I ESCOLA DE FORMAÇÃO POLÍTICA PARA A JUVENTUDE Eusébio - Ceará Julho de 2018
sobre o cedeca ceará O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, associação sem fins lucrativos, tem como principais estratégias a proteção jurídico-social, a mobilização social e a produção e difusão de conhecimento. Na proteção jurídico-social, compreende-se o enfoque de casos exemplares de violação aos direitos humanos de crianças e adolescentes para demonstrar a gravidade e extensão das violações de direito no Brasil, assim como a busca de sua restituição. No que diz respeito à mobilização social, compreende-se a articulação de ações com sujeitos sociais que lutam pela efetivação de direitos infanto-juvenis. Esta estratégia engloba as iniciativas de fortalecimento de redes, fóruns e parcerias; atividades de lobby e pressão política; qualificação da comunicação e o estímulo ao protagonismo social de comunidades vítimas de violações de direitos. Outra linha do nosso trabalho é a produção e a difusão de conhecimentos para profusão de análises críticas, sobretudo acerca da situação dos direitos infanto-juvenis, voltado ao avanço da democracia, ao exercício dos direitos humanos e a construção de um modelo de desenvolvimento social e ambientalmente sustentável. O CEDECA Ceará surge em 1994, quatro anos após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), a partir da articulação das organizações da sociedade civil, que defendiam os direitos de crianças e adolescentes em Fortaleza. Naquela época, os direitos de meninas e meninos eram praticamente desconhecidos, e vários órgãos instituídos pelo Estatuto sequer existiam, o que contribuía para um cenário de violações. Desde então, o CEDECA Ceará assume como missão a defesa dos direitos de crianças e adolescente, especialmente quando violados por ação ou omissão do poder público, visando o exercício integral e universal dos direitos humanos. O delineamento dessa atuação demarca uma das principais características deste centro de defesa: compreender o seu papel como parte integrante da sociedade civil organizada e agente de controle social do Estado e das políticas públicas.
POR QUE UMA ESCOLA DE FORMAÇÃO POLÍTICA PARA E COM A JUVENTUDE? Seja bem-vindo/vinda à I Escola de Formação Política para a Juventude. É uma grande alegria para nós, do CEDECA Ceará, receber você aqui para esse encontro. Nossa proposta é caminhar com coletivos de juventude reunidos nesta formação com mais esperança, vida e amor, semeando o entusiasmo em tempos tão difíceis de perdas de direitos, avanço de ideologias conservadoras e de tomada do Estado pelas classes dominantes. Com este momento, queremos anunciar e celebrar os bons ventos que podemos sentir. Isso é o que vai nos tirar o medo e nos tornar mais disponíveis e apaixonados pela mudança que está por vir. É tempo de darmos espaço à criatividade e à teimosia. Isso a juventude tem de sobra! A Escola é construída junto aos coletivos. Depende também de todos/todas vocês o sucesso na caminhada. A proposta é trabalhar os temas da Escola em cinco dimensões: a) a mística e a espiritualidade: expressão da vivência poética da juventude, trazendo forte os valores e as paixões que nos movem neste circuito coletivo; b) o corpo e a artesania: momentos que provocam novos conhecimentos, a partir dos sentidos corporais, mexendo com os sentidos e provocando novos aprendizados c) a solidariedade e integração com a comunidade: vivenciar este novo que defendemos de forma coerente e com atitude frente ao mundo. d) a formação política: a educação popular, as rodas de conversas como formas potentes de discutir nossa realidade e nossa história; e) a jornada cultural: a confraternização traz para o centro da roda as expressões artísticas, a nossa identidade como povo, como classe trabalhadora. O País vive um momento difícil, e os retrocessos estão acontecendo muito rápido. Isso exige de nós uma postura atenta para conversarmos mais sobre tudo isso, propondo ações de resistência e transformação. É importante entendermos bem o que está acontecendo por aí. Como conhecer os fatores que estão determinando as mudanças? Como identificar as forças sociais que podem nos conduzir a um futuro de justiça social e democracia? Essa é a trilha inicial aberta pela Escola. O resto é com a gente, juntos, juntas. Abram os poros, agucem os sentidos. Estejamos preparados/as para o novo em construção, hoje, agora!
SOBRE O LUGAR QUE PISAMOS Estamos em território indígena. Na aldeia Lagoa da Encantada, os JenipapoKanindé de hoje habitam em um território demarcado por direito. A história e genealogia da etnia remontam a um período anterior à colonização do Ceará, afirmando sua presença e fluxo cultural em uma área que vai desde a costa, local em que se fundou a primeira capital do estado, Aquiraz, até o Sertão Central, herdando a cultura de seus ancestrais Payacús ou Pakajús. Guardiões legítimos da natureza de dunas, matas e lagoa onde vivem, próximo às praias do Iguape e Batoque, são exímios pescadores e agricultores, destacando-se também no artesanato de adereços e utensílios. Uma das figuras mais expressivas da comunidade é a Cacique Pequena. Primeira mulher brasileira nomeada cacique, Pequena tomou lugar na liderança da comunidade por vários anos. Em 2012, o cacicado foi transferido para a filha, Juliana Alves (Cacique Irê). Hoje a etnia possui duas instâncias políticas, o Conselho Indígena Jenipapo-Kanindé e a Associação das Mulheres Indígenas Jenipapo-Kanindé. Ao lado dos Tapeba, Tremembé e Pitaguary, os JenipapoKanindé despontaram nas primeiras lutas pelo direito a terra no Ceará. O Toré, ritual de espiritualidade indígena manifestado em dança e cantos, é um dos elementos de cultura mais atuantes no sentido de fortalecer os laços de ancestralidade da comunidade, importante também para orientação e articulação política. Todo mês de abril, é celebrada a Festa do Marco Vivo, momento de reafirmação e intercâmbio de identidades indígenas. Além de escola diferenciada, pousada comunitária (Rede Tucum) e galpão de artesanato, a comunidade mantém o Cine Clube Aldeia e o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé, promovendo sessões de cinema, exposições, visitas-guiadas e formações interculturais. Fonte: http://www.indiojenipapokaninde.org
HISTÓRICO DO MOVIMENTO INDÍGENA NO CEARÁ POR WEIBE TAPEBA
Na historiografia oficial do Ceará, a presença indígena se constitui num emaranhado de complexidades e contradições, que são reproduzidas em diversos espaços e instrumentos ainda nos dias atuais. De acordo com o Relatório Provincial apresentado á Assembleia Legislativa Provincial do Ceará pelo excelentíssimo senhor Dr. José Bento da Cunha Figueiredo Junior, por ocasião da instalação da mesma Assembleia no dia 1º de outubro de 1862 e publicado no ano seguinte (1863), dava como extinta a população indígena no Ceará. Os dados identificados em diversos textos e pesquisas publicadas apresentam informações divergentes, embora entre os estudiosos contemporâneos, apontam para a existência no Ceará pré-colonial de pelo menos 42 etnias indígenas diferentes. Pelo que descreve a historiografia oficial, houve diversas intervenções na tentativa de integração forçada das diversas comunidades indígenas a sociedade nacional. O pensamento da época compreendia as comunidades indígenas como grupos que não estariam adequados ao modelo de sociedade que se queria consolidar. Os indícios a partir do contexto histórico eram de que se tentava homogeneizar a população no Brasil, transformado “o país em um lugar de uma cultura só”. Para isso, tentou-se impor a religião por meio da catequese e imposição língua portuguesa. Outras estratégias também foram identificadas, como é o caso da aprendizagem das línguas indígenas por meios de representantes que passaram a residir nas aldeias, como forma de intervir diretamente na organização política e social das comunidades. Por um lado, intenso processo de opressão, escravidão, tentativa de destruição dos índios e de seu mundo; por outro, as táticas, estratégias, reação, sobrevivência étnica. As estratégias de sobrevivências étnica dos índios, em relação aos seus territórios, aparecem aqui com o devido destaque.
Pelo menos 42 etnias indígenas habitaram o território do Ceará no período pré-Colonial A relação dos indígenas com seus territórios e as que foram estabelecidas a partir da inserção dos índios, nos aldeamentos missionários; os significados da possessão, da titulação, dentro da visão de mundo dos povos indígenas e na dinâmica do mundo colonial. Vivendo no anonimato os povos indígenas foram sobrevivendo sem poder afirmar sua etnicidade. A integração dos índios à sociedade envolvente deveria ser educada para deixarem de serem índios, ficando o estado responsável pelo controle da sua força de trabalho. Os costumes indígenas, denominados de superstições, continuaram a manifestar-se, mesmo após a inserção dos indígenas sem aldeamentos, a despeito das recriminações dos padres. Isso demonstra certa tolerância dos missionários, o que implicava, certamente, numa consequente sobrevivência de práticas tradicionais. O mais grave, no entanto, é considerar que a população vai desaparecendo de forma natural, sem interferência humana alguma. Por todo estado a raça indígena vai desaparecendo sensivelmente sem esforço do povo colonizador. Segundo a sua perspectiva, tratava-se de uma seleção natural da civilização, em que os fortes, os mais adaptados e os mais inteligentes sobreviveriam, tomando o lugar dos considerados fracos e incapazes. Justificativa que isenta o colonizador de todas as ações danosas aos indígenas. Isenta-o, sobretudo, da violência cometida, da constante e incisiva negação.
A integração dos índios à sociedade envolvente deveria ser educada para deixarem de serem índios, ficando o estado responsável pelo controle da sua força de trabalho. Os costumes indígenas, denominados de superstições, continuaram a manifestar-se, mesmo após a inserção dos indígenas sem aldeamentos, a despeito das recriminações dos padres. Isso demonstra certa tolerância dos missionários, o que implicava, certamente, numa consequente sobrevivência de práticas tradicionais. O mais grave, no entanto, é considerar que a população vai desaparecendo de forma natural, sem interferência humana alguma. Por todo estado, a raça indígena vai desaparecendo sensivelmente sem esforço do povo colonizador. Segundo a sua perspectiva, tratava-se de uma seleção natural da civilização, em que os fortes, os mais adaptados e os mais inteligentes sobreviveriam, tomando o lugar dos considerados fracos e incapazes. Justificativa que isenta o colonizador de todas as ações danosas aos indígenas. Isenta-o, sobretudo, da violência cometida, da constante e incisiva negação. Evidentemente reconhecer a ocorrência do grave extermínio indígena não significa também desprezar a miscigenação e fechar os olhos para a existência das “misturas”. A mestiçagem cresceu rapidamente no Ceará, a partir do desenvolvimento da pecuária, doação de sesmarias, e instalação de aldeamentos e vilas indígenas. As aldeias se convertiam em povoados. Apesar de reconhecer a participação do índio na constituição geral do sertanejo, não está posta a perspectiva de sobrevivência indígena, ao contrário, entende-se que o índio misturou-se e apagou-se, confundiu-se, sumiu. A perspectiva é a de um contato interétnico que resultou no extermínio completo dos indígenas. Essa concepção historiográfica compreendeu que o índio sofria passivamente a realidade que lhe era imposta. Quando tratou da resistência, deu ênfase apenas ao aspecto do confronto armado, direto, como são os casos da “guerra dos bárbaros” e do levante armado de vários grupos no Ceará. Esta abordagem procura justificar o fim, a completa derrota dos índios.
O que atualmente podemos extrair do Relatório Provincial citado, que dava como extinta população indígena no Ceará, ocorrendo 12 anos após a aprovação da Lei de Terras (1850), tinha como pano de fundo, negligenciar ao império a presença significativa da população indígena, já que se essas informações fossem registradas, teriam obrigatoriamente de buscar soluções para a garantia de direitos dessas etnias. Por tanto, omitir a presença indígena nessa região estaria o relatório investido como uma espécie de aval para o povoamento das diversas regiões no Ceará. Como vemos abaixo, a instalação dos chamados Aldeamentos de Índios, era o espaço onde essas imposições eram efetivadas. Considerando a diversidade no patrimônio cultural, espiritual, social e político das comunidades indígenas que persiste até os dias de hoje, a maioria dos aldeamentos constituídos na época, não lograram êxito. As maiorias foram extintas, com a expulsão dos jesuítas. Muitos desses aldeamentos foram elevados a Vila de Índios que acabaram posteriormente dando origem a importantes municípios do nosso estado. Do ano de 1863 até o final da década de 70, houve o que os estudiosos da causa indígena, denominam de fenômeno do silenciamento étnico. Foi nesse período, aonde houve diversas ações de genocídio e etnocídio em nosso estado. Segundo a memória oral dos chamados “troncos velhos” dos povos indígenas, as perseguições e massacres eram constantes. Muitos de nossos antepassados tiveram que perder os vínculos afetivos e espirituais com seus territórios e muitas famílias foram desagregadas de suas comunidades, fugindo para diversas regiões do país. Dificilmente identificamos em produções bibliográficas, relatos que comprovem tais violações aos povos indígenas. As omissões da historiografia oficial desses fatos históricos contribuíram para que até os dias atuais se imaginem que no Ceará não tem índio.
DO SILENCIAMENTO ÉTNICO PARA A REAFIRMAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS CEARENSES. Como sabemos, para o Estado Brasileiro, até o final da década de 70, o Ceará era considerado em conjunto aos estados do Rio Grande do Norte e Piauí, como sendo um estado sem povos indígenas. Fato que teve implicações diretas na efetivação de ações, programas e políticas voltadas a esses grupos étnicos. A presença indígena no Ceará começou a ter uma conotação maior, quando importantes periódicos de grande circulação no país, citando como exemplo o Jornal Folha de São Paulo, passaram a divulgar a presença de um povo que na época não teria perspectiva de vida e estaria a mercê das ações do estado e fadados a extinção. O povo no qual abordava aqueles veículos de comunicação era a etnia Tapeba, a repercussão dessas notícias foi tamanha, que no inicio dos anos 80 Dom Aloísio Lorscheider - Arcebispo de Fortaleza, em 1982, designou José Cordeiro, Coordenador da Pastoral Rural da Arquidiocese de Fortaleza, a visitar os Tapeba da Aldeia da Ponte, em Caucaia. Três meses depois do primeiro contato Dom Aloísio visitou a área. O medo foi sendo vencido e lideranças começaram a brotar para assumirem os desafios da luta indígena. Com o apoio da Pastoral Rural da Arquidiocese de Fortaleza as lideranças foram perdendo o medo de se identificar como indígenas. Logo depois veio as universidades; então nasceu o movimento indígena no Ceará e logo depois vieram os povos Tremembé, Pitaguary e Jenipapo-Kanindé lutar pelo reconhecimento. Os avanços no processo de apoio na reorganização política das comunidades indígenas no Ceará foram ganhando uma dimensão tão importante, que a própria Arquidiocese de Fortaleza criou a Pastoral Indigenista que foi transformada no atual Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH.
Depois que os quatros povos obtiveram êxito no reconhecimento outros povos se engajaram na luta. A partir da ratificação pelo Estado Brasileiro da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT reconheceu como direito essencial das comunidades indígenas, o Direito a Auto-identificação. Por tanto, a partir dessa importante legislação, as próprias comunidades indígenas passaram a auto reconhecer-se como povos indígenas. Atualmente o Ceará conta com a presença indígena por meio de 14 etnias diferentes, dispersas em 19 municípios, com uma população aproximada em 30 mil indígenas.
Muitos dos índios da região metropolitana trabalham em fabricas, na construção civil, caçam, pescam fazem artesanatos para ajudar no sustento da família. Os povos do litoral concentram suas atividades votadas para pesca e coleta de crustáceos. Já os índios das serras e do sertão concentram suas atividades na agricultura, cultivando a terra e criando animais. O Movimento Indígena Cearense possui uma dinâmica de representação política consolidada. Todos os povos indígenas cearenses reúnem-se anualmente para discutir por meio de seus representantes, seus avanços, desafios e estratégias de atuação dos povos na luta pela efetivação de seus direitos. Desde a primeira edição da Assembleia Estadual dos Povos Indígenas, já foram realizadas 17 edições. A próxima assembleia deverá ser realizada na Aldeia Fidélis, localidade no Município de Quiterianópolis-Ce, tendo como etnia anfitriã o Povo Tabajara. Como representação institucional e política do Movimento Indígena do Ceará destacamse a representação da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME, a Coordenação das Organizações e Povos Indígenas no Ceará – COPICE, Articulação das Mulheres Indígenas do Ceará – AMICE e a Organização dos Professores Indígenas do Ceará – OPRINCE.
As principais reivindicações defendidas na agenda política dos Povos Indígenas do Ceará destacam-se a luta pela regularização fundiária das terras indígenas, pela educação escolar indígena de qualidade, pela efetivação do subsistema de atenção a saúde indígena e saneamento junto a todas as etnias indígenas do estado e o combate a toda forma de violações aos direitos indígenas, através da visibilização das lutas travadas cotidianamente. No inicio de 2007, período em que foi aprovado o Plano Distrital, o Ceará contava com apenas 10 povos indígenas distribuídos em 16 municípios do estado com uma população com pouco mais de 17 mil indígenas. A saúde das populações indígenas do Ceará tem apresentado um perfil de mortalidade coerente como o que vem acontecendo com a população não indígena, ou seja, um aumento das doenças crônico-degenerativas, como hipertensão e diabetes e a permanência das doenças infecto-contagiosas, como tuberculose e hanseníase. Observa-se ainda a presença de parasitose intestinal e doenças diarreicas. A população indígena cearense vive em precárias condições sócias econômicas. Tendo apenas a Etnia Tremembé uma pequena área de terra demarcada. Os demais povos indígenas vivem em lutas constantes pela demarcação de suas terras que são ocupadas por grandes empresas de exploração e, que inclusive explora a mão de obra indígena nos subempregos, fazendo com que haja uma desmobilização entre os próprios indígenas em suas lutas.
O DSEI/CE ainda não está com uma infraestrutura adequada para atender a toda a demanda da saúde indígena do Ceará. Atualmente conta com 09 Polos Base. As atividades desenvolvidas são: saúde da criança, saúde da mulher, imunização, controle da tuberculose e hanseníase, DST/HIV/AIDS, hipertensão e diabetes, controle de endemias, saúde bucal, segurança alimentar e nutricional, saúde mental, assistência farmacêutica. Todas essas atividades integram as ações básicas de saúde que são desenvolvidas pelas Equipes Multidisciplinares. Contribuições: Nailto Ferreira Tapeba e Ricardo Weibe Tapeba http://condisiceara.blogspot.com.br/ p/historico-do-movimento-indigenano-ceara.html
ETNIAS INDÍGENAS NO CEARÁ POR REGIÕES
O CARÁTER POPULAR DA ARTE E ARTE REALISTA POR BERTOLT BRECHT
Se quisermos definir hoje [o artigo foi escrito em 1938] da literatura alemã contemporânea, devemos ter em conta que aquilo a que chamamos literatura, não tem possibilidades de ser impresso e muito menos de ser lido, a não ser no estrangeiro. Por isso, a exigência de que a literatura tenha um carácter popular reveste-se de um aspecto particular. Segundo esta diretriz, o escritor teria que escrever para um povo com o qual não convive. No entanto se examinarmos o problema com mais atenção, observa¬remos que a separação entre o escritor e o povo não aumentou tanto como se poderia pensar. Essa separação não é hoje tão grande, nem foi outrora tão pequena, como parece. A estética dominante, o preço dos livros, e a política, mantiveram sempre uma distância considerável entre o escritor e o povo. Seria no entanto errado (isto é, pouco realista) pensar que se trata apenas de um aumento «exterior» dessa distância. Não há dúvida de que se rea¬lizam hoje em dia esforços notáveis para escrever de uma maneira popular. Mas, por outro lado, fazê-lo, tornouse mais fácil; mais fácil e mais urgente. O povo separou-se claramente da classe dominante, dos seus opressores e exploradores que empreendem contra ele uma luta que não é possível ignorar. Tornouse mais fácil tomar partido. No seio do «público» rebentou, por assim dizer, uma luta aberta. Também é hoje mais difícil permanecer indiferente à exigência de que se escreva de uma maneira realista. Esta exigência tornouse evidente. As classes dominantes servemse da mentira mais aberta-mente do que antes, e esta toma maiores proporções. Dizer a verdade é uma tarefa cada vez mais urgente. Os sofrimentos e a massa dos que sofrem aumentaram. Perante os grandes sofrimentos das massas, torna-se ridículo e até desprezível ocupar-mo-nos das pequenas dificuldades dos pequenos grupos.
Contra o progresso da barbárie, só há um aliado possível: o povo que sofre. Só dele se pode esperar alguma coisa. É portanto natural e mais necessário do que nunca, que nos voltemos para ele e falemos a sua linguagem. Assim, as diretrizes que exigem uma arte de carácter popular e uma arte realista, completam-se mutuamente. Resulta no interesse do povo, das largas camadas trabalhadoras, que a literatura proporcione reproduções fiéis da vida, e esse tipo de reproduções da realidade só ao povo serve. Por isso devem possuir como condição indispensável o serem compreensíveis e proveitosas, isto é, populares. No entanto, antes de começar a construir frases em que esses princípios se utilizem e se articulem, é necessário submetê-los a uma purificação geral. Seria errado pensar que esses conceitos são absolutamente claros, a históricos, não comprometidos, inequívocos. («Rever conceitos? Ora deixemo-nos de bízantinices!»). O conceito de carácter popular da arte, não é tão popular como parece; pensar o contrário não é realista. Termos abstratos como este devem ser considerados com extrema prudência. Basta pensarmos em palavras como utilidade, reinado, santidade; sabemos também que o substantivo «povo» tem uma acentuação muito particular, acentuação religiosa, solene e suspeita, que de forma nenhuma devemos ignorar. Sobretudo porque precisamos de utilizar o conceito de popítlar. É precisamente nas chamadas versões «poéticas» da realidade que o «povo» se apresenta mais supersticioso ou, para sermos mais exatos, que a superstição mais se manifesta.
Nelas o povo possui as suas qualidades imutáveis, as suas santas tradições, as suas formas culturais, usos e costumes, a sua religiosidade, os seus inimigos hereditários, uma força inesgotável, etc... Surge uma unidade curiosa que abrange carrascos e vítimas, exploradores e explorados, vigaristas e vigarizados, sem considerar a multidão dos que trabalham, o «povo miúdo» em oposição aos «grandes». A história das falsificações realizadas com base no conceito de povo é uma história longa e complicada, a história da luta de classes. Não vamos aqui referir-nos a ela; queremos apenas que esta falsificação não se perca de vista, quando falamos na necessidade de uma arte popular. Uma arte para as vastas camadas populares, para a maioria oprimida pela minoria, para a massa dos produtores. Uma arte para aqueles que durante anos e anos foram o objeto da política e que, finalmente, devem transformar-se no seu sujeito. Não devemos esquecer que poderosas instituições impediram por muito tempo que esse povo alcançasse o seu pleno desenvolvi¬mento, que pelo engano ou pela violência o mantiveram atado a convenções, e que o conceito de «popular» se tornou histórico, estático e fixo. Não temos absolutamente nada a ver com essa versão do conceito, ou melhor, temos que combatê-la. O nosso conceito de carácter popular da arte refere-se a um povo que não só participa plenamente no desenvolvimento histórico, como se apodera dele, o acelera, o determina. Referimo-nos a um povo que fazendo « História, se transforma a si mesmo, e consigo, o mundo. Um povo combativo, implica um conceito combativo popular. Ser popular significa:
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ser compreensível para as largas massas, adotar e enriquecer as suas formas de expressão;
Chegamos agora ao conceito de realismo. E antes de utilizá-lo, temos que submeter a uma limpeza este velho termo, utilizado por tantos, tantas vezes, e para tão diferentes finalidades. Ë necessário fazê-lo, já que todo o ato de recepção de uma herança por parte do povo deve ser precedido de um de expropriação. A apropriação das obras literárias não pode ser feita da mesma maneira que a apropriação das fábricas, e não se pode proceder com as formas de expressão literária como se pro¬cede com as formas de fabricação. Também a forma realista de escrever, com que a história da literatura brinda múltiplos exemplos diferentes entre si, está marcada, até aos seus mais ínfimos detalhes, pelo modo, o momento e classe ao serviço da qual foi utilizado. Como temos em vista o povo que luta para transformar a realidade, não temos razões para amarrá-lo às regras da narração, à eficácia «comprovada», a veneráveis modelos da história da literatura, a regras eternas da estética. Não devemos deduzir o conceito de realismo a partir de determinadas obras já existentes, mas sim utilizar livremente todos os meios, velhos ou novos, de eficácia «comprovada» ou não, vindos da arte ou de outras fontes, para colocar nas mãos dos homens uma realidade viva que possam transformar. Devemos ter o cuidado de não qualificar apenas de realista uma forma historicamente determinada do romance, pertencente a uma época, a de Balzac ou de Tolstoi, estabelecendo assim para a definição de realismo, critérios exclusivamente formais, literários.
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adotar e consolidar o seu ponto de vista; representar a parte mais progressiva do povo, de forma que esta possa tomar a direção da sociedade e, por conseguinte, ser compreensível também para a outra parte do povo;
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familiarizar-se com as tradições e desenvolvê-las; transmitir à parte do povo que aspira ao papel dirigente, as conquistas positivas dos que hoje detêm o poder.
Não falaremos então de uma forma realista de escrever apenas nos casos em que, por exemplo, «tudo» se ofereça aos nossos sentidos, exista um «clima» e o desenvolvimento da fábula conduza a que os personagens mostrem a sua interioridade. O nosso conceito do que é realista deve ser amplo e político, livre em matéria de estética e desligado de toda a espécie de convenções. Ser realista significa:
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apresentar o sistema da causalidade social;
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escrever do ponto de vista da classe que propõe as soluções mais amplas para as dificuldades mais urgentes em que se encontra a sociedade humana;
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destacar, em qualquer processo, os seus pontos de desenvolvimento;
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ser concreto e possibilitar a abstração.
Estes imperativos são muito fortes, contudo, são susceptíveis de ser completados. E para os realizar, permitiremos que o artista utilize toda a sua fantasia, toda a sua originalidade, todo o seu humor, toda a sua capacidade criadora. Não vamos amarrar-nos a modelos literários muito pormenorizados, não vamos obrigar o artista a utilizar formas de narração muito específicas. Podemos verificar que a forma de escrever a que poderíamos chamar «sensualista» (onde tudo se pode cheirar, saborear, sentir) não pode assemelhar-se assim tão facilmente à forma realista, e que há pelo contrário obras «sensualistas» que não são realistas e outras realistas que não estão escritas de um modo sensualista. . Devemos estudar cuidadosamente se a maneira mais correta de desenvolver uma fábula é obrigá-la a dar azo a que os personagens exponham a sua interioridade. Os leitores tal¬vez não sintam que se lhes proporciona as chaves dos acontecimentos quando, seduzidos pelos muitos artifícios, se limitam apenas a participar nas emoções dos heróis dos nossos livros.
Se utilizássemos, sem um exame atento, as formas de Balzac ou de Tolstoi, talvez cansássemos os nossos leitores (o povo), tão frequentemente como o fazem esses escritores. O realismo não é apenas um problema formal. Ao copiar esses artistas, deixaríamos de o ser. Pois os tempos mudam, e se não mudam, a situação é pior de hora a hora para quem não nasceu privilegiado. Os métodos gastam-se, os atrativos desaparecem. Surgem novos problemas que exigem novos meios. A realidade transforma-se e para a representar é necessário mudar a forma de representação. Nada surge do nada, o novo nasce do velho e é por isso mesmo que é novo. Os opressores não usam sempre a mesma máscara. E as máscaras não se podem arrancar da mesma maneira em todas as épocas. Possuem muitos meios para se furtarem à ação do espelho que se lhes põe à frente. As suas estradas militares são batizadas com o nome de auto-estradas. Os seus agentes mostram as mãos calejadas como se fossem trabalha¬dores. Para conseguir que se confunda o caçador com a caça é necessário muita imaginação. O que ontem era popular, hoje já o não é, porque o povo já não é hoje como era ontem. Quem for vítima dos preconceitos formais, sabe que há muitas maneiras de ocultar a verdade e outras tantas de a dizer. Sabe que existem muitas maneiras de despertar a indignação relativamente a situações desumanas. É possível fazê-lo mediante uma patética pintura direta, ou por meio de imagens filmadas, com recurso a fábulas e parábolas, fazendo gracejos, minimizando ou exagerando os factos. Em teatro a realidade pode apresentar-se de forma objetiva ou fantástica. Os atores podem estar caracterizados, ou estarem-no apenas muito levemente, e dar uma impressão de absoluta naturalidade, representando, no entanto, a pura mentira; ou usar máscaras "grotescas" e dizer a verdade. Sobre este ponto, não há j discussão: os meios devem ser avaliados em função l do seu fim. O povo sabe fazê-lo.
As grandes experiências teatrais de Piscator (assim como as minhas), em que sempre se destruíram as formas convencionais, tiveram o mais firme apoio nos quadros mais avançados da classe operária. Os operários avaliavam tudo de acordo com a verdade que podia conter, recebiam com agrado qualquer inovação que pudesse favorecer a representação da verdade, a apresentação das verdadeiras engrenagens sociais, e rejeitavam tudo quanto lhes parecia puro jogo, maquinação sem objetivo, isto é que não satisfazia, ou não cumpria já, a sua função. Os argumentos em que baseavam as suas apreciações nunca eram literários ou de estética teatral. Nunca se lhes ouviu dizer que não se pode misturar teatro com cinema. Se o fragmento de película não era utilizado acertadamente, diziam: «aqui há filme a mais; desvia a atenção». Os coros operários recitaram textos em verso de ritmo com¬plicado («se se utilizam rimas, o texto corre como água e não se retém nada do conteúdo») e cantaram difíceis (desusadas) canções de Eisler («Pois nelas há força»). Mas tivemos que alterar alguns versos cujo sentido não era claro ou era falso. Nas canções de marcha, rimadas para que pudessem ser rapidamente aprendidas, e que tinham um ritmo muito simples para que «passassem» quando se esbarrava com alguma subtileza (irregularidades, complicações), os trabalhadores comentavam: «aqui há um truque; é divertido». Aborreciam-se com o comum, o trivial, o banalizado ao ponto de não obrigar a pensar. («Não se tira nada disto»). Se se necessita de uma estética poder-se-ia vir buscá-la aqui. Nunca esquecerei a maneira como me olhou um trabalhador que me propunha acrescentar a um coro, algo sobre a União Soviética: («É necessário acrescentar isto. Senão, não tem o efeito desejado!»); e quando lhe respondi que isso quebraria a forma artística, inclinou a cabeça para o lado e sorriu-se. Todo um tratado de estética caiu por terra com aquele sorriso afável. Os trabalhadores não temiam dar-nos lições, nem tinham medo de aprender.
Falo por experiência, quando digo que não há que ter medo de apresentar ao proletariado coisas audazes, desusadas, desde que tenham unicamente que ver com a realidade. Haverá sempre gente culta, conhecedores que virão interpor-se dizendo: «O povo não entende isso!» Mas o povo afasta impacientemente esta gente e entende-se com os artistas. Determinados grupos de gente culta, usam toda uma série de métodos bem estudados, para darem a aparência de que fazem inovações; mas na realidade eles apresentam o velho pelo novo, uma enésima transformação do mesmo pedaço de carne velha. O proletariado rejeita-os («Que espécie de problemas tem esta gente!?») com um movimento de cabeça incrédulo e até indulgente. Mas não são os temperos que rejeitam; é a carne velha; não é a enésima forma, mas sim o fato usado. Quando esses mesmos trabalhadores escreveram e fizeram teatro, foram de uma originalidade atraente. A arte dos grupos «agitprop» não atraiu os conhecedores, mas foi uma fonte de novas formas de expressão e de meios estatísticos novos. Nela ressurgiram magníficos elementos há muito esquecidos, de épocas em que a arte tinha um carácter autenticamente popular, adaptados de maneira audaz a novos fins sociais. Havia cortes e reduções arrojadas, simplificações consegui¬das (ao lado de outras menos conseguidas); encontrávamos neste gênero de teatro uma elegância admirável unida ao vigor e à força; havia uma visão sem complexos perante a complexidade. Podia haver aspectos primitivos, mas esse simplismo não era do tipo do que enfermam as representações da interioridade, tão aparentemente diferenciadas, da arte burguesa. É errado rejeitar, por causa de algumas realizações infelizes, uma forma de representação que procura (e muitas vezes com êxito) fazer ressaltar o essencial e possibilitar a abstração. A visão penetrante dos trabalhadores ia mais além do que as representações naturalistas da realidade.
Quando os trabalhadores diziam ao ver Fuhrmann Hensehel (peça de Hauptmann); «não queríamos ver as coisas apresentadas desta maneira», exprimiam com isso o seu desejo de que se lhes representasse mais exatamente as verdadeiras forças motoras da sociedade, as que atuam debaixo do que podemos observar à superfície. Para citar uma experiência pessoal, lembro que esse mesmo público não se deixou deslumbrar com a fantasia exterior, o ambiente aparente¬mente irreal da «Ópera dos três vinténs». Não tinham um espírito tacanho pois odiavam a estreiteza (para isso bastavam-lhes as casas em que moravam). Eram generosos, pois os seus patrões eram avarentos. Achavam supérfluas algumas coisas que os artistas achavam indispensáveis, mas mesmo assim nunca perdiam o bom humor; não se opunham ao supérfluo, mas sim àqueles que o são. Não atavam com uma corda o focinho do boi que trabalha na eira, mas de qualquer maneira vigiavam-no, não fosse ele comer a palha. Não acreditavam num «sacrossanto método criador». Sabiam que eram precisos muitos métodos para atingir o seu objetivo. Se se necessita de uma estética, poderiam vir buscá-la aqui. É preciso então escolher os critérios para determinar o realismo e o carácter popular da arte, com tanta generosidade como cautela; e não devemos deduzi-los de obras populares ou realistas já existentes, como é costume fazer-se. Procedendo assim, só se obterão critérios exclusivamente formalistas, e conceitos de carácter popular da arte e de realismo definidos apenas do ponto de vista formal. Não podemos estabelecer se uma obra é realista ou não, apoiando-nos apenas na sua comparação com outras obras existentes, consideradas realistas e que dentro da sua época se devem efetivamente qualificar de realistas. Em cada caso particular, a representação da vida deve comparar-se com a própria vida, e não apenas com outras representações da vida.
Ainda no que se refere ao carácter popular da arte, existe uma posição absolutamente formalista de que nos devemos precaver. A compreensão de uma obra literária não está garantida pelo facto de ter sido escrita exatamente como outras obras anteriores que foram compreendidas. Do mesmo modo, essas tais obras que foram entendidas nem sempre foram escritas à semelhança das que as precederam. Para que fossem entendidas, foi necessário fazer algo de novo. Também nós devemos fazer algo para que as nossas obras se façam entender. A obra de arte .não deve apenas pretender ser popular, deve conseguir sê-lo. Se queremos uma literatura viva, de combate, uma literatura completamente dominada pela realidade e capaz de dominá-1* plenamente, não podemos permanecer atrasados em relação ao rápido desenvolvimento da realidade. As grandes massas populares estão em marcha. A prova está no desvario e na violência dos seus inimigos. Extraído de «ECO, revista de Ia cultura de ocidente», n.0! 85-86, Maio--Junho de 1967.
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