

Tempere a carne com sal, pimenta, mostarda e molho inglês. Deixe tomar gosto por no mínimo 10 minutos.

Foto: Marcos Alvarenga

INGREDIENTES

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Aqueça a panela com a manteiga, a cebola e o alho. Em seguida, adicione a carne temperada. Quando a carne estiver no ponto, acrescente o molho de tomate batido no liquidificador, o ketchup, o vinho e o champignon. Por último, o creme de leite. Caso precise engrossar o molho, utilize ½ colher (sopa) de farinha de trigo. Acompanha arroz branco e batata palha.


Arroz de pato ou feliz como pinto no lixo Lúcio Braga Guimarães

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ou primeiro neto dos dois lados, pai e mãe, sempre fui comilão e minhas avós e algumas tias cozinhavam muito bem. Meu avô materno chegava a mandar que eu sentasse a sua frente na mesa para me ver comer e, além disso, avós e tias sempre faziam meus pratos prediletos que, na realidade, eram quase todos. Mesmo depois que meus irmãos e primos começaram a chegar – diferença de idade do primeiro neto depois de mim é superior a quatro anos – essa paparicação não acabou. Enquanto eles viveram foi assim. Junte-se a isso que meu pai chegava tarde em casa e cobrava de minha mãe que lhe arrumasse comida, mesmo depois de ela ter trabalhado muito todo o dia, como costureira e como funcionária pública, e eu discordava do meu pai profundamente por essa atitude. Quando comecei a chegar tarde, não tinha moral para pedir comida à minha mãe, e eu mesmo me virava. Acabei gostando, mas comi muita coisa salgada, crua ou queimada até pegar jeito. Certa vez, eu estava sozinho em casa e junto com meu amigo mais antigo, o Tavares, resolvi fazer um churrasco na área do tanque e chamar meus avós

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maternos. Claro que o churrasco, com carne de gente pobre, não ficou nenhuma maravilha, inclusive por excesso de ingredientes para temperar. Mas meus avós – hoje sou avô e entendo perfeitamente o que fizeram – disseram que estava uma delícia. Acreditei que falavam a verdade, mas minha autocrítica discordava deles. A partir daí, fui seguindo receitas, mas sempre dando um toque pessoal até ganhar confiança e hoje, continuo vendo receitas, mas adoro inventar, sempre procurando harmonizar ingredientes. Gosto muito de fazer galinhada, frango ao molho pardo, churrasco, tropeiro, tutu, enfim, continuo gostando de comer muito. Só para terminar, certa vez estávamos na casa do diretor-geral de uma emissora de TV em BH e eu fui fazer a galinhada. Ele tinha uma cozinha na área de lazer muito bem montada, ótimos equipamentos, foi me acompanhando e gostando do que via. Quando a galinhada ficou pronta — e era grande quantidade, inclusive, levando-se em conta o número de convivas – ele chamou disfarçadamente o caseiro e pediu que guardasse um pouco antes de servir a todos. São “causos”.

Foto: Marcos Alvarenga

••• Rafael, o primeiro neto de Lúcio Braga, já faz vários pratos junto com o avô

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PATO RAPIDINHO INGREDIENTES 1 pato inteiro 150/200 g de arroz parboilizado (fica a gosto) 1 cebola média/grande picada 1/2 cabeça de alho laminado 200 ml de vinho branco seco Molho de salsa Molho de cebolinha verde Sal Pimenta-do-reino PREPARO Cortar todo o pato em pedaços, reservando os filés de peito e as coxas e contra coxas sem a pele. Tire a pele de todo o restante do pato também. Tempere em separado, com sal e pimenta do reino, coxas e contracoxas e, em outro recipiente, o restante da ave. Coloque parte das peles numa panela de pressão em fogo brando até que solte a gordura, descarte a pele

e, em seguida, refogue todos os pedaços (exceto coxas e contracoxas). Cubra com água até 3 vezes a altura dos pedaços na panela e deixe cozinhar por 20 minutos, contados a partir do momento em que a panela começar a suspirar. Pedaços cozidos, reserve o caldo, espere esfriar e desfie todos, grosseiramente, e reserve. Em uma panela grande, coloque o restante da pele do pato até que solte a gordura e descarte as peles. Refogue o alho e a cebola e acrescente o arroz parboilizado, acrescente toda a carne desfiada e a salsa picada, o vinho branco e deixe cozinhar com o caldo da panela de pressão. Corrija o sal. Numa frigideira em fogo forte e levemente untada, doure e deixe cozinhar até atingirem a textura desejada os filés de peito e as coxas e contracoxas. Pouco antes de tirá-los regue com duas colheres de vinho branco. Sirva numa travessa de tamanho suficiente, com os pedaços grelhados por cima, e salpique bastante cebolinha verde.

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Minha festa de Babette Fátima de Oliveira

em todos que nos metemos a cozinhar, amadoristicamente ou não podemos garantir uma A Festa de Babette (1987, direção Gabriel Axel, Dinamarca, Oscar de melhor filme estrangeiro, Globo de Ouro). Isso porque o ato de cozinhar tem a ver com o prazer e com a dor. Não há nada mais prazeroso do que a comida, para muitos de nós. Bom também agradar as pessoas com seu cozido, vê-las saboreando o que se preparou com prazer. Mas a dor está rondando. E se não gostarem do que cozinhei? E se essa comida não cair bem em meus convivas? O medo ronda o bom e o mau cozinheiro. A Festa de Babette, a que nos candidatamos, portanto, é um tiro no escuro. Mas temos de fazer para aprender. E é o que venho fazendo após a aposentadoria prematura e forçada. INGREDIENTES 1 quilo de pato em pedaços 1 copo de vinho branco 1 ou 2 colheres (das de sopa) de azeite 1 copo (lagoinha) de suco de laranja Sal, alho, salsa, cebola, cebolinha, pimentões coloridos, manjericão, louro, pimenta-do-reino (temperos de sua preferência). MODO DE PREPARO Coloque o pato para marinar com sal, o vinho e os temperos de sua preferência. Gosto de fazê-lo de um dia para o outro para que o tempero pegue bem na carne. Leve a uma panela de pressão, deixe dourar levemente, mexendo sempre (não precisa colocar azeite para refogar o pato, pois ele já tem muita gordura natural). Coloque quatro copos (lagoinha) de água fervendo, meio copo de suco de laranja e tampe a panela. Deixe cozinhar por 30 minutos.

Desligue o fogo e deixe descansar por cerca de 10 minutos. Tire os pedaços de pato da panela e coloque na louça em que será servido. Numa frigideira funda, refogue o alho, cebola, pimentões e os temperos que desejar no azeite (quanto menos azeite melhor). Acrescente o restante do suco de laranja e o caldo que sobrou do pato e deixe ferver. Coloque sobre o pato. Sirva bem quente, acompanhado de arroz de cenoura. Molho fino Outra opção de molho para este pato é feito também com o caldo que sobrou, só que coado. Fica mais delicado. Bata o caldo no liquidificador e coe. Dissolva uma colher (das de chá) de amido de milho em meio copo de suco de laranja, junte ao caldo coado e leve ao fogo até ganhar leve consistência. Este molho deve ser servido à parte, por ser um molho mais fino. Pato acompanha tanto o vinho tinto como o branco.

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101 Foto: Marcos Alvarenga


Um bobó de camarão histórico

Ricardo Camargos

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otivo e circunstância. A fama de bom gourmet ajuda e atrapalha ao mesmo tempo. Sempre que vou visitar amigos em outros cantos do país, eles sempre se alegram porque já sabem que o almoço vai ficar por minha conta. Só que eles mesmos escolhem o cardápio e já compram os pertences. Foi assim em uma das últimas visitas a Brasília, onde o irmão Otto Sarkis deixou claro: “Você vai fazer aquele seu bobó de camarão”. Perguntei para quantas pessoas e ele definiu, sem preocupações maiores: “Ah, umas trinta”. Tomei um baita susto. Nunca cozinhara para tanta gente. Por sorte, o amigo é dono de umas grandes empresas de administração de hotéis e condomínios da região. Encomendou as medidas com um de seus chefes que já comprou o básico e ordenou que deixassem já meio processados. Assim, do aeroporto fomos direto a um dos hotéis e pegamos a encomenda. Depois, em um supermercado, para os ingredientes assessórios. Meia dúzia de tomates bem maduros para um molho (que, em caso de preguiça, pode ser substituído por um molho industrializado de boa marca), azeite de oliva, pimentão, cebolas, louro, azeite de dendê, alho frito e pronto. O almoço seria no sábado e, na sexta à noite, começamos a aventura que acabaria sendo bem divertida. Temperei o camarão com sal e limão (uns três quilos do médio rosado), que deviam dormir na marinada, e sugeri que cozinhássemos de vez a mandioca. Cadê a panela de pressão, perguntei. Aí o Otto sacou uma velha “Magic Clock” (que me lembrou da infância) e fiquei meio desconfiado. Mas vamos lá. A mandioca no fogo (o tempo de cozimento depende do produto e da panela), geralmente, leva de meia hora a quarenta minutos). Enquanto cozinhava, preparei o molho de tomate. Um vinho para aquecer, e chegou a hora de bater a mandioca. Aí outra surpresa. O compadre tirou do armário um liquidificador que parecia pré-histórico. Devia ser da Arno, década de 1960. Começamos o processo. O raio do aparelho batia as

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103 Fotos: Paulo Martin


mandiocas (sempre com um pouquinho de água) por uns cinco minutos e depois esquentava. Breque no processo. Tínhamos de esperar uma meia hora para que ele esfriasse e recomeçar. Mais uma taça de vinho ou uma pinguinha, fazer o quê? Aí surgiu a grande ideia do Sarkis. Simples. Retirávamos a mandioca já processada e colocávamos o bichinho no freezer. Cinco minutinhos e lá íamos nós de novo. Dia seguinte, hora da arte culinária. Primeiro, fritar levemente os camarões em azeite de oliva. Quase no ponto, cebolas cortadinhas, umas folhinhas de louro (pouco, por favor, que ele é muito forte), alho torrado e pimenta-do-reino e um pouco de dendê até dar aquela cor e sabor legais. Feito isso, hora de acrescentar o molho de tomate e um pouco de água previamente fervida. Depois, é só acertar o tempero. Por cima de tudo, a mandioca já amassada. Mexa bem, corrija o tempero e o dendê. Acredite se quiser, meia hora depois está pronto. Serviu bem aos cerca de trinta convidados, mereceu elogios e muita gente saiu levando um marmitex para o “cachorrinho”.

INGREDIENTES 3 quilos de camarão rosado médio 6 tomates bem maduros 2 quilos de mandioca macia Cebola, salsa, cebolinha e louro. Azeite de dendê Uns 3 litros de vinho para os operadores, que o prato é meio demorado.

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MODO DE PREPARO Se você ainda não aprendeu, é só dar mais uma lida no texto. Como diria Bertold Brecht, em O Pequeno Burguês, um manjar dos Deuses, uma Ambrosia.


Um peixe quase abissal

Márcia Lage

A

criatura era pavorosa. Veio trazida por Otto Sarkis, que jurou tê-la pescado “pessoalmente” nas profundezas do São Francisco. Não acreditei. O “brimo” deve ter comprado o peixe mesozoico de um pescador assombrado, pensando em fazer dinheiro com ele. Seria uma exótica atração num aquário do primeiro mundo, ou objeto apaixonante de estudo para algum paleontólogo. Acontece que Ricardo Camargos apareceu em Brasília justo na semana da suposta pescaria e achou melhor provar a carne do animal pré-histórico num histórico jantar na minha chácara. Ao ver a cara do bicho, senti repulsa. Propus um frugal espaguete ao óleo e alho para acompanhar os vinhos que chegaram junto com o monstro. Fui vencida. E minhas facas também. Nada cortava o couro do peixe, que daria um gibão digno de enfrentar caatinga. Propus usarmos as ferramentas do jardim. Tentamos com um facão, um serrote e um machado, todos devidamente lavados e desenferrujados por Otto Sarkis com limão e cinza, o que deixou o caseiro muito agradecido pelo trabalho. O peixe, no entanto, recusava-se a ser retalhado. Já passava da meia-noite e de mais de quatro garrafas de vinho quando a cabeça do animal voou longe, numa cena de Bastilha. Na tábua usada para o guilhotinamento sobrou um corpo, em forma de triângulo, do tamanho de três mãos do orgulhoso cozinheiro. Como boa parte do povo já dormia exausto de esperar o fim da peleja, Ricardo fritou uns pedacinhos para nós e guardou o resto no tempero para o almoço do dia seguinte, já pensando numa receita que rendesse bem. Enquanto saboreávamos a carne firme e escura do peixe abissal, surpreendentemente deliciosa, propôs fazer um pirão com a cabeçorra do bicho, pra dar mais sustança ao prato.

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Foto: Cláudia Carneiro

MOQUECA CAIÇARA COM BANANA-DA-TERRA

Otto ponderou que era melhor não cozinhar cabeça de coisa tão ancestral, ia-se lá saber o que aquela bocarra andara comendo ao longo de seus milhões de anos de vida. Eu sonhei em desidratá-la ao sol do Cerrado e espetá-la na entrada da chácara, para espantar ladrões e afastar olho gordo. A ideia pareceu maravilhosa aos três bêbados no dia quase amanhecendo. Os cães filas da casa, no entanto, foram mais rápidos e comeram antes o amuleto da criatura pavorosa. Ricardo, já especialista no peixe mais feio e mais saboroso do Planeta Minas, produziu uma moqueca de causar inveja a Alex Atala. Deu pra todos, mas quem não comeu, não come mais. Se Otto pescou aquele peixe, extinguiu de vez uma espécie rara, que só foi fisgada porque o São Francisco também já se extinguia, no final do século 20. Como deu trabalho demais cometer aquele crime etílico-gastronômico-ecológico, sugiro uma receita tradicional de Paraty, rápida de ser feita e muito saborosa. Ei-la:

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½ xícara de azeite de oliva extra virgem 1 colher (sopa) de dendê ou duas de óleo de coco (escolha) 1 limão. MODO DE PREPARO Fácil. Receita comum de moqueca. Tempere o peixe com sal e limão. Refogue, em azeite, as cebolas e o resto dos ingredientes. Sele rapidamente o peixe, também em azeite, e acrescente ao molho. Complete com o dendê e o creme de leite, ajuste o tempero se precisar. Ao final, o cheiro-verde. Não tem erro.

Foto: Cláudia Carneiro

INGREDIENTES 6 postas de um peixe de carne firme (de escamas, preferencialmente) 4 bananas-da-terra não muito maduras 1 cebola grande 4 dentes de alho 1 quilo de tomate italiano (aquele de biquinho, tipo Pomarola) 1 colher média de pimenta rosa ou 1 pimenta dedo de moça (escolha) 1 maço de cheiro-verde (cebolinha, salsa e coentro) 1 maço de manjericão 1 vidro pequeno de leite de coco

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Bacalhoada portuguesa, sim, senhor Déborah Rajão

É

com alegria que compartilho com você essa receita de família, portuguesa legítima, uma bacalhoada de dar água na boca. Esse prato era sempre preparado nos natais em que se reuniam filhos, netos e bisnetos do meu saudoso avô, o português Carlos Rajão, nascido em Póvoa de Varzim, ao norte de Portugal, e falecido há cerca de 30 anos, no Brasil. Esses natais eram regados a ótimos vinhos, fados, rabanadas servidas com doce de leite da fazenda, e, é claro, essa bacalhoada maravilhosa, cuja receita, aprendi com minha mãe, que, por sua vez, aprendeu com minha avó que a recebeu de sua sogra portuguesa. Quando chegou ao Brasil, meu avô, sempre aventureiro, foi desbravar a região de Conceição do Mato Dentro, onde conheceu sua esposa, que morava no pequeno distrito de Brejaúbas. Eles formaram uma família de 12 filhos e que hoje conta com dezenas de netos e bisnetos espalhados pelos quatro cantos do mundo. Em Conceição do Mato Dentro, vô Rajão fixou residência, tornou-se um abastado comerciante e viveu até seus últimos dias. Nossos natais eram sempre muito alegres, fartos e a bacalhoada jamais podia faltar, pois era um dos pratos principais, ao lado da leitoa inteira, que era colocada sobre a mesa e que provocava comoção entre as crianças, que não se conformavam em ver o pobre animal morto, tostado e com as orelhas em pé. Os anos se passaram e essa tradicional iguaria continuou sendo feita.

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Minha mãe, cozinheira de mão cheia, mantém essa tradição, para alegria de todos nós. E eu, que adoro cozinhar e aprecio incondicionalmente uma boa comida portuguesa, também aprendi essa preciosa receita e hoje a compartilho aqui.

Foto: Arquivo Pessoal

Espero que goste. Sugiro que aprecie esse prato degustando um bom vinho e ouvindo um belo fado português!

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INGREDIENTES 1 quilo de bacalhau dessalgado

Depois de cozido, retirar o bacalhau da água e reservar.

1 quilo de batata inglesa média

Na mesma água em que se cozinhou o bacalhau, cozinhar também a vagem, as cebolas roxas descascadas e inteiras, e a couve grosseiramente rasgada com as mãos.

1 molho de couve 500 g de vagem 6 ovos cozidos bem duros.

MONTAGEM DO PRATO

200 g de azeitonas pretas

Cortar as batatas ao meio e colocá-las em uma travessa refratável grande.

6 cebolas roxas inteiras

Em seguida, distribuir pedaços do bacalhau sobre ela.

4 cebolas roxas cortadas em rodelas finas.

Coloque um pouco da vagem e da couve sobre o bacalhau, algumas metades do ovo cozido, as cebolas roxas cozidas partidas ao meio, azeitonas pretas e regar com o molho de azeite com cebolas.

(Molho de azeite preparado com cebolas para regar o prato. Refogar as cebolas cortadas em rodelas finas em 5 colheres de sopa de azeite extra virgem, com alho, sal e colorau). Fritar levemente, sempre mexendo até que fiquem macias. Em seguida, desligar o fogo e acrescentar o restante do azeite e reservar.

Repita as camadas até acabarem todos os ingredientes.

MODO DE PREPARO

Por último, regue generosamente todo o prato com o restante do molho de azeite.

Dessalgar o bacalhau, deixando-o de molho, durante a noite, e trocando a água quantas vezes forem necessárias.

Levar ao forno para assar por cerca de 20 a 30 minutos. Servir com arroz branco, acompanhado de um belo vinho português, é claro!

Cozinhar o bacalhau em água fervente até que fique macio, porém, sem desmanchar.

Foto: Arquivo Pessoal

Bom apetite!

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Maria Amélia Tostes

Arroz com bacalhau

“U

m ser humano necessita de duas coisas, basicamente: dormir bem e comer bem” – era o lema do meu pai. E, de fato, não eram outros os seus principais interesses na vida, a despeito do seu trabalho com as leis e com as palavras o absorver e o entusiasmar. Mas, como ele dizia, nada se edifica sem uma boa base de sono e de um estômago satisfeito. Cresci em uma família de origens lusitanas e italianas e essa herança latina atravessou o Oceano Atlântico, chegou a Juiz de Fora, no século 19, e até hoje pode ser percebida como um traço indenitário de costumes cotidianos, de expressão de afetos e de um modo de fazer o enlaçamento familiar e social passar pelo alimento. A cozinha como o melhor lugar da casa: tese indiscutível. Sempre ouvi de meus pais uma história de fartura alimentar em suas famílias baseada no consumo de ovos, carnes de porco, de boi e de galinha, leite de vaca, farinha de trigo, fubá, mandioca, batatas, inhame, arroz, feijão, folhas, legumes e temperos. Com esses itens, toda uma geração de classe média se alimentou, na região da Zona da Mata mineira, entre os anos de 1930 e 1980. É na década de 1980, na minha adolescência, que eu começo a me deparar com as primeiras novidades alimentares, as quais, para dizer a verdade, eu só experimentei fora da mesa da copa lá de casa, onde pouca coisa se modificou, até hoje, mesmo com as inovações proporcionadas à culinária regional e nacional, pela globalização. Para a minha família e para a minha memória afetiva vinculada à cozinha, o tempo não passou. No dia a dia, a comidinha ainda é baseada no quintal de uma casa da década de 1930 das Minas Gerais. E, para as ocasiões especiais, as alternativas passam, necessariamente, por dois caminhos: o das massas – em suas

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várias apresentações e combinações de molhos, caldos, carnes, cereais, verduras e legumes – e o do bacalhau. As massas contemplam o melhor do lado italiano e o bacalhau, o mais nobre e clássico dos pratos portugueses. O bacalhau, até os anos 1980, era um artigo caro e escasso para os juiz-foranos. Não surgia nos mercados fora da época do Natal e da Semana Santa. Mesmo assim, chegavam em uma única versão (inteiro, espalmado, com rabo e barbatanas – e sem cabeça) e de um único tipo (o que depois conhecemos como sendo o do tipo saithe). Seu preço era tão salgado quanto ele próprio. Lembrome do cuidado que envolvia a compra dessa iguaria, por minha mãe! Quem comprasse o melhor produto pelo menor custo se vangloriava da empreitada. A bacalhoada farta, vistosa e colorida enfeitava a mesa do dia 25 de dezembro e do domingo de Páscoa. Seu aroma se espalhava pela casa e despertava a fome em todos os que por lá se achavam... Um prato fabuloso, mas que, ainda hoje, com as facilidades que dispomos de adquirir o bacalhau em qualquer época do ano, requisita certo cálculo e algum ritual, pois necessita ser dessalgado por, no mínimo, dois dias e limpo de espinhas.

Fotos: Marcos Alvarenga

Passada a Páscoa, a bacalhoada só retornaria à mesa da nossa casa no próximo Natal, mas, nesse intervalo, com o que sobrava da compra do bacalhau da Semana Santa, surgia um outro prato que me entusiasmava demais por sua

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praticidade, simplicidade e gostosura: o arroz com bacalhau. Essa sempre me pareceu uma combinação perfeita de dois ingredientes: o porte e a personalidade do bacalhau com a delicadeza do arroz. Descomplicado de ser feito, rápido e com um resultado final de grande alcance, uma vez que costuma conquistar o gosto geral, o arroz com bacalhau porta uma certa falta de pompa que permite que ele seja preparado a partir de um desejo súbito de se comer bacalhau. Para tanto, basta se ter algum bacalhau na despensa, um arroz cru de boa qualidade, um bom azeite e os temperos básicos que frequentam a cozinha do dia a dia: alho, cebola, pimentão verde, tomate, cheiro-verde. Se quiser valorizar o prato, inclua também um pouco de azeitonas portuguesas. O arroz com bacalhau que eu faço já ganhou características próprias. Um prato que conquistou o apreço dos que hoje sentam à mesa da minha casa. Mas, quando eu o preparo, ele ainda me traz as lembranças, a alegria, o perfume dos dias dourados da minha infância e da minha juventude, experimentados ao redor da mesa da casa dos meus pais.

Fotos: Marcos Alvarenga

Esse é um prato que eu não costumo passar da panela para nenhuma travessa porque esse arroz fica muito bonito quando pronto. Então, não gosto de mexer nele. Só na hora de servi-lo. Para acompanhar, nada além de uma salada de folhas.

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INGREDIENTES 600 g de bacalhau desfiado e dessalgado do tipo saithe

Em seguida, coloque os tomates descascados e cortados (sem sementes). Mais uma colher (de chá) de sal e mais duas colheres (de sopa) de azeite. Deixe tudo isso ferver sem mexer demais. O tomate vai desmanchar um pouco e colorir esse molho ao qual se pode acrescentar o tempero verde e a pimenta dedo-de-moça.

2 copos (dos de requeijão) de arroz cru, que será utilizado sem ser lavado nem refogado 2 dentes de alho picados miudinhos

Nesse processo, quase nenhuma água é necessária, pois os ingredientes se encarregam de liberá-la. Mas, se houver necessidade, vá adicionando água quente aos poucos, para que o molho com o bacalhau não fique nem seco nem aguado.

2 cebolas grandes cortadas à moda Julienne 1 pimentão verde cortado em tirinhas finas 3 tomates grandes, maduros, descascados e também cortados à moda Julienne

É a esse molho de bacalhau que juntamos o arroz cru. Provamos o sal, e cobrimos tudo com água quente. A água deve passar 1 dedo apenas dessa mistura de arroz e bacalhau. Assim que levantar fervura, abaixe o fogo, tampe a panela sem fechá-la completamente e vá acompanhando o processo de secagem do arroz.

1 xícara (de café) de cebolinha verde 1 xícara (de chá) de salsinha ou coentro, como preferir Pimenta dedo-de-moça picada bem fininha 100 g de azeitonas portuguesas

Com o arroz quase seco, acrescentamos uns 100 gramas de azeitonas portuguesas, regamos esse arroz ainda meio cru com mais azeite e tampamos a panela completamente.

Sal e azeite virgem de boa qualidade. PREPARO Dessalgar o bacalhau com água fria. Esse prato pode ser feito com o bacalhau que já é vendido desfiado, de modo que duas horas de molho em água costumam ser suficientes para que o sal deixe o bacalhau. A cada meia hora, vale a pena trocar a água e verificar o sal. Enquanto o bacalhau fica de molho, preparamos os outros ingredientes. Com tudo picado e o bacalhau sem sal, escorrendo numa peneira, é hora de ligar o fogo. Fogo médio!

Ainda no fogo baixo, verifique se não há mais nenhuma água para ser incorporada ao arroz. O arroz, a essa altura, já está cozido. Desligue o fogo. Deixe o arroz descansar com a panela tampada por, pelo menos, meia hora antes de servi-lo. OBSERVAÇÕES 1 – A escolha do bacalhau é importante. O do tipo saithe tem uma textura mais firme – portanto, não vai se esfarelar nem sumir no prato –, e um sabor mais forte.

Em uma panela grande e alta, de fundo grosso, de cozimento em velocidade média, que não queima facilmente, coloque três colheres (de sopa) de azeite e, em seguida, o alho picadinho. Com o alho iniciando a dourar, espalhe sobre ele a cebola. Essa cebola vai dar água, depois vai secar e vai dourar também. Salpique uma colher (de chá) de sal sobre a cebola dourada. Coloque então o pimentão em tirinhas. A essa altura, já podemos acrescentar mais duas colheres (de sopa) de azeite. Mexa delicadamente.

2 – A contribuição do bacalhau ao prato não deve passar pelo sal. Dessalgue-o completamente. 3 – Aqui em casa, uso o coentro como tempero verde. Traz um sabor e um aroma do mar. 4 – Esse prato fica mais saboroso quando servido após umas duas horas de aprontado. (Para servir 6 pessoas adultas)

Acrescente então o bacalhau escorrido. Misture-o com cuidado a essa cebola azeitada. Deixe o bacalhau usufruir um pouco desse perfume exalado pela mistura da cebola com o alho e o pimentão.

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Punhetas de bacalhau

e outros tira-gostos para quem não gosta de peixe Mana Coelho

G

osto muito de cozinhar e faço isso diariamente. O melhor é quando dá para reunir os amigos e ficar conversando, bebericando e comendo. Por isso, quando o Ricardo me falou do livro, pensei em dar minha receita de cozido, um cozidão misturando tradição portuguesa com a de Pernambuco, minha terra. Só que é uma receita para passar o dia, coisa boa para sítio, casas de campo, ou casa de amigos com muito espaço. Além disso, é comida para muita gente. Daí que deixei o cozidão de lado. Ceviche também é uma delícia, mas não é muito fácil encontrar peixe fresquíssimo em BH ou Brasília, daí desisti. Minha ideia é dar algumas receitas ligeiras, que dá para fazer depois de um dia de trabalho, para apreciar em casa, mesmo se ela for pequena e sem muitos recursos. Só é preciso ter alguns ingredientes: bacalhau em lascas (é muito fácil de encontrar nos supermercados e dá para guardar por meses na geladeira), alho, azeite extra virgem, um vinagre razoável, azeitonas, um bom pão, cebola, tomate e salsinha. Se quiser incrementar um pouco, vale comprar um vidrinho de anchova. A mais demorada (não demora mais do que a entrega de uma pizza delivery) é a punheta de bacalhau, por isso começo por ela. INGREDIENTES 1 xícara de bacalhau em lascas 1 dente de alho picadinho (eu tiro o miolo quando faço alho cru) 1 cebola média picada. Se for cebola branca, depois de picada deixe de molho

na água fria por um tempinho, para perder um pouco do ardido. Azeite Algumas gotas de vinagre de vinho tinto (se não tiver, use o branco mesmo) Salsinha picada

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Foto: Marcos Alvarenga

MODO DE FAZER Lave as lascas de bacalhau e depois deixe dentro de uma vasilha com um pires ou prato de sobremesa no fundo e bastante água. Como o sal desce, fazendo isso o bacalhau vai ficar dessalgado mais depressa. Se as lascas estiverem grandes, desfie um pouco e/ou corte com uma tesoura de cozinha. Enquanto o bacalhau perde o excesso de sal, pique o alho, a cebola e a salsinha. Feito isso, tire o bacalhau da água e escorra bem. Para não ficar aguado, pode pôr numa peneira e apertar ou mesmo espremer num pano de prato limpo. Quanto menos água, melhor.

Esse é um tira-gosto português e o nome vem do antigo jeito de fazer, desfiando o bacalhau com os punhos. O nome tem duplo sentido, sim. A punheta rende bem! O PÃO DE ALHO E SUAS VARIAÇÕES O verdadeiro pão de alho é feito com um pão firme, dois dentes de alho (esmagados), azeite e sal. É só colocar o pão fatiado no forno até que fique dourado. Aí você passa o alho no pão, depois um fio de azeite e uma pitadinha de sal. Para incrementar, você pode partir um tomate bem maduro no meio e passá-lo no pão de alho. Fica um pão molhado no estilo espanhol, muito gostoso. Se tiver uma fatia de presunto cru, ou um pedaço de anchova, vai ficar delícia pura. Um pedaço de sardinha também tem seu encanto. Outra opção é pôr tomate e manjericão picadinhos. Aí vira uma bruchetta italiana.

Agora é só montar a punheta: coloque numa vasilha o bacalhau e todos os temperos e misture bem. Acrescente azeite sem miséria. Se quiser, pode colocar umas azeitonas pretas picadas. Se precisar, corrija o sal. Pimenta-do-reino pega bem.

Se você fritar alho, salsinha e anchova no azeite enquanto o pão está no forno e colocar um pouco em cada fatia quando ele estiver dourado, não vai se arrepender.

Agora é só comer com um pãozinho, ou com batatas cozidas, como recheio de tomates ao forno ou o que sua imaginação sugerir. Se sobrar, pode guardar na geladeira.

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117 Foto: Mana Coelho


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Foto: Alberto AraĂşjo


Arroz com bacalhau

Dona Iracema

Carlos Herculano Lopes

A

té hoje, quando acontece de o assunto vir à tona em algum encontro familiar, nenhum dos oito irmãos sabe explicar como foi que começou a história da Dona Iracema (que vinha a ser nossa mãe), e com um dos pratos mais famosos que ela costumava servir nos almoços de domingo, ou nos aniversários dos filhos e netos: o Arroz com Bacalhau. Mas, uma coisa é certa, e todos são unânimes em concordar que, aos poucos, sem que percebêssemos, a tradicional canjiquinha com costelinha de porco, feijão preto e couve rasgada ou a não menos apetitosa galinhada caipira (com ou sem pequi, para satisfazer a todos os paladares), foram sendo substituídos pela nova iguaria, que logo cairia no gosto geral e, sem contestação, passaria a ser o prato oficial oferecido na velha e inesquecível casa da Rua Ipiranga, 55, na Floresta. Como sobremesa, e seria um pecado se não fossem mencionados, também quase nunca faltavam os não menos aguardados pudim de leite condensado, e os doces de mamão com rapadura, figo, com frutos colhidos de um pé que ela plantara, e de leite. Esses últimos, feitos em um tacho de cobre que (a mamãe não se cansava de repetir essa história), logo após o seu casamento, já nos distantes anos de 1950, nosso pai havia comprado de uns ciganos, que tinham passado por Coluna e armado suas barracas perto da nossa casa. Mas voltando ao arroz com bacalhau, uma noite, quando fui visitá-la, perguntei à mamãe com quem ela havia aprendido a receita. Misteriosa, como sabia ser, sobretudo quando queria deixar alguma coisa no ar, respondeu, sem espichar muito o assunto: “Com ninguém, meu filho, fui misturando uma coisinha e outra, da minha cabeça mesmo, e acabou saindo”.

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Já com mais de 70 anos quando começou a preparar o prato, que seria a sua marca registrada na cozinha, desconfio que, com as devidas adaptações, Dona Iracema possa ter pegado dicas de como fazê-lo com alguma vizinha, ou em algum livro de receita, dos tantos que colecionava. Ou então, fã que era das novas mídias, até mesmo lido alguma coisa a respeito na internet. Também nunca é demais pensar que, tantas gerações depois, o velho e bom sangue português, há muito adormecido, finalmente possa ter se manifestado no seu inconsciente, e ela mesma, Dona Iracema Aguiar de Oliveira – e por que não, tenha de fato e de direito inventado como se fazer esse delicioso arroz com bacalhau. Seja como for, aí segue a receita, tal ela passou para nós e que, quando bate aquela saudade, as minhas irmãs e eu, obviamente que sem nunca chegar aos pés do original, às vezes nos arriscamos a preparar. INGREDIENTES

MODO DE PREPARO

Um quilo de bacalhau do Porto desfiado e dessalgado. Para tirar o sal, deixe de molho, dentro da geladeira, de um dia para o outro, trocando algumas vezes a água.

Recomenda-se dar uma ferventada no bacalhau, para um leve cozimento; depois deixar escorrer e, se necessário, retemperá-lo com um pouco de sal com alho.

Separar três xícaras de arroz branco cru, lavar e deixar secar. Duas cebolas picadinhas e levemente fritas no azeite. Mas cuidado para não deixá-las queimar, senão perdem o sabor. Três cabeças de alho, também picadinhas e levemente fritas no azeite, também sem deixá-las queimar. Quatro xícaras e meia de água. Uma xícara de queijo parmesão ralado. Uma xícara de azeite extra virgem. Um pimentão verde, vermelho ou amarelo, picadinho. Uma xícara de chá de azeitonas pretas pequenas.

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Em um pirex grande, misturar todos os ingredientes. “Não se assustem com essa mistura, pois, a princípio, pode parecer um pouco estranha, até mesmo feia”, costumava dizer a mamãe. Em seguida, cobrir com papel alumínio e levar ao forno pré-aquecido. Quanto ao parmesão ralado, pode-se deixar para espalhá-lo no pirex cerca de uma hora depois, quando a água já estiver quase seca. Depois é só servir, e apreciar a comida. Obs.: Como a cozinha permite novos experimentos, recentemente minha mulher e eu resolvemos inovar e substituímos o arroz branco pelo integral, e acrescentamos uma porção de lentilhas. Também ficou muito bom. Só que demora um pouquinho mais para ficar pronto.


Peixada Capixaba, a musa da culinária brasileira Juliano Azevedo

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elicíssima. Um adjetivo superlativo que significa “quem é muito feliz”. Um estado de espírito que combina com uma mineira, nascida em Mutum, que tem alma e existência capixaba. Mãe de uma grande família, avó, costureira, cozinheira e tantos outros atributos que ela desempenha com sorrisos. Ela é uma mulher feliz. Pela vida, por ela mesma, que faz piada de tudo. Foi batizada Felicíssima no cartório, na igreja, no cotidiano. Abençoada com um nome altoastral, transborda esse sentimento por onde passa, com quem convive. Apelidada “Dona Feliz”, pelos íntimos, é sortuda por tantas qualidades, principalmente, na culinária. Afinal, em sua cozinha mistura o conhecimento das Minas Gerais com os sabores do Espírito Santo e vice-versa ao contrário. Ela me ensinou a fazer a verdadeira moqueca capixaba. Revelou segredos da receita que sabe de memória. Pode ser clichê, mas é impossível não dizer que “a primeira vez a gente nunca esquece”. Recordo-me do cheiro, do gosto, do dia, da experiência da minha derradeira primeira garrafada em uma moqueca. Viagem de descanso, feriado de Nossa Senhora Aparecida, hospedagem em Marataízes. Em um quiosque na Lagoa do Siri, que ficava à beira-mar, no litoral sul, almoço tardio, deslumbrando a paisagem do pôr do sol. Moqueca com camarão, arroz branco, pirão, farofa de banana-da-terra. Amigos reunidos no início dos anos 2000. Fecho os olhos e tenho a sensação de ouvir a fervura do molho fumegante na panela de barro. A brisa, a areia nos pés, o sal no corpo. A combinação que relaxa. Se alguém me perguntar qual é a minha comida predileta, respondo sem pestanejar: “Gosto de tudo, saboreio o desconhecido, vivencio o que é típico de cada lugar que visito, mas a moqueca capixaba tem um espaço guardado no coração”.

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Fábio, filho caçula da Felicíssima, sempre exaltando os dotes gastronômicos da mãe, dizendo que ela fazia a melhor moqueca do mundo. Eu salivava de vontade, de curiosidade de comer tal iguaria. E nada! Serviam macarronada, maionese e bife nos domingos em família. Após cinco visitas, eu já abria a geladeira, sentindo-me membro honorário da casa. Com tamanha intimidade, certa vez, sugeri, sem vergonha, que no almoço houvesse moqueca. A tal famosa, que nunca aparecia nas ocasiões em que meu estômago faminto viajava até Cariacica, cidade onde meus amigos moram. Meu pedido tão sonhado foi atendido. Fomos aos ingredientes. Na ida ao supermercado, aprendi a escolher o peixe – robalo, cação, dourado, namorado (pode ser de qualquer espécie) – do rio ou das águas salgadas, porém, os melhores são aqueles consistentes, de cor clara, com sabores enaltecidos. Cortados em postas generosas. Existe uma briga em todo o Brasil para se descobrir a origem da moqueca. Capixabas e baianos defendem a originalidade de suas receitas. Os primeiros utilizam poucos ingredientes. O povo da Bahia acrescenta azeite de dendê, leite de coco e pimentão. O nome do prato é indígena: “moquear” é deixar a carne do peixe assar/cozinhar calmamente em seu próprio suco. Outros pesquisadores alertam que a ideia é africana e os escravos que são os donos da invenção nas terras tupiniquins. Eu aprecio todos os tipos, inclusive o de camarão, o de lagosta, o de bacalhau, até o vegetariano. Na cozinha, vale é o paladar. E moqueca é sinônimo de felicidade. No preparo, também ouso dizer que a quantidade dos ingredientes varia de acordo com as companhias, do lugar, da bebida que harmoniza com a refeição, da fome. Você pode estar sozinho e comer um quilo de peixe, por exemplo. Eu faço moqueca do tamanho da minha panela de barro. Beeeemmmm grande. Por isso, dá para servir de seis a oito pessoas com bom apetite. Antes de preparar o prato principal desta conversa, outra memória afetiva me tocou. A lembrança da compra da panela. Para fazer moqueca, basta uma vasilha aberta e profunda. Entretanto, as de barro dão um sabor diferenciado. A da minha casa foi adquirida em uma loja especializada que fica na estrada que corta Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto. Na volta de uma viagem inesquecível. INGREDIENTES

Alho, cebolinha e coentro

Peixe (robalo, cação, dourado ou namorado) – a quantidade depende dos convivas.

Limão

Farinha de Rosca

Farinha para o pirão Leite de coco Camarões pequenos

Azeite de oliva

Óleo de Urucum

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Felicíssima me ensinou a empanar as postas, para que o peixe ganhe firmeza e sabor. Antes, é preciso limpá-lo com limão. Depois, temperar com pouca água e um pouco de sal. Mergulhar as postas nos ovos batidos, passar na farinha de rosca, em seguida na farinha de trigo. E assim começo o cozimento. No fundo da panela, vai azeite; alho, cebolinha e coentro (para quem gosta como eu), cebola de cabeça – todos bem picados, e sal. Acomodo o peixe nessa mistura. Por cima, tomate, pimentão (vermelho, amarelo, verde), cebola, tudo em rodelas, fazendo camadas. Vale colocar mais cebolinha, coentro e regar com azeite e suco de limão, deixando essa preciosidade descansando por uns vinte a quarenta minutos. Acenda o fogo e se prepare para se deliciar em poucos minutos. Deixe o peixe em fervura no próprio caldo, que será usado também para fazer o pirão. Coloque pouca ou nenhuma água nessa receita, pois o suco que sai do peixe já é suficiente para cozinhá-lo. Finalize com salsa.

Quer inventar sabores e variar? Substitua o azeite comum por azeite de dendê. Para finalizar, antes da fervura, coloque leite de coco. Na versão capixaba, pode-se também dar um colorido com uma mistura de óleo com urucum antes de levar o peixe para o fogo. Certa vez, coloquei molho de tomate por cima dos peixes empanados. E ficou bom. Acrescente camarão, do jeito que seu bolso possa pagar. Use bacalhau. Ouse usar banana-da-terra misturada ao caldo. A receita do pirão, da farofa, do arroz, é ao seu gosto. Feche os olhos e imagine os cheiros, os sabores. Sou mineiro, de Bom Despacho, apaixonado pelo Espírito Santo. Trago de lá as receitas que experimento nas montanhas que embelezam as Gerais. Amo moqueca e cozinhar. Certamente, por esses motivos, sou “Felicíssimo”. “Sahteyn”, saúde duas vezes para você, e buono appetito!

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Fotos: Elaine Castro Garau

MODO DE PREPARO


Bacalhau gaúcho-português Valter Lockmann

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oi numa manhã de agosto de 1969, em Porto Alegre, na cozinha de casa, tomando a primeira refeição do dia que meu pai falou pra nós, eu, minha mãe e meu irmão: “Vamos mudar para o Rio de Janeiro, onde o Jornal vai abrir uma sucursal”. E em seguida já propôs que eu e meu irmão fôssemos trabalhar com ele. No meu caso já estava planejado por ele um estágio na redação do Jornal do Comércio. Meu primeiro mestre e chefe, onde dei os primeiros e erráticos passos no jornalismo, nunca esqueci: Roberto Brenol de Andrade (este sobrenome vai me acompanhar na profissão). Mas, no início da carreira, o que a cozinha tem a ver com jornalismo na minha vida? Nada. Porém, com o tempo, já na TV Globo, bem que gostava de gravar matérias de programas especiais com receitas diferentes e aproveitar e ir aprendendo dicas com alguns mestres da culinária. A história que vem em seguida se relaciona com a receita do bacalhau que no final vou passar, é diferente e até curiosa. Um pouco antes de saber que ia começar meu aprendizado, recebi um convite que seria improvável que eu aceitasse. Em meu último ano no Rio Grande do Sul, morava num bairro da zona sul de Porto Alegre que se chamava Ipanema, localizado às margens do Guaíba, e também era uma praia – na época ainda não tinha se tornado imprópria pra banhistas. Ipanema tinha um clube: SABI (Sociedade Amigos do Balneário Ipanema). Foi organizada uma noite portuguesa nesse clube: fados, bacalhau e vinho. E daí? Daí é que: o que vai fazer um adolescente que curtia rock e até havia participado como vocalista de uma banda, em uma noite típica para coroas – meu pai e minha mãe é que me convidaram. (E foi convite mesmo, não foi imposição). Será que eles sabiam algo mais sobre mim que eu mesmo não sabia? É pra rir, né, não? É claro que sabiam

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125 Foto: Marcos Alvarenga


e muito – adolescentes sempre acham que são sabidos. E às vezes são mesmo, mas não se aplicava a mim. Por fim, a tal noite portuguesa me impactou de um jeito inesperado: além de me confirmar romântico e, surpresa, ter gostado da música, ficou o sabor do bacalhau. Na verdade, que eu me lembre, bacalhau nem era algo que gostasse muito. Afinal, bacalhau era e continua sendo muito caro; portanto, só mesmo na Semana Santa. Com essa mudança para o Rio, o meu negócio em termos culinários era só comer. Não tinha tempo de sobra. Tinha de trabalhar, estudar e fins de semana era dedicado ao montanhismo. Mas isso não impedia de vez em quando observar minha mãe e, não raro, meu pai atuando na cozinha – na verdade tinha essa curiosidade desde a infância. A experiência no jornal durou em torno de um ano. Em seguida, fui parar em televisão pra trabalhar com imagem, pois já era fascinado por fotografia – meu cunhado era de uma família de fotógrafos com origem em Passo Fundo/RS, terra do grande e inesquecível Tarso de Castro, fundador do também inesquecível Pasquim. Mais uma vez apareceu um Andrade na minha vida profissional, dessa vez, José Andrade. Repórter cinematográfico do qual fui aprendiz e assistente, como o meu primeiro mestre, este, também, um grande profissional. Para voltar para a cozinha e para o bacalhau, foi o fato que casei com uma carioca filha de um português. Meu sogro, como todo bom português, amava bacalhau. E a filha fazia um muito bom. Mas o da Dona Julieta, minha mãe, que eu via fazendo desde criança, era inigualável. Aliás, o da minha mãe tinha uma característica interessante, a gente costumava comer frio. E olha que, como havia dito antes, não ligava muito pro bacalhau. Foi com a filha do português que aprendi a gostar e muito de bacalhoada. Afinal, era gostar ou ficar com fome. Daí eu mesmo comecei a dar os meus palpites e a tomar gosto pela cozinha. E aquela receita antiga da família da minha mãe foi sendo modificada um pouco ao longo do tempo. Depois com algumas experiências, nem todas bem-sucedidas, cheguei a um resultado que geralmente agrada bem. Embora, óbvio, é sempre bom lembrar que uma boa bacalhoada só funciona com bacalhau de primeira. Com bacalhau inferior acontecem duas coisas: primeiro que não é bacalhau, e, em segundo lugar, a dessalga é mais complicada. A metade do sucesso de uma boa bacalhoada vem da qualidade do bacalhau. E segunda dica é responsável por quase todo o resto do sucesso da bacalhoada: que é a dessalga. Os pedaços não devem exceder o tamanho de um punho fechado como nas Punhetas de Bacalhau, da Mana Coelho, mais à frente.

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INGREDIENTES 1 quilo de bacalhau do Porto (Deve ser lavado em água corrente, e, então, posto de molho. A quantidade de água para dessalga deve ser em torno de o dobro do volume do bacalhau. A primeira água deve ser trocada entre seis a oito horas depois do começo da dessalga. A segunda água depois de oito horas, aproximadamente. Daí deixa-se por mais umas seis horas, no máximo. Algumas pessoas erram ao dessalgar quase totalmente o bacalhau. O sabor vai pelo ralo da pia junto com a água). Batatas Pimentões (vermelho e amarelo) Cebolas Ovos cozidos Salsinha

As cebolas, os pimentões – uso os vermelhos e amarelos e azeitonas são na quantidade para compor as camadas, e não dá para passar uma quantidade muito específica. Aí vai da sensibilidade de cada um. É meio no “olhômetro” mesmo. Mas as cebolas, já cortadas em rodelas, devem ser deixadas de molho em água fria, com um pouco de vinagre de álcool branco. É montado assim um pirex: primeiro, as rodelas de batata forrando o fundo. Depois, as lascas de bacalhau, e então entram as rodelas de cebola; os pimentões cortados em tiras não maiores do que três dedos de comprimento. As azeitonas sem caroço cortadas ao meio, espalhadas. Pense nessa montagem como se estivesse pintando um quadro, ou ainda como alguém que está montando aqueles tapetes de serragem colorida por onde passam as procissões das nossas cidades em festas religiosas.

Panela com água para cozinhar as batatas, que devem ser um terço a mais do que o peso total do bacalhau dessalgado. Por exemplo: 1,3 kg de batatas para 1 kg de bacalhau dessalgado.

Não esqueci dos ovos cozidos, não. Porém, só vão no fim de tudo e depois que você montou com os outros ingredientes e cobriu, na última camada, com salsinha picadinha. Também, é claro, deve cobrir depois da salsinha com muito azeite extra virgem, tentando envolver bem todos os ingredientes.

A água tem de começar a ferver para só então botar o bacalhau. Cozinhar por dez a quinze minutos (dependendo do tamanho das peças). Reserve essa água para cozinhar as batatas.

Um detalhe da maior importância é que essa montagem deve ser feita na véspera. No dia, é só levar para o forno, em torno de duzentos graus, no máximo por meia hora, não mais do que isso.

Depois de cozidas, mas ainda estando firmes. Corte as batatas em rodelas de + ou – ½ cm de espessura e reserve.

E os ovos? Saíram do forno ovos recémcozidos em rodelas por cima. Mas tem uma dica importante de que eu estava me esquecendo: no forno, a bacalhoada vai coberta com papel alumínio.

MODO DE PREPARO

O bacalhau deve ter as peças depois de esfriarem um pouco, desfeitas em lascas – nunca desfiado. Tem de ser em lascas mesmo.

E é isso.

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Cochinita Pibil Márcio Metzker

Q

uando a gente era estudante, passava fome ou mastigava qualquer coisa que encontrasse, até talo de couve crua. Já fui para um acampamento de três dias na Serra do Cipó no qual todo mundo levou bebida, mas oito tiveram de compartilhar uma mísera lata de sardinha com pão seco. Numa madrugada de boemia, varados de fome e sem uns trocados nem para um viscoso caldo de mocotó, acabamos comendo um “espaguete à bolonhesa” na casa de um amigo. Ele tinha o macarrão e a massa de tomate, mas não tinha carne moída. Subrepticiamente, desmanchou na panela uma generosa porção de ração canina Bonzo e todo mundo encheu a pança, embora suspeitando daquele gosto esquisito. Depois de ruminar a gororoba dos bandejões universitários por anos, jurei que meu objetivo como profissional seria ganhar o suficiente para comer à la carte. O bandejão de hoje é o self-service que sempre procuro evitar. Viajando por países caros, a grana é regrada pra hot dog, hambúrguer ou pedaços de pizza. Mas sempre procurei comer direito pelo menos de três em três dias. Acreditem se quiserem, mas já comi muito mal na França e na Itália. Em Paris, uma amiga francesa nos convidou para um frango esbranquiçado, duro e insípido com couscous argelino. Dias depois, ela quis repetir o cardápio e tive de alegar indisposição. Numa cidadezinha encantadora da Toscana, o garçom teve a petulância criminosa de esquentar um macarrão congelado no micro-ondas e cheguei a Pisa com a boca cheia de aftas. Acho que um bom conhecimento da geografia e da história dos países que estamos visitando nos permite escolher bem as comidas e até arriscar adivinhar a receita para fazer os pratos em casa. Me dei bem com o lomo saltado do Peru e com o bife de chorizo argentino, embora não disponha de uma parrilla com brasas em baixo, atrás e dos lados da grelha. No entanto, a receita que vou compartilhar com vocês é mexicana, a cochinita pibil, inventada em Yucatán. Leva 14 ingredientes, dos quais três são pimentas.

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No filme Era uma vez no México, o personagem de Johnny Depp pede esse prato e gosta tanto que mata o cozinheiro para que ninguém mais possa degustá-lo. Nos extras do filme, o diretor Robert Rodriguez passa a receita. Fui anotando os ingredientes e fazendo várias tentativas, até conseguir um resultado satisfatório. Acontece que ninguém sabe que tamanho têm os limões no México, nem o grau de “picância” das pimentas. Descobri que a pimenta habanero equivale à baiana Três-Não-Comem. Cuidado quando for cortar e tirar as sementes. É melhor usar luvas. Caso contrário, durante três dias você não poderá coçar os olhos. A pimenta da Jamaica quase não arde, confere aroma e pode ser encontrada no Mercado Central. Quanto melhor a tequila, mais cheiroso fica o pernil. E a imensa quantidade de urucum dá cor à carne, enquanto as folhas de bananeira dão o charme. Hoje a cochinita é um dos meus musts, embora ninguém tenha atirado em mim. Cumpre os requisitos básicos dos melhores pratos: em primeiro lugar, o sabor. Em segundo, o aroma. Em terceiro, a boniteza.

Foto: Arquivo Pessoal

E também é muito prática, porque você começa a preparar às seis da manhã e coloca no forno às dez. Depois disso tem quatro horas para fazer os tira-gostos, as saladas e receber os amigos com margaritas generosas, servindo às 14h.

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INGREDIENTES

MODO DE PREPARO

2,3 kg de pernil de porco, cortado em cubos de mais ou menos 5 centímetros.

No liquidificador, misture as pimentas habanero com o suco de laranja, vinagre, alho e o sal. Como as habanero são extremamente picantes, dispense suas sementes e a parte branca.

5 colheres de sopa de urucum 2 colheres de chá de cominho 1 colher de sopa da pimenta-do-reino

Acrescente também as especiarias secas. Por último, o suco de 5 limas (que podem ser substituídas por limões) e a tequila.

1/2 colher de chá de cravos da índia 8 pimentas da Jamaica 2 pimentas habanero, frescas ou secas, limpas e picadas. SEGREDO DO MOLHO 1/2 xícara de suco de laranja

Coloque o pernil em um saco grande (tipo ziplock) e derrame o molho em cima. Sacuda, deixe curtir em torno de 4 horas na geladeira, se lembrando de ir girando várias vezes para que ganhe o sabor por igual. Numa assadeira, disponha as folhas de bananeira, sobrando para poder fechar como se fosse um envelope. Coloque no meio o conteúdo do saco que descansava na geladeira e cubra com outras folhas. Depois, cubra com papel alumínio. Asse em um forno a 160 ºC por 4 horas.

1/2 xícara vinagre branco 8 dentes de alho 2 colheres de sopa de sal 5 limas ou limões 1 dose de tequila de boa qualidade Folhas de bananeira.

Foto: Arquivo Pessoal

Pronto! Sirva com arroz branco. Ninguém vai atirar em você.

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Vamos falar de culinária exótica?

“Queijo de leite de búfala? Deixa isso pra lá! Meu estômago fica todo embrulhado.” (Reação de dona Jerônima, doméstica)

Cezar Vanucci

O

amável convite é para jantar regado a transbordantes taças de bebidas finas e culinária sofisticada na base de carnes exóticas. “Regabofe pra neguinho nenhum botar defeito”, assegura, orgulhoso, o promotor do evento. Agradeço, penhoradíssimo, mas tô fora. Não “se dou bem”, como se diz em dialeto roceiro, com comilança extravagante. Carne de javali, ou de avestruz, rã, jacaré, queixada, codorna, perdiz, capivara, tatu, tartaruga, polvo, coelho, nem pensar. Iguarias que tais não fazem parte, de jeito maneira, da dieta do neto predileto de dona Carlota. Um amigo chegado, que estranha muito minhas idas constantes a restaurante japonês para saborear sushi, garante que ainda não me dei conta da predisposição que carrego para práticas alimentícias estritamente vegetarianas. Sustenta, convicto, que na hora em que me dispuser, espírito desarmado, a ver o documentário A carne é fraca, essa inclinação fatalística naturalmente aflorará. Com inaudita impetuosidade, diz ele. E com desdobramentos práticos impensáveis. “Aconteceu comigo” – acrescenta – “e com muita gente boa por aí”. Esperar pra ver. Volto ao sushi para confessar que, em mais de uma oportunidade, esses saborosos enroladinhos de arroz com tiras de peixe cru já me puseram no foco de situações pra lá de desconcertantes. Tanto é que resolvi, de tempos a essa parte, pensar algumas vezes antes de convidar alguém para degustar, em casa de pasto nipônica, seus famosos acepipes. A assimilação de processos culinários diferentes, meio assim à queima-roupa, é para a maioria das pessoas, dificultosa pacas. Por inevitável associação de ideias, estou me lembrando de que a carne de paca está também inexoravelmente excluída de meu cardápio. Trago para o leitor, a propósito, amostra de uma situação danada de embaraçosa, vivida anos atrás. O constrangimento correu por conta de uma sugestão

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precipitada, posto que muito bem intencionada, oferecida a grupo respeitável de amigos e conhecidos que demonstrou interesse em participar de um jantar suculento após dia inteiro de fatigante esforço físico e mental. Éramos umas dez pessoas. Saíamos, naquele momento, da Casa da Indústria, após uma rodada de negociação em torno de contrato coletivo de trabalho com os representantes de aguerrida corporação profissional. Minha a sugestão: por que não comemorar os bons resultados da reunião recémencerrada num restaurante oriental? Todo mundo topou a ideia. Antes não tivesse topado. Já que os pratos constantes do menu eram vistos como baita novidade pela totalidade dos comensais, sobrou para o único componente da turma a apregoar as excelências da comida a responsabilidade pelos pedidos. A encomenda foi feita no capricho. Iguarias coloridas e aromáticas foram tomando a mesa debaixo de olhares, a princípio, curiosos e, depois, meio assustados. O saquê da entrada foi sorvido com uma nesga de desconfiança, por um que outro convidado. Mas ninguém, ninguém mesmo, se aventurou a tocar, com garfo, colher, faca e, muito menos, com os tradicionais hashis, nas porções de peixe cru, abundantemente espalhadas. A relutância se estendeu por um bocado de tempo. Impasse criado, o jeito foi mandar acondicionar a comida para fins de doação, fechar a conta e levantar acampamento. O apetite do pessoal acabou sendo saciado, quarteirões adiante, numa churrascaria. Aquele contato imediato de terceiro grau com a radicalizante novidade da comida japonesa deixou muito bem evidenciado não ser nada mole, pra muita gente, encarar de hora para outra proposta culinária diferente. Oportuno anotar, a esta altura, o sucedido com dona Jerônima, passadeira de roupa, uma tarde dessas. Na casa em que presta excelentes serviços, serviram-lhe, no lanche da tarde, um queijo de delicioso sabor. Esqueceram de dizer-lhe que era feito com leite de búfala. Ao tomar conhecimento da “novidade”, já na degustação do terceiro ou quarto pedaço do produto, quase teve um troço. Não conseguiu dar por finda a tarefa do dia, tais os incômodos sofridos, tratados com muitas doses de bicarbonato. Em tempo: não averiguei na época, mas gostaria muito de ter ficado sabendo qual teria sido mesmo a reação das pessoas do albergue ao qual se encaminhou, naquela noite do jantar, a opulenta encomenda culinária estrepitosamente rejeitada no restaurante. PATO LAQUEADO & GUISADO CANINO “[...] sofre grande perda quem não consegue provar o pato laqueado de Beijing.” (Ditado chinês)

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Volto, nestas maldatilografadas, aos pratos exóticos. Peço permissão para falar de duas atordoantes experiências gastronômicas. Ambas passadas na China. Antes de mais nada, toca-me confessar, em lisa verdade, ser um apreciador entusiasmado da chamada “comida chinesa”. Tive, a propósito, baita surpresa quando, visitando a China, constatei, desconcertado, não existir ali “comida chinesa”. Pelo menos, “comida chinesa” com essa configuração de pratos que nos é oferecida aqui em nossas bandas. Pratos que, bem provavelmente, representem variáveis, com adaptações ao jeito ocidental, dos tradicionais sabores de origem. Outra surpresa e tanto: por mais que procurasse, não encontrei, também, na viagem ao império do Centro, um estabelecimento que lembrasse vagamente nossas manjadíssimas “pastelarias chinesas”. E pensar que esses pontos de venda especializados em apreciadíssimos quitutes fritos acham-se espalhados por tudo quanto é canto do imenso continente brasileiro! Cheguei, na ocasião, à conclusão de que na China não existe, também, “pastel chinês”. Mas, se não existe “pastel”, existem no pantagruélico cardápio chinês, de gosto, aroma e colorido via de regra sedutores, iguarias bem extravagantes, a começar com os guisados de cachorro e a arrematar com o famoso “Pato Laqueado”. O grupo de turistas de que fazia parte foi levado a conhecer, em Pequim, o mais antigo restaurante do mundo. Célebre, além da espantosa longevidade (mais de mil anos, segundo o guia) pela preparação de um acepipe decantado, mundo afora, em verso e prosa, como o supremo e mais nobre instante do requinte culinário: o Pato Laqueado à moda pequinesa. A origem desse prato, uma referência cultural relevante, se perde no fundo dos tempos. Um ditado popular chinês apregoa que quem não visita a Grande Muralha sofre grande perda, mas a perda é ainda maior para aqueles que não conseguem provar o Pato Laqueado de Beijing. Pois bem, este despretensioso escriba de quimeras agarrou-se, emocionado, aos ganhos humanísticos óbvios que a visita inesquecível à portentosa Muralha proporciona, mas não se sentiu ilaqueado (sem intenção de fazer trocadilho), hora alguma, ao não conseguir provar, por falta de um mínimo de entusiasmo, o Pato Laqueado de Beijing. Levaram-me a ver as aves estiradas nos varais, ali deixadas dias a fio para receber o tratamento aromático que antecede a ida ao fogão com achas de lenha frutíferas. Não gostei do que vi. Perpassou-me pela imaginação a desagradável sensação de que a posta de carne à vista estava pendurada desde a inauguração do restaurante. Não comi e não gostei. Fiquei com o estômago meio embrulhado. Entre os que comeram, houve quem também não apreciasse nadica de nada a famosa iguaria.

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Num outro momento gastronômico indesejável, vi-me, de repente, em magnífico hotel na cidade de Chengdu, próximo da fronteira com o Tibete, numa mesa de refeições onde o prato de sustentação, a pedido dos comensais, era simplesmente carne de cachorro. Casquei fora, outra vez. Para evitar equívocos desagradáveis, limitei-me a pedir à linda garçonete, envergando colorido e charmoso traje típico, torradas com chá. Mesmo em se tratando de torradas, cá pra nós, não foi nada fácil digeri-las, diante da incomum voracidade das pessoas atraídas pela novidade do guisado posto na mesa. A lembrança da cena do jantar acompanhou-me, manhã seguinte, no voo para Lhasa, no Tibete. No lanche de bordo, serviram aos passageiros um petisco que lembrava a carne de sol de Montes Claros. Acabara de pedir repeteco do petisco quando o comandante anunciou que estávamos a sobrevoar a deslumbrante cadeia do Himalaia, aconselhando os passageiros a se dirigirem às janelas para contemplá-la. Não consegui desfrutar por inteiro da deleitosa visão. Bateu-me, de repente, a perversa suposição de que o naco de carne ingerido era de algum frigorífico provido de canil. Fiquei meio mareado e só aquietei o espírito quando a aeromoça chinesa me explicou, amavelmente, que a carne ingerida era bovina. Antes da explicação, vi-me apoderado de incontrolável mal-estar. O “pânico” foi de tal tamanho, gerou sensação tão desagradável, que me pareceu, na hora, irrelevante a alucinatória hipótese de que o avião das Linhas Aéreas Chinesas pudesse chocar-se com o pico do Everest. Pra vocês verem...

Pessoal

Deixei-me tomar, ali mesmo, daquele estado de espírito que, de quando em vez, “acomete” inveterados tabagistas e que acaba compelindo-os à “inabalável” decisão de parar com o hábito. Abstive-me de comer carne. Por algum tempo. Deu recaída.

Foto: Arquivo

Foto: Arquivo Pessoal

Semanas mais tarde, em Belô, com amigos chineses, donos de restaurante, comentei o episódio. Eles pediram pormenores a respeito do lanche. Consultaram-se com olhares, estabelecendo consensualmente a opinião de que a carne servida no avião era mesmo de cachorro.

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Doces dos tempos de antanho Rogério Zola Santiago

A

Cristalizada abóbora, laranja, limão e coco – variação de notas, tonalidades envidraçadas; cocadas, claras e escuras. Olho-de-sogra, bala-delícia, repuxo do corpo da mulher escrava do ofício – avental barriga de carvão esfolado ao fogão de lenha – tachos areados, mãos encardidas a dar prazer ao comprador. Dona Gema e sua Irmã Clara, dupla de cozinha no forrado dos estômagos santaluzienses. Mucosas em preciosismos tirados à ponta de facão alça de gamela, mármore para o corte preciso do glicosídeo. Biografia e motim com fumaça de fundo, camélias a tremular. Rosas-do-japão no jardim remoto, de entrada à fábrica-moradia com os fornos baixos, corcovas rumo aos tachos. Quente dor na

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Foto: Ruth de Souza

ntecedia a Cora Goiana, a Judia Maria, carimbada pelo nazismo no braço, tinta roxa impregnada. Ambas de tacho, Donas Marias, caneta e açucaria. Havia também Dona Gema de Santa Luzia. Dona Maria, desconhecida memória. Gema, dos afamados canudinhos de doce de leite. Guloso, espreito-as porvindouras do à toa dos anos prévios ao diabetes de meus pais. Guardo e resguardo. “É pro Santo!”, Dona Maria cospe de lado o fumo. E mexe o doce. Raladas cascas arremessadas da bacia ao quintal num movimento de braços, aguada de figo agastado na areia para retirada do entojo. Recebem-nas essas águas desprezadas a abóbada transparente do lado de fora, segundos verdes ao ar, acre-leite corroído ao figo-fêmea. Malévolo o figo macho que empola. Fêmea que aceita fazer-se doce. Compotas em lata, ou algumas – cristal com tampa. Laranja candente, ardida gastada casca de jaca – jogada fora por mãos sem medo de se machucar na ralação.


barriga apetecida – goles licorosos (letrados). Águas afora pitadas de relento “a despois” da porta enfiada no adobe da parede. Afinares goela abaixo. Manhã esboçada de 1959, despedida, hora de voltar à Rua Campos Elísios, 616, – entre vezes de ficar mais após o aflito materno grito lá de cima: “hora do almoço!”. Virada de pescoço, ouço o rugido da sobremesa histórica, chamado que regurgita Cora, Gema e Mães Marias: “Sus ojos tristes, sus doces. Mis madres”. As palavras comidas podem demudar o sobreviver numa poda de giro. Tesoura e podão. Manobras ingeridas ou arremessadas. Alocuções irreproduzíveis (a despeito da cor ou sabor que tiverem). De algumas não haverá registro. Os canudos e as línguas de fora (de sogra, coco e ameixa) perder-se-ão na inoperância dos governos inaptos ao preservar sabores e receitas do afazer melado. Na descida da Alma a Terra, garantem Sônia Viegas, Platão e a Música, lembranças de sons (e de açúcares) acabam por achar o caminho certo rumo ao teclado. Esculpem letras, cobre e tino, tique-taque na colisão dos mordidos abocanhados à memória de Santa Luzia, Protetora do Olhar. Donas Luzias Santas, do casario esplêndido, descendentes de bandeirantes briosos e escravas mazelas afeitas ao Rio das Velhas de Sabarabuçu. Vou subir escada e bater à porta do doutor Secretário de Cultura do Estado de Minas Gerais. Quem sabe ainda há tempo de impedir o desmazelo do não tombar à memória esse espólio do melado acalanto?

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GELEIA DE JABUTICABA SABARENSE (Pela luso-brasileira Sra. Renilde Miranda de Almeida Zola) INGREDIENTES E MODO DE FAZER Apanhe do pé uma panela e meia. Pode pegar do chão: são as mais doces. Lave. Amassar bem com as mãos limpas, pode usar amassador em panela grande para soltar o leitoso. Não despreze frutas, ainda que já avermelhadas, meio que passadas: use tudo. Ferva bem até sentir o aroma de mato a arejar essência jabuticabeira. Cozinhar por uma hora. Resfrie. Coar: pode ou não deixar caroços e cascas, um quarto do conseguido, ou utilizar só o suco da cor do vinho do Porto. Este suco serve também de base para o licor.

Adicione três ou quatro xícaras de chá de açúcar cristal, bem cheias. Opcional: só um cravo e um pedacinho de pau-de-canela. Deixe ferver até dar liga de fio. Fio caindo da colher de pau sem se quebrar (cuidado para não virar bala). Coloque na pedra da pia e veja se, ao resfriar, já deu ponto de geleia. Cascas e caroços darão o toque diferente (receita de Mariza Guerra) a seu produto bom de passar em pão, bolacha, e carne, caso acrescido de pitada de tempero completo com pimenta-do-reino. Faço, e bem!

TORTA DE RICOTA Ruth Barros Promessa é dívida. Então vamos encerrar a refeição do bouef bouguignon e do “Caju amigo” com uma sobremesa? A “Torta de ricota”, claro. INGREDIENTES Meio quilo de ricota Uma lata de leite moça, mesma quantidade de leite 3 ovos Duas colheres de maisena Uma colher de licor, ou vinho ou uísque ou qualquer outro bebum. A receita do Arno leva açúcar, mas eu acho que o leite Moça é mais que suficiente.

E a calda também tem açúcar. Eu ainda ponho raspas de casca de limão, umas gotas de baunilha, noz moscada ou canela. Varia. E claro, o bebum também é de minha lavra. Se quiser, pode assar com passas ou nozes depois que a massa estiver batida. MODO DE FAZER Jeito caprichado de fazer. Separar as claras, bater em neve e o resto no liquidificador, depois colocar as claras delicadamente, de cima para baixo, en soulagent, como diz em francês, pas en tournant, quer dizer, não fazendo movimentos circulares para não murchar. Ele fica mais aerado e mais crescido depois de mais ou menos meia

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hora de forno em forma untada com manteiga e açúcar. Com preguiça, jogue tudo no liquidificador e forno. Se as bordas começarem a descolar da forma, sinal que está pronto. Cuidado para não assar demais, fica muito duro. Teste com

garfo ou palito. Geladeira depois, ideal de um dia para o outro, tendo cuidado de tirar antes de servir para recuperar a temperatura ambiente. Uma calda vermelha e umas folhas de hortelã em um prato bonito ficam cinematográficos.

TORTA ALEMÃ José Amaro Siqueira (Zinho) Já almoçamos (e bem) lá em cima. Agora é hora da sobremesa. Estou no terceiro casamento e tive a sorte de conviver com mulheres bacanas, tanto no trato como no fogão. Então, como gosto de cozinha, também aprendi, para a harmonia do casal (rsss) a fazer tira-gostos e sobremesas. Repasso, pois, a receita de uma torta alemã, que é muito elogiada por chocólatras de todas as idades.

PREPARO

INGREDIENTES

Num pirex, faça uma camada de biscoito e, por cima, uma de creme, e assim sucessivamente.

2 pacotes de biscoito Maisena 2 xícaras de açúcar

Bata a manteiga e o açúcar na batedeira até formar um creme bem branco (15 minutos, ao menos). Tire o soro do creme de leite e reserve. Misture o creme de leite com o creme branco (açúcar e manteiga). Misture o soro no licor e embeba o biscoito (e não você!). Se precisar, misture com um pouco de leite.

A última camada deve ser de biscoito.

2 latas de creme de leite 3 caixas de creme de leite 1 tablete de 200 g de chocolate amargo 1 pacote de manteiga

Coloque as 3 caixas de creme de leite e o chocolate picado em banho-maria até dissolver e misturar bem. Jogue em cima dos biscoitos.

Licor de chocolate.

Espere esfriar e coloque no congelador. Sirva após duas horas.

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Aquele que empapa Ludmila Carneiro

E

le reinou nas culturas Maias, Astecas e Incas e quer dizer em língua indígena caribenha “sustento da vida”. Cultivado há pelo menos 4 mil anos, saiu de ilhas perto da costa do México e foi se instalando pelo mundo com as suas 150 espécies. O milho. Esse alimento tão rico, tão gostoso já era muito utilizado no Brasil pelos guaranis, mas ganhou versatilidade nas mãos dos portugueses que se instalavam por aqui lá pelo século 16. Em tempos difíceis na Colônia, ele serviu como um ótimo substituto para a farinha de trigo e, com muita dignidade, virou broas, angu, empanados, pamonhas, polentas, pastéis, biscoitos. O Brasil é um país interessante desde o início. Essa farinha amarelinha era manufaturada pelos índios e foi gourmetizada pelos europeus através de maravilhosos preparos e ganhou um nome africano: fubá, farinha em Quimbundo, uma das línguas mais faladas em Angola. Agora pense bem, um indígena, um português e um africano tentando se entender sobre o que ia se chamar milho, o que era fubá, o que ia ser mingau! Impossível não se interessar pela nossa miscigenação. Mingau? Ouvi o mingau! Se você não sabe, mingau é uma palavra em tupi, língua mais falada no litoral brasileiro quando os portugueses chegaram. Em outras línguas ele é mais metido: Porridge na Inglaterra, Brodino na Itália, acho, Bouillie na França, mas lá na floresta é “aquele que empapa”. Desnecessário dizer que a comida não serve apenas para nutrir nosso corpo, é uma experiência que estimula nossos sensores mais escondidos e também alimenta nossa alma, nos conforta. Meu conforto vem “daquele que empapa”. Fiquei pensando se podia ser porque é um dos primeiros alimentos dados às crianças, se é um dos últimos a ser dado aos

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doentes, ou se é porque é carinhosamente chamado de “levanta defunto”. Mas, não. Meu conforto vem das minhas lembranças, do lugar frio onde morava, das manhãs úmidas e de sol de sempre inverno, do mar de montanhas onde cresci; da casa da minha avó, das minhas apresentações de balé, do coral, dos meus irmãos. Minha mãe fazia vários tipos de mingaus. O de Maizena dava nata e ficava meio translúcido. Parecia grude de colar papagaio, eu não gostava. O de aveia era muito empapado, tinha alienígenas, que eram as próprias aveias, e tinha uma textura um pouco emplastada. Mas dona Edelweiss, virando no prato aquele caldo quente, encorpado, aveludado, amarelo omelete, feito com leite integral, o alimento primordial, fubá, tirado do “sustento da vida” e açúcar, o doce veneno, caindo sobre uma camada de queijo Canastra picadinho e um naco de manteiga, encerrado com umas polvilhadas de canela, me acolhia. Nessa imagem eu vejo minha mãe, exatamente sendo mãe. Vejo nos seus olhos concentrados todas as mulheres que me antecederam, me acolhendo. Aquele mingau de fubá era tão quente, aquela manteiga ia se derretendo e o queijo Canastra, meu Deus, o sal que o açúcar precisava. Então, o cheiro da canela tomava conta de mim. Assim como uma sopa bem quente, tomar um mingau não é fácil. Tem o queijo, o mingau, a canela e a manteiga. Os quatro têm de caber na mesma colher, tem de ser misturados – os quatro – na boca, no nariz, na alma, ao mesmo tempo. No entanto, querer pegar o queijo no fundo do prato, por exemplo, faz com que o mingau que vem para a colher fique pelando. Se você pega por cima, onde está mais frio, a canela vai sobressair e isso não pode. A técnica, como sempre e como um bom mineiro, é comer pelas beiradas, misturar nos cantinhos pra não estragar a “apresentação” do prato, afundar um pouco mais a colher, entender que ainda está quente, soprar e ver no que dá. Só na boca a gente sabe no que dá! Já experimentei mingau com melaço, mingau salgado, bambá de couve, já tentei versão light, com adoçante, com leite vegetal. Mas quando começa o frio, quando as noites começam a ficar mais longas, minha memória me pede “aquele que empapa”, aquele que dança nos meus olhos de criança, aquele que hoje só a Dalva faz pra mim. Ela que é mãe de todo mundo, que sabe das coisas, que há mais de 15 anos me conforta, seja com comida, seja com afeto. Na minha casa, sopa é coadjuvante. O artista principal das noites de ventos frios, o mingau!

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141 Foto: Marcos Alvarenga


MINGAU DE FUBÁ

Leve ao fogo médio e mexa até ferver. Nesse momento, o mingau começará a engrossar, então baixe o fogo e cozinhe por mais 15 minutos.

INGREDIENTES 4 xícaras de leite (960 mililitros) 6 colheres de sopa de fubá

Se o mingau de fubá estiver muito grosso para o seu gosto, acrescente um pouco mais de leite. Caso contrário, acrescente fubá.

4 colheres de sopa de açúcar 1 pau de canela (opcional) 1 talo de canela em pó.

Retire o pau de canela, distribua pelos pratos e polvilhe canela em pó.

PREPARO

Foto: Marcos Alvarenga

Para preparar o mingau de fubá coloque, em uma panela, o açúcar, o leite, o fubá e, se quiser, o pau de canela (eu não coloco).

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Uma pitada de açúcar pode quebrar a acidez. Desfrute ainda quente e bom apetite!


Brigadeiro de capim limão da Neném Edilene Lopes

C

omo eu prometi , meu pai era chegado a um era serviço completo. Se já curtiu o café da manhã com bananas e a farofa do churrasco, vamos encerrar a refeição. INGREDIENTES

MODO DE PREPARO

1 caixinha de leite condensado

Em uma panela em fogo baixo, colocar o leite condensado, a manteiga e o suco. Mexer até desgrudar do fundo da panela.

1/2 copo de suco concentrado de capim limão cru

Sugestão: enrolar os docinhos e granular com açúcar e raspas de um limão. Rende 35 docinhos.

Foto: Irlene Lopes

1 colher de sopa de manteiga (não muito cheia)

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Foto: Paulo de AraĂşjo


Torta de amendoim Tecris de Souza

B

asta uma lufada com cheiro gostoso de infância para nos levar a lugares e situações que marcam a nossa memória familiar. Imaginem amendoim torrando sob os cuidados de mãos habilidosas, que faziam papoulas de papel crepom como enfeite, palmas para coroação de Nossa Senhora e lindas camélias em broches e aplicadas em bolsas de napa, além de nhanduti, uma rede de pequenos círculos em linha tecida com linha e agulha sob uma base redonda espetada de alfinetes que seguravam cada laçada. Tudo colorido, bem elaborado, criativo, elegante. Era coisa de artista: poetisa, artesã, professora, escrevia para teatro e jograis. Ela sabia costurar – ensinou o corte e bordado à Dindinha. Bordava forro de mesa, lençóis e roupas à máquina, bem diferente daquelas convencionais, de costura. Era um mundo à parte, a tia Marieta e seu quarto, na casa da vovó Maria Augusta, irmã com quem viveu boa parte de sua vida na casa no Prado, em Belo Horizonte. Primos e primas brincavam pela casa em tempo de férias, lá pelos idos de 1960/70. Nessa época, todos os anos, coincidiam a produção daquela exigente tia-avó para a festa da banda e as férias da meninada na casa da vovó. Mas quando começava aquele aroma de amendoim torrando... Huuumm!!! Todos se lembram que tia Marieta contava cajuzinho por cajuzinho para não deixar ninguém pegar o fruto do amendoim sem que ela soubesse. E fazíamos de tudo para ganhar um cajuzinho, mas nem sempre isso era possível. A não ser quando ela nos dava alguma tarefa. Os cajuzinhos tinham endereço certo: banda Euterpe de Santa Luzia, em Caetanópolis, da qual era madrinha. A cidade era Caetanópolis, mas a banda, de Santa Luzia, que também ficava num raio de cem quilômetros da capital. Euterpe para homenagear a musa da música e da poesia lírica, da mitologia grega. Talvez por isso, tia Marieta se esbaldasse tanto. Além de cajuzinhos, levava a sua poesia, música e flores para comemorar o aniversário da banda da

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cidade de Clara Nunes, que cantava sucessos como Morena de Angola e O mar serenou, pelo Brasil afora. Já a nossa tia-artista, com seus cabelos grisalhos, tinha uma silhueta parecida com personagem de desenho animado... Era magra, um coque grande na nuca, uma corcunda acentuada, pernas finas, quase sempre de saias retas e casaquinhos em algodão leve com mangas três-quartos. Usava óculos na ponta do nariz e costumava olhar por cima deles quando falava com alguém, pois a surdez acentuada atrapalhava o contato com as pessoas. E passava dias e dias mergulhada nos preparativos da festa. Tudo era feito por ela. Porque tia Marieta era perfeccionista, tinha um padrão de qualidade superdesenvolvido e, acima de tudo, gostava de ser madrinha da banda; tinha prazer de fazer cada item e zelava pelos detalhes. Começando pelas flores, os poemas, a encenação, as músicas e, por fim, os doces. Depois de tudo pronto, embalado, seguia de ônibus até Caetanópolis, onde no imaginário infantil ela era o centro das atenções e muito reconhecida pelo carinho e dedicação à festa de aniversário da Euterpe de Santa Luzia, cujo centenário aconteceu há pouco, em 2017. No quarto do meio, na casa da vovó Augusta, bandejas e mais bandejas cheias de cajuzinhos.... Contados! Isso só aumentava em cada um de nós o desejo de saborear um deles. Pura água na boca. Uma vez, para surpresa da meninada, a banda de Caetanópolis foi homenagear a tia Marieta, que à época morava na casa da sobrinha Yolanda Soares, na Barroca, em Belo Horizonte. Nunca ouvi dizer que alguém da família tivesse ido à “festa da banda da tia Marieta”. Parecia um lugar tão longe... Acho que ela preferia ficar à vontade com seus afilhados. Ela viveu mais de 85 anos. Ficou encantada e foi brilhar no céu da capital mineira, depois de morar alguns anos na casa da sobrinha Dulce Maria, em Sete Lagoas, cidade ainda mais próxima de Caetanópolis, o que facilitava as idas e vindas para apreciar sua banda querida. Talvez suas sobrinhas, filhas da vovó, tenham conhecido a festa. Nós, que éramos crianças, sempre vamos lembrar do sabor e do aroma do amendoim torrando, da tia Marieta enrolando cada cajuzinho e terminando com um pedaço bem sequinho dessa leguminosa, enfiado na base do caule. A nossa melhor lembrança da tia Marieta, contudo, não são os cajuzinhos contados, recontados e desejados. Estes eram da banda de músicos aniversariante. Ficamos com outra memória, também do amendoim torrando, mas muito mais gostosa e apreciada por todos: a torta com biscoitos maisena. Ela preparava em ocasiões especiais: aniversários, visitas importantes, Natal... Era um desses dias de

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alegria e prazer de toda a família, quando podíamos saborear essa sobremesa preparada de véspera e guardada na geladeira.

A torta de amendoim é uma receita de família, que adoramos e fazemos até hoje. Quer experimentar?! Siga as instruções: Preparar uma mistura de 500 g de amendoim torrado (descascado, se for o caso) e moído – batido no liquidificador – com duas latas de creme de leite, um pouco mais de meio tablete de manteiga e quatro colheres de sopa rasas de açúcar (orgânico, de preferência). Para montar a torta, use uma camada de biscoitos Maisena (Aymoré é o

indicado). Antes de dispor os biscoitos no fundo de uma travessa retangular de vidro transparente, cada biscoito deve ser molhado no leite, em um prato fundo. Depois, é só alternar a mistura cremosa de amendoim sobre os biscoitos várias vezes, sucessivamente, até encher plenamente a travessa. E finalizar com uma camada fina e suave de amendoim torrado e moído, salpicado sobre toda a superfície. Simples, saborosa e hipercalórica. Para a alegria da garotada!

Foto: Paulo de Araújo

PREPARO

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Porão, nosso território sagrado F

Carlos Felipe

oi em 1974 que tudo começou. Queríamos um lugar que fosse a nossa cara, o nosso jeito de ser. E o Alto do Glória, ou como diziam naquele tempo, o Picoto, era um desafio. Não existiam ruas, não havia água, nem telefone. Só luz elétrica. E nós – Maria Helena e eu – resolvemos. Vamos para lá e vamos começar tudo. Mudamos quando conseguimos colocar quatro cômodos, com chão de cimento batido, em condições de nos dar guarida. Foi das melhores coisas de nossa vida. E logo surgiu uma interrogação: onde vamos colocar os livros, discos, revistas e jornais que tínhamos? A decisão foi rápida. Faremos um porão e, em cima dele, iremos construindo quartos e coisas mais. No final de 1975, início de 76, a primeira parte do porão estava pronta e Dona Maria Roxinha, vizinha, amiga e mestra cozinheira, abriu um fim de semana fazendo um “Cansanção com frango”. Ao som dos violões dos vizinhos Célio Cruz e Tião Rodrigues. Ou seja, música, cultura, culinária. Tudo junto. Abria-se um ciclo que nunca parou. Enquanto lutávamos para conseguir telefone, ruas e água, iniciamos uma coisa que logo se tornou mania: reuniões de pessoas para cantar, tomar uma cachacinha e ouvir os discos em vinil na velha eletrola Garrard, até hoje em atividade E, é claro, degustar uma comidinha. TEVE ATÉ CASAMENTO CAIPIRA Os primeiros “artistas” eram os próprios moradores da região: Tião e Célio, Ricardo Preto e seu saxofone, Seu Joaquim lembrando velhas cantigas da Pedra Redonda, Quito e Germano contando histórias, seu Geraldo de Dona Anésia lembrando a sua Santa Cruz das Areias, Jober Lister de pedreiro, Luizinho criando o primeiro time de futebol, Seu Onofre animando o arrasta-pé com sua sanfona, Dona Maria Roxinha derrubando todo mundo na dança e, de quebra, cozinhando comidas aprendidas “entre os mais velhos”. Pratos como dobradinha, feijão de corda com torresmo, miolo, arroz com couve e suã e muitos outros.

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Logo começaram os casos e histórias do Porão. E foi assim que se realizou o primeiro Casamento Caipira, com o jornalista Antônio Lisboa Meira como padre, e “casando” o Clovis, meu irmão, com a jornalista Helia Ventura, tendo como testemunhas “juramentados” Geraldo Magalhães e Roberto Drummond. ENCONTROS DE MÚSICA E POESIA

Foto: Marcos Alvarenga

E começaram as visitas Elomar foi um dos primeiros, abrindo uma lista à qual se seguiram, ao longo dos tempos, pessoas fantásticas como Tadeu Franco, Celso Adolfo, João Carlos Cavalcanti, Sanica, Caxangá, Zé da Grota, Peito Roxo e Patativa, Abner do Nascimento, Saulo Laranjeira, Rubinho do Vale, Ladston

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••• “Manezinho do Forró” leva seu forró e seu mugunzá para o Porão do Felipe

••• “Elomar, Renato Azevedo e Luciano Lira (integrante do Quinteto Violado)

••• Ricardo Camargos, Rodrigo Avelar, Aloísio Morais e Carlos Felipe

Fotos: Arquivo Pessoal

••• Teo Azevedo

do Nascimento, Lery Farias, Ely Camargo, Célio Balona, Melão, Paulinho Pedra Azul, Janjão e seu Trio, Téo Azevedo, Sinval da Gameleira, Geraldo de Jesus, Ênio Flávio, Modestino do Acordeom, Coronel Apolinário do Berrante, Aldo Júnior, Melão, Renato Andrade, Marku Ribas, Mara do Nascimento, João Boa Morte, a Turma do Clube da Esquina e muita gente mais. Igualmente músicos e artistas que vinham a Belo Horizonte não deixavam de ir e deixar seu autógrafo na escada de madeira que, através de um alçapão, unia o porão à parte de cima de casa. Artistas como o já citado Elomar, Quinteto Violado, Renato Andrade, Dércio, Doroty Marques, Xangai, Roberto Ribeiro, Inezita Barroso, Célia e Celma, Grupo Agreste, Charles e Grupo Raízes, Pedro Bento e Zé da Estrada e muitos outros. ENCONTROS MEMORÁVEIS Como não poderia deixar de ser, alguns encontros se tornaram memoráveis. Por exemplo, o realizado para homenagear Marcus Pereira em que Cilene Araújo, Dércio e Doroty Marques, Celso Adolfo, Olívio Araújo, Dona Lia, João Carlos, Vera Augusto e outros fizeram uma noite inesquecível que, por sinal, não

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acabou, a turma prosseguindo pela manhã seguinte. Naquela noite, não houve alternativas. Com os poucos quartos de então, colocamos as mulheres em um e os homens em outro. Os falatórios não deixaram ninguém dormir. Outros encontros importantes foram da campanha, buscando recriar as serestas e serenatas em Belo Horizonte. Cada encontro se transformava, ele próprio, numa serenata maravilhosa, com as presenças de Marília Azevedo, Waldir Silva, Rominho, Rui Barbosa, Nonô, Oswaldo Magalhães, Glória e a turma da Belotur e outros. Daí nasceu o Projeto Seresta, na Praça da Liberdade, iniciado com o Coral Júlia Pardini e, logo depois, Altamiro Carrilho. A ele se seguiram a Seresta ao pé da serra, o Noites mineiras e o Minas ao luar, ainda em realização pelo Sesc em Minas Gerais. SUPREMA E SOBERANA ORDEM DO PORÃO Quase no final da década de 1970, numa noite após a degustação de uma cachaça que não mais existe, a Luquinha, de Itamogi, no meio de uma conversa com o Cássio, meu irmão, surgiu a “Suprema e Soberana Ordem do Porão”, uma constituição sem artigos escritos e que pode ser repensada, desde que respeitados alguns princípios básicos como: “É preciso ter Sentimento”; “É válido cantar e, mais importante ainda, se for o caso, chorar”. Todos têm o direito de acreditar em Deus com a crença que tiverem (a que se acrescenta o parágrafo): “Também pode não acreditar em Deus, pois Deus acredita n’Ele”. Criou-se um rito para entrar para a “Suprema”, e um primeiro artigo também não-escrito “é preciso tomar uma cachacinha, mesmo que seja a primeira e a última da vida”. ZÉ COCO DO RIACHÃO Ainda no fim dos 1970 e início dos anos 1980, Téo Azevedo apresentou e trouxe para a nossa turma uma pessoa que se incorporou, imediatamente, à família e à “Suprema e Soberana Ordem do Porão”: Zé Coco do Riachão. Desde então, até sua morte, Zé Coco nunca deixou de, todas as vezes que passava por Belo Horizonte, chegar ao Porão, tomar uma cachacinha – que substituiu, mais tarde, por uísque – contar seus causos e tocar suas músicas, na viola e na rabeca, sempre gozando a cara do Téo que, depois de poucas doses, dormia a sono solto. Zé Coco fez mais ainda: no seu primeiro elepê colocou uma música chamada Ilana, em homenagem à nossa filha. Essa música foi escolhida pelo maior crítico musical brasileiro, José Ramos Tinhorão, como a mais importante da cultura

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Foto: Arquivo Pessoal

••• Belchior e Carlos Felipe

regional do país naquele ano. Só que, no ano seguinte, no segundo elepê, Zé Coco colocou uma outra obra, Tiago, cadê Ilana, lembrando o nosso outro filho que já tinha nascido. TEMPO DAS SERESTAS Ainda nos anos 1980, já com a Seresta ao pé da serra acontecendo no Parque das Mangabeiras, o Porão passou a reunir, pelo menos de dois em dois meses, os grupos e os seresteiros, fazendo disso uma tradição que continuou nos anos 1990, quando nasceu o Minas ao Luar. PROGRAMA CARLOS FELIPE No século 21, a convite de Luiz Márcio Viana, José Alberto da Fonseca, Sirlan, Ricardo Camargos e Miguel Resende começamos, na Rádio Inconfidência, o “Programa Carlos Felipe”, todos os domingos. O programa era apresentado ao vivo do Porão. Foram mais de quatro anos e, durante esse tempo, o Porão se transformou num ponto de encontro de culinária e de música, com a participação de, praticamente,

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todos os artistas e grupos mineiros. Poetas, compositores, repentistas, artistas plásticos, cantadores de rua ou de boteco, e tantos que é quase impossível citá-los. PESQUISAS E ESTUDOS Com seu acervo, o Porão, por razões óbvias, sempre atendeu a pesquisadores e estudiosos sobre os mais variados assuntos, da música à história, passando por esoterismo, ciência e tecnologia, cultura popular e outros fatos e personagens. Dentre tantas, podem ser destacados, por exemplo, as pesquisas sobre a música popular do Norte de Minas e que auxiliaram na montagem da trilha sonora da minissérie Grande Sertão: Veredas. Destaque também para a pesquisa feita para Roberto Drummond na ambientação do seu livro Hilda Furacão. Igualmente para a elaboração de repertório de dois Cds de Waldir Silva e o de cantigas religiosas de Célia e Celma e outros. CULINÁRIA Pode ficar parecendo que tudo era só música, poesia, debates ou discussões. Em todas as reuniões e encontros nunca faltou o dedo da culinária. Já falamos da dona Maria Roxinha e seus pratos ligados a mais legítima culinária tradicional mineira. Não pode ser esquecida, porém, a presença sempre constante da Baixinha, a Olmira, que vinha fazer feijoadas, caldos de feijão e de mandioca, pastéis de angu, feijão tropeiro e outras coisas gostosas. Já o Domingos Diniz sempre foi mestre em trazer o cobu, o famoso quebra-queixo do Norte de Minas. O Muraí até hoje continua comparecendo com linguiça especial, farofa, feijão tropeiro e torresmo de encher a boca. O Ricardo Rodrigues, do “Maria das Tranças”, como não podia deixar de ser, veio, várias vezes, com o seu famoso frango ao molho pardo. Já o “Manezinho do Forró” permanece fiel – com a participação total de Comadre Verônica – com o seu mungunzá nordestino, e até o Mário Menezes vem de Itabira com bandas legítimas de toicinho de tropeiro, que continua sendo feito, no Carmo, pelo Tãozinho de Oliveira. Figura inesquecível é a Fatima do Santana, com as dobradinhas e batatas, pés de porco, empadão de macarrão e feijoadas e coisas mais. Tira-gostos também sempre deram o ar de sua presença. Como os tamarindos para tomar uma boa cachaça, as bananas-caturras fritas, os pães de queijo de fabricação doméstica, os queijos especiais feitos por seu Wilson Linhares, os lambarizinhos fritos, as uvaias amarelinhas colhidas no pé no terreiro e as mangas verdes com sal.

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Proporcionavam tardes e noites fantásticas, com a presença de artistas e amigos. Servindo de tema para o jornalista Eugênio de Oliveira publicar uma matéria sob o título: “E o Porão mostrou sua importância”. Nem é preciso dizer que essa noite foi simplesmente musical por excelência. ACERVO Como vive dentro de mim um louco que gosta de guardar tudo, não é mera coincidência ter criado o que pode ser chamado de primeiro “Departamento de Pesquisa Jornalística” de Minas, ainda no Binômio, numa tarefa prosseguida no Diário de Minas e, posteriormente, no Estado de Minas. Acho que essa mania explica o acervo do Porão. Com um adendo: nunca pensamos em criar um museu. O que aconteceu foi um acidente de percurso. Resumindo, no Porão estão: 92 mil discos, entre CDs, elepês, compactos e velhas bolachas dos tempos pré-históricos do 78 rpm, englobando todos os gêneros musicais; aproximadamente mil e quinhentas horas em fita cassete, com gravações feitas por nós mesmos em pesquisas sobre Cultura Popular e Folclore, personalidades e fatos importantes das últimas décadas, depoimentos de artistas, principalmente músicos (uma parte desse material já se encontra digitalizado, mas ainda há uma parcela maior nos cassetes originais). Também, 14 mil livros de temas diversos, com enfoques maiores na Cultura Popular e Folclore, Música, História de Belo Horizonte, Minas e do Brasil, Esoterismo, Ciências Ocultas e Religião; História Universal; Culinária e Gastronomia, Rádio, Televisão, Jornalismo, Fotografia e Comunicação em geral; pinacoteca com algumas centenas de quadros, desenhos e fotos, notadamente de artistas mineiros; mais ou menos 30 mil fotos, com ênfase na Segunda Guerra Mundial, Cultura Popular, Cultura Mineira, História, Sociologia e Ciências Humanas; aproximadamente 4 mil revistas de todos os gêneros; núcleo bibliográfico de obras raras; mais de 7 mil títulos de jornais e revistas de Belo Horizonte, Minas, Brasil e Mundo; hemeroteca de pastas com recortes e fotos sobre Música e músicos, Folclore e Cultura Popular, Religiosidade, Esporte e Gastronomia e Culinária, entre outros temas. ENCERRANDO Hoje nem todo o acervo encontra-se no Porão. Está espalhado pela casa, pois não cabe mais em seu berço inicial. Não faz mal. O que sentimos é muito, é que um acervo como este, modéstia à parte importante, não esteja sendo colocado, por razões óbvias, à disposição da comunidade. Gostaríamos muito de que isso acontecesse.

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Foto: Marcos Alvarenga


Estrogonofe de shittake para ceia de Natal

Giselle Dupin

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cho que já nasci com vocação para o vegetarianismo. Lembro-me de, criança, ouvir meu pai ordenar: “Só sai da mesa depois que comer o bife!”. E eu lá, mastigando a carne sem vontade, sempre a última a terminar... Com o tempo, a insistência familiar em benefício da filha tão magrinha e os costumes sociais – que além do bife com cebolas e da carne de panela do almoço dos dias de semana, incluem o churrasco ou o macarrão à bolonhesa do domingo, o pastel de carne, quibes e empadinhas das festinhas de aniversário, o sanduíche de presunto ou cachorro-quente da merenda escolar –, acabei aprendendo a comer de tudo. Ou quase tudo, pois ser obrigada a comer miolos de boi aos nove anos foi uma experiência traumatizante, que deixou marcas indeléveis. Muito tempo (e muitas refeições sem entusiasmo) depois, estava amamentando minha filha quando vivi uma epifania. Com tanto amor envolvido no ato de nutrir um ser tão frágil, compreendi que todos os mamíferos estabelecem um tipo de relação com suas crias que só pode ser muito forte. Percebi também que sou um mamífero. Nunca mais comi mamíferos! Dito assim, parece uma decisão radical e repentina, mas eu já trazia uma tendência reprimida, não é mesmo? Uns dois anos depois, meu organismo começou a rejeitar as aves também. Provavelmente porque eu já não aguentava mais comer frango para “substituir a proteína da carne”. Entretanto, agora que era adulta, o pior momento a ser vivido não era mais à mesa (onde a discrição era minha melhor camuflagem), mas no açougue, local terrível que eu era obrigada a frequentar semanalmente para alimentar a família carnívora. Dezesseis anos depois daquela decisão do aleitamento, tive a sorte de receber uma filha vegetariana de volta de um ano de intercâmbio no exterior. Bendita e sábia família inglesa! A partir de então, resolvi mudar de atitude nas festas familiares, especialmente no Natal. Ao invés de driblar discretamente os pratos típicos da ocasião – pernil, peru, chester e sei lá que outras carnes – para ficar apenas com as frutas da decoração, anunciei: minha filha e eu somos vegetarianas! A primeira reação foi de indignação: como assim? Que bobagem é essa? Depois, de preocupação: o que vamos servir a elas? Legumes?

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Foi assim que criamos um novo hábito familiar: minha filha e eu preparamos nosso próprio prato principal para a ceia de Natal. O “Estrogonofe de shittake” é um dos nossos preferidos – e apreciado não apenas pelas duas vegetarianas da família! Antes de passar à receita, devo confessar que não somos totalmente vegetarianas, pois temos “um fraco” pela comida japonesa. Abrimos, portanto, exceções esporádicas aos frutos do mar, apenas por uma questão de paladar, pois não acreditamos na proclamada necessidade imprescindível de consumo de proteína animal para a sobrevivência da espécie humana, cuja constituição, afinal, não difere muito da de outros mamíferos até maiores que nós, como elefantes, rinocerontes, búfalos, mamutes e gorilas, todos vegetarianos. Que me desculpem os carnívoros. A RECEITA

Foto: Helena Dupin

Existem muitas receitas de estrogonofe de shittake disponíveis na Internet, que usam o cogumelo desidratado. Prefiro o cogumelo fresco, pois está mais ativo “nutricionalmente” – lembrando que os cogumelos, em geral, são altamente nutritivos e ricos em proteínas (sim!), fósforo, vitaminas do complexo B, ácido fólico e fibras. Além do shittake, podem-se acrescentar cogumelos de Paris (conhecidos como champignons), que costuma ser usado na receita tradicional do estrogonofe de carne.

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INGREDIENTES

MODO DE PREPARO

1 cebola e 1 dente de alho picados

Numa panela grande, aqueça o azeite e refogue a cebola até ficar translúcida, em seguida, acrescente o alho.

200 g de shittake fatiados 200 g de champignon de Paris fatiados 250 g de molho de tomate (de preferência caseiro)

Junte os cogumelos, mexa bem, tampe e deixe cozinhar por 15 minutos. Junte os temperos e o vinho (se for o caso), em seguida, o molho de tomate.

250 ml de creme de leite (ou de sour cream)

Acrescente creme de leite (ou sour cream), e mexa. Quando começar a levantar fervura, desligue o fogo.

4 colheres de azeite (ou 30 g de manteiga) 1 colher de chá de sal marinho (ou 4 pitadas de sal rosa do Himalaia)

Misture a salsinha picada. Sirva batatas cozidas ou com arroz. Os paladares mais apurados, juro, nem vão se lembrar da carne (branca ou vermelha).

½ colher de sopa de páprica picante Noz moscada a gosto, ralada na hora Salsinha picada a gosto

Foto: Helena Dupin

Duas colheres de sopa de vinho branco (opcional).

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Berinjelas do Amaury

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Amaury Machado

Foto: Marcos Alvarenga

sta receita de Berinjela Assada me foi “imposta” por minha irmã Giva, que Deus já chamou para junto de Si. Ela se admirava de eu – mesmo tendo feito um curso rápido no Senac-BH – não abrir o horizonte culinário, insistindo em pratos de variadas carnes e/ou de diferentes regiões mineiras. Quando aceitei o desafio, vi que tinha perdido muito tempo. O prato é realmente sensacional. Faço a berinjela muitas vezes ao longo do ano, vendo vidros dela para os amigos e destino a renda ao Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus. Aqui está o modo de fazer – com amor, ela fica mais gostosa ainda!


INGREDIENTES 4 berinjelas grandes ou 5 pequenas (de preferência, macias) 3 pimentões grandes (vermelho e amarelo, pra dar um visual bonito) picados em pedaços pequenos, sem semente 2 cebolas grandes (ou 3 médias) picadas 250 g de azeitona fatiada (podem ser pretas ou verdes) 250 g de nozes partidas na mão 250 g de passas brancas sem caroço 1 copo de óleo 1,5 copo de azeite

Ao final dessa operação, pressionar – com um prato sobre o qual se colocará um peso – os pedaços partidos, para mergulhá-los na água. Deixar “de molho”, para retirar o leve amargo da berinjela. Partir os pimentões e as cebolas, enquanto a berinjela está no molho. Cumprida essa etapa, desidratar (bem – mas bem, mesmo) as berinjelas partidas. Pode-se usar um espremedor de batatas, mas sem esmagar as berinjelas. Logo após, misturar elas com os pimentões, as cebolas e a azeitona. Juntar a xícara de óleo, o vinagre e temperar com o sal (de leve). Levar ao forno quente, por 45 minutos, num tabuleiro de alumínio, bem coberto com papel (também de alumínio – a parte brilhante para dentro).

¾ copo de vinagre Orégano Sal. MODO DE PREPARO Partir as berinjelas ao meio, no sentido do comprimento. Cada metade será partida novamente ao meio. E cada “meia metade” será igualmente partida ao meio. Juntar os quatro pedaços e parti-los bem fininhos (1 mm), colocando-os em um recipiente plástico com água, sal e limão.

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Após os 45 minutos, retirar e adicionar as nozes, as passas, o orégano, o azeite e o vinagre. Misturar bem, cobrir de novo e voltar ao forno, por 15 minutos. Tem gente que gosta de gratinar com um pouco de queijo parmesão ralado. Desligar e deixar esfriar no forno. Depois de frio, embalar (em vidros de conserva ou em embalagem plástica). Usar depois de 24 horas.


Receita para família de boca ruim Clara Arreguy

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á famílias que nascem, crescem e viram gente em torno do fogão, na grande mesa da cozinha, a mãe ou avó servindo guloseimas ancestrais na boca das crianças, dali se conformando toda uma cultura, todo um jeito de ser. Não é o caso da minha. Talvez por uma particularidade da D. Nini, menina, moça, mulher e senhora que atravessou a longa vida com grande dificuldade de comer. “Eu tenho a boca ruim”, minha mãe dizia. Não gostava de nada. Comia pouco, devagar, vencendo cada refeição como uma peleja inglória. Essa pequena afinidade com as delícias da mesa, ela, sem intenção, passou aos nove filhos – pelo menos na primeira infância, porque, com o tempo, cada um, a seu modo, tratou de superar as esquisitices de um paladar seletivo e implicante. Da mesma forma que sofria para comer, ou por causa disso, minha mãe também não era afeita às artes culinárias. Sabia cozinhar, mas não se dedicava ao ofício com a paixão dos glutões, gourmets e gourmants. Devido à numerosa prole, sempre contava com ajudantes, e só na ausência deles é que colava a barriga no fogão. Fazia o melhor bife da minha infância – fininho, temperadinho –, o mexido mais saboroso, artimanhas para ajudar os filhos inapetentes a não morrerem de inanição nem de tédio. Um dos truques que aprendeu, não sei quando nem com quem, resolvia a falta de interesse da filharada por verduras e legumes. Para nos obrigar a ingerir um “verdinho” que fosse, ela recorria a um prato que todos amávamos: a torrada com creme de espinafre. A mesma verdura que na minha meninice fazia sucesso no desenho animado do Popeye, conferindo ao marinheiro a força e o muque necessários para abater o rival Brutus na disputa pelo coração da Olívia Palito, aparecia para nós como uma delícia irrecusável, que apreciávamos e carreávamos com a boca boa que não tínhamos para mais nada.

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Foto: Paulo de AraĂşjo


INGREDIENTES 1 molho de espinafre 3 colheres de maisena (a quantidade vai depender do tamanho do molho) Tempero de sal e alho a gosto Torradas Queijo ralado. MODO DE PREPARO Depois de grande, herdeira da falta de élan da minha mãe à cozinha, um belo dia senti saudade daquele tempo em que a torradinha com espinafre salvava meu apetite e minha carência do ferro contido nas folhas escuras. Sem ter ideia de por onde começar, consultei o grupo da família no “watzap” e descobri diferentes receitas. Lembrava-me de que a base era a Maisena. Ouvi sugestões alternativas, que trocavam por creme de leite o farináceo do mamá, docinho da primeira infância. Não aceitei tal inovação. Comprei um molho grande de espinafre, maisena, queijo ralado. Tempero à base de sal e alho eu já tinha em casa. Lavei as folhas do espinafre, bem lavadinhas. Fiquei tentada a tirar os talos, pois havia receita com e sem eles. De olho nas fibras tão necessárias à boa digestão, optei por mantê-los. Piquei a verdura em pedaços não muito pequenos e a pus para cozinhar

na panela com água, acrescentando a maisena e misturando o tempero. Em pouco tempo, a água baixou, o espinafre cozinhou, a maisena se juntou a ele para dar a consistência de creme. Provei na ponta da colher de pau e vi que o tempero havia pegado e o sabor estava bem gostosinho. Desliguei o fogo e fui ligar o forno. Da primeira vez que visitei a receita familiar, aproveitei o pãozinho de sal que tinha sobrado e fiz eu mesma as torradas. Depois, passei a comprá-las prontas, pois dá menos trabalho e o resultado é igual. Distribuí as torradinhas por um tabuleiro grande e fui, servindo sobre cada uma, colherada farta do creme de espinafre. Por cima de tudo, o toque magistral, o retoque final: um punhado de queijo ralado sobre o creme, coroando com beleza e sabor a iguaria. Conforme o ímpeto do forno, você terá de esperar uns 15 minutos, não mais. Vigie apenas para não queimar a torrada. O queijo derrete rapidinho e aí é só partir pro deleite. Qualquer um vai adorar, mas crianças de boca ruim ou pouco afeitas a ingerir verdinhos aceitarão de bom grado essa que foi a solução da D. Nini para seus filhos inapetentes. A gente comia, repetia e nem se lembrava que estava se alimentando bem!

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Foto: Marcos Alvarenga


Caldo e sabedoria Jalmelice Luz

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infância na família dos Sousa era adocicada pela sabedoria da matriarca no preparo de alimentos para os filhos e marido; aquecida pelos tradicionais caldos servidos nas noites frias, em pratos fundos, cobertos de cebolinha verde bem picada. O contraste de cores era tão intenso que enchiam de brilho o olhar das crianças e bocas de saliva. Os convidados para a “janta”, como diziam naquelas paragens, tinham a mesma reação da criançada ao serem servidos, durante um dedo de prosa. O caldo era farto no caldeirão de ferro, borbulhante sobre as trempes do fogão a lenha. O suficiente para a vizinhança provar, se, assim, o quisesse. Mais forte que a cor de uma laranja baía bem madura, quase tão colorido quanto as roupas empoeiradas da filharada, após as brincadeiras na rua, tão fascinante quanto a gema de ovo. Semelhante às cores da estrada voluptuosa, com curvas intermináveis, que rasgavam o sertão, mostrando entranhas e adornos. Um tapete vermelho-laranja volumoso de terra, em meio à vegetação ressequida, que levava a família ao Rio Manso, nos dias de calor, para banhar em água fresca e limpa. Beber aquele líquido encorpado, diferente dos enxaguados pratos afrancesados (nada contra a famosa culinária francesa), servidos em mesas de famílias brasileiras bem aquinhoadas, que imitavam hábitos e trejeitos de além-mar, seria um insulto. Nesses lares, era “comida de porcos”, impensada na lista de leguminosas para gente de estirpe. O alimento que produzia tal repulsa era a abóbora ou jerimum. Da família das Cucurbitáceas, com uma variedade de gêneros, utilizada no Brasil por diversas tribos indígenas, nativas de Pindorama, terra das palmeiras, nome tupi-guarani

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atribuído pelos índios ao território que ocupavam. Substituído, provisoriamente, por Terra de Vera Cruz, entre outros, até chegar ao Terra Brasilis (1505) nome dado pelos portugueses. A origem da abóbora-moranga seria originária da Guiné (África Ocidental), mas, também, identificada por pesquisadores, na América Central, na alimentação dos Incas, Maias, entre outras civilizações indígenas, dizimados por conquistadores espanhóis. De grande valor nutritivo, contém vários grupos de vitaminas A, B, além de eficiente vermífugo. A matriarca da família Sousa tinha, não se sabe como, uma comadre cheia de “salamaleques”, que às vezes a visitava. Chegava como uma atriz hollywoodiana, exibindo um casaco com gola de pele de couro de onça, que provocava terror nas crianças. Em uma dessas visitas, bem fora do horário que costumava aparecer, adentrou sorridente atravessando sala, corredor, com passadas enormes, até a cozinha. “Como vai comadre, que bom ter em casa visita tão alegre!”. A madame respondera: “Passava aqui em frente e senti esse aroma que me cativou. Tomei a liberdade de entrar sem ser convidada”. Dois degraus acima de onde a família estava à mesa, a madame ficou inebriada com o cheiro do alimento servido, a cor vibrante contrastando com o verde da hortaliça. Pediu licença, assomou o lugar do patriarca em viagem a negócios pelo interior. Estava excitada para experimentar aquela iguaria. A matriarca serviu-lhe um prato cheio, com um pedaço de pão caseiro. Que entrada maravilhosa para um jantar! Atenta quanto o que seria o prato principal que não havia. “Comadre, não sabia que era tão prendada”. Os elogios da madame saíam aos borbotões, sob o olhar dos filhos, que não disfarçavam certo espanto diante de tanto palavrório. A madame continuou: “Sinto um sabor extraordinário de comida caseira, bem temperada, um gosto sutil de açafrão e queijo derretido”. A madame tem bom paladar, o açafrão é indispensável nessa receita. Parabéns, chirrie! Uma das palavras que aprendera nas aulas particulares de francês, usada com frequência. Passa-me a receita. Entregarei à velha “Cunhã”, apelido da empregada Matilde, de traços indígenas, “boa cozinheira na cozinha e muito limpinha”, como dizia a patroa, para preparar. “Cunhãs” foram as cozinheiras indígenas capturadas pelos portugueses, no século 16, antes de negras e negros serem escravizados. Por algum tempo, tornaram-se cozinheiras da casa grande. Serviam à família e ao patrão, em particular, que as explorava sexualmente.

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INGREDIENTES “Tem muito segredo, não, comadre. Trata-se de um simples caldo de abóboramoranga, temperada a gosto com uma pitada de urucum, noz-moscada ralada, pimenta-seca e biquinho, açafrão da terra e abóbora cozida batida no liquidificador, com casca e tudo. Tem gente que usa creme de leite. Não acho necessário, ela é naturalmente doce”, explicava minha mãe. MODO DE FAZER Enquanto a mãe falava com orgulho da receita, experimentada por outras cozinheiras, cada uma incluindo novos sabores, as crianças se espremiam de vontade de rir, diante dos olhos arregalados da visitante inesperada. Despejo o suculento caldo de abóbora na panela para que ele possa absorver os sabores dos temperos: uma pitada de sal, para mesclar ao doce de abóbora, e folhas de louro que colho no quintal. O tempero que faço no pilão tem muitas hortaliças (molhos de cebolinha, salsa, manjericão, alecrim; alho, cebola branca, um pouquinho de coentro e pimentado-reino). É essa mistura que uso para o “refogamento” do caldo. Nessa altura, jogo no caldeirão uma porção de frango da roça desfiado. Depois, é deixar ferver, borbulhar na panela e servir sobre lascas de queijo canastra, a gosto de cada um, salpicado de cebolinha verde pra enfeitar. CADEIA ALIMENTAR A madame teve um rompante, levantando-se abruptamente. Mas comadre “isso é comida de porcos!”. Não deveria alimentar sua família, vai me

desculpar, com essa porcaria, que brota rente ao chão, rastejando como cobra. A madame levou aos lábios o guardanapo de papel, usado só para visitas importantes, como se quisesse colocar os “bofes pra fora”, ou “chamar o Juca”, de tanto enojamento. Comadre, garanto que é um ótimo alimento para nós. Os porcos também comem abóbora crua e ficam saudáveis, dão boa carne. Aí esperamos o abate. Então, comemos a carne bem cozida e saborosa do porco. O professor de Ciências ensinou para os meninos, inclusive o mais velho batizado pela senhora, que isso é cadeia alimentar e não “gororoba”, como dizem por aí. Não entendo nada disso, essa tal cadeia alimentar, mas de alimento, sim. Depois do disparate, a madame se recompôs, desejou boa noite e tomou rumo da porta, lambendo os lábios, discretamente. Com suor nas têmporas, desabrigou-se do casaco, sem perceber que a gola de pele de onça estava salpicada de caldo de abóbora, tamanha a volúpia com que sorveu o alimento. Fora para casa sem saber se contaria o acontecido ao marido e filhas, ou se guardaria segredo de tamanha “gafe”, para não dizer de um desejo incontido, comandado pelo pecado da gula. A reza de terço era incessante, benzedura com água benta e folha de arruda passou a ser uma constante. Afinal, aprendera que gula está entre os sete pecados capitais. Ao contrário da temperança, a gula açularia desejos insaciáveis da carne, diziam os preceitos da Igreja Católica, pelo Papa Gregório

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no século 5. Portanto, tão antigos quanto o cristianismo. O propósito inconfesso, dominar corpos e mentes aos interesses da religião, que perduram até os tempos atuais, sem pudicícia. Basta rever o dito popular de satisfação após um jantar, repetido pelo patriarca viajante: “Comi como um padre”.

Foto: Marcos Alvarenga

Ao longo de anos, a vida assumiria sentidos inimagináveis em tempos de tecnologia. TV de plasma com sinal digital, internet, wi-fi, os filhos sempre em outra “vibe”. A madame encontrara seu consolo na vibe televisiva. Durante uma surpreendente reportagem sobre a agricultura regional, o destaque foi a abóbora. Só aí tomou conhecimento, com alguns anos de atraso, diga-

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se de passagem, que a família das Cucurbitáceas se espalhou pelo mundo como elemento importante da culinária internacional. À exceção de alguns lugares, onde a abóbora é usada para a confecção de máscaras assustadoras no Halloween (Dia das Bruxas), manifestação popular copiada de uma lenda Irlandesa. Bom, mas isso é outra história. É quase certo que essas gerações mascaradas de abóbora jamais lamberão os “beiços” de prazer ao experimentarem tamanha iguaria, redescoberta de culturas milenares e adaptada aos novos tempos pelas mãos experientes de sábias matriarcas. Bon apetit!


Babaganush Daniella Zupo

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nita nasceu no Tirol, mezzo Itália, mezzo Áustria, imigrou para o Brasil após a primeira Guerra Mundial e aqui se casou com Carmine, que nasceu na Calábria. Acle nasceu em Zeaytreh, nas montanhas do Líbano e se casou no Brasil com Maria, filha de libaneses imigrantes. Histórias de amor que nascem em novos caminhos, quando os velhos se esgotam. Meus avós. Venho desta família, em que a comida é sinônimo de afeto. Cozinhar é alimentar e alimentar é amar. Cresci em uma casa onde se põe a mesa sempre que uma visita chega. Um hábito cada vez mais raro nas grandes e elétricas cidades em que não conhecemos sequer a casa de velhos amigos. Talvez por isso vivamos o tempo das dietas... Sou resultado desse cruzamento cultural entre duas famílias imigrantes. Brasileira, enfim. Meu pai, filho de italianos, ela (minha avó) do norte, ele (meu avô) do sul, carregavam seus dialetos e receitas como tesouros preciosos. Já minha mãe, filha de libaneses, aprendeu com minha avó e depois acrescentou seu toque pessoal a várias receitas da culinária árabe. Se em ambas as culturas as fartas mesas exercem um tradicional papel agregador entre as famílias, os hábitos culinários têm lá suas peculiaridades. Ao contrário da comida separada por etapas, ou piatti, típica da culinária italiana, as mesas libanesas apostam na mistura dos sabores. Quanto a mim, aprendi a comer junto

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Foto: Pedro Vilella

e a comer separado e a apreciar os dois. E sempre reconhecendo, neste momento, a possibilidade do encontro, da reunião de diferentes, e às vezes inconciliáveis, personalidades que, ao redor de uma mesa generosa, são capazes de se aceitar e entender. Pelo menos por algumas horas. Minha avó Anita, italiana, era fazedora de sua própria “pasta”, mas não a encontrei nesta encarnação para aprender a receita. Em compensação, cresci saboreando do repertório da minha avó Maria, os quibes, tabules, kaftas, homus e a receita desse babaganushe, ou baba ganoush, antepasto feito de berinjela, campeão das mesas árabes, que agrada carnívoros e vegetarianos. Reza a lenda que um sultão sem dentes batizou a especiaria com o nome que quer dizer “pai mimado”. Existem várias versões para a origem do nome, mas essa é a mais conhecida e se refere à pasta de berinjela feita por uma filha zelosa para o pai banguela. Ternura bem temperada.

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Sirva seu babaganush com pães sírios ou artesanais. Ou com uma “pasta”, por que não? Lá em casa foi uma mistura que sempre deu certo. Ou mesmo com outros vegetais, de acordo com o gosto do freguês. Da mesma forma, harmoniza bem com vinhos ou cervejas. E com uma prosa boa e a companhia de gente que nos facilite a digestão. Porque comida é como amor. Tem de ser saboreada. E a mesa tem de ser farta, não importa o número de panelas que a vida nos ofereça. INGREDIENTES (PARA UMA PEQUENA TIGELA)

ao forno pré-aquecido por 10 minutos a 180 graus.

4 berinjelas

Depois que toda a berinjela estiver dourada, retire do fogo e coloque num refratário.

Um dente de alho descascado Sal e azeite gosto 1 colher de sopa de Tahini. MODO DE FAZER Lavar a berinjela com casca. Parti-las ao meio. Untar com azeite uma bandeja. Colocar a berinjela de “barriga pra baixo” em contato direto com a assadeira. Esse processo dará o toque defumado. Levar

Espere esfriar e, com uma colher, retire toda a polpa da berinjela, raspando bem. Acrescente uma colher de sopa bem cheia de molho de gergelim (tahine), o suco de um limão (ou mais) um dente de alho amassado e sal até ficar a seu gosto. Amasse um pouco mais até misturar os ingredientes. Sirva com azeite por cima, tempere com sal e pimenta-do-reino.

Foto: Pedro Vilella

Suco de limão (um ou dois)

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Um gostinho de passado Beth Fleury

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ma das mais antigas lembranças de minha infância acontece em uma cozinha enorme de piso de cimento avermelhado, pé direito altíssimo e amplas janelas que davam para o quintal. Vivíamos então na Fazenda da Mata, perto de Fortuna de Minas – a última fazenda em que nossa família viveu antes de se mudar para a casa que meu pai construiu em Sete Lagoas. Um lugar mágico da infância, de onde gostosuras saíam das mãos da mais calma e sossegada pessoa que convivia conosco: Deja, uma moça já meio envelhecida pela dureza da vida na roça, mas de ótimo humor e amor pelas crianças. O insaciável interesse por todo o tipo de atividade que se desenvolvia naquela cozinha foi responsável por muitos pitos e castigos de minha mãe: queimei o dorso da mão nos antigos ferros à brasa (era fascinante avivar o fogo da brasa com o sopro forte e certeiro que só os adultos conseguiam); deixei cair água no mingau de maisena de um de meus irmãos menores (ainda um bebê de fralda) porque abri a torneira em cima da panela... e por aí vai. Os casos de fantasmas contados ao pé do fogo pelas empregadas da fazenda, os cheiros intensos da goiabada no tacho, o sangue escorrendo do pescoço do frango, o alho, tudo me atraía ali. Diferentemente de hoje, que os pequeninos são ensinados quando demonstram amor à cozinha, naquela época, criança na cozinha era sinal de problema na certa. Havia muitos espaços proibidos para crianças naquela época e certamente cozinha era um deles.

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Foto: Francisco Fleury Pinto

Esse tipo de comunhão com a espécie humana, de oferecer amor pelo sabor, acho que herdei de minha avó, visto que mamãe não me parecia muito ligada a essas coisas quando era mais jovem. Aprendeu com sua mãe, depois de já casada, todos os truques de família. A alma da culinária que se pratica em nossa família é herança dessa avó de nome estranho, Yanka, ou Janina, em português – era filha de poloneses que migraram para o Brasil no final do século 19, fixandose em Curitiba. Então, mesmo vivendo em fazendas de meu avô paterno e compartilhando uma vida toda no sertão de Minas Gerais, na verdade nosso contato com a cozinha típica mineira era bem limitado – naqueles enormes almoços com os irmãos de meu pai na fazenda do avô comia-se leitão à pururuca, feijão tropeiro, galinha-d’angola ensopada, farofinha no jeito, carne de caça.

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Essas coisas conheci bem menina. Mas não era nossa rotina de família. Nossa imaginação era acesa pelo cardápio de minha avó... Suflês, sopas de beterraba, saladas meio estrangeiras, maionese feita em casa, purê de batatas, uma macarronada com molho que só minha avó polonesa sabia fazer e o tradicional strudel de Natal (uma adaptação da família da vovó Yanka para o Brasil, feita de bananas-caturras e pedaços de goiabada). À medida em que fui vivendo a vida de adulta, trabalhando fora e com filho pra criar, fui desenvolvendo minhas próprias receitas, a partir dessa base nascida dos sabores experimentados na cozinha de minha avó materna. Por essa razão vou apresentar pra vocês dois pratos – um muito fácil e um mais trabalhoso, porém que acompanham muito bem carnes e assados. O primeiro, uma batata rostie que desenvolvi por minha própria conta, numa festa na casa de minhas primas, no Rio. Pelo sabor, quis descobrir sozinha como se poderia preparar aquelas batatas inglesas gratinadas e de sabor tão agradável. Veja como é fácil e complementa bem um almoço em família. A segunda receita, desenvolvi a partir da base do tradicional de um suflê. Resolvi experimentar como ficaria com cenoura crua e ralada naquela parte grossa do ralador (normalmente se cozinha os legumes que você for usar no suflê). Mas levar a mistura ao forno com a cenoura crua dá um toque interessante, fica saboroso e crocante. Vale a pena. Vamos às receitas.

BATATA ROSTIE INGREDIENTES 2 batatas inglesas bem grandes 4 saquinhos de queijo parmesão ralado (escolha um de boa qualidade), 3 caixinhas de creme de leite (prefiro o light) Tempero de alho e sal 1 cebola pequena. MODO DE PREPARO Descasque e rale numa tigela grande as três batatas inglesas – use o lado grosso do ralador. Rale a cebola pequena

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dentro dessa mesma tigela e misture às batatas já raladas. Coloque as três caixinhas de creme de leite e misture, juntando 2 colheres de tempero de alho e sal e os quatro saquinhos de queijo parmesão. Unte uma forma de pirex grande e coloque no forno para gratinar. Normalmente, com forno alto, uns 20 minutos já são suficientes para gratinar sua receita. Costumo servir, para acompanhar, uma boa peça de filé mignon ao forno, com molho de jabuticabas (mas isso já é outra história).


Foto: Francisco Fleury Pinto

SUFLÊ DE CENOURA INGREDIENTES 2 colheres de sopa de manteiga 4 colheres de sopa de farinha de trigo 2,5 copos de leite 2 saquinhos de queijo parmesão ralado 2 ovos 3 cenouras frescas de tamanho médio. MODO DE FAZER Raspe a casca das três cenouras em uma tigela, rale tudo no lado grosso do ralador e reserve. Coloque no fogo médio uma panela para fazer o molho “bechamel” (uma receita francesa que é base de suflês e de vários pratos). Doure as três colheres de manteiga. Quando estiver totalmente derretida, a manteiga (cuide para não deixar queimar), coloque as quatro colheres de sopa de farinha de trigo e baixe o fogo. Com uma colher de pau, vá misturando a farinha à manteiga.

Retire a mistura do fogo e comece a derramar na mistura, o leite. Lentamente, o creme vai começar a se formar. Retorne com a mistura para o fogo baixo e siga misturando bem, derramando pequena quantidade de leite. Se sentir que necessita de um pouco mais de leite do que a receita indica, pode usar, desde que se mantenha a consistência de mingau do seu molho bechamel. Deixe ferver levemente e, às primeiras bolhas, pode desligar. Se algumas pelotas permanecerem mesmo depois do molho tendo fervido, use um mixer e desmanche as pelotas. Depois de frio o creme, misture os saquinhos de queijo parmesão, tempere um pouco com alho e sal (prove para não salgar em demasia), jogue as gemas e misture tudo; depois, coloque a cenoura já ralada. Bata as claras em neve e misture levemente. Unte uma forma média com manteiga e leve a mistura ao forno de 200 graus. Entre 20 a 30 minutos seu suflê de cenoura estará dourado e crescido. Bom apetite!

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Foto: Marcos Alvarenga


Macarronada da mama

Vilma Fazito

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ra um domingo de abril de 1958. O sol claro invadia as janelas do barracão onde morávamos em um bairro da periferia de Belo Horizonte, em que famílias de classe média baixa se misturavam às mais pobres, como nós. As crianças vizinhas ignoravam condição financeira e cor da pele e todos se juntavam em brincadeiras infantis nos domingos depois da missa. Muitos iam para minha casa sentir o cheiro da macarronada que minha mãe, Dona Luiza, de nacionalidade argentina e filha de italianos, preparava para o almoço. Naquele dia, no entanto, não havia ingredientes. O dinheiro curto não permitia que mamãe fizesse o nosso prato predileto, receita copiada do meu tio-avô Domingos, com quem fora criada e aprendera a preparar diversos pratos da culinária italiana. Por muitos domingos e semanas seguidas, comida era luxo lá em casa, e a macarronada da mama passou a ser uma raridade depois que minha família perdeu praticamente tudo após a separação de meus pais. Especialmente naquele domingo, Ângela, minha amiga “rica” (na casa dela tinha banheira, comida farta, fruta, carne, essas coisas que poucas pessoas tinham) fora brincar comigo e insistiu para almoçar. Fiquei morrendo de vergonha. Mas o que oferecer? Mamãe tinha comprado macarrão Orion, nº 2; era furadinho e vinha envolvido em papel amarelo e azul, bem barato. Comprara também uma lata de óleo Maria. Lá em casa ainda tinha sal e alho. Pronto. Com aquilo, ela conseguiu preparar o melhor macarrão do mundo. Talvez fosse a fome o tempero maior. Só sei que Ângela ficou tão encantada com o “alho e óleo” improvisado que perguntou o nome do prato. Ela queria levar a receita para sua mãe, Dona Irene. E eu, criativa e espirituosa desde os meus sete anos, disse:

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“Essa é uma macarronada ‘japonesa’, mas mamãe não dá a receita de jeito nenhum”. E assim começou o meu interesse pela culinária. Dona Luiza era sábia. Criando sete filhos, sozinha, três meninos e quatro meninas, precisava contar com todos para ajudarem nos afazeres domésticos, daí termos começado a trabalhar muito cedo em casa. Instintivamente, ela sabia a quem caberiam as tarefas, conforme as tendências e gostos de cada um de nós. Ao meu irmão mais velho, Dilermando, e a mim, dedicou seus ensinamentos na cozinha. Ao Luiz e Mozart, os serviços mais pesados da casa, à Márcia, Vânia e Bia a arrumação dos quartos e limpeza dos banheiros. Ela me ensinou receitas simples, sem sofisticação, cuja origem mediterrânea praticada por gente pobre da região da Calábria, no Sul da Itália, faziam os apreciadores da boa comida ficarem de água na boca. Aprendeu também a culinária brasileira. Um simples arroz com feijão que mamãe preparava, a gente comia como se degustasse um banquete. Não sei explicar exatamente qual era o verdadeiro segredo de seu tempero. Talvez o ingrediente maior fosse mesmo o amor dedicado a cada gesto seu na preparação do almoço, principalmente as macarronadas de domingo, servidas antes das sessões dos filmes de faroeste no Cineminha da Igreja São Francisco, no Carlos Prates, uma rotina domingueira dos irmãos Fazito Rezende. Começamos a trabalhar fora muito cedo. Meus irmãos mais velhos passaram a sustentar a casa, ainda adolescentes, fato que melhorou nossa condição financeira. Mamãe adorava festas, almoços e encontros e, se a situação apertava, ela dizia: – “Vamos fazer um almoço para nos alegrar”. Crescemos nesse ambiente de otimismo, nos burburinhos da boa conversa e sentindo os aromas vindos da cozinha durante os almoços para nossa numerosa família, preparados pela mamãe com minha ajuda, desde os meus treze anos. Nessas ocasiões, tínhamos como lema jogar a tristeza fora. E nessa tarefa, meu irmão Luiz, o Fazitão, era o grande anfitrião, com suas cançonetas italianas emocionando a todos, especialmente a mamãe, a quem dedicava todas as vezes a sua interpretação de “Torna a Surriento”, de Ernesto De Curtis e Giambattista De Curtis, com uma voz de barítono de dar inveja a muitos cantores profissionais. E foi assim que aprendi a fazer o molho de tomate, grande segredo da macarronada de Dona Luiza. A receita é simples, sem mistérios, sobretudo por vir recheada de emoção e lembranças saudosas.

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INGREDIENTES 2 pacotes de macarrão de meio quilo – fabricação caseira 400 g de queijo parmesão de boa qualidade, ralado em casa 1/2 copo lagoinha de vinho tinto 5 kg de tomates bem maduros – de preferência orgânicos – com a pele e as sementes, pois desaparecem com o cozimento 1 quilo de cebola – cortada em cubos 2 pimentões orgânicos 1/2 copo lagoinha de azeite. Temperos: uma cabeça de alho, sal a gosto, orégano, tomilho, noz-moscada moída na hora, salsa desidratada e folhinhas de manjericão fresco (estes também a gosto). Receita para oito pessoas. MODO DE PREPARO Refogar no azeite o alho e sal socados no pilão e a cebola, juntamente com o pimentão e todos os temperos (deixar umas folhinhas de manjericão para enfeitar o prato). Dourar bem. Juntar os tomates. Quando estiver soltando do fundo da panela,

colocar água para cobrir os tomates e deixar cozinhar por, pelo menos, cinco horas. Isso mesmo, cinco horas! Sem essa de panela de pressão. A água deve ser acrescentada à medida que o molho for secando, por quantas vezes forem necessárias. O molho estará pronto depois dessas cinco horas. Neste momento, coloque uma colher de chá de sal e uma colher de sopa rasa de açúcar, além do vinho. A consistência é aquela de molho comprado pronto. Assim que o molho estiver pronto, a água do macarrão deve estar fervendo em panela grande. Jogue a massa e espere de 5 a 7 minutos para que fique al dente. Escorra a água. O queijo deve estar ralado. Em um pirex grande, prepare o prato em camadas. Coloque no fundo uma porção do molho, seguida do queijo ralado salpicado e um pouco da massa. Venha novamente com o molho e o queijo ralado, mais uma camada de macarrão, que deverá ser coberto com muito molho e queijo ralado. Enfeite o prato com folhas de manjericão. Buon apettito!

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Anna Marina Siqueira: quantas histórias! por Virgínia Castro

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uxei ao meu avô. Adoro torresmo!”

Conhecer de perto a jornalista Anna Marina pode não ser tarefa fácil. Mas, de nome, ela é conhecidíssima dos mineiros. Afinal, são 60 anos de trabalho dedicados aos Diários Associados, primeiramente, ao extinto Diário da Tarde e, depois, ao Estado de Minas. Foi ela a primeira e única editora do “Caderno Feminino”, que circulou por mais de 30 anos. Atualmente, edita, com o mesmo cuidado e capricho, o “Caderno Degusta”. O “Caderno Feminino” era uma espécie de almanaque da mulher, com assuntos relacionados à moda, casa, decoração, acessórios e, é claro, à culinária. Aos poucos, foi abordando outras temáticas. Não cabe aqui fazer uma análise antropológica ou sociológica do Caderno, mas, tão somente destacar o que nos interessa: a coluna de receitas, uma das mais procuradas (senão a mais!) e a ligação da editora Anna Marina com a gastronomia. Antes disso, vale lembrar que outra colunista, Ivone Borges Botelho, responsável pelo “Caderno de Cultura” do Estado de Minas, também arrebatou leitores vorazes por seus conselhos sentimentais, artigos e receitas, por quase 33 anos, alcançando uma popularidade que acabou lhe rendendo quatro mandatos como vereadora em Belo Horizonte. “Ela era fantástica, uma mulher além de sua época. E sua coluna tinha sempre uma receitinha”, relembra Anna Marina. Na entrevista que se segue, a jornalista Anna Marina, diabética há 30 anos, perpassa conosco os momentos saborosos de sua infância na barroca Santa Luzia (MG), em meio a uma família que sabia apreciar os prazeres da cozinha e da boa mesa mineira. Fala também de seus gostos e das muitas viagens gastronômicas que fez com o marido, já falecido, Cyro Siqueira (um dos diretores do jornal Estado de Minas), dentre outras “coisinhas mais”!

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181 Foto: Marcos Alvarenga


NOSSA PROSA SABOROSA Virgínia – Como surgiu a sua paixão pela culinária? Anna – Sou de uma família tradicional de Santa Luzia – os Teixeira da Costa. O povo de lá é da comilança. Éramos sete mulheres. Minha mãe nunca nos deu uma aula sequer de culinária, mas todas sabíamos cozinhar. Aprendemos vendo a mãe, outras parentes e cozinheiras preparando os pratos, a maioria feitos em fogão à lenha. Sei fazer coisas diferentes – por exemplo, o arroz vermelho, que é típico da agricultura de Santa Luzia. Faço com carne de porco. Sentar à mesa com a família, com os amigos, é uma coisa muito boa. Sou de uma família imensa, mas hoje conta-se nos dedos as pessoas... Toda a vida, cozinhei. Já cozinhei em todos os fogões que você possa imaginar – do fogão a lenha ao mais sofisticado. Quem sabe cozinhar, não precisa de receita. Eu fazia tudo “no olho”. Fazia até bolos confeitados, lindos, para o casamento das sobrinhas. Na minha casa, depois de casada, todo domingo tinha almoço pra muita gente. E comidas diferentes – paella, por exemplo, que pouca gente conhecia. Marisco... As pessoas olhavam e achavam que eu estava dando veneno para elas comerem (risos). Escarafunchava e achava muitas receitas diferentes, que trazia de outros lugares. Como mineira da gema, você deve gostar muito de cozinha mineira... Gosto muito. Puxei ao meu avô. Adoro torresmo! Quando ele sofreu um derrame e já estava acamado, pagava pra gente ir à cozinha roubar torresmo pra ele. Ele passava a unha no dinheiro: o que tinha serrilha, ele não dava, pois era de maior valor, mas o que não tinha, ele dava pra gente, em troca de torresmo. Com os festivais gastronômicos, a cozinha mineira acabou caindo no gosto de muita gente, não é? Sim. A cidade de Tiradentes, por exemplo, sempre foi referência em comida mineira. Eu ia muito lá. Inclusive fui uma das que ajudou a organizar o primeiro “Festival de Gastronomia”, há mais de 20 anos. Mas vou te dizer uma coisa: ano passado eu fui, mas não quis saber de comer muita coisa. A culinária do Festival, hoje, é internacional – umas coisas muito complicadas... É como os buffets de hoje em dia. Muito a propósito. Os buffets. O que você tem a dizer sobre eles? Olha, eu gostava muito do Buffet Catarina. Era um bom exemplo de Buffet legal. Mas hoje... Fui numa solenidade, recentemente, e acabei ficando lá por pouco

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tempo. Tudo era servido em colherinha... Fazem umas maçarocas e dão para os convidados comerem! O mesmo digo dos pães. Adoro pão. Mas quando complicam demais, colocam muita coisa, muito perfume, acabam estragando... Eles ficam mais bonitos do que gostosos. Sou meio tradicional nesse ponto: gosto mesmo é do velho pão de sal. E saiba que não gosto de caviar... Uma vez fui à Rússia e vi, num evento, aquele monte de gente avançando no caviar. Não dei a mínima! Já que estamos falando das “invencionices” no campo da culinária, o que você tem a dizer dos restaurantes a quilo, dos fast food, das comidas vegetarianas e veganas e dos pratos congelados? Normalmente, não gosto muito. Sou antiga. Gosto de comer em casa. Lá, sou servida! Mas, havia um restaurante de comida a quilo muito bom na Rua Goiás, próximo ao antigo prédio do jornal Estado de Minas. Pena ele ter fechado. Os fast food viraram moda também. E acabaram com o requinte da comida. Gosto mesmo é de restaurante como o Dona Derna, em Belo Horizonte. Frequento desde quando funcionava na Avenida Barbacena. Sempre vou lá para comer um tornedor. Quanto às comidas vegetarianas e veganas, corro às léguas! E raramente recorro aos congelados. E de churrasco, você gosta? Não. Prefiro carne de boi à carne de porco. A primeira vez que fui à França, quis comer um steak a poivre. Pedi ao chef para passar bem passado e partir ao meio. Ele quase me bateu! Não deveria ter pedido, não é? Que tal os queijos? Na Serra da Piedade tem um queijo muito bom. Colocam numa gruta para secar. Eu trazia muito queijo da Serra da Estrela, em Portugal. Gosto muito de queijo, mas, hoje em dia, como menos. O queijo de que mais gosto é o parmesão. Costumo comprar peças inteiras, deixo na cozinha por uns dois, três meses, curando. Depois congelo. Além da cozinha mineira, que outras cozinhas típicas você aprecia, no Brasil? Gosto muito da cozinha baiana, das comidas do mercado Ver o Peso no Pará (onde as panelas brilham!) e da cozinha cearense (foi lá que comi pela primeira vez a couve frita!). Das delícias que você costuma preparar na cozinha, elegeria alguma, em especial? Bacalhau é uma. As pessoas adoram! Mas o prato que preparo com bacalhau não leva pimentão e nem tomate. Só azeite, cebola, alho e vai ao forno para

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cozinhar, com muito azeite. Também faço canjiquinha com costelinha e vaca atolada (caldo de mandioca com costela de boi). Um dos meus pratos prediletos é o frango ao molho pardo. Também sei fazer uma ótima galinha com lichia. Meus sobrinhos vêm almoçar na minha casa e apreciam muito esse prato! Elegeria um restaurante internacional? O melhor prato é o da hora. Mas gosto muito de comida portuguesa. Entro naquelas pousadas em Portugal, fuço, vejo... Em Lisboa, tem um restaurante que se chama “Bica do Sapato”. Gosto da comida de lá. Vamos falar um pouco sobre sua experiência no jornal Estado de Minas e sobre as primeiras colunas de receitas. Como elas eram feitas? Entrei primeiro para o Diário da Tarde, a convite do Fred Chateaubriand, para editar a coluna social. Só depois fui para o Estado de Minas fazer o “Caderno Feminino”. Naquela época, a cidade já estava mudando, e mulher não tinha mais vergonha de saber cozinhar. Porque, antigamente (veja você que coisa horrorosa!), só a mulher de classe “baixa” podia cozinhar. Mulher “de sociedade”, como eram chamadas as de classe média alta tinha vergonha de ir para o fogão. Entretanto, chegou o tempo em que nem todos podiam se dar ao luxo de contratar empregadas domésticas e cozinheiras. Foi aí que muita gente começou a cozinhar e a se interessar por receitas. Passou-se a valorizar, inclusive, as receitas de família, que eram passadas de geração a geração. Nos anos 1960, a coluna de receita do “Caderno feminino” vinha abaixo da coluna social do Wilson Frade. Havia uma senhora (não me lembro o nome) que me mandava receita toda semana. E eu, como toda vida gostei de cozinhar, pegava receita com os chefs (inclusive alguns famosos!) em restaurantes internacionais, nas vezes em que viajávamos – eu e meu marido. Como era publicar uma receita de chefs internacionais num jornal de uma cidade ainda provinciana como Belo Horizonte, nos idos dos anos 1960? De certa forma isso não foi uma ousadia? De certa forma, sim... Os produtos importados ainda não chegavam na cidade. Comprar um ingrediente mais sofisticado na BH daqueles tempos não era nada fácil. Lembro-me de uma mercearia localizada onde ficava, o também (infelizmente) já extinto Cine Pathé, que vendia bons produtos, alguns importados. Outros ingredientes eram encontrados na antiga Feira de Amostras, que ficava atrás da Rodoviária. Nos primórdios do “Caderno Feminino” ninguém sabia o que era uma trufa, por exemplo. Achavam sempre que era chocolate! Mesmo assim, ousei trazer receitas com ingredientes mais sofisticados para a coluna.

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Visitava as cozinhas de restaurantes na Europa e nos EUA para ver como eram feitos os pratos. Sempre voltava com a mala cheia de comida (naquela época a alfândega não se incomodava!). Trazia vinhos, queijos, azeite, e até mesmo o famoso presunto espanhol, Pata Negra. Somente com o tempo as pessoas foram se acostumando com novos e sofisticados ingredientes. Por muitos anos, você editou o “Caderno Feminino”, com receitas que eram habitualmente lidas e testadas por mulheres. Mas, com o tempo, os homens foram ganhando espaço nas cozinhas, tornando-se, inclusive, grandes chefs. O que você acha dos homens na culinária? Talvez os homens estejam ocupando um grande espaço na culinária, porque não têm de cozinhar por obrigação, como muitas mulheres, e sim por opção. Eles não têm de ir à cozinha todos os dias, como a boa parte das mulheres. Na verdade, muitos deles começaram a gostar de cozinhar, fazendo churrasco. Como eu não gosto, nunca entrei nesse meio... Mas, hoje, você tem mais chefs homens do que mulheres. E o “Caderno Gastrô”? São quatro páginas, sem anúncios. Nele, publico receitas de chefs e de gente conhecida que saiba cozinhar. Ninguém vem mais atrás de mim pedir para publicar receita, hoje em dia. Quando vem, é porque não é bom. Eu mesma faço a pauta, escolho as fontes e edito. Os repórteres que trabalham comigo, correm atrás das fontes e das matérias. E, de vez em quando, trazem sugestões. Como jornalista de jornal impresso, que paralelo faz entre os livros de receita e as pesquisas em sites de culinária, na internet? Tenho muitos livros diferentes de culinária, inclusive portugueses, italianos... De todos lugares que vou, trago um livro. Não consulto internet para pesquisar receitas, pois, lá em casa, tenho livros de culinária deste mundo e do outro (risos)! Encontrei, há pouco tempo, um livro de receitas do século 15. Incrível! Para fazer um doce, eles levavam 15 dias. Todas as receitas – doces ou salgadas – terminavam com açúcar ou canela por cima. Livro de culinária é uma coisa que eu gosto de guardar. De resto, não costumo guardar quase nada... Nem fotos e nem mesmo minhas colunas e meus cadernos (esses estão no arquivo do jornal). Tenho mais o que fazer na vida! Nesses 60 anos dedicados ao jornalismo, dá para falar do melhor momento? Não tem um melhor momento. Tudo é profissional. Não tem uma especificidade. O melhor momento é quando você pega o boné e vai embora!

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Foto: Arquivo Pessoal

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“ Trilhas do sabor”: receita de sucesso

José Eduardo Gonçalves

A

o contrário dos colegas presentes nesta publicação, brindados pelos deuses com dotes insuspeitos para o ofício de cozinhar, eu sequer sei fazer um ovo frito. O máximo a que me permito é coar o café matinal quando não há outra mão caridosa que possa me acudir. Ao meu despreparo no manuseio de panelas e temperos se contrapõe um interesse desmedido pelas coisas da culinária em geral – restaurantes, cardápios, novidades gastronômicas e programas de TV dedicados aos usos e costumes da cozinha. Ou seja, sou da turma que gosta de comer. Não sei cozinhar, ponto. A culpada por essa falha, claro, é a mãe. A minha não nos permitia entrar nos seus domínios, ciosa que era de sua exuberância nas artes de bem cozinhar. Cresci temendo as panelas e nada me curou esse medo. Quis o destino, no entanto, que o gosto pela comida e por tudo que envolve esse tema cruzasse o meu caminho por outras vias. Melhor dizendo, pelas vias editoriais. Coordenei ou participei de várias publicações voltadas para a valorização da culinária brasileira, como a série produzida pela LF/Mercado para a Abrasel – Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, entre 2004 e 2008. Foram quatro belos livros que ajudaram a conhecer o país a partir de roteiros gastronômicos primorosos. Esse trabalho me aproximou de Rusty Marcellini, o autor dos roteiros e das fotografias dos livros, hoje reconhecido no país todo como grande pesquisador de gastronomia e comentarista de rádio e TV. Desconfio que a experiência que irei narrar agora tenha ajudado a catapultar o amigo ao panteão em que ele se encontra hoje. Um de meus orgulhos profissionais é ter sido presidente da Rede Minas de Televisão, logo após dirigir a Rádio Inconfidência. São dois veículos públicos muito diferentes – mas essenciais para a sociedade. Ali podemos experimentar linguagens, narrativas, propostas, renovando o nosso olhar sobre o que nem sempre é prioridade na mídia, como as questões do patrimônio cultural. A

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culinária brasileira, por exemplo, é de uma potência extraordinária. Por isso mesmo, no início de 2010, decidimos criar um programa dedicado às tradições, à cultura e aos saberes da gastronomia nacional, em especial a mineira. Quem pilotou essa ideia, desde o início, não poderia ser outro senão o Rusty, pesquisador incansável desse universo – basta dizer que ele já garimpou preciosidades em todos os 26 estados brasileiros, mais o Distrito Federal. Essa ideia começou a ser gestada no início de 2010 e consumiu horas, dias, semanas, meses de discussões, pautas e breves ensaios, até se traduzir em um programa piloto, em agosto de 2010, dedicado aos doces em barra de São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto. Já batizado de “Trilhas do Sabor”, o programa passou por um bombardeio severo da nossa diretoria. Na metade da exibição, lembro-me bem, eu interrompi a projeção e disse, categórico: “Não é nada disso!”. E levamos à frente uma discussão acalorada, generosa, transparente e responsável, o que remeteu o programa direto à sala de recuperação pós-traumática. Em outras palavras: redefinimos o formato, adotamos novos procedimentos, filmamos e editamos tudo de novo. Encontrado o caminho, passamos a viajar e a coletar material, editando com calma os primeiros programas. “Trilhas do Sabor” estreou, finalmente, em 06 de dezembro de 2010, quase um ano depois de começar a ser pensado. Assim são as coisas na televisão, quando não mais lentas. Tenho muito carinho por essa história. Ali criamos, de fato, um programa de cultura gastronômica. Não era um espaço de receitas ou de dicas para a cozinha. Era um programa sobre a enorme cultura mineira e brasileira no campo da comida e da culinária. Sobre os protagonistas dessa cultura – a gente simples que planta, colhe, cria, produz, cozinha e delicia as nossas vidas. Jamais foi um programa sobre o chef sabe-tudo, mas sobre aqueles que cotidianamente fazem o melhor de nossa culinária. No final daquele ano eu saí da TV, tendo exibido apenas quatro edições: a primeira foi mesmo sobre os doces de São Bartolomeu, seguindo-se o Festival de Jabuticabas de Sabará, um especial sobre o Natal e, finalmente, um sobre chás e panquecas de Nova Lima. Foi a minha derradeira contribuição à TV. O programa cumpriu uma jornada vitoriosa de 100 edições, até sair do ar em 2013. Até hoje, me diz o Rusty, ele é reconhecido na rua por causa do programa. Essa história pertence a muita gente. Pertence a mim, igualmente. Sou uma negação na cozinha, mas essa receita do “Trilhas do Sabor”, que eu ajudei a trazer ao mundo, essa dá água na boca.

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Trilhas do sabor Rusty Marcellini

“P

or acaso você não é aquele cara que comia de tudo na televisão?”, pergunta alguém no meio da rua já abrindo um sorriso. Respondo que sim. A pessoa logo rebate, dizendo o quanto adorava assistir ao “Trilhas do Sabor” e o quanto sente saudades dele. O programa foi exibido entre 2010 e 2013 na Rede Minas de Televisão, mas, ainda hoje, em 2018, as pessoas me abordam dizendo o quanto gostavam de me ver provando de tudo por todos os cantos de Minas Gerais. Lembro como se fosse hoje da reunião em que a linguagem do “Trilhas do Sabor” foi estabelecida. Na sala da presidência da Rede Minas estavam reunidos os diretores de jornalismo, de conteúdo, de programação e mais um punhado de gente. O presidente era o amigo José Eduardo, que havia trabalhado comigo na série de livros Caminhos do sabor. Em uma televisão estava sendo exibido o que imaginei ser o piloto do programa: um episódio com linguagem documental, quadrada, em que minha função era comandar as entrevistas atrás das câmeras. José Eduardo era o único ali que

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Foto: Bruna Cabral


me conhecia um pouco melhor. Talvez pela amizade, ou por ser sincero mesmo, foi ele quem teve a coragem de dizer: “Não! Pode parar. Não é nada disso que eu quero”. Virou para mim e foi brutalmente honesto: “Rusty, você tem que ir para a frente das câmeras, provar a comida, dizer se está boa, ajudar as pessoas a cozinhar. Precisa interagir com elas e, mais importante, se divertir”. Na hora, o susto foi grande. Mas à noite já estava pensando em como regravar tudo. Teria que voltar ao distrito de São Bartolomeu e pedir aos doceiros para refazerem todos os doces que haviam sido mostrados no piloto reprovado. Fui e fiz! Alguns meses depois, o Trilhas estreou. Eram 22h30 de segunda-feira, 6 de dezembro de 2010. Poucas semanas depois, as pessoas começavam a me parar na rua: “Você não é aquele cara que prova de tudo na televisão?”. Zé, obrigado por me fazer ter que responder a essa pergunta até hoje.

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Foto: Alexandre Guzansche


Viajando nas cozinhas de Minas e do mundo Eduardo Tristão Girão

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a casa dos meus pais há uma foto em que apareço na sala, por volta dos quatro anos de idade, destampando uma panela. Nunca houve cozinheiros profissionais na minha família, mas sempre gostamos de comer bem, comida sempre foi assunto. Trago na memória (e ainda tenho a sorte de comer) pratos deliciosos da minha mãe: estrogonofe, empadão, bacalhoada, costelinha com farofa, lombinho com taioba, arroz de forno, carne de panela, feijoada, almôndega. Havia background, portanto, mas foi por obra do destino que me tornei jornalista gastronômico. Me formei em jornalismo na PUC-MG, em 2004. Nasci em Belo Horizonte mesmo, em 1981. Meu último estágio foi no jornal Estado de Minas, mais especificamente na ronda, monitorando todo tipo

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de acontecimento pelo telefone, rádio, televisão, sites e um aparelho sintonizado na frequência do rádio da polícia. Formidável escola para qualquer aspirante a repórter, e eu imaginava ter oportunidade justamente no caderno de cidades. Faltando algumas semanas para que eu me formasse, no entanto, veio me bater no ombro o então editor de cultura, o brilhante João Paulo Cunha. Ele ofereceu oportunidade de fazer “frila” para o caderno de fim de semana, o “Divirta-se”: uma reportagem sobre bares e restaurantes de Belo Horizonte por edição, além do roteiro de estabelecimentos para montar e conferir constantemente. A primeira reportagem foi sobre peixe, uma confusão entre dicas de onde comprar e de onde comer. Naquela época, o jornalismo gastronômico como o conhecemos hoje – mais ligado à objetividade e pensado para funcionar como serviço – engatinhava na cidade. Não havia quem ensinasse e o jeito foi aprender na prática. Mais ou menos nessa mesma época, Belo Horizonte vivia período de transformação. O cogumelo seco chileno, “Funghi Secchi”, estava no auge, queijo ainda não era conhecido pelo nome do produtor, cervejarias locais podiam ser contadas nos dedos da mão e o público se encantava por risoto. Ainda não havia na capital mineira ceviche, temaki, paleta mexicana, frozen yoghurt, variados métodos de extração de café ou imigrantes sírios fritando Falafel. Para se ter ideia, o Eddie Fine Burgers ainda não tinha concorrência no ramo de hamburgueria. Espetinhos ainda não eram febre. Noticiei, muitas vezes em primeira mão, a inauguração de casas importantes na cidade, (algumas delas já extintas), a exemplo do Glouton, Belo Comidaria, Trindade, Borracharia, Hermengarda, Bitaca da Leste, Pão de Queijaria, Academia do Café, Salumeria, Cantina Piacenza e Birosca S2. Entrevistei longamente nomes importantes, de Zé Mário a Alex Atala, passando por Dona Lucinha, Dona Nelsa, Claude Troisgros, Jorge Rattner, Paulo Martins, Thiago Castanho, Ivo Faria e Carlos Dória – fora os poucos e preciosos minutos conquistados com esforço diante do chef espanhol Ferran Adrià e do fundador do movimento Slow Food, o italiano Carlo Petrini. Testemunhei (escrevendo) a reocupação da varanda do edifício Maleta por bares, que começou em 2010 com a inauguração do Arcângelo. Em se tratando de cena gastronômica, vi nascer a Rua Sapucaí, a alameda Oscar Niemeyer (Seis Pistas), a rua Alberto Cintra, a avenida Francisco Sá, a Rua Pium-Í. Escrevi sobre a disseminação dos restaurantes indianos, o novo perfil de casas italianas, o mofo como tendência nos queijos artesanais mineiros, a história dos pratos tradicionais de BH. Paralelamente, noticiei com pesar fechamentos de cozinhas inesquecíveis como a do iraniano Amigo do Rei e do irreverente Aurora.

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Cobri diversos eventos gastronômicos na cidade, como o Festival de Gastronomia de Tiradentes (por anos a fio), Fartura, Comida di Buteco (que depois ganhou o concorrente Botecar) e Sabor e Saber – este último com vinda de chefs espanhóis para jantares e cursos no auge do prestígio da vanguarda espanhola. As feiras e eventos de rua, como Aproxima, Experimente e Feira Fresca, cresceram e floresceram bem diante dos meus olhos, estimulando relação mais saudável do morador de Belo Horizonte com o espaço público. Viajei para descobrir vinhos e queijo Serra da Estrela (Portugal), cobri a participação da comitiva mineira no Madrid Fusión (Espanha), sobrevoei a maior plantação de coco do mundo (no Pará) para conhecer o ciclo do fruto na indústria, subi a Serra da Piedade para ver exatamente como é que o queijo do Frei Rosário fica tão mofado e cremoso, fui comer buchada de bode debaixo de um calor de rachar em Pernambuco, sentei anonimamente no balcão e paguei a conta no ótimo restaurante Lasai (Rio) após entrevistar o chef Rafa Costa e Silva pelo telefone. Aliás, gastei o que não tinha para poder comer o menu completo do estrelado Belcanto, em Lisboa. Foram muitas viagens. Com tudo isso, é claro, passei a amar cozinhar. Receitas italianas foram a primeira referência. Vivi a febre do risoto. Depois, me interessei pelas cozinhas de outros países, incluindo a brasileira. Hoje são os pratos nacionais os que me dão mais prazer na cozinha. Adoro fazer frango com quiabo, bobó de camarão, carne de sereno na manteiga de garrafa, moqueca, farofa. Mas tudo tem sua hora e outro dia mesmo estava feliz da vida preparando um cuscuz marroquino com anchova. E não há o que eu não coma. Inclusive, é muito importante que eu me mantenha experimentando todo tipo de comida e bebida, quer eu goste ou não. Só assim é possível não apenas me manter atualizado, mas seguir aprimorando minha capacidade de análise sensorial. É um treino que jamais acaba, pois quanto mais você experimenta, melhor vai ficando nisso. E é preciso ser cada vez melhor nisso. Em 2009, criei o “Blog do Girão”, inicialmente publicado de maneira independente na plataforma Blogspot e incorporado no ano seguinte pelo portal Uai. Além de dar vazão a conteúdo crescente de gastronomia que não cabia nas páginas do jornal, criei a “Barbada da Semana”, postagem semanal com dicas de estabelecimentos, produtos e serviços com boa qualidade e preço baixo. Usei o blog para dar vários furos, como informações e fotos da obra da tão esperada padaria do chef Ivo Faria, a Casa infinita, que acabou não durando muito tempo. Simultaneamente, escrevi para os cadernos EM Cultura, TV e Pensar, todos do Estado de Minas, como membro da editoria de cultura, me especializando não apenas em gastronomia, mas também em música instrumental. Fiz entrevistas

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memoráveis com Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal e o recluso Marco Antônio Guimarães, para ficar em poucos (e bons) exemplos. Também sou músico amador e tive a felicidade de entrevistar e cobrir shows de muitos ídolos daqui e de fora. Paralelamente à minha atuação no jornal Estado de Minas, fiz outros trabalhos significativos, importantes à minha formação e com grande repercussão. Escrevi reportagens para o jornal Estado de São Paulo e as revistas Prazeres da Mesa, Gula, Encontro e do Supermercado Verdemar. Em 2005, viajei durante dois meses por 40 cidades mineiras, avaliando bares e restaurantes para o Guia Unibanco Minas Gerais (editora Bei), período durante o qual cheguei a fazer cinco refeições diárias para dar cabo da tarefa. Também participei de votações da lista anual The World’s 50 Best, da revista inglesa Restaurant, que elege os 50 melhores restaurantes do mundo. Fora as participações como palestrante, mediador e jurado em diversos eventos do setor gastronômico. Acumulando todas essas ricas experiências, consolidei uma forma de escrever sobre gastronomia que não raro era percebida por leitores e profissionais do ramo como se fosse uma crítica gastronômica. Nunca foi. Sempre fiz reportagem. Meus textos sempre tiveram contextualização e alguma análise, o que talvez sugerisse tal percepção, além de aprofundamento, informações checadas com rigor, muitos detalhes, informações exclusivas e aspas fidedignas. Trabalhei como repórter do caderno de Cultura do Estado de Minas até outubro de 2016, sempre especializado em gastronomia. Meses antes da minha saída, iniciei projeto em torno dos queijos artesanais mineiros. Eu já tinha bastante experiência em entrevistas, reportagens e viagens para regiões queijeiras do estado, além de anos como consumidor frequente e atento do produto. Precisava fazer algo com tudo isso. Um amigo em comum me apresentou, naquele mesmo ano, à Renata De Paoli, médica veterinária, entusiasta de queijos artesanais e, na época, proprietária do bar INCanto, no bairro Sagrada Família. Ela queria promover uma degustação de queijos artesanais mineiros lá e, juntos, chegamos ao formato de harmonização com cervejas especiais do estado. Mas por questão de agenda, nunca conseguimos realizar o evento. No entanto, a semente havia sido plantada e levei a ideia adiante. A primeira degustação foi contratada por um grupo de cerca de 20 moradores de um condomínio em Casa Branca, ao lado de Belo Horizonte. Todos adoraram a experiência, fizeram muitas perguntas e se mostraram surpresos com a proposta e com qualidade dos queijos e cervejas, todos mineiros. Depois disso, não parei mais e o queijo tomou conta de boa parte do meu tempo.

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De lá para cá, realizo degustações como essa, sobretudo em Belo Horizonte, mas já fui, por conta dela, a Tiradentes, Ouro Preto, Juiz de Fora, Diamantina e Fortaleza. Estive em eventos como Festival de Gastronomia de Tiradentes, Fartura Brasil, Festival do Queijo Minas Artesanal e Minas Láctea e me apresentei para instituições como Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Super Nosso, Fiemg, Vinhos do Alentejo, Wäls, Academia do Café, Casa Flora, Academia Sommelier de Cerveja, Escola Experimente, Casa Ataré e Perestroika. Uso apenas queijos artesanais de alto nível nas atividades, selecionados em todas as regiões mineiras e algumas vezes comprados pessoalmente por mim nas fazendas. São todos feitos com leite cru (não pasteurizado), o que garante maior complexidade de aroma, sabor e consistência. Geralmente, as degustações são harmonizadas com cervejas especiais, mas já fiz com vinhos, cachaças e cafés. São quatro ou cinco etapas, cada uma com o serviço simultâneo de um queijo e uma bebida, incluindo comentários sobre os produtos e as respectivas combinações. E, do início ao fim, muitas perguntas dos participantes. Os temas podem ser os mais variados: de verticais de queijos de uma única região a panorama queijeiro do estado, englobando diferentes origens, métodos de produção e formas de cura. Seleciono pessoalmente todos os queijos que uso e eu mesmo corto cada um deles para servir e preferencialmente na hora, para que as fatias não ressequem e sejam degustadas em seu melhor momento. As pessoas estão descobrindo como o nosso queijo artesanal é incrível e é muito gratificante perceber isso. Também é ótimo poder participar desse momento contribuindo para o desenvolvimento de mercado para o nosso queijo, o que contribuirá para a sobrevivência de milhares de famílias que trabalham com empenho nessa secular tradição mineira. A variedade de queijos mineiros artesanais é espantosa, a qualidade de alguns desses produtos é impressionante, e cada vez mais produtores estão se aprimorando. Só agora toda a cadeia produtiva e o público consumidor estão despertando mesmo para isso. O momento é único. Hoje o produtor de queijo artesanal mineiro é visto cada vez mais como artesão. Como resultado, as pessoas têm levado a sério esse tipo de queijo como produto nobre, consumido mais e melhor, buscando mais informação sobre ele e as regiões e viajado para conhecer fazendas produtoras (ou encaixado esse programa em seus roteiros). As premiações nacionais e internacionais que receberam os queijos artesanais mineiros ultimamente ajudaram muito a popularizar o produto também. Ao longo desses anos, muitas experiências me marcaram e uma delas foi no início de 2016, quando visitei produtores de queijo na Serra da Canastra. O grupo em

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que eu estava voltou para BH e decidi estender a viagem para conhecer um produtor que sempre admirei, o Luciano Machado, em Medeiros. Dormi na casa dele para acompanhar a produção do seu fantástico queijo do início ao fim. Ele e a família trabalham juntos em todas as etapas, do cuidado com as vacas à rotulagem do produto. Foi lindo testemunhar essa comunhão. Me receberam com carinho e deixaram totalmente à vontade para ver, perguntar e fotografar tudo o que eu quisesse. Foram 24 horas mágicas, de aprendizado intenso e convivência próxima com pessoas especiais. Minha percepção sobre queijo e minhas ideias sobre o ofício do produtor mudaram depois dessa experiência. Mesmo acreditando que uso as competências do jornalismo para exercer essa série de atividades ligadas ao queijo, jamais deixei a escrita de lado. Continuei fazendo reportagens de maneira independente, postando regularmente em meu perfil no Instagram e cheguei a emplacar uma capa do caderno “Paladar”, do jornal O Estado de S. Paulo, sobre o renascimento do queijo artesanal do Serro, incluindo chamada no alto da primeira página – tudo com meu texto e minhas fotos. No momento, preparo o lançamento de meu site de gastronomia. Será focado em BH, mas com abertura para boas pautas no interior do estado, Brasil e exterior. Terá atualização diária, conteúdo completo (incluindo crítica de gastronomia feita como se deve) e a mesma atuação criteriosa de sempre. Ainda não posso divulgar o nome, mas todos saberão em pouco tempo. Noticiarei tudo o que for de interesse do leitor, percorrendo a cidade de ponta a ponta para descobrir o que há de melhor em se tratando de comidas e bebidas. Seja num boteco copo sujo, seja num restaurante com menu degustação. Para o verdadeiro interessado em gastronomia, não pode haver barreiras.

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Cozido mineiro marroquino Chico Maia

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empre gostei do assunto, mas nunca me aventurei por achar que era muito trabalhoso. Quando criança, via minha mãe cumprindo o difícil ritual de descascar, tirar a pele, fermentar, pôr de “molho”, mistura isso, mistura aquilo, experimenta, põe mais desse tempero, menos daquele... ufa! O tempo passou e a gastronomia virou moda, passou a dar fama, grana e a consagrar cozinheiros e cozinheiras, que passaram a ocupar importantes espaços na mídia, na TV, especialmente, com programas e publicações especializados. Aí é que as coisas se complicaram mais ainda. Difícil demais assimilar aquela sofisticação toda e cuidados recomendados com as combinações de ingredientes, harmonizações e coisas tais. Mas, assistindo a um programa e outro, lendo algum caderno especial dos jornais, fui vendo que há opções de todo tipo, que permitem aliar praticidade com sabor. Até que conheci o Marrocos e a “Tajine”. Em qualquer restaurante, do mais simples ao mais sofisticado, lá estava aquela panela de barro. Com uma tampa em formato de cone, servida direto do fogão para a mesa do cliente, nos formatos individual, para duas, três ou quatro pessoas.

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INGREDIENTES

MODO DE PREPARO

Carne (frango, carne de boi ou peixe)

Preparo mais simples, impossível!

Legumes a gosto

Carne, frango ou peixe misturado com legumes a gosto, alho, pimenta, cebola, sal e ervas frescas, muitas ervas: alecrim, salsa, cebolinha, manjericão, hortelã, orégano, açafrão...

Ervas: (a gosto) alecrim, salsa, cebolinha, manjericão, hortelã, orégano, pimenta, açafrão Cerveja Pilsen

A “Tajine”, que consegui trazer intacta de Marrakesh trincou a tampa e está temporariamente fora de combate.

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Prefiro carne ou frango devido à despreocupação com o tempo de cozimento. Não utilizo gordura. Carne (paleta, acém ou lagarto, em cubos) ou frango (a passarinho) deixo marinando na cerveja (pilsen) pelo menos uns 60 minutos. Divido os legumes (batata,

cenoura, inhame, abóbora, mais cebola (picada e inteira) e uma pitada de gengibre. Em cima, tomates cortados em rodelas e as ervas. Ponho tudo para cozinhar em fogo baixo, na cerveja, e à medida que vai secando acrescento água. Quanto mais cozido, melhor. Uma hora ou até mais. Combina bem com vinho tinto seco, Falke Bier Ouro Preto ou Falke Bier Villa Rica.

Foto: Arquivo Pessoal

Entretanto, muito bem substituída por panelas de barro ou pedra que adquiri nas estradas de Tiradentes (perto de São Brás do Suaçuí) e Ouro Preto (em Cachoeira do Campo).

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Foto: Marcos Alvarenga


Um brinde à arte do recomeço A

Eduardo Murta

vida tem dessas generosidades. A de ser uma escola sem matrícula. Cedo vai nos guiando, ora estendendo a mão, ora recolhendo – sugerindo que façamos nossas escolhas. A minha veio cedo: escrever, contar histórias. E olha eu aqui pra mais uma delas. Jornalista, escritor, uma rotina nas redações desde dezembro de 1986, passando por praticamente todas as áreas. O primeiro livro, em 2006, a sequência de oito Copas do Mundo, oito eleições presidenciais (contando a de 2018, hein, democracia), amor incondicional ao jornalismo e as dobras da vida nos abrem uma nova janela. Sim. Começar do zero. Prazer, sou o lúpulo. Prazer, sou o malte. Prazer, sou a levedura... E não é que o desafio de produzir cerveja artesanal em casa chegou aos 52! Por que a opção? Foi, sem trocadilho, a junção de vários ingredientes: a crença de que é mesmo algo especial, a convicção de que teria lastro para uma possível aposta comercial e, por fim, a sedução diante dessa magia transformadora da cozinha. Palavra de quem até então se especializara – sem louvor – na fritura de ovos e em coar um café. Mais: que se assombrava aos primeiros sinais do gás viajando pela trempe. O interesse, a conversa com amigos já iniciados (obrigado, Fabiana Arreguy; obrigado, Augusto Franco; obrigado, Félix Ribeiro), e uma soma de pontos de interrogação pairando no ar. Dar o passo seguinte? Com a decisão tomada, vem aquela inevitável sensação do salto inaugural de paraquedas. Fui. Um curso básico num domingo, aquelas panelas “gigantescas”, o fogão industrial e suas chamas encantadas, os equipamentos de medição... Lá vamos nós. Profundidade de conhecimento próxima a de um pires. Mais do que nunca, a arte era remédio: em tradução livre, “É caminhando que se faz o caminho”, do poeta espanhol Antônio Machado, virou mantra. Pé na estrada, amigos. E as viagens de começo, creiam, costumam ser feitas de pequenos naufrágios. O que importa, para além disso, é como nos recompomos.

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Daí, a cerveja sem gás da estreia (que ponta de decepção!!) e as em sequência com arrasto de fermento e adstringência ao cubo eram a senha de que nada seria – nem será – fácil. A saída estava na junção de prática (ainda que meio às cegas) e busca incansável por conhecimento a partir do mergulho na leitura técnica, em vídeos, fóruns e no socorro de quem já superara a fase embrionária. Ufa! As cervejas começavam a vir no ponto – ou perto dele (ah, Gardênia, você foi fundamental!). Então, passamos da série de erros gigantescos à promissora coleção de pequenos acertos e da cumplicidade com os novos termos: brassagem, inoculação, fly sparge, whirpool, atenuação, dry hopping, carbonatação, offflavor, ABV, IBU... E dentre as tantas decisões felizes, além de um curso de aprimoramento, estava a de não cair naquela tentação de abraçar o mundo. Miramos em dois estilos e fomos refinando processos, corrigindo, até que viessem resultados melhores. Àquela altura, dezembro de 2016, já tínhamos um nome em mente e um produto tomando forma. Que tal empreender? Confesso, não era tarefa fácil para quem teve o primeiro contrato de trabalho com carteira assinada aos 14 anos e seguia sob o guarda-chuva da agora moribunda CLT. O início foi com a compreensão e solidariedade dos amigos (verdade que beberam algumas cervejas um tanto fora do prumo). Para compensar, foram os que puderam dar a boa nova: “Acho que vocês finalmente acertaram na receita”. Do empurrão essencial dos amigos para o rótulo (ah, Gabriel Seara e Cau Gomez, vocês foram fantásticos). A Flor do Campo chegava, enfim, ao circuito alternativo. Degrau a degrau. Porta a porta. Um plano de voo a partir de uma outra métrica: quem atravessara a vida “vendendo” histórias e ideias se colocava sob o desafio de vender (e literalmente) cerveja artesanal. A natureza do produto acabou ajudando um tanto. Mas sem qualidade não iria a lugar algum. O melhor em meio a essas provações é que a cerveja tem também muito a ensinar. Lições a cada instante em que colocamos a água para aquecer e direcionamos a pá cervejeira à panela já com o malte. Das minúcias nas medições para confirmar o ponto ideal, no controle neurótico de temperatura, nos cuidados extremos com limpeza e sanitização. Há em todo esse processo, do marco inicial ao fim, um rito que faz amadurecer o exercício da paciência. Seja pela média de seis, sete horas até que os grãos e o lúpulo passem pelo fogo do cozimento e fervura e cheguem à geladeira. Seja pelo quase mês entre o período de fermentação e aquele momento de finalmente abrir a tampinha e brindar. Amo o jornalismo, sigo jornalista, amo a literatura, sigo escritor, e ainda partilhando uma centelha desse amor com as cervejas artesanais. Prazer, me tornei também cervejeiro caseiro. Um brinde à arte do recomeço.

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Porque bacon (e cerveja) é vida! Fabiana Arreguy

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esde 2007 venho mexendo com cerveja artesanal. Primeiro como hobby quando, a convite, fui fazer parte da “Confece” (Confraria Feminina da Cerveja). Depois profissionalmente, pois a partir de 2009 passei a produzir e apresentar a coluna Pão e Cerveja, inicialmente na Rádio CBN e, atualmente, na Rádio CDL FM. Quando comecei a conhecer, o segmento dava seus primeiros passos em Minas Gerais, com poucas cervejarias profissionais no mercado e menos de cem cervejeiros caseiros em ação. Hoje temos no estado 72 cervejarias registradas e atuantes, com centenas de cervejeiros caseiros produzindo, além das dezenas de cervejarias ciganas, como são chamadas as marcas que não têm fábrica própria, mas têm seus produtos legalmente à venda, graças à fabricação em cervejarias que alugam sua capacidade ociosa. Muita gente pensa que cerveja artesanal é apenas mais uma onda, das muitas que surgem a cada ano por aí. Eu tenho convicção que não! O que vivenciamos hoje no mercado é a consolidação do trabalho de cervejeiros pioneiros, que lutam para fazer o segmento crescer há pelo menos 20 anos.

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Foto: Carlos Avelin


Foto: Carlos Avelin

Minha história com a cerveja passa muito pela questão gastronômica. Foi esse um dos fatores principais que me atraíram para conhecer mais da bebida. Venho de uma família comilona, em que os grandes, pequenos e quaisquer eventos se dão em volta da mesa. Gostamos de cozinhar, de trocar receitas. Hoje dou aulas de harmonização de cervejas com comida, um campo que atrai a curiosidade da maioria das pessoas. Posso afirmar que a cerveja é capaz de acompanhar qualquer prato, seja salgado ou doce. Cerveja também pode ser um belíssimo ingrediente na preparação de pratos. E não estou falando de frango assado na cerveja, algo que todo mundo faz há décadas! Podemos criar receitas bem mais elaboradas em que o ingrediente cerveja se destaca. Para provar isso, aí vai uma receitinha embriagada.

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RISOTO DE BACON COM BANANA-DA-TERRA INGREDIENTES

Descarte quase toda a gordura da fritura, deixando apenas o suficiente para refogar cebola também cortada em pequenos cubos. Meia cebola para cada duas xícaras de arroz.

Xícaras de arroz arbóreo Bacon Cebolas Cerveja defumada

Quando a cebola branquear, junte o arroz e misture por um minuto.

Caldo de carne ou legumes Banana-da-terra Queijo parmesão ralado MODO DE PREPARO Uma das receitas que mais adoro preparar com cerveja foi uma criação minha em parceria com o cervejeiro José Bento Vargas: risoto de bacon com banana-da-terra. O grande diferencial desse prato é que utilizo cerveja defumada em vez de vinho para soltar o amido presente no arroz. Para calcular quanto de arroz, conte quantas pessoas serão servidas. Use arroz arbóreo. Para cada pessoa, meça uma xícara de cafezinho do arroz. Frite bacon cortado em pequenos cubos, use 100 gramas dele para cada medida de arroz. Reserve.

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Junte um copo de cerveja defumada (use a alemã Schlenkerla ou a mineira Küd Smoke on the Water) para cada duas xícaras de arroz. Deixe reduzir. Acrescentar caldo quente (pode ser de legumes, de carne, o que preferir) aos poucos, mexendo sempre o arroz. Quando estiver al dente, acrescentar o bacon reservado, cubos de banana-daterra fritos, queijo parmesão ralado. Desligar a panela, acrescentar uma colher de manteiga e tampar por cerca de 3 minutos. Voila! Prato fumegante e com cheiro de vida, afinal, bacon é vida! Para acompanhar, sugiro uma cerveja Weizenbock, diferente da utilizada no preparo do prato, que traz notas de caramelo e de banana semelhantes ao sabor do risoto. É irresistível!!!


Os Cozinheiros do Sabor das Letras


ACIR ANTÃO – Seresteiro e pesquisador da MPB. Apresentador dos programas radiofônicos “Programa Acir Antão” e “A Hora do Coroa”, na Rádio Itatiaia. Campeão de audiência, Acir dá destaque aos clássicos do samba e do choro, sempre valorizando artistas da velha-guarda e também os novos valores. Seu segundo prazer é a culinária e a boa mesa. AMAURY MACHADO – Jornalista e publicitário, foi assessor do vice-presidente José Alencar. Acompanhou o mestre Edgard Melo, da Asa Publicidade, no hobby de cozinhar.

AMÉRICO ANTUNES – Formado pela PUC-MG, Américo Antunes foi repórter dos jornais Diário do Comércio, Diário de Minas e O Globo e presidiu o Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). Atuante nas causas de preservação de bens históricos, culturais e naturais, ele coordenou a vitoriosa campanha Diamantina Patrimônio Cultural da Humanidade e organiza na cidade mineira o Festival de História, evento bienal único no País das artes e do ofício de reportar a história. Pela Editora Alameda, Américo publicou em 2016 o romance histórico “Nós, que amamos a revolução” e em 2018 “Do Diamante ao Aço - O ilustrado Intendente Câmara e a verdadeira história da primeira fábrica de ferro do Brasil”. ANNA MARINA SIQUEIRA – Editora do Caderno Feminino e Masculino do Estado de Minas, por mais de 30 anos. Edita o Caderno Degusta do EM. Uma das fundadoras da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia e ex-presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG. BETH FLEURY – Foi repórter da Folha de São Paulo. Ingressou posteriormente na Fiocruz, onde está até hoje. Especialista em Políticas Públicas e mestre em Sociologia, ambos pela UFMG. Cursa doutorado de Sociologia na UFSCAR. Tem livros publicados e prêmio nacional em poesia. Organizadora do “Dicionário Feminino da Infâmia – acolhimento e diagnóstico de mulheres em situação de violência” (2015 – Fiocruz). Trabalha com pesquisa sobre violência contra mulheres. CARLOS FELIPE – Jornalista e membro da Academia Mineira de Letras. Um dos fundadores do jornal O Binômio e diretor do SJPMG. Trabalhou em diversas entidades ligadas ao turismo mineiro e à cultura popular. Promove, com regularidade, em sua casa, um evento que ficou conhecido como “O Porão do Felipe” onde, em torno de um dos maiores acervos fonográficos do país, reúne artistas e jornalistas de várias partes do Brasil. Autor de vários livros, mantém também no “Porão” uma variada coleção de cachaças.

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CARLOS HERCULANO LOPES – Jornalista e escritor. Foi repórter do jornal Estado de Minas (EM Cultura). Ganhou o prêmio Lei Sarney, como autor revelação. Dois de seus romances, Sombras de julho e O vestido foram levados ao cinema pelos diretores Marco Altberg e Paulo Thiago, respectivamente. Publicou ainda “O Sol Nas Paredes”, “Memórias da Sede”, “Dança dos Cabelos”, “O Pescador de Latinhas”, “Coração aos Pulos, Entre BH e Texas e O Vestido, romance baseado em um dos mais conhecidos poemas de Carlos Drummond de Andrade, “Caso do vestido”. Algumas de suas obras já foram adaptadas para o cinema e TV. CEZAR VANUCCCI – Além de jornalista, é advogado, professor, presidente da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais. Escritor, com vários livros publicados, colaborador de diversos veículos de comunicação. Foi professor do primeiro curso de Jornalismo implantado em Minas Gerais. Ocupou, dentre outras, as seguintes funções: superintendente Geral do Sistema Fiemg, diretor da Rede Minas de Televisão, titular da Secretaria de Abastecimento e da Ouvidoria Geral da Prefeitura de Belo Horizonte, Presidente da Utramig. Idealizador do famoso programa “Ação Global”, lançado em todo o país em parceria do Sesiminas com a TV Globo. CHICO MAIA – Jornalista e advogado, fundador do jornal Sete Dias (Sete Lagoas). Trabalhou na Rádio Cultura (Sete Lagoas), Capital, Alvorada FM, América e Inconfidência (BH). Cobriu várias Copas do Mundo e Olimpíadas. Passou pela Band Minas e Rede TV. Foi colunista do jornal Hoje em Dia. Escreve para os jornais O Tempo e Super Notícia. Participa do programa Rádio Vivo, da Rádio Itatiaia. Ocupa o cargo de secretário adjunto de Comunicação da PBH. CLARA ARREGUY – jornalista e escritora. Trabalhou nos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas, na revista Veja Brasília, em assessorias e empresas de comunicação. Criou a Outubro Edições, pela qual já publicou 43 títulos, entre os de sua autoria e os de outros escritores. Tem 19 livros publicados entre romances, contos, crônicas e obras para o público infantojuvenil. DANIELLA ZUPO – Além de jornalista, é escritora e documentarista. Trabalhou como repórter, editora e apresentadora em veículos de comunicação mineiros como Rede Globo, Rádio Inconfidência e Rede Minas de Televisão, este último, no programa Agenda. Foi correspondente internacional do SBT durante os anos em que viveu na Alemanha. Criou e apresentou o programa “Viamundo”, revista diária de cultura pela Rádio Inconfidência FM.

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DÉBORAH RAJÃO – Formada em Jornalismo pela PUC/MG, é radialista e locutora na Rádio Inconfidência, onde atuou como repórter por cerca de 10 anos. Há 12 anos, apresenta o programa Revista da Tarde, de segunda a sexta-feira, de 14 às 16 horas, na AM 880 e pelas ondas curtas de 6010 e 15190 kHz. Também adora cozinhar todos os dias para sua família e afirma: “Meu tempero favorito é o amor!”. Também é blogueira (Blog de Déborah Rajão). EDILENE LOPES – Jornalista, com pós-graduação em arte, cultura e educação, sendo premiada por vários projetos sociais. Trabalhou na UFMG. Repórter da Rádio Itatiaia e ganhadora do Troféu Mulher Imprensa 2016 (SJPMG).

EDSON FERREIRA MARTINS - É da turma de 1973 de Jornalismo da UFMG. Trabalhou no Diário do Comércio, TV Globo, TV Manchete e Hoje em Dia. Foi um dos fundadores do De Fato e editor do Jornal dos Bairros, projeto de jornalismo popular na região industrial de Belo Horizonte e Contagem (1976-83). Foi professor da Comunicação da PUC Minas (1988-99). Trabalhou na Assessoria de Comunicação da PBH (1993-96) e foi secretário municipal de Comunicação de Congonhas (2009-10). Foi assessor de imprensa das campanhas para o governo de Minas de Patrus Ananias (1998) e Nilmário Miranda (2002 e 2006). EDUARDO TRISTÃO GIRÃO – Jornalista gastronômico premiado com a Medalha do Dia do Estado de Minas e o troféu Eduardo Frieiro. Foi repórter do jornal Estado de Minas e colaborou com o jornal Estado de S. Paulo e as revistas Prazeres da Mesa, Gula e Encontro. Avaliou bares e restaurantes para o Guia Unicard Unibanco e participou de votações da lista anual The World’s 50 Best. Desenvolve trabalho de pesquisa e divulgação de queijos artesanais mineiros por meio de reportagens, eventos e consultorias.

EDUARDO MURTA – Jornalista e escritor. Trabalhou nos jornais Diário de Minas, Hoje em Dia, Folha de São Paulo e Revista Veja. É subeditor de Esportes do Estado de Minas. Escreveu os livros Tantas Histórias. Pessoas Tantas, Galo – Uma Paixão Centenária, Minhas Condolências à Senhora Vera, Minha Palavra, Os dez mais do Atlético, e Um Brinde ao Tempo.

FABIANA ARREGUY – Começou sua carreira de jornalista na Rádio Cultura em Brasília. Atuou ainda na CBN-BH. Formou-se Sommelier de cerveja (Bier Sommelier) pelo SENAC-SP – curso em parceria com a Doemens Academy, da Alemanha. É jurada em concursos nacionais e internacionais de cervejas artesanais e divulgadora da cultura cervejeira mundial. Atualmente, produz e apresenta o programa Pão e Cerveja, que trata do tema de cervejas artesanais do mundo todo, micro cervejarias do Brasil e cervejarias.

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FÁTIMA DE OLIVEIRA – Fez sua primeira matéria jornalística aos 10 anos de idade sobre as doenças terminadas em “it”. Formada pela PUC Minas, trabalhou, dentre outros, na Rádio Itatiaia, Jornal de Minas (onde começou a carreira) e Diário da Tarde. Autora do livro infantil “Boni, um cachorro real” e do infantojuvenil “A Leoa Toquinha”, tendo participado da obra “Jornal de Minas, histórias que ninguém leu”.

GISELLE DUPIN – Jornalista, atriz, bacharel em Relações Internacionais e Master em Administração Cultural pela Université Paris Dauphine. Foi repórter e editora da Rádio Itatiaia e atuou em outros veículos e órgãos governamentais. Coordenadora-Geral de Cultura e Educação do Ministério de Cultura (Minc).

HELIA VENTURA – Graduada pelo curso de Comunicação Social da UFMG, nas especialidades Jornalismo, RP, Publicidade/Propaganda e Cinema. Trabalhou no Estado de Minas e Diário da tarde, onde começou como estagiária do EM. Foi repórter, redatora e encerrou a carreira como subeditora de economia. Também trabalhou no Governo do Estado de MG e na Belotur. HERALDO LEITE – Passou pelas redações do Hoje em Dia, O Tempo e Diário do Comércio. Trabalhou na Assessoria de Imprensa da Açominas e foi assessor de imprensa na Prefeitura de Ouro Preto. Tem MBA em Mídias Sociais e Gestão da Comunicação Digital. IVAN DRUMMOND – Jornalista. Diretor da Associação Mineira de Cronistas Esportivos (AMCE) atua, há 39 anos, no jornal Estado de Minas, onde começou como diagramador. Ganhador do Prêmio Petrobras de Jornalismo, na categoria Reportagens Culturais Jornal e Revista, com a reportagem “A verdadeira Hilda Furacão que vivia então num asilo na Argentina”. A série, publicada entre 27 e 31 de julho de 2014 no jornal Estado de Minas, mostra a inspiradora da obra homônima do escritor Roberto Drummond, localizada pelo repórter em Buenos Aires.

JALMELICE LUZ – Jornalista, mestre em Educação e especialista em Comunicação: Imagens e Culturas Midiáticas (UFMG) e Comunicação Corporativa. É autora do romance “Noites Pretas” (Páginas Editora, 2017) e do livro infantojuvenil “Peixe-amigopássaro” (Páginas Editora, 2018). Coautora do livro “Mulheres de Minas: Lutas e Conquistas”, publicado pelo Conselho Estadual da Mulher (2008). Atuou como jornalista no Jornal de Minas, Diário do Comércio, Estado de Minas e Estado de São Paulo. Foi repórter, produtora, editora, nas rádios Itatiaia e BandNews.

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JANAÍNA DA MATA – Jornalista, mestre em Ciência Política pela UFMG e especialista em Marketing e Comunicação Corporativa. Trabalhou como assessora de comunicação em diversas entidades sindicais e também com deputados estaduais. Foi diretora da Fenaj e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais. Atualmente trabalha como fotógrafa em cruzeiros marítimos ao redor do mundo.

JOSÉ AMARO SIQUEIRA (ZINHO) – Gerente de comunicação da TV Globo Minas. Um dos fundadores dos jornais De Fato e Jornal dos Bairros; foi repórter e subsecretário de Redação do Diário do Comércio; produtor, chefe de reportagem e editor da TV Manchete; repórter da revista Placar (vencedor do prêmio Abril de melhor reportagem – 1986); secretário de comunicação da Prefeitura de Belo Horizonte e assessor especial da Secom do Governo Federal em 2003/04.

JOSÉ EDUARDO GONÇALVES – Jornalista, editor e escritor. Foi editor-geral da revista de cultura Palavra. Presidiu a Rádio Inconfidência e a Rede Minas de Televisão. Apresentou o programa Redemídia, na TV Minas. Publicou os livros Cartas do Paraíso e Vertigem. Desenvolve projetos editoriais, como a coleção “BH. A Cidade de Cada Um”, com 31 títulos já publicados. É curador do projeto literário Letra em Cena e do FELITFestival de Literatura de São João del-Rei. JULIANO AZEVEDO – Além de jornalista, é professor universitário, escritor. Mestre em Estudos Culturais Contemporâneos; chefe de Redação da TV Alterosa. Autor dos livros Uniformes e Pé de Abacate. Coautor das obras Sombras e Boas Histórias. Apaixonado por turismo, pela culinária das viagens, pelas aventuras vividas nos livros e nas séries televisivas. KIKO FERREIRA – Jornalista, escritor, crítico e produtor musical. É vice-presidente da Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub) e diretor artístico da Rádio Inconfidência.

LÚCIO BRAGA – Trabalhou no Diário de Minas, Jornal de Minas, Diário da Tarde e Estado de Minas; nesses foi subeditor de política e de nacional, respectivamente. Assessorou a Secretaria de Estado da Administração, a Febem, o Ministério de Minas e Energia e a Presidência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Foi diretor de Comunicação Social do Tribunal de Contas de MG.

LUDMILA GAUZI CARNEIRO – Jornalista, pós-graduada em Marketing, empresária. Começou cedo a atuar na empresa da família (Rádio Itatiaia) onde trabalhou por doze anos primeiramente como produtora de jornalismo e posteriormente na implantação

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Serviço de Atendimento ao Ouvinte da empresa. Administrou por oito anos a Feira do Mineirinho e desde 2013 está dirigindo do Tip Top (um dos mais tradicionais restaurantes de Belo Horizonte).

MANA COELHO – Jornalista, fotógrafa, socióloga e educadora. Pesquisadora e redatora do projeto Memorial da Democracia. Coordenadora de Tecnologias da Educação da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação e assessora do gabinete da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação. Foi consultora da Unesco para o projeto Ensino Médio Inovador, do Ministério da Educação. Autora do livro Imagens da nação: brasileiros na foto documentação de 1940 até o final do século XX. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Cultura Contemporânea da UFMG. Foi professora de fotografia e sociologia na PUC Minas e de sociologia na graduação e no programa de Pós-graduação de sociologia da UFMG MÁRCIA LAGE – Trabalhou no Estado de Minas, Jornal de Minas e Diário da Tarde como jornalista. Radicou-se em Brasília onde, durante décadas, foi editora na Rede Globo de Televisão. Aposentada, mudou-se para Paraty (RJ), onde participa de todos os movimentos culturais, como a Festa Literária de Paraty (Flip), e mantém uma pequena pousada. MÁRCIO METZKER – Jornalista, repórter e editor em jornais e TVs. Foi editorialista do jornal Hoje em Dia, gerente da TV Assembleia Legislativa de Minas Gerais e secretário de Comunicação no governo Itamar Franco.

MARCOS ALVARENGA – Repórter fotográfico e jornalista. Trabalhou no Hoje em Dia e atuou no Sindicato dos Bancários, na Prefeitura de Betim e em campanhas políticas. Em São Paulo, realizou trabalhos para variados veículos especializados em gastronomia, moda (como a Revista Marisa) e varejo. MARIA AMÉLIA TOSTES – Jornalista e psicanalista. Doutora em Ciências da Saúde pelo Programa Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG; mestre pelo mesmo Programa. Foi repórter do Diário de Minas e do Jornal DM. Foi assessora de Comunicação Social do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais.

MAURÍCIO LARA – Nascido em Esmeraldas (MG) em 1952, Maurício Lara é diretor do Instituto Ver Pesquisa e Estratégia. Atuou como repórter, colunista, produtor e editor em jornais, rádio, televisão e em assessorias de comunicação. Foi professor de jornalismo na PUC Minas durante 15 anos. É autor de nove livros, sendo seis romances.

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MAURO WERKEMA – Belorizontino e Cidadão Honorário de Ouro Preto, Mauro é jornalista, psicólogo e administrador cultural. Estudioso e pesquisador da História de Minas e autor de livros e artigos sobre os mais variados temas da formação cultural minera. Trabalhou no Estado de Minas, na TV Globo, no BDMG e no INDI, Secretarias de Estado de Cultura e Turismo, no IPHAN, na Prefeitura de Ouro Preto, foi presidente da Fundação Clóvis Salgado e da Belotur. Entre seus livros estão títulos como “História, Arte e Sonho na formação de Minas Gerais” e o recente “Ouro Preto Na História”.

RICARDO CAMARGOS – Jornalista, escritor, poeta e dramaturgo. Um dos fundadores e diretor da Apatedemg e do Sated/MG. Foi repórter e diretor de jornalismo das rádios Guarani – Onda Rural e AM, Inconfidência, Itatiaia, Del Rey e Band News FM. Foi colunista do Jornal de Shopping e Hoje em Dia, onde assinou a coluna “Nas Ondas do Rádio”. Assessorou o vice-presidente da República, José Alencar, o SMMA, PBH e BELOTUR. Colaborador do livro “Jornal de Minas – Histórias que Ninguém Leu”. ROGÉRIO ZOLA SANTIAGO – Jornalista, também estudou Letras e Psicologia. Atualmente é Professor Visitante nos Emirados Árabes Unidos, Ajman University. Foi Assessor Cultural da Embaixada dos EUA, USIS; Assessor de Comunicação da União de Negócios Administrativos – UNA; professor das Faculdades Milton Campos. É autor de vários livros de poemas. Seu livro “Terra Brasilis” foi premiado, na forma de balé-teatro, no Youth Festival da Escócia. ROSÁLIA DAYRELL – Jornalista, com foco em Gestão das áreas de Comunicação e Marketing, Relações Institucionais, Políticas e Governamentais, atuando nos segmentos de Mineração - Ferrovia - Porto, Saúde, Instituição Educacional, TVs, Senado Federal e outros Órgãos. Atuou em veículos de comunicação e corporações em São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador. É pós-graduada em Marketing / Fundação Dom Cabral. Atualmente, apresenta o Programa de entrevistas “BH NEWS ENTREVISTA” na TV BH News, de Belo Horizonte. RUTH BARROS – Escritora e jornalista, já trabalhou em vários veículos como a Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo, TV Globo, TV Bandeirantes. Estudou Jornalismo e Literatura Francesa do Século 20, na Sourbonne (FR). Publicou, entre outros livros “A Volta Pelo Mundo”, “Só Sei” e “Ninguém Explica Deus”.

RUSTY MARCELINNI – Chef e pesquisador gastronômico de renome, viaja pelo Brasil atrás de histórias fascinantes sobre a gastronomia, o que resultou em livros, vídeos, fotografias, curadorias e palestras. Rusty é comentarista de gastronomia dos programas CBN Sabores (rede nacional), CBN Sabores BH (rede local) e jurado do

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reality Cozinheiros em Ação, do Canal GNT. Dá aulas de culinária e realiza excursões gastronômicas pelo Brasil e pelo mundo. SAMUELITO MARES – Foi coordenador de Jornalismo das emissoras da Rede Itatiaia, Inconfidência e América. Trabalhou na TV Globo e na TV Record. Também é músico amador.

SÉRGIO AUGUSTO CARVALHO – Iniciou carreira em 1967 (Jornal Estádio, que pertencia a seu pai, Benedito Adami de Carvalho). Trabalhou no Estado de Minas de 1968 a 1975, e de 1986 a 1991; Editora Abril (Placar) de 1975 a 1986. Foi Diretor de Imprensa da ALMG, onde trabalhou por 35 anos. Ligado ao fogão e pesquisa gastronômica desde a década de 70. Já colaborou no Hoje em Dia, Revista Gula, TV Bandeirantes e Correio do Povo (Porto Alegre). SÉRGIO LACERDA – Jornalista, com passagens por vários veículos de comunicação, escritor, autor de Conceição do Mato Dentro, História Viva, Mário Penna, uma história feita por você e do romance de ficção Conexão Colômbia. Ocupou o cargo de Superintendente de Comunicação da Câmara Municipal de BH. Sempre que pode, se dedica a um de seus hobbys preferidos, cozinhar e fazer experiências gastronômicas na pousada Barriga da Lua, no alto da Serra do Cipó.

SINÉSIO BASTOS – É jornalista, psicólogo e artista plástico. Criador do Jornal Mural. Realizou trabalhos para a Revista Vértice, com as colunas “Ler e Navegar – História da Engenharia” e, na Rádio Online com o “Programa para Todos”. Atualmente é assessor de Imprensa do CREA/MG. Atuou também na Comissão Mineira de Folclore.

TECRIS DE SOUZA – Além de jornalista, é pós-graduada em Comunicação e Gestão Empresarial. Foi assessora de comunicação do Sebrae/MG, gerente de Comunicação do SESCOOP – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo, da OCB (Associação das Cooperativas do Brasil) e do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). TUTTI MARAVILHA – Jornalista e produtor cultural Ailton José Machado – o Tutti Maravilha – produziu shows e espetáculos teatrais na década de 70, tendo trabalhado com artistas como Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Milton Nascimento, dentre outros. Apresenta, diariamente, seu programa Bazar Maravilha, na Rádio Inconfidência. Também atuou em TV e teve colunas nos jornais Diário da Tarde e Jornal do Shopping.

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VALDEZ MARANHÃO – fotógrafo e “restauranter”, “o mais mineiro dos maranhenses”, como se identifica, começou sua carreira aqui como linotipista do antigo Jornal de Minas. Depois, se firmou como um dos mais conhecidos repórteres fotográficos do Estado. Atualmente, dirige o “Buteco do Maranhão”, fotografa eventos e promove, há 28 anos, a tradicional “Feijoada do Maranhão”.

VALTER LOCKMANN – Foi repórter do Jornal do Comércio de Porto Alegre. Em 1973, tornou-se repórter cinematográfico na TV Globo Minas, onde ficou até o fim de 2009 ocupando o cargo de chefia nos últimos anos. Foi professor de cinema e vídeo, dirigiu e fotografou mais de 30 documentários sobre arte e cultura.

VERA GODOI – Jornalista e repórter fotográfica. Como “street photographer”. Seu interesse está na rua, no mundo e nas pessoas. Trabalhou como fotojornalista nos principais jornais da cidade, dentre eles o Estado de Minas. Atualmente é professora universitária. VILMA FAZITO – Jornalista, com bacharelado em Comunicação e Jornalismo na Faculdade de Filosofia e Ciência de BH (FAFI/BH). Trabalhou nos principais veículos de comunicação de Minas, tendo sido assessora de imprensa de diversas instituições mineiras, entre elas, Fundação Clóvis Salgado, Banco do Estado de Minas Gerais e Secretaria de Agricultura de Minas Gerais. Foi produtora chefe da Empresa Brasileira de Notícias (EBN) em Brasília. Ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas e da Casa do Jornalista por algumas gestões, inclusive a atual. É fundadora e diretora da Fazito Comunicação, empresa de Comunicação Institucional em BH. VIRGÍNIA CASTRO – Jornalista e bacharel em Direito. Foi repórter de Política do jornal Hoje em Dia e editora do Jornal da Manhã da TV Record Minas. Chefiou as assessorias de comunicação da Associação Médica de Minas Gerais e da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 3a. Região/MG. Organizadora e pesquisadora do livro Mário Penna – uma história feita por você (2012).

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