SIM III VICENTE CECIM série Diálogos:Com O Direito de Sonhar

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SIM III VICENTE CECIM série Diálogos:Com

O Direito de Sonhar

Catedral Sagrada Família, de Gaudi, Barcelona.

Uma imaginação que dá vida à causa material: a imaginação material BACHELARD Jorge Luis Borges, o escritor argentino que não satisfeito com a construção de labirintos verbais ainda os faziam se refletirem em espelho, um dia foi perguntado sobre o que preferia: Fantasia ou Fábula? Respondeu: - Fábula. Entendia que as fantasias podiam ser meras irrealidades, mas que as raízes da fábula eram cravadas no Real. Quando alguém, ao seu lado, assume aquela conhecida expressão distante de quem está, por uma breve e reconstituinte pausa, ausente deste frequentemente perturbador e instável mundo, você é daqueles que dá um tapa em seu braço e lhe grita: - Acorda! Está sonhando acordado? Se for – e já deve ter sofrido a mesma agressão, mas não aprendeu a lição – está cometendo um dos mais graves crimes do homem contra o homem. Porque, se há um direito humano sagrado, é o Direito de Sonhar. Devaneios também constroem fábulas pessoais que levam a realidades humanas mais profundas do que os olhos abertos podem ver. Quem lhe deu o anti-direito de interromper o sonho alheio? A pessoa que você grosseiramente despertou bem poderia


estar, também, diante daquele ponto sublime que Eckhart viu com olhos místicos: - Eli, onde os anjos supremos, a mosca e a alma são semelhantes. Talvez você seja alguém que precisa ver para crer, como o lendário apóstolo Tomé, que, quando Madalena veio anunciar que havia visto Cristo ressuscitado, disse que acreditava se tocasse as chagas. Mesmo que seja, quem sabe as potências do Imaginário lhe inspirem mais confiança se souber o que alguns dos homens que mais e melhor usaram suas mentes disseram sobre o assunto? Por exemplo: Einstein, o físico que concebeu a Teoria da Reatividade - se transformava novamente na criança que havia sido, para brincar com as ideias, quando queria se lançar em seus voos de especulações teóricas. E o matemático Bertrand Russel dizia jamais ter fatigado sua mente para resolver um problema complexo: tinha um método: estudava e absorvia o problema minuciosamente, e, depois - esquecia, dizia que estava deixando o inconsciente trabalhar para ele – e seu inconsciente resolvia o problema e lhe trazia a solução. Einstein e Russel, um físico e um matemático, logo: homens da Razão, usavam como os Poetas seu Direito de Sonhar. Sem temor. Ao contrário: com alegria. Einstein ia até bem longe, buscava além das fronteiras da racionalidade, afirmava: - Os domínios do mistério prometem as mais belas experiências. A imagem deste texto – a catedral Sagrada Família, de Gaudi, é uma evidencia acima de qualquer suspeita de como uma poética da Imaginação da Matéria pode fazer nascerem presenças novas no Visível em que estamos imersos. Neste terceiro Diálogo:Com, vamos ao encontro de Gastón Bachelard, o filósofo francês que no século XX, através da Epistemologia e da Fenomenologia, teve a compreensão deslumbrante, e deslumbrada, da imaginação poética como meio de transfigurar a Matéria. Aqui, um breve fragmento de um de seus últimos livros, onde o exemplo abordado é a matéria Casa - e suas metamorfoses através do imaginário de dois poetas: Georges Spyridaki e René Cazelles.

Gastón Bachelard: A Poética do Espaço

Às vezes, a casa cresce, se estende. É preciso maior elasticidade do devaneio, um devaneio menos desenhado a fim de habitá-la. “Minha casa”, diz Spyridaki, “é


diáfana, mas não é de vidro. Seria, digamos, da mesma natureza do vapor. Suas paredes se condensam ou se expandem segundo meu desejo. Às vezes as aperto contra mim, como uma armadura de isolamento... Mas, às vezes, deixo as paredes de minha casa se expandirem em seu próprio espaço, que é de extensibilidade infinita.” A casa de Spyridaki respira. É a armadura e depois se estende até o infinito. Dizer tanto é o mesmo que dizer que vivemos aí a cada passo, na segurança e na aventura. Ela é célula e é mundo. A geometria é transcendida. Dar irrealidade à imagem ligada a uma forte realidade nos põe diante do sopro criador da poesia. Textos de Cazelles vão nos revelar essa expressão se aceitarmos ir habitar as imagens do poeta. Ele escreve: “A casa sem igual em que respira a flor de lavas, em que nascem as tempestades, o sossego extenuante, quando deixarei de procurá-la? (...) Destruída a simetria, servir de pasto aos ventos. (...) Eu gostaria que minha casa fosse semelhante à do vento do mar, palpitante com suas gaivotas”. Assim, uma imensa casa cósmica existe potencialmente em todo sonho sobre casa. De seu centro saem os ventos, pelas suas janelas saem as gaivotas. Uma casa tão dinâmica permite ao poeta habitar o Universo. Ou, dito de outra maneira, o Universo vem habitar sua casa.

La Poetique de l’Espace (1957)

Diálogos:Com


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