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a Persistência da comunicação capítulo visual vernacular no ambiente urbano cecília brito de lucca
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centro universitário senac santo amaro
cecília brito de lucca
a Persistência da capítulo comunicação visual vernacular no ambiente urbano Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Design do Centro Universitário Senac Santo Amaro, como requisito parcial à obtenção do título de Habilitação em Comunicação Visual. Orientadora: Marlivan Moraes de Alencar
são paulo 2011
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(...) Frente a toda tendência culturalista, o valor do popular não reside em sua autenticidade ou em sua beleza, mas sim em sua representatividade sociocultural, em sua capacidade de materializar e de expressar o modo de viver e pensar das classes subalternas, as formas como sobrevivem e as estratégias através das quais filtram, reorganizam o que vem da cultura hegemônica, e o integram e fundem com o que vem de sua memória histórica. Jesús Martín-Barbero
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À todos que participaram direta ou indiretamente da realização deste trabalho: Aos queridos Arthur N. dos Santos, Bárbara Sonnewend, Danilo Carneiro, Fernando Lopes, Frederico Floeter, Henrique Perigo, Julian Boledi e Luiza Dequech; por entrarem na minha vida. À Marli, pela orientação nos momentos de desorientação (que não foram poucos). Aos meus pais e minha família, pelo apoio e repertório (em especial àqueles que cederam um tempinho para me acompanhar nas andanças e no andamento do trabalho).
resumo Esse trabalho, que tem como tema a cidade enquanto suporte da comunicação visual formal e informal, discute o comportamento do indivíduo, morador das grandes cidades, e a relação entre este e os elementos urbanos, destacando a comunicação visual. Aborda também a coexistência do design vernacular e acadêmico no contexto do ambiente urbano, e evidencia o processo de digitalização que vem ocorrendo na produção informal, o que será apresentado com registros fotográficos das cidades de São Paulo e Belém do Pará. Palavras-chave: Comunicação visual urbana; design vernacular digital; cidade.
abstract This work, that has as a theme the city as a support for formal and informal visual communication, discuss the individual behaviour, dweller of big cities, and the relationship between him and the urban elements, emphasizing the visual communication. Also discusses the coexistence of vernacular and academic design in the urban environment context, and shows the process of digitalization that is occurring on the informal production, subject that will be exemplified with photographic documentation of the cities of São Paulo and Belém do Pará. Key words: urban visual communication; digital vernacular design; city.
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sumário 16
Introdução
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1. as relações no ambiente urbano 1.1. Macro e micro-ambiente 1.2. Cidade móvel e imóvel 1.3. Evolução da comunicação visual urbana 1.4. Cultura de massa na comunicação visual
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2. Design vernacular inserido na cidade 2.1. A digitalização do vernacular
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3. Persistência do vernacular
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Considerações finais listas referências
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introdução
introdução
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Tudo o que produzimos é influenciado, direta ou indiretamente, pelo que vemos, vivenciamos e aprendemos não só no ambiente acadêmico, mas também pelo repertório cultural acumulado. A produção deste estudo é uma influência – ou talvez uma consequência – da minha vivência, desde a infância, em dois locais com extremamente diferentes, mas que para mim são igualmente familiares: São Paulo e Belém do Pará. Este trabalho inicia discutindo a cidade como um espaço de relações: relações entre indivíduos, entre estes e a arquitetura, a comunicação visual, o comércio, o transporte e o ambiente. São estas relações que ditam o funcionamento da cidade e que afetam a produção da comunicação visual. Utiliza-se, no primeiro capítulo, o texto As grandes cidades e a vida do espírito de Georg Simmel para explicar o comportamento do indivíduo no ambiente urbano. O autor descreve a relação de entendimento lógico, superficial, fundamentada no quantitativo, característica dos moradores das grandes cidades, e a relação de ânimo, fundamentada no conhecimento da individualidade, mais presente nos micro-ambientes. O autor observa esse comportamento já em 1903; a discussão é atualizada para as cidades contemporâneas em 1997 por Kevin Lynch em A Imagem da Cidade e em 1998 por Giulio Carlo Argan em História da Arte como História da Cidade.
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A maior parte das relações com os elementos urbanos são habituais e inconscientes. Entretanto, a comunicação visual, especialmente a publicidade, tem como objetivo influenciar o habitante da metrópole, trazendo consigo o conceito de cultura de massa e de consumo, juntamente com o excesso desses elementos visuais na cidade – a poluição visual. Inicia-se, no segundo capítulo, um aprofundamento sobre a convivência da comunicação visual formal – acadêmica – com a informal – vernacular, espontânea – predominante na regiões mais populares do espaço urbano, dando destaque para a produção informal ou vernacular, baseando-se na definição de Fátima Finizola. Observa-se que essa produção – antes exclusivamente manual –, influenciada por novos hábitos culturais e tecnológicos, vem passando por transformações, principalmente com relação às ferramentas utilizadas, se tornando aos poucos um vernacular digital, podendo-se considerar esse fato como um reflexo do que a população, especialmente de classes populares, convive. Essa observação foi registrada com levantamento fotográfico de exemplos de comunicação visual urbana de matriz vernacular nas cidades de São Paulo e Belém do Pará e a partir desse registro procurou-se evidenciar e analisar as transformações e adaptações que esta forma de comunicação informal vem sofrendo. A experiência de viver nessas duas cidades foi o que possibilitou entender e analisar essa forma de comunicação, por este motivo este trabalho escolheu a esses locais como objeto de estudo. Por fim, é importante ressaltar que, por se tratar de mudanças recentes, ainda em transição, pouquíssimo foi escrito sobre o tema, e mesmo a respeito do vernacular manual não foram feitas análises com caráter sociológico, apesar dessa linguagem estar fortemente vinculada com a relação do indivíduo com o meio em que vive. Este estudo busca um aprofundamento além de formas, busca entender o contexto em que é feita a produção informal. Foram utilizados, então, textos com abordagem mais ampla, sobre cultura popular ou
de massa, como A Distinção (2007) de Pierre Bourdieu e Dos Meios às Mediações (2009) de Jesus Martín-Barbero, trazendo essas discussões para o que aqui foi classificado como design vernacular digital e como isso se insere no ambiente da cidade. Como define Lara Espinosa (2002, s.p.), comunicação visual urbana são “superfícies que são essências de uma época. A linguagem de um tempo que, de alguma forma, se cristaliza em determinados ambientes”; assim, o vernacular digital faz parte da essência da linguagem contemporânea.
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capĂtulo 1
as relaçþes no ambiente urbano
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Este capítulo aborda as relações existentes entre o morador urbano e a cidade. Sendo assim, é extremamente importante compreender o conceito de urbanismo, ambiente e cidade e sua interação com os indivíduos que nela habitam. De acordo com Argan (1998:213), a cidade foi, até o princípio do século XIX, um espaço seguro, habitado pelo indivíduo (ego), que delimitava o habitável do inabitável: “(...) a cidade é a dimensão do distinto, do relativo, do consciente, do ego; a natureza sublime é a dimensão do transcendente, do absoluto, do superego.” Ainda segundo o autor, com o desenvolvimento tecnológico perdeu-se a noção de que o urbanismo possa ser utópico – “a extrema ramificação da poética romântica do ‘sublime’” (ARGAN, 1998:213): agora tudo é possível de ser realizado; perde-se as delimitações das fronteiras e a noção de indivíduo, este se tornando apenas um átomo na massa alienada. Não existe mais controle da dimensão da cidade, sua forma nunca é estável, está em constante mudança. Argan (1998:216) define ambiente como “um conjunto de relações e interações entre realidade psicológica e realidade física, (...) pode ser condicionado, mas não estruturado ou projetado”. A cidade é composta por coisas visíveis
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(realidade física) a partir das quais formamos imagens (realidade psicológica). O ambiente urbano contemporâneo expõe seus habitantes ao máximo de informação através dessas coisas e a partir das quais pode-se criar imagens e interpretá-las, sendo algumas vezes de forma induzida, levando-os a desejar um certo estilo de vida, como é feito, por exemplo, no caso da publicidade. O morador da metrópole recebe informações a todo instante, seja em casa, no trabalho ou durante o percurso percorrido dentro da cidade. A variedade de relações, atividades, qualidades a que o indivíduo está submetido no espaço da metrópole é tão grande que ele acaba desenvolvendo o que Georg Simmel (1903) chama de caráter blasé, uma característica típica dos habitantes das grandes cidades. Este homem urbano desenvolve uma relação de entendimento com o mundo ao seu redor, superficial e de quase indiferença, e por isso mais adaptável às constantes mudanças que o rodeiam. O que caracteriza o caráter blasé é justamente essa reação indiferente ante à novas informações, sendo tudo absorvido de forma neutra, quase como uma forma de defesa diante do excesso de estímulos das grandes cidades. De acordo com John Berger (1999:132), tratando especificamente da imagem publicitária, “estamos agora de tal modo habituados a sermos o destinatário dessas imagens que mal notamos a totalidade de seu impacto.” O indivíduo na cidade grande passa a ser apenas mais um número dentro da sociedade quantitativa. O que ocorre na metrópole é a perda do reconhecimento das qualidades, da identidade do indivíduo. Maristela Ono (2006) define identidade como princípio de coesão entre uma pessoa ou um grupo que permite o reconhecimento e a distinção. Simmel acredita que “o homem pautado puramente pelo entendimento é indiferente a tudo que é propriamente individual, pois do individual originam-se relações e reações que não se deixam esgotar com o entendimento lógico” (1903:579). Em A Invenção do Cotidiano, Michel De Certeau (1994:58) também observa essa transição:
Lentamente os representantes que ontem simbolizavam famílias, grupos e ordens, se apagam da cena onde reinavam quando era o tempo do nome. Vem então o número, o da democracia, da cidade grande, das administrações, da cibernética. Trata-se de uma multidão móvel e contínua, densamente aglomerada como pano inconsútil, uma multidão de heróis quantificados que perdem nomes e rostos, tornando-se a linguagem móvel de cálculos e racionalidades que não pertencem a ninguém. Rios cifrados da rua.
Por um lado, essa impessoalidade torna a vida na grande cidade mais fácil, uma vez que seu morador pode apenas se deixar levar por essa falta de reação perante o novo, praticamente anestesiado, sendo apenas mais um número. Por outro, a ausência de personalidade faz o indivíduo querer se sobressair da massa, ser notado, buscar a própria identidade para conhecimento próprio e dos outros, sendo esta, porém, uma tarefa muito mais difícil diante da indiferença dos habitantes das metrópoles: ”(...) para salvar o que há de mais pessoal é preciso convocar o que há de extremo em peculiaridade e particularização, e é preciso exagerá-las para que se possa tornar audível, inclusive para si mesmo.” (SIMMEL, 1903:588). Esse exagero, essa busca pela própria identidade e pelo reconhecimento nada mais é do que uma luta contra a massificação, contra o nivelamento na sociedade. É uma forma de fuga da solidão que essas relações superficiais podem acarretar: um indivíduo pode sentir-se extremamente solitário no meio de uma multidão. Com os encontros cada vez mais breves e raros, surge a necessidade de evidenciar características para que o outro possa distinguir.
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1.1 Macro e micro-ambiente Nas grandes cidades, consideradas aqui como macro ambientes, encontra-se principalmente a relação de entendimento, definida por Simmel (1903), na qual o morador urbano interpreta seu entorno de forma superficial e controlada, permitindo maior adaptação à grande quantidade de informação que recebe a cada momento. Porém, pode-se observar em micro ambientes, mais afastados do centro, que existem dentro da metrópole, uma relação diferente definida por Simmel como “relação de ânimo”, (1903:579) fundamentada no compartilhamento da individualidade: considerando que nesses espaços as mudanças acontecem em ritmo mais lento, as informações são absorvidas de forma mais profunda, com vínculo sentimental e inconsciente. O indivíduo tem menos controle pois não há necessidade de se adaptar à tantas modificações em um curto espaço de tempo, ao contrário do que ocorre nas grandes cidades. Essa relação, portanto, ainda permite maior interação com as pessoas dentro deste ambiente, persistindo a noção de que o indivíduo não é apenas mais um na massa e que as suas qualidades são reconhecidas pelo outro. “Todas as relações de ânimo entre as pessoas fundamentam-se nas suas individualidades, enquanto que as relações de entendimento contam os homens como números, como elementos em si indiferentes” (SIMMEL, 1903:579). Essa busca por individualidades é justamente o que o morador dos macro-ambientes procura. Ao mesmo tempo em que os micro-ambientes possibilitam a expressão da individualidade, o distanciamento característico das metrópoles fornece ao morador urbano uma certa liberdade em relação à sua aceitação perante os outros. Simmel (1903) acredita que um círculo pequeno de pessoas possui limitações rigorosas para aceitar ou excluir, fazendo com que aquele que dele faz parte
não tenha muitas opções de escolhas diferenciadas, em relação ao que é aceito pelo grupo. Porém, a partir do momento que esse grupo começa a crescer e realizar novas conexões, as limitações vão se tornando menos rigorosas, “o indivíduo ganha liberdade de movimento para muito além da delimitação inicial, invejosa (...)” (SIMMEL, 1903:584). A cidade como sendo um grande círculo, possibilita maior mobilidade para seus moradores, enquanto que em micro-ambientes essa liberdade é mais restrita. Quanto menor é o tal círculo que forma o nosso meio, quanto mais limitadas as relações que dissolvem os limites perante os outros, com tanto mais inquietude ele vigia as realizações, a condução da vida e a mentalidade do indivíduo, e tanto antes uma especificação quantitativa e qualitativa explodiria o quadro do todo. (SIMMEL, 1903:584)
Entretanto, atualmente os centros urbanos cresceram tanto que parece ocorrer o caminho inverso: dentro desse grande círculo se formam grupos menores, com características distintas, o que leva de volta às relações de algum modo comunitária, como o que caracteriza os pequenos grupos. A relação de comércio nesses dois tipos de espaço também é diferente. Nos micro-ambientes ainda persiste uma relação pessoal, uma negociação cara a cara, na qual o comprador interage com quem está vendendo possibilitando o conhecimento de individualidades de cada um e até a preferência de um consumidor em relação a outro. Se considerarmos as metrópoles como um macro ambiente, ocorre exatamente o oposto: com a produção em grande escala, essa troca é feita de forma totalmente impessoal; freguês e produtor nunca se conhecerão. É o que pode ser observado, por exemplo, no caso de compras feitas pela internet nas quais o cliente não precisa sair da sua casa ou escritório para adquirir o produto de-
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sejado; tudo pode ser feito através do computador. Apesar da praticidade, não existe interação entre vendedor e comprador. Essa característica também pode ser encontrada em outros momentos, principalmente a partir da Revolução Industrial, na qual os produtos são confeccionados em larga escala, também não havendo essa interação. Percebe-se essa tendência se acentuando nos centros urbanos, o que os torna um espaço cada vez menos humano, exceto quando se considera a existência dos micro-ambientes funcionando como comunidades.
1.2 Cidade móvel e imóvel A enorme quantidade de informações a cada instante, que faz com que o homem urbano reaja de forma blasé, está fortemente relacionado com a estrutura da cidade moderna. Argan (1998:219) considera a cidade como um bem de consumo, um “imenso e global sistema de informação destinado a determinar o máximo de consumo de informação”, um local que serve basicamente como suporte para todas as informações que esta sociedade deseja que o indivíduo consuma. O historiador italiano (1998:223) acredita também que o centro urbano seja constituído por duas partes: Há uma cidade de grandes estruturas que tem, necessariamente, uma duração de anos ou de séculos. E há a cidade de um dia, a cidade que dá a imediata impressão de ser feita de imagens, de sensações, de impulsos mentais, a que realmente vemos e que não é dada pelas arquiteturas imóveis – que talvez não existirão mais ou que serão estruturas distantes e quase invisíveis –, mas pelos automóveis, pelas pessoas, pelas infinitas notícias que são transmitidas através da publicidade e dos outros canais de comunicação. Esta é a cidade que vemos; este é o ambiente completo, o ambiente físico (...) no qual vivemos.
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1 Exemplo de arquitetura (elemento fixo) como suporte para a comunicação visual (elemento móvel, assim como os carros, bicicletas e pessoas)- Icoaraci, PA. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
2 Pichações (elemento móvel) sendo removidas de um prédio (elemento fixo) na Rua Augusta, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
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Kevin Lynch (1997:2) compartilha desse pensamento: “se, em linhas gerais, ela [cidade] pode ser estável por algum tempo, por outro lado está sempre se modificando nos detalhes”. Há a cidade imóvel, que é composta por sua arquitetura, fixa, com mais tempo de duração e que acaba se tornando invisível aos olhos de quem sempre a vê, pois muda mais lentamente; e há a cidade móvel, composta pelas pessoas, propagandas, meios de transporte, que estão sempre em constante mudança. A arquitetura em si serve, neste caso, como suporte para a comunicação. Segundo Lara Espinosa (2002, s.p.), (...) a evolução da comunicação visual coincide com a proliferação da visualidade e também da necessidade de visibilidade que marcaram a transição do século XIX para o século XX, embora desde as civilizações mais antigas a arquitetura das cidades tenha sido utilizada como suporte das representações culturais.
A autora ainda ressalta a relação da rua com a comunicação visual, sendo esta um espaço onde ocorrem as principais atividades da cidade e por onde o morador pode se relacionar com os outros e com o próprio ambiente. Issao Minami (2001) observa que o uso da arquitetura como suporte dos anúncios vem aumentando e que, embora algumas vezes as duas estruturas convivam pacificamente, nas maioria dos casos a informação se sobressai. Pode-se observar também que a cidade é vista de uma forma diferente por cada indivíduo que por ela transita. De acordo com suas memórias e vivências, cada um interpreta de forma única as coisas (estruturas da cidade) que percebem. “Nada é vivenciado em si mesmo, mas sempre em relação aos seus arredores, às sequências de elementos que a ele conduzem, à lembrança de experiências passadas.” (LYNCH, 1997:1). Olhar e interpretar a cidade não depende só das estruturas que ela possui, mas também das lembranças e emoções de quem olha, produzindo-se assim, infinitas imagens da mesma coisa.
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3 Beco do Tim Maia, SĂŁo Paulo, SP, parte do trajeto da minha casa ao meu trabalho. Foto por CecĂlia De Lucca, 2010.
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Michel de Certeau (1994) discute sobre o trajeto do indivíduo pela cidade, que depende também da experiência própria e das escolhas perante proibições ou permissões postas durante o percurso. Para o autor, a cidade é formada por uma grande teia de trajetos: A identidade fornecida por esse lugar [cidade] é tanto mais simbólica (nomeada) quanto, malgrado a desigualdade dos títulos e das rendas entre habitantes da cidade, existe somente um pulular de passantes, uma rede de estadas tomadas de empréstimo por uma circulação, uma agitação através das aparências do próprio, um universo de locações freqüentadas por um não-lugar ou por lugares sonhados (DE CERTEAU, 1994:183)
Espinosa (2002) também acredita que o morador da grande cidade pode construir uma narrativa diferente e particular. Em sua justificativa ela cita Armando Silva (2000), destacando que para este autor “a soma imaginável de cada ponto de vista dos cidadãos integra uma leitura simbólica que se faz da cidade”. Argan descreve essa teia comparando com a obra de Jackson Pollock [Figura 4]: se fossem sobrepostos desenhos dos trajetos de todos os habitantes de uma cidade durante um determinado período, essa sobreposição se assemelharia com uma pintura do artista, “formado de linhas de pontos coloridos” (ARGAN, 1998:231). Ainda segundo o historiador, se fosse comparado o percurso “objetivo” de um lugar à outro (como da casa ao trabalho) com o percurso realmente feito, poderia perceber-se suas diferenças, deixando evidente justamente as escolhas de trajetos tornadas múltiplas e distantes da racionalidade que envolve o deslocamento de um ponto a outro. Argan caracteriza esse comportamento como existência na cidade, que são esses percursos realizados pelo indivíduo seguindo seus impulsos, hábitos e desejos; o percurso não é aleatório: possui uma ordem, uma repetição.
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4 Jackson Pollock. Foto por Hans Namuth, 1951.
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1.3 Evolução da comunicação visual urbana A evolução da comunicação visual acompanha o desenvolvimento das cidades. De acordo com Maria da Conceição Golobovante, a história da publicidade começa no início do século XVII, “no momento em que o crescimento das cidades começava a dificultar o contato direto entre as pessoas, elas precisaram de outro processo para descrever o que tinham a oferecer, ou seja, os meios de comunicação.” (2002, s.p.). Em 1902, o comentarista conservador Georges d’Avenel acreditava que “a publicidade (...) estava se tornando uma ciência. Ela havia afinado instrumentos específicos para objetivos específicos e era rápida para se aproveitar dos avanços tecnológicos.” (D’AVENEL, 1902 apud VERHAGEN, 2001:157). Segundo Espinosa “no século XIX, através do uso das novas técnicas da fotografia e do design gráfico, o visual amplia sua participação na leitura” (2002, s.p.). A partir desse período, com o aumento do uso dessas técnicas, a fotografia, ao conquistar a reprodutibilidade, traz uma nova forma de ver e interpretar textos e imagens. Ainda segundo a autora, dialogando com McLuhan, A partir do momento em que as interioridades são visibilizadas pelos media, os comportamentos e ações de uma sociedade passam a ser pautados por essa lógica. McLuhan diz que houve um imenso reajuste de nossas vidas interiores a partir da fotografia, que através dela se afetaram as posturas exteriores e os diálogos interiores (MCLUHAN, 1996, apud ESPINOSA, 2002, s.p.).
Essa nova postura da sociedade, essa proliferação de imagens coincide com o aumento do consumo e com o desenvolvimento da publicidade; aumenta a necessidade de vender e observa-se uma concentração de comunicação visual nos centros urbanos. Espinosa define comunicação visual urbana como “su-
perfícies que são essências de uma época. A linguagem de um tempo que, de alguma forma, se cristaliza em determinados ambientes.” (2002, s.p.). Marshall McLuhan destaca a importância da fotografia para o desenvolvimento da publicidade, que segundo ele, só ganhou impulso nos fins do século passado [XIX], graças à invenção da fotogravura. (...) Hoje é inconcebível que qualquer publicação, diária ou de qualquer periodicidade, consiga mais do que alguns poucos milhares de leitores, sem as fotos. Tanto o anúncio quanto a estória fotográfica propiciam grandes quantidades de informações e fatos humanos imediatos, sempre necessárias para se manter a atualização em nosso tipo de cultura. (2003:259-260)
Minami também acredita que a partir da fase pós-industrial, competitiva, pode-se observar o uso da linguagem visual e da publicidade de forma mais expressiva. Segundo o autor, “(...) o fato de a publicidade nos bombardear com uma série de marcas e imagens de produtos mostra como a representação de idéias através de símbolos gráficos é um canal aberto do ponto de vista informativo.” (MINAMI, 2001, s.p.). A relação entre a comunicação visual e espaço urbano traz um novo significado à este, transformando-o em suporte para sua mensagem, “influenciando sua configuração e, em contrapartida, sendo influenciada por ele.” (GOLOBOVANTE, 2002, s.p.). Outro fator significante para o desenvolvimento publicitário foram os meios de transporte, ônibus, bondes e metrô, que possibilitaram à população uma nova forma de se relacionar, a transitar rapidamente pela cidade e “percebê-la através de uma escala diferente de espaço e tempo.” (GOLOBOVANTE, 2002, s.p.). De acordo com Yi-fu Tuan,
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(...) foi somente nas primeiras décadas do século vinte que os veículos começaram a substituir o andar a pé como meio de locomoção predominante e as cenas de rua foram percebidas cada vez mais do interior dos automóveis movendo-se rapidamente através de semáforos sincronizados. O automóvel transformou o aspecto da cidade e a relação do homem com o seu meio ambiente urbano. (1980:218-219)
Os meios de transporte ofereceram mais possibilidades à publicidade, que se aproveita dos espaços de deslocamento como estações de metrô, avenidas, viadutos, estradas. As propagandas acompanham o habitante da cidade durante todo o seu percurso. Pode-se observar a tendência crescente do uso de imagem como linguagem também com o cinema, a televisão e o computador pessoal. As informações recebidas pelos indivíduos são cada vez mais imagéticas. De acordo com McLuhan (2003:260), “a fotografia e a imagem da TV nos arrebatam do ponto de vista particular e letrado, levando-nos para o mundo complexo e inclusivo do ícone grupal”. A comunicação visual tornou-se indispensável e os meios acompanham as novas tecnologias, influenciam a sociedade e criam novas necessidades.
1.4 Cultura de massa na comunicação visual A cidade é o ambiente onde podemos encontrar mais formas de comunicação visual. O grande número de habitantes e a dimensão do espaço urbano dificulta a relação entre seus moradores; a venda, que antes era feita através do diálogo, no qual o vendedor ia de porta em porta, encontra agora essa barreira, tornando necessária uma nova forma de divulgar os produtos. Sur-
ge então a publicidade, um dos principais exemplos de comunicação visual urbana; segundo John Berger (1999:131), “nenhum outro gênero de imagem nos defronta com tanta freqüência”, em nenhum outro momento da História pode-se encontrar tamanha concentração de mensagens visuais como hoje. É papel da publicidade atingir o maior número de consumidores, “criar anúncios cada vez mais à imagem dos motivos e desejos do público” (MCLUHAN; 2003:255), e esta busca conhecer a fundo o seu público, através de pesquisas e da correspondência posterior em vendas. Ainda segundo McLuhan, as pesquisas realizadas pelos publicitários são tão completas e profundas que não cabe a comparação com a coleta e processamento de dados para estudo dos sociólogos, principalmente devido à verba que a publicidade dispõe. O autor acrescenta que “qualquer anúncio caro é criado e construído sobre os alicerces testados de estereótipos públicos ou ‘conjuntos’ de atitudes estabelecidas” (MCLUHAN, 2003:257). Segundo Golobovante (2002:146), cabe ao sistema publicitário “o processamento e a transformação dos desejos e tendências, ainda não elaborados do público, em conteúdos estéticos capazes de espelhar e, ao mesmo tempo, moldar esses desejos.” Esse sistema é capaz de influenciar a cultura e o modo de agir de uma sociedade. Sendo um veículo de informação coletiva, a publicidade, assim como a família, a escola e os mass media, revela-se um agente de transmissão e de reforço de modelos culturais, para além de sua atividade comercial primeira. Ela influencia o indivíduo-consumidor a ter certa imagem dele mesmo; a ter certo modelo de conduta, que ela estimula a modificar ou a reforçar, conforme as mudanças do ambiente e as intencionalidades em questão (CATHELAT, 2001: 278 apud GOBOVANTE, 2002:144).
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A publicidade tem, como estratégia de venda, divulgar não o produto em si, mas o estilo de vida que ele pode trazer. Ela “gira em torno de relações sociais, não em torno de objetos” (BERGER; 1999:134). Ainda segundo o autor, as propagandas mostram o personagem que, ao adquirir o produto, torna-se o que o consumidor gostaria de ser, uma pessoa invejável, e o fato de ser invejável torna o consumidor mais confiante e satisfeito consigo mesmo. Emprestando ao produto uma dimensão especular, pela qual o sujeito vê sua própria imagem, o produto incorpora as motivações mais profundas e irracionais de evasão, de metamorfose, de idealização e de alheamento de si (GOLOBOVANTE, 2002:148).
O anúncio faz com que o indivíduo se sinta insatisfeito com o que é e passe a idealizar a si mesmo utilizando o produto. De acordo com McLuhan, a simples existência dos anúncios “é um testemunho – e uma contribuição – do estado sonambúlico de uma metrópole cansada” (2003:258). A publicidade faz parte do processo de alienação da sociedade, “os anúncios não são endereçados ao consumo consciente” (MCLUHAN, 2003:253). Os centros urbanos vivem em torno do comércio. “O consumo é um processo ritualístico cuja função primeira consiste em dar sentido ao fluxo intenso dos acontecimentos e das informações cotidianas” (GOLOBOVANTE, 2002:145), é o que dá vida à cidade, o que faz ela funcionar economicamente. Berger (1999:151) acredita que “a publicidade faz do consumo um substitutivo para a democracia”, na qual o consumidor acredita ter liberdade de escolha ao poder optar pelo que come ou veste por exemplo, mas desvia a atenção do indivíduo sobre “tudo o que não é democrático no interior da sociedade” (1999:151). Apesar de a publicidade compor grande parte da comunicação visual urbana, não se pode ignorar as outras formas que compõem a enorme quantidade
de imagem presente no ambiente urbano. “É necessário examinar a cidade como uma soma de imagens, apenas parte delas publicitárias, mas sobretudo como o lugar da relação entre os sujeitos e essas imagens” (GOLOBOVANTE; 2002:149). Em algumas regiões de grandes cidades a presença da comunicação visual é tão intensa que acaba encobrindo os elementos urbanísticos, tornando-se ela mesma a paisagem e por vezes prejudicando sua função de comunicar e sua relação com o sujeito (BAKOS et al., 2008). Esse excesso de informação caracteriza a poluição visual, que é definida como excesso de elementos ligados à comunicação visual, tais como cartazes, propagandas, banners, totens, placas, etc. dispostos em ambientes urbanos, especialmente em centros comerciais e de serviços. Também pode ser considerada poluição visual algumas atuações humanas sem estar necessariamente ligada a publicidade tais como o grafite, pichações, fios de eletricidade e telefônicos, as edificações com falta de manutenção, o lixo exposto e outros resíduos urbanos (BAKOS et al., 2008:2511).
Em algumas cidades, como São Paulo1 e Belém2, implantaram-se leis que buscam reduzir esse excesso, como forma de evidenciar a arquitetura dos prédios e desafogar a paisagem antes encoberta pelos outdoors [Figura 5].
1 “A Prefeitura de São Paulo regulamentou, através de um decreto publicado no Diário Oficial da Cidade em 6 de dezembro de 2006, a lei que criou o projeto Cidade Limpa. A nova legislação, que tem como objetivo eliminar a poluição visual em São Paulo, proíbe todo tipo de publicidade externa, como outdoors, painéis em fachadas de prédios, backlights e frontlights. Também ficam vetados anúncios publicitários em táxis, ônibus e bicicletas. A legislação ainda faz restrições aos anúncios indicativos, aqueles que identificam no próprio local a atividade exercida.” (PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULO, 2007, online) 2 Apesar de menos rigorosa que a Lei da Cidade Limpa em São Paulo, iniciou-se em 2011 a operação “Belém Cidade Limpa”, que retira propagandas ao ar livre em situação irregular de acordo com a Lei Municipal nº 8.106, de 2001 (PREFEITURA DE BELÉM, 2011, online).
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5 Outdoor sem publicidade. Sรฃo Paulo, SP. Foto por Fรกbio Okamoto.
São tantas informações imagéticas que o morador deixa de percebê-las individualmente. Perante esta grande quantidade de imagens recebidas é que desenvolve-se a relação de entendimento, o caráter blasé descrito por Simmel (1903:581): a essência do caráter blasé é o embotamento frente à distinção das coisas; não no sentido de que elas não sejam mais percebidas (...), mas sim de tal modo que o significado e o valor da distinção das coisas e com isso das próprias coisas são sentidos nulos.
Golobovante (2002:148) completa esse pensamento escrevendo que as “cidades são, neste contexto, o palco privilegiado das mensagens publicitárias, que, inseridas no meio urbano, modificam a paisagem e fazem o passante reagir a elas de formas (in)diferentes”. De acordo com Berger (1999:131), Podemos lembrar ou esquecer dessas mensagens mas, por um breve momento, as introduzimos, e, por um instante, elas estimulam a imaginação, quer por via da memória, quer pela via da expectativa. A imagem publicitária pertence ao momento (...) no sentido de que devem ser continuamente renovadas e atualizadas.
Algumas mensagens chamam a atenção do transeunte, seja pela composição gráfica ou pelo conteúdo. Os anúncios brigam para chamar a atenção do seu público-alvo, para não fazer apenas parte de um aglomerado de imagens. Berger acredita que uma imagem ou informação em especial podem destacar-se aos olhos de uma pessoa por corresponderem a um interesse particular que ela tenha, mas que “aceitamos a totalidade do sistema de imagens publicitárias da mesma maneira que aceitamos um elemento do clima” (BERGER, 1999:131). Desde que surgiu, a publicidade faz parte do ambiente urbano e influencia seus habitantes. Marcus Verhagen (2001) acredita que o cartaz foi o que alavancou
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a publicidade, no século XIX, principalmente em Paris, onde o sucesso dos cartazes iniciou-se com artistas como Jules Chéret promovendo a indústria do entretenimento e posteriormente bens de consumo e alimentícios. O fato de ter ganho destaque ao divulgar o entretenimento, que estava diretamente relacionado com a boemia e prostituição, e de ser capaz de grande influência sobre o público, fez os conservadores enxergaram com maus olhos a publicidade: Ao dar ressonância à visão popular de que os moradores da cidade estavam cada vez mais propensos à debilidade nervosa, Talmeyr sugeriu que a fibra moral da nação estava sendo corroída pela enervação contínua que resultava da proliferação mecânica de imagens (TALMEYR, 1896, apud VERHAGEN, 2001:167).
De acordo com Verhagen, o cartaz influenciava tão fortemente a classe trabalhadora e os boêmios, que pode ser considerado como início da cultura de massa: No fim do século [XIX], o cartaz foi adaptado às exigências desse público. Ele foi, em outras palavras, tanto uma expressão do surgimento da cultura de massa na França, quanto um catalisador no desenvolvimento de novas formas dessa cultura (VERHAGEN, 2001:157).
Martín-Barbero (2009) descreve formas de cultura de massa já no século XVII. Segundo ele, as literaturas de cordel na Espanha e de colportage na França foi o “que tornou possível para as classes populares o trânsito do oral ao escrito, e na qual se produz a transformação do folclore em popular” (2009:149); os dois tipos de literatura eram desenvolvidos pela e para classe popular, caracterizavam-se por serem escritos com estrutura oral, uma forma de linguagem “daqueles que, sem saber escrever, sabem contudo ler” (2009:149); utilizava-se
material simples e barato, portanto com baixo custo de produção. O autor também cita o teatro de melodrama como expressão de cultura em massa: era uma teatro popular que, proibido pelo governo de apresentar diálogos e canções, exagerava na representação, na mímica e nos cenários, “antes de ser um meio de propaganda, o melodrama será o espelho de uma consciência coletiva” (ORTIZ, 1970 apud MARTÍN-BARBERO, 2009:164).
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capĂtulo 2
Design vernacular inserido na cidade
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Dentro da cultura popular encontra-se o design vernacular. De acordo com Martín-Barbero, a cultura popular caracteriza-se por uma produção cultural que, sendo destinada ao vulgo, ao povo, não é contudo pura ideologia, já que não só abre às classes populares o acesso à cultura hegemônica, mas também confere a essas classes a possibilidade de fazer comunicável sua memória e sua experiência (MARTINBARBERO, 2009:148)
O vernacular é uma forma de comunicação informal e espontânea, realizada principalmente pelas camadas populares, já que normalmente esta não possui recursos ou talvez não sinta a necessidade de contratar um profissional para produzir o trabalho desejado. Marcus Dohmann, ao tratar da tipografia vernacular, uma das principais formas de expressão dessa comunicação, considera que ela surge do intermédio da necessidade de transmitir algo e uma carência de conhecimento mais apurado, construída a partir da restrita bagagem cultural de indivíduos que desconheceram os postulados das técnicas acadêmicas e escolarizadas (DOHMANN, 2007 apud FINIZOLA, 2010:55).
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A classificação do autor para tipografia é válida também para a comunicação visual popular, que será considerada nesse trabalho como um design vernacular ou popular. Pode-se relacionar esse tipo de design com as formas de cultura descritas pro Martín-Barbero (2009) no capítulo anterior: as literaturas de cordel e colportage e o teatro de melodrama eram realizados de forma artesanal, com os recursos que haviam à mão, sem um estudo prévio (embora sofressem alterações de acordo com a resposta do público) e eram voltados para as camadas populares. Diferentes destes, os livros eram produzidos de forma profissional e mais industrial, assim como teatro era produzido por atores e músicos profissionais, em locais adequados, e ambos eram voltados para a classe alta. O mesmo pode ser observado com a comunicação visual urbana: a vernacular também é produzida de forma artesanal, com materiais de baixo custo e sem uma metodologia, mas que possui técnicas adquiridas a partir da experiência própria, enquanto a formal, acadêmica, é desenvolvido por profissionais de design ou de publicidade, com estudo, seguindo determinadas regras, que dispõe de verba e pode ser produzido em larga escala. Espinosa acredita que é possível distinguir claramente entre a comunicação acadêmica e artesanal através da forma. Segundo ela, a forma dá um sentido às expressões encontradas de maneira que é fácil perceber, mesmo por um não especialista, quais produções são industrializadas quais são artesanais. Entre estas últimas, já com um olhar mais especializado, é possível distinguir um maior ou menor nível de capacidade de uso dos materiais e técnicas, um maior investimento nas estratégias de comunicação visual e um maior ou menor comprometimento com uma estrutura geral de mercado e publicidade. Os recursos visuais criam espaços de reconhecimento para cada um dos materiais por sua própria forma de produção (ESPINOSA, 2002, s.p.)
A autora durante sua pesquisa observou e descreveu dois conjuntos de manifestação de produção local: as que decorrem de conhecimento técnico especializado estabelecido por profissionais das agências de publicidade e os designers de sinalização e de mobiliário urbano e as que procuram imitar as habilidades desses através de uma linguagem que poderia se intitular ‘ingênua’, não fosse ela tão ou mais eficaz que a dos primeiros. Dentre esses ‘imitadores’ estão alguns profissionais artesãos (pintores de parede) e outros ocasionais como pequenos proprietários, anunciantes de ocasião ou mesmo pichadores. (ESPINOSA, 2002, s.p.)
A afirmação da autora de que alguns profissionais como artesãos buscam imitar a produção de profissionais com formação acadêmica, porém, pode ser discutida. A noção de “profissional” na área do design só existe no Brasil depois da fundação da Escola Superior de Desenho Industrial no Rio de Janeiro, em 1963, com a implementação do modernismo. Atualmente pode-se de fato observar que a produção informal em alguns casos busca ser semelhante à profissional, porém em outros ainda possuem influência do que era produzido muito antes de existir um profissional de design, podendo-se questionar, nesses casos, quem o “imitador” estaria copiando. Os letreiramentos e manuscritos populares são produzidos por “cidadãos comuns, geralmente por meio de processos manuais, caracterizando-se como instrumentos de comunicação alternativos que ocupam de forma aleatória os espaços públicos da cidade” (FINIZOLA, 2010:54). Utiliza-se principalmente tinta sobre um suporte como madeira ou a própria parede do estabelecimento. Fátima Finizola observa ainda duas vertentes na produção dos letreiramentos populares [Figuras 6 e 7]:
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6 Placa produzida de maneira improvisada. Mercado do Ver-o-Peso, Belém, PA. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
7 Detalhe da fachada, pintada por um artífice. Av. Bernardo Saião, Belém, PA. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
O primeiro grupo (...) caracteriza-se por uma produção mais espontânea e ingênua, geralmente produzida por pessoas comuns ou donos dos próprios estabelecimentos de maneira improvisada sem nenhum projeto prévio. O segundo grupo, por sua vez, abarca a produção de inscrições comerciais desenvolvidas por artífices profissionais, que geralmente não passaram por nenhum curso técnico no ofício de desenhar letreiros, mas que desenvolvem regularmente essa atividade e possuem um domínio mais elevado das técnicas de pintura e desenho de letras. (FINIZOLA, 2010:56-57)
A falta de estudo acadêmico, de uma metodologia, faz o produtor da comunicação visual informal apoiar-se mais no seu repertório imagético e nas suas experiências. Segundo Tibor Kalman e Kerrie Jacobs (1990), “vernacular é gíria, uma linguagem inventada mais que pensada. Design vernacular é gíria visual”, é uma forma de expressão do popular. Vera Lucia Dones (2004:10) acredita que deve-se perceber o vernacular como uma oportunidade de contextualização da comunicação gráfica com seu entorno, do relacionamento entre objetos e pessoas num sentido amplo, recuperando linguagens populares, simples e mesmo marginalizadas.
É possível que a prática do vernacular manual esteja no fim; porém, esse design vem ganhando destaque entre designers do Brasil inteiro, sendo tema de pesquisas ou servindo de inspiração e base para novos trabalhos que buscam uma identidade brasileira, como pode-se encontrar principalmente na produção tipográfica atual. De acordo com Finizola (2010:14), (...) a era digital e as novas tecnologias estimularam o desenvolvimento de projetos baseados em transposições estéticas, do passado para o
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presente, do meio analógico para o digital. (...) Linguagens espontâneas encontradas nas ruas são mescladas às linguagens gráficas do presente, sendo utilizadas e reutilizadas, reconstruídas pelos atuais processos criativos digitais.
Talvez se torne cada vez mais difícil encontrar letristas e artesões – gradativamente sendo substituídos por computadores – , porém os designers estão trazendo um novo significado para essa técnica, não deixando essa referência ser esquecida [Figura 8].
8 Tipografia Brasilêro, por Crystian Cruz, 2000.
2.1 A digitalização do vernacular Nas grandes cidades contemporâneas, podemos observar um outro tipo de produção informal, um novo vernacular, utilizando-se técnicas digitais. Com o computador e os softwares se tornando cada vez mais acessíveis, as classes populares vão deixando de utilizar técnicas manuais para utilizar as digitais, porém também sem uma formação acadêmica, mas com uma técnica própria, adquirida através da experiência. Finizola observa esse fato em seu livro: “cada vez mais, os letreiros populares pintados à mão disputam espaço com placas confeccionadas em vinil adesivo recortado ou impressões digitais” (2010:13). É possível observar, entretanto, que esse novo recurso apresenta uma influência mais globalizada, refletindo aspectos culturais atuais: os meios de comunicação como televisão e principalmente a internet possibilitam que o mundo tenha acesso às mesmas informações, à diversas culturas.Todas essas informações armazenadas passam a fazer parte do repertório de cada indivíduo e isso pode se refletir, consciente ou inconscientemente em sua produção, no caso deste estudo, na confecção de banners. Para demonstrar essa transição que vem ocorrendo gradativamente nos centros urbanos, foi feito um registro fotográfico das cidades de São Paulo e Belém do Pará, especialmente em regiões de comércio popular, onde existe maior ocorrência dessa forma de linguagem, como Finizola constatou em sua pesquisa, ao notar a ausência do vernacular no bairro nobre visitado: “o que aponta novamente para o fenômeno de extinção dos letreiramentos em áreas mais nobres da cidade e resistência em locais mais populares” (2010:73). Pode-se observar também que atualmente a comunicação visual urbana já é feita predominantemente com uso de ferramentas digitais. Analisando o material percebe-se que dificilmente é possível distinguir entre os banners de São Paulo e de Belém, e que em alguns casos a linguagem utilizada
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é muito semelhante, como pode ser observado em duas lojas de informática [Figuras 9 e 10]. Em ambas fachadas utiliza-se fundo azul e brilho, que remetem à luz emitida pela tela da televisão e do computador, transmitindo um ar tecnológico, além de fotos dos produtos, tipografia sem serifa e paleta de cor semelhante, utilizando o contraste do vermelho, amarelo, branco e azul. No livro A cor como informação, Luciano Guimarães escreve que existe nas classes populares uma tendência à utilização de cores vibrantes, saturadas e contrastantes – “podemos perceber (...) que os valores cromáticos são diferentes segundo a faixa sociocultural” (GUIMARÃES, 2000:111) –, fato observado em estudo no qual as camadas populares costumam regular suas televisões de forma a deixar a imagem extremamente saturada. O autor (2000:112) também exemplificou com jornais, atentando para o fato de que os jornais populares utilizam-se de cores mais vibrantes, principalmente primárias. É possível encontrar essas observações também nos banners analisados, que utilizam cores fortes e contrastantes [Figura 11 e 12]. Esta é apenas uma das situações que aproximam as duas cidades, mostrando uma linguagem semelhante, que parece não reconhecer características históricas de cada região. São Paulo é a maior cidade do continente americano e a sexta maior do mundo, e localiza-se no Sudeste do Brasil. Com 11 253 503 de habitantes (IBGE, 2011), é considerada o principal centro financeiro da América Latina, recebendo anualmente mais de 11 milhões de turistas (CIDADE DE SÃO PAULO, 2010), sendo a 14ª cidade mais globalizada do mundo1. Todos esses dados caracterizam o município como um grande centro que reúne diariamente pessoas de todo o país e do mundo, com diferentes condições financeiras e, principalmente, com culturas diferentes, evidenciando uma grande diversidade cultural. 1 Ranking realizado pela GaWC utilizado na matéria Esqueça os países. O poder está com as cidades da Revista Época, edição 0907.
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9 Acima, loja de informática no bairro da Campina, Belém, PA. Foto por Alessandra Gomes, 2011. 10 Loja de informática. Sé, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
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11 Loja de calçados em Belém, PA. Foto por Alessandra Gomes, 2011. 12 Loja de roupas no Bom Retiro, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
A cidade de Belém, por sua vez, está localizada na região Norte do Brasil e apresenta características bem diferentes: apesar de ser a maior cidade desta região, possui 1 393 399 habitantes (IBGE, 2010), quase 10 milhões a menos do que São Paulo, além de também não possuir uma participação mundial tão significante quanto a ultima. Belém, porém, apresenta uma cultura local muito mais presente na vida de seus moradores, através de costumes, festas, gastronomia ou até da linguagem verbal. Na análise dos exemplos recolhidos serão procuradas semelhanças e diferenças entre a produção, influenciada pela cultura, dessas duas cidades. Em São Paulo, foram selecionadas algumas regiões de comércio popular como Largo Treze de Maio, na Zona Sul, e Bom Retiro, Brás e Centro Histórico (Sé e São Bento), no centro da cidade [Figura 13]. Em cada região encontra-se ocorrências que conferem características próprias a cada bairro, o que demonstra a pluralidade e a diversidade da cidade.
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13 Mapas das regi천es visitadas em S찾o Paulo.
O bairro do Bom Retiro possui tradição na indústria têxtil, onde existe um importante comércio de atacado e varejo de roupas concentrado na Rua José Paulino e arredores. Existe lá um grande investimento da Câmara de Dirigente Lojistas do Bom Retiro, que em 2002 criou o Bom Retiro Fashion Business, evento com o intuito de valorizar a região. Parte desse investimento se reflete na comunicação visual do bairro, onde observa-se que as lojas apresentam fachadas mais elaboradas [Figura 14]. Trata-se de um processo de transformação como forma de inserção e aceitação da moda popular no mercado. Ao mesmo tempo em que essa moda de rua se inspira em figurinos de novelas, as próprias emissoras de televisão produzem modelitos nas lojas do bairro. Outro fator que possivelmente contribuiu para a reestruturação da região foi a Lei da Cidade Limpa, de 2006, que reduz as possibilidades da comunicação visual, sendo a pintura das fachadas um recurso para a distinção de cada loja.
14 Rua José Paulino, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
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15 Conjunto Comercial Bom Retiro, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011. 16 Banners do Conjunto Comercial Bom Retiro, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
A despeito dessas transformações, foi possível encontrar ainda em galerias a céu aberto [Figura 15], alguns exemplos de banners, considerando aqui como uma comunicação que mantém resquícios da comunicação vernacular, sendo estes predominantemente textuais, utilizando principalmente cores e tipografia para ilustrar o produto vendido. São objetivos, geralmente com fundo liso e fazendo pouquíssimo uso de recursos gráficos [Figura 16]. Nessa região praticamente não foram encontrados imagens nos banners. Em Belém foram feitos registros das regiões de comércio dos bairros do Telégrafo, Campina e Cidade Velha [Figura 17]. Em toda cidade é possível perceber o uso predominante de imagens; mesmo nos banner que não as utilizam pode-se observar fundos mais elaborados e recursos como brilho e volume. 17 Mapa das regiões visitadas em Belém.
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Em São Paulo, assim como no Bom Retiro, no Brás, os banners encontrados são principalmente tipográficos ou com imagens pouco destacadas, principalmente próximo à Rua do Gasômetro [Figura 18]. O mesmo pôde ser observado em Belém nos bairros do Telégrafo e Cidade Velha, nos quais os banners utilizam menos recursos gráficos e imagens, essas tendo o mesmo peso que os elementos textuais na maioria dos casos [Figura 19]. Entretanto, no pequeno comércio paulista existente na estação de metrô Brás, de grande circulação e que liga diversas regiões da cidade, encontra-se maior utilização de imagens. A concentração de imagens pode ser observada em terminais rodoviários e locais de grande circulação, que possuem um pequeno comércio principalmente alimentício, como é o caso do Terminal Santo Amaro, na região do Largo Treze de Maio [Figura 20]. O largo é uma região de comércio popular localizada na Zona Sul de São Paulo, afastada do centro da cidade, mas atua como tal, já que até 1934 Santo Amaro era considerado outro município, cujo centro era o Largo 13. Nessa região é possível encontrar exemplos bem variados; os banners que destacam imagens na maioria dos casos são do ramo alimentício, enquanto os banners tipográficos anunciam serviços como advocacia, ótica ou fotos 3x4 [Figura 21].
18 Banner tipográfico no Brás, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
19 Bairro do Telégrafo, Belém, PA. Foto por Alessandra Gomes, 2011.
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20 Lanchonete no Terminal Santo Amaro, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011. 21 Lojas do Largo 13 de Maio, São Paulo, SP. Fotos por Cecília De Lucca, 2011.
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Na região do Centro Histórico (Sé e São Bento), porém, predomina o uso de imagens e diversos recursos gráficos, acumulando uma grande quantidade de informação visual e textual em um mesmo banner. Assim como no bairro do Bom Retiro, a maior parte dos exemplos encontram-se em galerias. Pode-se observar, também, que em São Paulo a maior parte dos banners figurativos são relacionados à informática e à alimentação [Figura 22]. Situados em locais de grande circulação, refletem características de comportamento do moradores da cidade, que em muitos casos não possuem tempo para fazer uma refeição e por isso compram lanches e fast-food durante o trajeto de um lugar a outro, assim como possuem a necessidade de assistência de aparelhos eletrônicos como notebooks, muitas vezes instrumentos de trabalho. O uso de fotos nesses casos demonstra a necessidade de transmitir objetiva e instantaneamente o serviço oferecido para um público que transita rapidamente pelas ruas.
22 Lanchonete na estação Brás, local de grande circulação, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
Em Belém, no bairro de Campina, onde localiza-se o comércio próximo ao mercado do Ver-o-Peso, também é possível encontrar uma maior concentração de banners que utilizam imagem. Pode-se observar também que a utilização de fotos e outros recursos é predominante em lojas de roupa, ao contrário de São Paulo, onde essas características encontram-se principalmente em lanchonetes; em ambas as cidades foram encontrados a utilização de imagens para lojas de informática. Enquanto em Belém grande parte dos exemplos registrados contém fotos de pessoas, em São Paulo não foi encontrado banners semelhantes, como observa-se em dois exemplos de lojas de moda íntima [Figura 23 e 24]. Em Belém, encontra-se principalmente fotos femininas, com caráter sensual, utilizadas em lojas de roupas e acessórios. Esse fato também pode ser considerado como um reflexo dos moradores dessa cidade, onde a pressa não é tanta e existe um tempo maior para as relações pessoais e para a preocupação com a individualidade e com a própria aparência. A partir do levantamento fotográfico, percebe-se que nos locais onde há um comércio de ramos variados existe uma maior ocorrência de imagens nos banners, enquanto em locais onde o comércio atende um ramo mais específico, como no Bom Retiro e Brás, o recurso mais utilizado foi tipográfico. A utilização de imagens nos banners vem para complementar a informação textual, uma redundância para reforçar a mensagem a ser transmitida. De acordo com Décio Pignatari, A redundância pode ser entendida como uma repetição; é causada por um excesso de regras que confere à comunicação um certo coeficiente de segurança, ou seja, comunica a mesma informação mais do que uma única vez e, eventualmente, de modos diferentes. (2003:58-59)
No caso dos banners, a redundância pode ocasionar num excesso de informação: em muitos casos utiliza-se um título acompanhado de uma fotografia que o
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23 Loja de lingerie utilizando poucas cores e recursos. Bairro do Bom Retiro, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
24 Loja de lingerie utilizando fotos e diversos recursos gráficos. Bairro da Campina, Belém, PA. Foto por Alessandra Gomes, 2011.
representa, reforçando o produto vendido, por exemplo a palavra “suco” seguida da foto de um suco [Figura 25]. A tentativa de transmitir com segurança e clareza a mensagem, muitas vezes acaba gerando, entretanto, um excesso, uma poluição visual. Pignatari (2003: 57) define “informação” como original, algo novo, pouco previsível: uma mensagem com essas características transmite informação; “de outra parte, (...) todo e qualquer sistema de comunicação possui uma tendência entrópica” (2003:58). Por “entropia” ou “tendência entrópica”, o autor entende “a uniformidade geral, o caos, onde não haveria possibilidade de informação nem troca possível de informação” (2003:58). “Isto é, quanto mais provável é a mensagem, menor é a informação fornecida” (WIENER apud PIGNATARI, 2003:57). Os banners que utilizam imagens – na maioria dos casos, prováveis – possuem, então, uma tendência entrópica. Outra característica observada é a presença dos banners principalmente no que Marc Augé chama de não-lugares, onde existe uma grande movimentação de pessoas: Os não-lugares são tanto as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens (vias expressas, trevos rodoviários, aeroportos) quanto os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais (...). (AUGÉ, 1994:36-37) (...) a supermodernidade é produtora de não-lugares, isto é, de espaços que não são em si lugares antropológicos e que (...) não integram os lugares antigos (...), um mundo assim prometido à individualidade solitária, à passagem, ao provisório e ao efêmero. (AUGÉ, 1994:73-74)
Para muitos moradores das grandes cidades, não existe uma relação de afeto com os locais por onde transitam rapidamente, de passagem, e a comunicação presente neles torna-se apenas borrões diante dos olhos de quem passa. Apesar
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25 Lanchonete com imagem ilustrando o texto em terminal de ônibus, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
desses locais serem não-lugares para alguns indivíduos, ao mesmo tempo não deixam de ser um lugar: “o lugar e o não-lugar são, antes, polaridades fugidias: o primeiro nunca é completamente apagado e o segundo nunca se realiza totalmente.” (AUGÉ, 1994:74) Dentre o material registrado, encontrou-se três características de maior destaque, que foram observados tanto em São Paulo quanto em Belém: predominantemente tipográfico – banners que não utilizam imagens ou que dão maior destaque ao texto; tipográfico/figurativo – banners em que texto e imagem tem o mesmo destaque; e figurativo – banners nos quais as imagens tem maior destaque do que o texto.
Predominantemente tipográfico Em São Paulo, dentre as regiões visitadas, o local onde houve maior ocorrência de banners predominantemente tipográficos foi em uma grande galeria que abriga prédios comerciais, localizada na rua José Paulino, no bairro do Bom Retiro. Neste local, quase todos eles apresentavam fundo de apenas uma cor e liso. Encontra-se nesse estilo uma redundância textual, através de um subtítulo explicativo, que reforça o tipo de produto vendido no estabelecimento, como “moda gestante” ou “surf shop”; para este subtítulos são usadas tipografias sem serifa geométricas e em caixa alta. Nos nomes das lojas percebe-se o uso de tipografias mais elaboradas, que remetem ao produto vendido: na loja Maria Prenha utiliza-se uma tipografia caligráfica delicada, feminina e com curvas acentuadas, remetendo a uma mulher grávida [Figura 26]. Na loja Bebê a Bordo também utiliza-se uma tipografia caligráfica e arredondada, com cores
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70 26 Loja Maria Prenha no Bom Retiro, São Paulo. Fotos por Cecília De Lucca, 2011.
27 Loja Jê Jê no Bom Retiro, São Paulo. Fotos por Cecília De Lucca, 2011.
28 Loja Bebê a Bordo no Bom Retiro, São Paulo. Fotos por Cecília De Lucca, 2011.
suaves, fundo com padrão de bolinhas e ilustrações infantis [Figura 27]. Já na loja Jê Jê, a fonte utilizada é larga, espaçada e redonda, caracterizando seu público-alvo, pessoas quem vestem tamanhos grandes [Figura 28]. Os efeitos decorativos mais utilizados são o contorno e a sombra chapada. Em Belém encontra-se uma ocorrência menor de banners textuais, e observase que a grande maioria desses casos apresentam efeitos nos textos como contorno, volume e sombra, além de fundos elaborados com gradientes e brilhos. A utilização desses recursos na tipografia dão características figurativas aos elementos textuais, principalmente com efeitos de tridimensionalidade, trazendo quase tanta informação visual quanto os banners que possuem imagens [Figura 29].
29 Belém, PA. Foto por Alessandra Gomes, 2011.
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Tipográfico/ figurativo Os banners tipográficos/figurativos2 ou representacionais – “aquilo que vemos e identificamos com base no meio ambiente e na experiência” (DONDIS, 2007:85) – dão o mesmo destaque para os elementos textuais e figurativos (fotografia ou ilustração). É a categoria na qual existem mais exemplos, tanto em São Paulo quanto em Belém, encontrados em praticamente todos os bairros visitados. É possível observar uma variedade tipográfica maior do que a encontrada nos banners tipográficos, algumas vezes relacionando-se diretamente com os elementos figurativos e até mesmo a arquitetura da loja [Figura 30]. Em muitos casos encontra-se mais de um estilo tipográfico no mesmo banner; os mais utilizados são fontes sem serifa como Arial, com serifa quadrada como a Century Schoolbook ou com serifa redonda, como a Coopper. Também são utilizados mais recursos gráficos, como contorno, sombra e gradiente, assim como nos fundos, que na maioria dos casos possuem elementos como faixas e degradês. Observa-se, inclusive, que as imagens não fazem parte da marca e servem para ilustrar o produto ou serviço oferecido pelo estabelecimento, utilizando-se da redundância. Os elementos figurativos são dispostos de duas formas: limitados em box ou recortados acompanhando o contorno da imagem. No primeiro caso [Figura 31 e 32], existe uma relação entre as formas utilizadas pelo Box, tipografia ou desenho no fundo, sendo eles mais retos na lanchonete árabe ou mais curvos na loja para roupas femininas. No segundo caso [Figura 33 e 34], as imagens estão dispostas diretamente sobre o fundo, assim como o texto; em ambos os exemplos foi utilizada tipografia condensada sem serifa branca com contorno preto, para ser destacado do fundo.
2 Categoria definida por Dondis para o tipo de mensagem visual mais próximo da realidade: “é o nível mais eficaz a ser utilizado na comunicação forte e direta dos detalhes visuais do meio ambiente, sejam eles naturais ou artificiais”. (2007:103)
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30 Loja no bairro da Campina, Belém. Foto por Alessandra Gomes, 2011.
Nota-se também que apesar de darem o mesmo destaque para texto e imagem, alguns banners apresentam composições mais objetivas, enquanto em outras existe um excesso de elementos, que se aproximam da categoria mais figurativa.
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31 Banner utilizando formas e box quadrados, no Centro Histórico de São Paulo, PS. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
32 Banner utilizando formas e box arredondados, no bairro de Campina, Belém, PA. Foto por Ana Catarina de Brito, 2011.
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33 Banner utilizando imagens recortadas no Brás, São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011. 34 Banner utilizando imagens recortadas no Telégrafo, Belém, PA. Foto por Alessandra Gomes, 2011.
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Figurativo Nessa categoria os elementos figurativos existem em maior quantidade e tem maior destaque que as duas primeiras, apresentando um excesso de informação visual – na maioria dos casos conflitando com informações textuais. Nos fundos também são utilizados gradientes, imagens abstratas (que lembram raios luminosos) ou até mesmo fotografias. Assim como na categoria tipográfica/figurativa, os elementos figurativos são dispostos da mesma forma: em box ou recortadas e dispostas diretamente sobre o fundo. Nesse ultimo caso ainda é possível encontrar em alguns banners o uso de efeitos decorativos como brilho ou sombra ao redor da fotografia [Figuras 35 e 36]. Box e splash também são utilizados para informações como preço e endereço. Assim como na categoria anterior, as tipografias são variadas e na maior parte dos banners encontram-se mais de um estilo. Também utilizam recursos como brilho, volume, contorno e sombra; em alguns casos o uso desses recursos é tão exagerado que o texto confunde-se com a imagem. Nos banners figurativos também encontra-se diversas disposições de título, como diagonal e principalmente curvilínea, recurso praticamente não utilizado nas outras duas categorias [Figura 37 e 38]. Os banners figurativos são os que utilizam mais a redundância, definida por Pignatari anteriormente. As imagens utilizadas por essa categoria funcionam principalmente como uma forma de reforçar e ilustrar o texto presente no banner. Observa-se que a produção informal utiliza imagens na maioria dos exemplos registrados, e que a categoria figurativa está mais presente em locais onde o comercio abrange diversos ramos, como na Figura 36, em que encontra-se uma loja de informática ao lado de uma loja de moda íntima.
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35 Banner no Centro Histórico de São Paulo utilizando fotos como fundo e box para texto e imagem, além de tipografia com contorno e disposta de forma de arco. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
36 Banners em Belém utilizando fotos ao fundo, com efeitos de brilho e tipografia utilizando diversos recursos como volume e sombra. Foto por Alessandra Gomes, 2011.
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37 Banner com disposição de titulo em arco, com volume e brilho, além de imagens com sombra. Centro Histórico de São Paulo, SP. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
38 Banner com disposição de titulo curvilínea e com contorno, utilizando foto como fundo. São Paulo e Belém. Foto por Alessandra Gomes, 2011.
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capĂtulo 3
PersistĂŞncia do vernacular
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Apesar da predominância do vernacular digital na comunicação visual dos grandes centros urbanos, ainda é possível encontrar exemplos de design vernacular manual – na maioria dos casos pintados diretamente em paredes ou em placas – em outras cidades da região metropolitana mais afastadas dos grandes centros. Foram encontrados exemplos da técnica manual principalmente na região metropolitana de Belém. Em análise sobre o design vernacular manual em diversas regiões do país e da América feitas por Rojas e Soto, Finizola observa que apesar da distância, existem semelhanças entre eles: Chama a atenção, por exemplo, que certos elementos gráficos, como símbolos, letras e cores, apareçam sem grandes variações em lugares distantes, e ainda que tenham sido feitos por pessoas distintas em épocas diferentes. (ROJAS; SOTO, 2001 apud FINIZOLA, 2010:58)
Segundo Finizola, isso ocorre principalmente devido às mesmas técnicas e ferramentas utilizadas, mas observa também que alguns estilos tem maior ocorrência em locais específicos, de acordo com influências e referências cul-
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turais, como o estilo caligráfico gótico na Europa e o vitoriano na America Latina. (2010:58) O mesmo ocorre quando se observa alguns exemplos de banners e letreiros feitos em São Paulo e Belém [Figura 39 e 40]: apesar de terem sido produzidos com ferramentas e em locais diferentes, encontra-se semelhanças na cores e no uso de tipografia sem serifa. Nas grandes cidades, porém, como observa-se na Figura 39, existe o uso de mais recursos como faixas penduradas, adesivos nos vidros e banners projetados para fora da loja, resultando em uma maior quantidade de informação visual. Finizola chega à uma lista de características comuns entre os exemplos das regiões estudadas:
Resumo das principais características formais dos letreiramentos populares: Predominância de maiúsculas. Mistura ou alternância, em uma mesma sentença, de variações de estilo, corpo e peso. Proporções das letras adaptadas às circunstâncias específicas de cada suporte. Textura da ferramenta aparente (pincel). Caracteres-chave definidos de acordo com o traço específico de cada artista. Preferência por fontes sem serifa e pouca incidência de cursivas. Uso de recursos decorativos nas tipografias: sombras, contornos, hachuras, simulação de volume. Preferência por alinhamento centralizado ou justificado. Disposição de textos em curva, vertical ou inclinados. Elementos esquemáticos recorrentes para a articulação do texto: fios, balões, boxes, asteriscos, molduras e setas
Quadro 1 Características formais recorrentes nos letreiramentos populares por Fátima Finizola, 2010.
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39 Fachada com banners e faixas em São Paulo. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
40 Fachada pintada à mão na estrada a caminho de Mosqueiro, distrito de Belém. Fotos por Cecília De Lucca, 2011.
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Praticamente todas essas características – com exceção da textura do pincel – podem ser encontradas na produção de banners, mostrando uma possível evidência de que, apesar de dispor de recursos diferentes e utilizar ferramentas informatizadas, o vernacular digital ainda mantém características instintivas, de uma execução espontânea, assim como ocorre com o vernacular manual. O computador, no entanto, possibilitou um maior uso de imagens – principalmente de fotografias –, recurso pouco utilizado pelo vernacular manual principalmente devido às limitações das ferramentas utilizadas e à habilidade do letrista. Sobre os letreiramentos, Finizola (2010:87-88), percebe que o uso de elementos pictóricos ilustrativos – também para reforçar as informações textuais –, é mais restrito que o de elementos esquemáticos como molduras e splashes, e também que a grande maioria dos exemplos opta por ilustrações mais sintéticas [Figura 41 e 42]. O aumento da utilização de imagens é uma transição que se observa não só no design vernacular, mas também em outros meios e reflete as transformações da sociedade a partir do século XIX com a reprodução fotográfica – discutidas no primeiro capítulo –, conforme constata Dondis: Nos modernos meios de comunicação (...) o visual predomina, o verbal tem função de acréscimo. (...) Nossa cultura dominada pela linguagem já se deslocou sensivelmente para o nível icônico. Quase tudo o que acreditamos, e a maior parte das coisas que sabemos, aprendemos e compramos, reconhecemos e desejamos, vem determinado pelo domínio que a fotografia exerce sobre nossa psique. E esse fenômeno tende a intensificar-se. (DONDIS, 2007:12-13)
Vemos esse fenômeno agora também na produção informal – talvez inconscientemente –, trazendo a linguagem visual, fotográfica, que se mostra eficien-
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41 Ilustração mais realista pintada à mão em fachada de estabelecimento de Icoaraci, distrito de Belém, PA. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
42 Ilustração sintética pintada à mão em fachada de estabelecimento de Icoaraci, distrito de Belém, PA. Foto por Cecília De Lucca, 2011.
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te na transmissão da mensagem, atingindo um público maior: inclui pessoas que não sabem ler, que transitam rapidamente pelas ruas, assim como os que se deslocam dentro de um veículo. A televisão, o cinema e o computador também contribuíram para esse deslocamento para o nível icônico, já que são meios prioritariamente imagéticos. (...) A análise das imagens difundidas pela televisão (representações) e dos tempos passados diante do aparelho (comportamento) deve ser completada pelo estudo daquilo que o consumidor cultural ‘fabrica’ durante essas horas e com essas imagens. O mesmo se diga no que diz respeito ao uso do espaço urbano (...). A ‘fabricação’ que se quer detectar é uma produção, uma poética (...). (DE CERTEAU, 1994:39)
Este estudo se volta para essa produção que, influenciada pela vivência – seja no espaço urbano ou pela televisão –, baseia-se quase que inteiramente nela. É o que De Certeau (1994:41) chama de “maneiras de fazer”, as práticas de reapropriação “do espaço organizado pela técnicas da produção sócio-cultural”. Aí se manifesta a opacidade da cultura ‘popular’ (...). Mil maneiras de jogar/desfazer o jogo do outro, ou seja, o espaço, instituído por outros, caracterizam a atividade, sutil, tenaz, resistente, de grupos que, por não ter um próprio, devem desembaraçar-se em uma rede de forças e de representações estabelecidas. Tem que ‘fazer com’. (DE CERTEAU, 1994:79)
É a maneira de jogar de um indivíduo que, mesmo sem uma formação acadêmica, tem a necessidade de comunicar, e para isso tem que o “fazer com” o conhecimento que possui, “o conhecimento por experiência” (BOURDIEU, 2007:67). E assim desfaz o jogo estabelecido, institucionalizado e classificado como uma categoria profissional. Encontra-se na Figura 43 a pintura de diversas marcas de operadoras e aparelhos celulares, nesse caso, o dono do
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43 Fachada pintada à mão em Mosqueiro, distrito de Belém. Fotos por Cecília De Lucca, 2011.
estabelecimento necessitava mostrar as empresas com que trabalha e para isso apropriou-se de uma linguagem já instituída das marcas e pintou-as na parede; observa-se que não são reproduções exatas dos logos, mas ainda assim podese identificar as empresas representadas. Isso mostra a maneira de jogar do comerciante que jogou com as ferramentas que tinha acesso, no caso, pintar as paredes do estabelecimento.
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Cultura popular fala então não de algo estranho, mas de um resto e um estilo. Um resto: memória da experiência sem discurso, que resiste ao discurso e se deixa dizer só no relato. Resto feito de saberes inúteis à colonização tecnológica, que assim marginalizados carregam simbolicamente a cotidianidade e a convertem em espaço de uma criação muda e coletiva. E um estilo, esquema de operações, modo de caminhar pela cidade, habitar a casa, de ver televisão, um estilo de intercâmbio social, de inventividade técnica e resistência moral. (MARTIN-BARBERO, 2009:122)
Tuan (1980:200) acrescenta que “os estilos de vida dificilmente são verbalizados e desempenhados conscientemente” e que para compreendê-los melhor, inclusive a atitude de um povo com relação ao mundo, é necessária a observação de seus atos diários e “do caráter das circunstâncias físicas onde ocorrem” (1980:200). O estudo e a análise dos banners possibilitam conhecer melhor o modo de pensar e agir para se comunicar de uma classe com menos recursos, especificamente no ambiente urbano. (...) Frente a toda tendência culturalista, o valor do popular não reside em sua autenticidade ou em sua beleza, mas sim em sua representatividade sociocultural, em sua capacidade de materializar e de expressar o modo de viver e pensar das classes subalternas, as formas como sobrevivem e as estratégias através das quais filtram, reorganizam o que vem da cultura hegemônica, e o integram e fundem com o que vem de sua memória histórica. (MARTIN-BARBERO, 2009:113)
Para Raymond Williams (1992:182), “(...) pode-se dizer que está implícito no conceito de uma cultura ser ela capaz de ser reproduzida; e, além disso, que, em muitos de seus aspectos, a cultura é, na verdade, um modo de reprodução”. Bourdieu (2007:234) complementa esse pensamento acrescentando que “a cultura é um desafio que, à semelhança de todos os desafios sociais, supõe
e impõe, a um só tempo, que o indivíduo entre no jogo e se deixe levar pelo jogo (...)”. Pode-se fazer um paralelo com a comunicação visual popular como uma forma de reprodução de informações, experiências e técnicas adquiridas sem o auxílio de regras acadêmicas, que é influenciada e influencia a cidade e os meios de comunicação, como foi visto, por exemplo, no bairro no Bom Retiro, onde a moda popular é inspirada e ao mesmo tempo inspira figurinos para novelas na televisão. A cultura popular demonstra, assim, sua importância e influência na sociedade, e que possui um jeito próprio de comunicar, um jeito espontâneo no sentido de que, por falta de estudo acadêmico, não se atém às possíveis regras e técnicas impostas pela instituição e que, também por este motivo, muitas vezes não possui consciência e controle das influências que recebe, mas que, ainda assim, não deixa de comunicar o que necessita.
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consideraçþes finais
consideraçþes finais
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A produção da comunicação visual formal é feita a partir de uma necessidade e baseada no estudo acadêmico, nas técnicas e na experiência adquiridas ao longo da vida do profissional. A produção formal coexiste com a informal, solicitada por quem não possui acesso ou não entende como necessário recorrer à um profissional. No caso da comunicação visual vernacular, essa produção – também desenvolvida a partir de uma necessidade – é baseada principalmente na experiência, no repertório, transmitindo o que o indivíduo vivencia em seu cotidiano, participando deste ciclo que influencia e é influenciado pela cultura de massa. Assim, o design vernacular persiste, se adaptando e acompanhando as transformações que ocorrem na sociedade, como pôde ser observado e registrado no levantamento fotográfico. A produção informal está se apropriando das ferramentas que a comunicação visual formal utiliza atualmente. Os letreiros populares são pintados diretamente sobre o suporte, utilizando pincéis de diversos tamanhos, ocasionalmente baseando-se em técnicas improvisadas, como calcular o tamanho de uma letra em palmos (FINIZOLA, 2010:96-97). Antes do computador, a comunicação visual acadêmica também era feita manualmente, porém exigindo um grande conhecimento técnico, como a construção de uma malha gráfica, ou possuir formas mais elaboradas
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de produção como a fotocomposição. Segundo Philip Meggs, (2009:626), no fim do século XX, a tecnologia eletrônica e a informática revolucionaram muitas áreas da atividade humana, entre elas o design: “o design gráfico foi irrevogavelmente transformado pelo hardware e software dos microcomputadores e pelo crescimento explosivo da internet” (MEGGS, 2009:626). No início do século XXI, observa-se que a informática, cada vez mais acessível, está revolucionando também a produção informal, que deixa de usar o pincel e passa a usar o computador, tendo o vinil ou lona como suporte para impressão. Pôde-se perceber, durante a pesquisa de campo, que esse tipo de material predomina nas zonas de comércio popular das cidades de São Paulo e Belém. Raramente foram encontrados exemplos de letreiramentos pintados, mais ocorrentes em locais afastados do centro. A cidade entra, então, como palco para essas transições e suporte para a comunicação visual. Observou-se que todos os elementos da cidade se relacionam e se influenciam, como o transporte transformou a publicidade e como o local, o tipo de público que por ele circula e as leis afetam a produção da comunicação visual. Esta, como classificam Argan e Lynch, faz parte dos elementos móveis presentes na cidade, que mudam constantemente; entre eles também encontram-se os meios de transporte e os moradores da cidade. Em algumas cidades foram implantadas leis que buscam reduzir o excesso desses elementos, em especial os imagéticos, classificados como poluição visual, que também modificou e restringiu algumas formas de publicidade. Observar como o indivíduo se relaciona com os elementos da cidade é importante para entender os hábitos e cultura do local e as referências que são utilizadas – consciente ou inconscientemente – na produção informal, considerando que é essa – como denomina De Certeau – “maneira de fazer”, esse modo de jogar com que o possui, que persiste, apesar de todas as transformações de
técnicas e ferramentas. Pôde-se observar, portanto, através da análise das fotos coletadas, que essa “maneira de fazer” de fato persiste, encontrando-se inclusive semelhanças com o vernacular manual e trazendo novas possibilidades como o uso de imagens e outros recursos. O vernacular manual agora serve como referência para os profissionais da área do design, que buscam uma linguagem mais espontânea e menos formal; o fato de ser uma técnica que está desaparecendo gradativamente também desperta interesse, tornando-se material para registro e principalmente de desenvolvimento de tipografias, como uma forma de preservar as formas desse tipo de expressão. Enquanto os designers apropriam-se do vernacular atrás de suas origens manuais, a produção informal agora utiliza os computadores. Seja com letreiros pintados ou seja com banners de vinil, a classe popular continua e continuará a encontrar formas para se comunicar.
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listas
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lista de figuras I 29
Figura 1 – Icoaraci, PA. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 2 – Rua Augusta, São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 3 – Beco do Tim Maia, São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 4 – Jackson Pollock. Imagem do site: http://www.goldbergmcduffie.com/projects/artnews/exhibit.html. Acesso em 09/05/11.
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Figura 5 – São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal de Fabio Okamoto.
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Figura 6 – Mercado do Ver-o-Peso, Belém, PA. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 7 – Av. Bernardo Saião, Belém, PA. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 8 – tipografia Brasilêro por Crystian Cruz. Disponível em: http://tipografos.net/brasil/crystian-cruz.html. Acesso em: 25/10/11.
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Figura 9 – Loja de informática, Belém, Pará. Fonte: acervo pessoal de Alessandra Gomes.
55
Figura 10 – Loja de informática, São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 11 – Loja em Belém, PA. Fonte: acervo pessoal de Alessandra Gomes.
56
Figura 12 – Loja em galeria no Bom Retiro, São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 13 – Mapas de São Paulo.
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Figura 14 – Rua José Paulino, São Paulo. Fonte: acervo pessoal.
60
Figura 15 – Galeria Conjunto Comercial Bom Retiro, São Paulo. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 16 – Galeria Conjunto Comercial Bom Retiro, São Paulo. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 17 – Mapa de Belém.
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Figura 18 – Loja no Brás, São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
62
Figura 19 – Loja, Belém, PA. Fonte: acervo pessoal de Alessandra Gomes.
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Figura 20 – Terminal Santo Amaro, São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 21 – Largo 13 de Maio. São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 22 – Lanchonete na Estação Brás, São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 23 – Loja de lingerie em Belém, PA. Fonte: acervo pessoal de Alessandra Gomes.
66
Figura 24 – Loja de lingerie no Bom Retiro, São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 25 – Lanchonete em terminal de ônibus. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 26 – Galeria Conjunto Comercial Bom Retiro, São Paulo. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 27 – Galeria Conjunto Comercial Bom Retiro, São Paulo. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 28 – Galeria Conjunto Comercial Bom Retiro, São Paulo. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 29 – Belém, PA. Fonte: acervo pessoal de Alessandra Gomes.
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Figura 30 – Belém, PA. Fonte: acervo pessoal de Alessandra Gomes.
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Figura 31 – Loja no Centro Histórico de São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 32 – Comércio do bairro da Campina, Belém, PA. Fonte: acervo pessoal de Ana Catarina de Brito.
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Figura 33 – Loja no Brás, São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 34 – Loja no Telégrafo, Belém, PA. Fonte: acervo pessoal de Alessandra Gomes.
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Figura 35 – Loja de São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 36 – Loja de Belém, PA. Fonte: acervo pessoal de Alessandra Gomes.
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Figura 37 – Loja de São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 38 – Loja de Belém, PA. Fonte: acervo pessoal de Alessandra Gomes.
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Figura 39 – Loja no Centro Histórico de São Paulo, SP. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 40 – Loja em Mosqueiro, PA. Fonte: acervo pessoal. 87
Figura 41 – Loja em Icoaraci, PA. Fonte: acervo pessoal. 87
Figura 42 – Loja em Icoaraci, PA. Fonte: acervo pessoal.
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Figura 43 – Loja em Mosqueiro, PA. Fonte: acervo pessoal.
Lista de Figuras ii Imagens de abertura. Fotos por Cecília De Lucca.
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Folha de rosto I – Av. Bernardo Sayão, Belém, PA.
04
Folha de rosto I – Feira do Ver-o-Peso, Belém, PA.
06
Epígrafe – Feira do Ver-o-Peso, Belém, PA.
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Agrecimento – Rua Augusta, São Paulo, SP.
12
Sumário – Rua da Consolação, São Paulo, SP.
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14
Introdução – Rua Afonso Celso, São Paulo, SP.
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Capítulo 1 – Rua 25 de Março, São Paulo, SP.
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Capítulo 2 – Mosqueiro, PA.
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Capítulo 3 – Rua Afonso Celso, São Paulo, SP.
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Considerações finais – Feira do Ver-o-Peso, Belém, PA.
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Listas – Rua Augusta, São Paulo, SP.
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Referências – Feira do Ver-o-Peso, Belém, PA.
Lista de Tabelas 84
Quadro 1 – Características formais recorrentes nos letreiramentos populares por Fátima Finizola, 2010.
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referĂŞncias
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