PUC COGEAE Cecília Brito De Lucca
Projeto para a especialização em Antropologia Visual
Registro audiovisual da visita à gráfica Diferente Marketing, em São Paulo.
SÃO PAULO, 2013
Justificativa Da origem do projeto Em meu trabalho de conclusão do curso de bacharelado em Comunicação Visual tive a oportunidade de aprofundar os estudos sobre uma área de meu interesse: a produção da comunicação visual vernacular. O vernacular trata de uma produção espontânea, que surge de uma necessidade e não se baseia em uma metodologia acadêmica, agindo assim de forma livre e intuitiva1. Segundo Fátima Finizola2 , no design, o termo "vernacular" diz respeito à uma produção vinculada à um território, geralmente à uma classe social e à uma ausência de formação acadêmica. Durante este estudo, foi possível observar que o design vernacular está passando por um processo de transição: o que antes era feito de forma manual (letreiros), agora está sendo substituído por técnicas digitais (banners de impressão digital), principalmente nos centros urbanos. "Cada vez mais, os letreiros populares pintados à mão disputam espaço com placas confeccionadas em vinil adesivo recortado ou impressões digitais" (Finizola, 2010:13). Essa passagem para a ferramenta digital (computador) possibilita o uso de novos recursos, que independem da capacidade manual do criador. A utilização de imagens, antes restrita pela habilidade do letrista, agora não possui restrições. E esse fato é visível dentro dos registros feitos nas cidades pesquisadas. O que não é visível, porém, é o entendimento deste tipo de comunicação produzida digitalmente como uma manifestação vernacular, embora se enquadre em todas as especificações do termo. Os banners possuem, para muitos designers, um papel de "vilão", destruidor de uma verdadeira cultura popular brasileira – mas que precisou se tornar escassa para receber algum reconhecimento. Para não perder essa identidade brasileira, muitos designers se empenham agora em registrar essa forma de expressão e utilizá-la como base para projetos, principalmente na elaboração de tipografias, como é o caso da tipografia Brasilêro, de Crystian Cruz [Figura 1]. Este não é propriamente um resgate, e sim uma reapropriação. Exemplificando: dificilmente uma pessoa que possui uma caligrafia similar à reproduzida na tipografia Brasilêro iria recorrer à esta fonte, se tivesse a possibilidade de fazer seu comunicado em um computador. O contexto agora é outro. 1
Sobre a cultura popular (na qual o vernacular está inserido), Martín-Barbero escreve: "Frente a toda tendência culturalista, o valor do popular não reside em sua autenticidade ou em sua beleza, mas sim em sua representatividade sociocultural, em sua capacidade de materializar e de expressar o modo de viver e pensar das classes subalternas, as formas como sobrevivem e as estratégias através das quais filtram, reorganizam o que vem da cultura hegemônica, e o integram e fundem com o que vem de sua memória histórica." Jesús Martín-Barbero, Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. 2 Fátima Finizola, Tipografia Vernacular Urbana - Coleção Pensando o Design. São Paulo: Editora Blucher, 2010.
Figura 1: Tipografia Brasilêro, desenvolvida pelo designer Crystian Cruz, 2010.
Os banners – classificados em minha pesquisa como design vernacular digital –, por sua vez, seguem à margem das pesquisas acadêmicas. Por não existirem ainda publicações sobre o tema, livros sobre cultura popular foram a base dessa pesquisa. Devido a essa ausência de informação sobre o vernacular digital, surgiu a necessidade de entender quem eram as pessoas por detrás dos banners. Elas e os designers tem agora diante de si a mesma ferramenta, o computador e seus softwares gráficos. O que torna essa produção tão diferente? Seriam somente os conhecimentos adquiridos ou não na faculdade?
Partindo da metodologia de John Collier Jr., uma análise externa do objeto de estudo já havia sido feita, e o projeto para o curso de Antropologia Visual, voltou-se então para as questões internas, do indivíduo. A partir da questão central – quem são essas pessoas? –, outros questionamentos foram surgindo: como é o processo de criação? Qual é a profissão dessas pessoas? Elas se consideram designers? Qual é sua formação? Quais são (algumas das) suas referências? Elas estão felizes com a profissão que exercem? Quem são os clientes? Para o projeto, visitei uma gráfica que produz, entre outras peças, banners similares aos pesquisados. Por dois dias, passei algumas horas no local, conversando e fazendo perguntas pontuais. Obviamente, as horas passadas lá não foram suficientes para compreender integralmente o cotidiano da empresa, mas, apesar da impossibilidade de se estabelecer um parâmetro consistente a partir de um único estabelecimento, muitas questões formuladas anteriormente puderam ser esclarecidas. A discussão sobre o vernacular digital abarca uma série de outras discussões, como a negação da cultura popular, a intolerância, por parte dos designers, à projetos fora de um padrão (mesmo entre os profissionais), o ensino de design3 , e, por fim, o que é design? Não sendo possível alcançar tudo, este projeto objetiva apresentar-se como um ensaio, para, com as informações obtidas, estabelecer um direcionamento para uma pesquisa mais aprofundada.
Sobre o local pesquisado A Diferente Marketing foi a gráfica visitada para o projeto de conclusão da extensão de Antropologia Visual. Ela se localiza no bairro do Belém, na Zona Leste de São Paulo, e foi indicada por outras gráficas visitadas neste processo. A loja fica em uma esquina, com grande parte aberta para os passantes, de forma receptiva, com mesas, cadeiras e produtos expostos. A outra parte, bem menor, é o escritório; um espaço apertado onde os funcionários produzem as peças, imprimem tipos específicos de trabalhos, refilam em uma placa de vidro apoiada em escadas, guardam os materiais e almoçam, divindo espaço ainda com um banheiro e uma pequena copa improvisada. É clara a a escolha por um melhor espaço de atendimento ao cliente em detrimento do espaço da gráfica em si, característica pouco comum em outras gráficas ou agências de publicidade e de design 3
Rafael Cardoso acredita que a forma quase improvisada na qual foi implantado o ensino do design no Brasil resultou em "uma cultura de didatismo reativo – obsessiva em seu apego às verdades recebidas, defensiva com relação a toda mudança, hostil a qualquer reflexão ou questionamento vindo de fora – que ainda hoje permeia o ensino de design entre nós". Rafael Cardoso, Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
(que eventualmente realizam trabalhos semelhantes), onde geralmente o espaço para atendimento ao cliente é restrito a algumas cadeiras na entrada ou a uma sala de reunião. Essa proposta pouco comum foi idealizada pelos dois sócios da empresa, Carlos e Rafael, formados em Marketing e colegas de faculdade. A empresa tinha como ideia inicial a elaboração de stands, mas diante da demanda de outros produtos, a proposta foi ampliada. Hoje a empresa realiza serviços como fachadas, marcas, adesivos, folders e peças para aniversários infantis. Dos três funcionários que atuam no desenvolvimento das peças, nenhum cursou – ou pretende cursar – a graduação em design, e acreditam que é possível aprender sozinho a utilizar os softwares necessários. Rafael, sócio e responsável pela maioria dos projetos, é autodidata, e, segundo ele, aprendeu o ofício por exigências de outros locais onde trabalhou e por interesse próprio. Os outros dois funcionários possuem cursos técnicos de softwares ou publicidade e propaganda. Os clientes (em sua maioria, moradores do bairro), possuem participação ativa e determinante na criação das peças – o que também ocorre algumas vezes entre os profissionais de design. A busca por referências e o processo de criação são, embora não proposital, extremamente óbvios e figurativos, como exemplificou um dos funcionários: se precisassem elaborar um folheto para um salão de beleza, as palavras-chave "folheto salão de beleza" seriam escritas em um site de busca, e os resultados (peças finais, sem apresentação do processo) serviriam como referência para a criação da peça. É perceptível entre eles uma ideia mercadológica e de execução do design com pouca reflexão e noção projetual no processo de desenvolvimento – mas presente quando diz respeito à suporte e técnica de aplicação/impressão que será utilizada. Também nota-se uma ausência de abstração da informação a ser transmitida4 , não dando margem à outras interpretações. Entretanto, essa ausência, presente também em outras manifestações de cultura popular, parece atender às expectativas dos clientes e se comunicar de forma eficaz com seu público. A concepção do que é design talvez seja, afinal, o que mais diferencia as pessoas atuantes na área, formadas ou não. Não existe um consenso, nem mesmo entre os acadêmicos, sobre o que seria, de fato, o design. E esse consenso, de certa forma uma delimitação, não caberia para esta área tão complexa 5. A intolerência, presente em tantos designers, só mostra a falta de entendimento dessa complexidade. No fim, talvez não sejamos tão diferentes.
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seguindo princípios como "less is more", do arquiteto Ludwig Mies van der Rohe, a abstração é amplamente desenvolvida em cursos de graduação de design, principalmente na criação de marcas, como forma de, entre outras razões, criar soluções menos óbvias. 5 "Por complexidade", entende-se aqui um sistema composto de muitos elementos, camadas e estruturas, cujas inter-relações condicionam e redefinem continuamente o funcionamento do todo." (CARDOSO, 2012:25) O design se relaciona de diversas formas, com diversas áreas.