Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares - SIEBE / SEDUC – PA In Form@ção / Secretaria de Estado de Educação. Cefor. - v. 7 .-- n. 9 (Dez 2021). - Belém, PA : SEDUC, CEFOR, 2021 (on-line). Semestral ISSN: 2448-1106 1. Educação – Ensino e Aprendizagem. 2. Metodologia. I. Secretaria de Estado de Educação do Pará. Cefor. CDD - 22. ed
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Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................
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INTRODUÇÃO AO DISABILITY STUDIES: ORIGENS E PARADIGMAS Marcos Roberto da Silva Costa
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ENTRE INTERDIÇÃO E INDIGNAÇÃO: IMAGENS INTERDITADAS DE UMA PROVA INDIGNADA .......................................................................................................................................... Luciane de Assunção Rodrigues
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TERTÚLIAS DIALÓGICAS LITERÁRIAS: UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURA VIRTUAL COM ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL .................................................................................... Helioneth Daniel Lisboa e Elizabeth Cardoso Gerhardt Manfredo
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MARIERRÊ: POÉTICA QUILOMBOLA NA INTERFACE CULTURA E EDUCAÇÃO ......................... Benedito Lélio Caldas Costa O UNIVERSO LOBATIANO NA LITERATURA INFANTIL: O QUE ME CONTAS, MONTEIRO LOBATO? ............................................................................................................................................. Missilene Silva Barreto
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LIBRAS NA PERSPECTIVA SEMIÓTICA: PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO NA REPRESENTAÇÃO DE SINAIS EM APOSTILAS DE CURSOS DE LIBRAS .................................... Paulo Sérgio da Silva Lira
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EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DEFICIÊNCIA VISUAL: HISTORICIDADE E CONTEMPORANEIDADE . Ana Ruth Silva Campos
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EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DEFICIÊNCIA VISUAL: FUNDAMENTOS E PERSPECTIVAS .............. Merly Glayze Costa Dias da Costa
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PERSPECTIVAS GNOSIOLÓGICAS SOBRE A BNCC: ENTRE SIMILITUDES E DIFERENÇAS ... Gláucia de Nazaré Baía e Silva e Pedro Franco de Sá
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PENSAR DOCENTE DA PRÁTICA EDUCACIONAL: PERSPECTIVAS DO PROFESSOR PESQUISADOR SOBRE A SUA PRÁTICA ......................................................................................... 115 Karolina da Costa Henriques
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Expediente A Revista InForm@ção é uma publicação online do Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR), de periodicidade anual, destinada à publicação de artigos científicos de autoria dos professores e servidores da Secretaria de Estado de Educação do Pará, em especial os que atuam nas escolas da rede estadual, com objetivo de socializar estudos e resultados de pesquisas, reconhecendo e valorizando as contribuições teóricas e metodológicas dos autores.
GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ
GOVERNADOR Helder Zahluth Barbalho
SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO Elieth de Fátima Silva Braga
SECRETARIA ADJUNTA DE ENSINO (SAEN) Regina Lucia de Souza Pantoja
SECRETARIA ADJUNTA DE GESTÃO DE PESSOAS (SAGEP) Cleide Maria Amorim de Oliveira Martins
SECRETARIA ADJUNTA DE PLANEJAMENTO E GESTÃO (SAPG)
REVISTA INFORM@ÇÃO AUTOR CORPORATIVO Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará Endereço: Rua Gama Abreu, 256 - Bairro de Nazaré Belém – Pará CEP: 66.015-130 E-mail: cefor@seduc.pa.gov.br E-mail da Revista: ceforrevista@gmail.com EDITORES Nádia Eliane Cortez Brasil Sandra Lúcia Paris CONSELHO EDITORIAL Esther Maria Souza Braga Francisco Augusto Lima Paes Mauro Márcio Tavares da Silva Nádia Eliane Cortez Brasil Sandra Lúcia Paris REVISORA Esther Maria de Souza Braga
Delciene Loureiro Corrêa DIAGRAMAÇÃO Paulo Roberto Sousa David
SECRETARIA ADJUNTA DE LOGÍSTICA ESCOLAR (SALE) Alexandre Buchacra
CENTRO DE FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ Francisco Augusto Lima Paes
CAPA Anderson Rodrigo C. dos Santos Edilberto José Figueiredo Silva Periodicidade: semestral Endereço eletrônico: https://issuu.com/cefor PARECERISTAS AD HOC Prof. Ma. Ana Lúcia Brito Prof. Ma. Esilene dos Santos Reis Prof. Ma. Esther Maria de Souza Braga Prof. Ma. Gláucia de Nazaré Baía e Silva Prof. Dra. Maíra Oliveira Maia Prof. Dr. Mauro Márcio Tavares da Silva Prof. Dra. Sandra Lúcia Paris Prof. Ma. Salier Juliane dos Santos Castro Prof. Ma. Tatiana Cristina Vasconcelos Maia
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Apresentação A Revista Inform@ção, do Centro de Formação dos profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR), traz nesta edição um quadro qualificado de profissionais do nosso Estado que desenvolve estudos e pesquisas das diversas áreas do conhecimento e suas bases teóricas reflexivas no trato das questões referentes aos eixos temáticos propostos pela Revista. Nas dez produções esboçadas, vocês terão a oportunidade de conhecer práticas que revelam o quanto se produz de bom material e, estamos aqui para divulgá-lo. Abrindo a edição, Marcos Costa faz uma “Introdução ao Disability Studies: Origens e Paradigmas”. Nesse artigo, ele apresenta os primeiros resultados da sua pesquisa de doutora-
mento em Estudos Literários (Universidade de Aveiro), cujo tema é “A mente estranha: Imagens da neurodiversidade na narrativa portuguesa e brasileira contemporânea” estudos sobre deficiência. Já Luciane Rodrigues traz uma reflexão interessante “Entre Interdição e Indignação: Imagens Interditadas de uma Prova Indignada!”. Seu artigo é parte integrante de sua tese de doutorado (UFPA) sobre formação de professores, investigando a sexualidade no âmbito de uma escola confessional e para tal, faz uso de uma personagem tão conhecida dos professores para contar essa história. Querem saber mais sobre o assunto, a prova “indignada” irá contar pra vocês.
Passeando por nossas páginas, chegamos às “Tertúlias Dialógicas Literárias: Uma Experiência De Leitura Virtual Com Estudantes Do Ensino Fundamental”. No texto, Helioneth Lisboa e Elizabeth Manfredo relatam uma experiência literária partindo de Cervantes e promovendo o gosto pela leitura em práticas literárias numa incrível viagem que essa metodologia pode oferecer. Na linha da diversidade, Benedito Costa nos apresenta “Marierrê: Poética Quilombola na Interface Cultura e Educação”, fruto de sua pesquisa no Mestrado (UFPA) no povoado negro da vila de Carapajó em Cametá, cuja religiosidade e cultura se dão no âmbito do Marierrê – um convite para conhecermos os saberes, a cultura, a expressão religiosa, a importância do ser negro e das populações quilombolas como mecanismo que promova a compreensão e a afirmação de nossa identidade étnica e pluricultural. Do universo quilombola para “O Universo Lobatiano na Literatura Infantil: O Que me Contas, Monteiro Lobato?”. No texto, Missilene Barreto nos faz matutar sobre as valiosas contribuições desse escritor para a Literatura Infantil Brasileira e como ousou derrubar as muralhas de uma literatura engessada e de ensinamentos moralizantes. Se vocês não sabem como isso aconteceu, Lobato conta!
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Na Inform@ção temos de tudo um pouco... agora é a vez de observarmos a “Libras na Perspectiva Semiótica: processos de significação na representação de sinais em apostilas de curso de LIBRAS”. Com esse artigo, Paulo Sérgio Lira nos alerta acerca dos cuidados na elaboração de material para as pessoas que precisam fazer uso dessa linguagem multissemiótica e da importância de estar atentos à perspectiva semiótica na produção dele. Nesse mesmo viés, Ana Ruth Campos nos fala da “Educação Inclusiva e Deficiência visual: Historicidade e Contemporaneidade”, um artigo que traz a importância da educação inclusiva no favorecimento da diversidade e das possibilidades de integrar alunos com deficiência no contexto escolar, recontando esse caminhar até chegar à contemporaneidade. E por falar em contemporaneidade, veremos algumas “Perspectivas Gnosiológicas sobre a BNCC: Entre similitudes e diferenças”. No texto, Gláucia Baia e Pedro Sá cotejam dis-
cursos sobre a Base Nacional Comum Curricular e estabelecem similitudes e diferenças em teses e dissertações que abarcam o tema; o intuito dos autores foi buscar respostas para a garantia e a defesa da educação como direito. Retomando a temática da inclusão, Merly Glayze da Costa discorre sobre a “Educação Inclusiva e Deficiência Visual: Fundamentos e Perspectivas”. O artigo apresenta alguns apontamentos sobre a Educação Inclusiva no Brasil, destacando a realidade e as possibilidades no processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência visual em classes ditas regulares em que a aponta a singular importância do professor-mediador no planejamento. E para concluir, que tal refletirmos sobre o “Pensar Docente da Prática Educacional:
Perspectivas do Professor Pesquisador sobre a sua Prática”? Nesse texto, Karolina Henriques apresenta perspectivas do olhar docente sobre sua prática educativa no processo de ensino-aprendizagem por meio do diálogo reflexivo, envolvendo reminiscências pessoais do seu próprio fazer e como vem sendo concebido historicamente. É perceptível a diversidade de saberes entranhados nos vários artigos que trazemos até vocês como pequena amostragem do grande potencial profissional que temos no nosso Estado. Os trabalhos, protagonizados por esses educadores, reverberam no chão da escola mesmo em contexto tão adverso, revelando, assim, a capacidade, a criatividade, o empenho e o compromisso desses nossos colegas com a Educação de qualidade. Essas contribuições constituem um material precioso que pode servir como estímulo para novas práticas em nossas escolas e para futuras publicações nesta revista que é de todos nós. A Revista Inform@ção agradece a todos os autores, ao corpo de pareceristas (internos e externos) e aos demais profissionais que mais uma vez contribuíram para o contar da nossa história da Educação no Estado do Pará e aguardamos novas produções para as próximas edições. Até lá! Comissão Editorial
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Introdução ao Disability Studies: Origens e Paradigmas Marcos Roberto da Silva Costa1
Resumo Este artigo apresenta os primeiros resultados da minha pesquisa científica no âmbito do Doutoramento em Estudos Literários pela Universidade de Aveiro, cujo tema é A mente estranha: Imagens da neurodiversidade na narrativa portuguesa e brasileira contemporânea. Esta baseia-se nas contribuições teóricas iniciadas pelos Disability Studies e seus desdobramentos, ou melhor, intersecções. Iniciaremos com uma introdução à gênese e ao desenvolvimento dos Disability Studies. Após apresentarei os objetivos que norteiam a escrita de minha tese, seguida de indicação do corpus e da metodologia de trabalho. O itinerário continua com a apresentação sumarizada dos primeiros resultados e fecha-se com a conclusão.
Palavras-Chave: Disability Studies. Deficiência. Paradigmas.
Introdução Entendendo a deficiência como um categorizador social, os Disability Studies alteraram o ângulo de análise e os modos de representação das experiências vividas pela mente (e pelo corpo) deficiente, combatendo a patologização da diferença humana e introduzindo, em
alternativa, o paradigma da neurodiversidade. Mas como isso ocorreu? O contexto de fortes mutações sociais que emerge nos pós 2ª Guerra Mundial promoveu as discussões sociopolíticas, suscitou os direitos humanos e estimulou o debate concernente às pessoas com deficiências. A percepção, no século XX, de que “a deficiência é uma experiência que pode afetar qualquer pessoa” (SHAKESPEARE, 2018, p.1. tradução nossa) foi o ponto de partida dos fortes ativismos dos anos 1960, que ressignificou e reorientou a deficiência. Desta forma, houve a consideração de outros fatores para se pensar a pessoa com deficiência além de características biológicas e de princípios morais; pois se aquelas se expressavam em virtuais limitações físicas, mentais e cognitivas, esses, por seu turno, fazem-se sentir em normatizações dos corpos a partir de princípios fundamentais à cosmovisão religiosa (politeísta e monoteísta), a qual não se adequa mais à modernidade. Disability Studies, ou Estudos (sobre)da Deficiência2, daqui em diante, concebemos como um campo de estudos interdisciplinar responsável por mudanças paradigmáticas contrárias aos tradicionais fundamentos ontológicos e epistemológicos da deficiência e do corpo. Esses 1
Professor efetivo de Língua Portuguesa (Seduc/Pa) e doutorando em Estudos Literários na Universidade de Aveiro/Portugal. E-mail: marcos.costa@ua.pt 2
Segundo tradução mais aceita no Brasil e em Portugal.
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estudos são uma resposta à reflexão sobre a deficiência e a pessoa com deficiência, numa abordagem que cronologicamente iniciava no século XX para, em seguida, englobar séculos anteriores de forma dialética e reflexiva, como em círculos concêntricos que se vão ampliando. Na prática os estudos da deficiência sintetizam uma miríade de estudos e estudiosos de diversas áreas, e somente torna-se amplamente reconhecida a expressão Disability Studies a partir de 1980 na academia anglo-americana (SNYDER et al., 2002; BARNES et al., 2002; DAVIS, 2006c). Apesar da diversidade de contribuições, por muitas décadas trabalhou-se em favor de algumas pautas em comum: igualdade de direitos, fim da discriminação, opressão, inclusão, acessibilidade, por exemplo. Goodley sintetiza o que são os estudos da deficiência ““Os estudos sobre deficiência são
uma ampla área da teoria, pesquisa e prática que são antagônicos à visão popular de que deficiência equivale a tragédia pessoal” (GOODLEY, 2011, p. XI, tradução nossa). Portanto, o trabalho que os estudiosos da deficiência empreenderam inicialmente foi a difícil tarefa de expor as ideias correntes e as categorizações hegemônicas que promovia um apartheid sociopolítico das pessoas com deficiência. Para tanto, fez-se necessário promover a deficiência à categoria de objeto de investigação e buscar pelas raízes históricas, culturais, sociais, econômicas e psicológicas que estavam na base de sua compreensão; e essa prática é oposta às perspectivas dos modelos anteriores. Os estudos da deficiência consolidaram-se no âmbito das Ciências Sociais, desenvolvendo
-se em duas gerações, regra geral identificadas com a vigência contígua do Modelo Social e do Modelo Minoritário da Deficiência (1960-1980) e o surgimento dos Feminist Disability Studies (1990-2000). Sumariamente, seu desenvolvimento deu-se assim: inicialmente, o modelo social da deficiência, de origem britânica, articulou-se como uma resistência política e intelectual para reconceituar a deficiência e removê-la do âmbito particular para, assim, inseri-la no social e impulsionou a consciência da necessidade de justiça social no enfrentamento da problemática da deficiência, tinha por base sociológica o marxismo e surgiu a partir da Union of the Physically Impaired Against Segregation - UPIAS3 (BARNES et al., 2002). Simultâneo a esse, desenvolveu-se o modelo minoritário, de origem norte-americana, que
entendia as pessoas com deficiências como minoria identitária para a qual a deficiência foi algo imposto e que promovia, em primeiro lugar, o isolamento e a exclusão da participação cultural e política plena na sociedade. Este modelo partia das contribuições da sociologia da medicina crítica e em reivindicações políticas para a promoção da identidade das pessoas com deficiência, lutavam por direitos civis iguais e seus partidários reuniram-se em torno dos
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Liga dos Fisicamente Lesados contra a Segregação.
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Disability Rights Movements4 (SNYDER et al., 2002; DAVIS, 2006a).
A partir de 1990, a intersecção da agenda crítica feminista com os estudos de deficiência permitiu ampliar o debate e a área de atuação ativista, alargando o conceito de deficiência, para incluir questões como a relação deficiente-cuidador. Revisitados pela crítica feminista, os estudos da deficiência alargaram tanto o repertório de défices categorizados como deficiências, como os temas fulcrais à vida da pessoa deficiente: cuidado, deficiência, (inter) dependência, subjetividade e identidade do corpo deficiente, défice cognitivo, entre outros. Por último, há o movimento da neurodiversidade que parte da perspectiva da não existência de um cérebro padrão, posto que nem toda diferença é prejuízo. Na realidade, propuseram-se a mostrar que existe uma biodiversidade humana que extrapola a possibilidade
de normalização e almejam aplicar as conquistas dos estudos da deficiência ao cérebro humano, isto é, considera-se as vastíssimas diferenças inatas dos cérebros humanos como uma entidade biológica distinta em cada ser. Concentrando-se
nas
questões
intelectuais,
cognitivas
e
afins,
o
movimento
da
neurodiversidade denuncia que, no modelo biomédico, a deficiência intelectual, para Associação Americana de Deficiências Intelectuais e do Desenvolvimento é definida: A deficiência intelectual (Intellectual disabilities) é caracterizada por limitações significativas tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo, conforme expresso nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. A deficiência (disability) se origina antes dos 18 anos (WHITAKER, 2013, p.13, tradução nossa)
Em relação ao movimento da neurodiversidade, Herrera and Perry (2013, p.76) apresenta a seguinte definição: “Neurodiversidade é a ideia provocativa de que algumas formas de “ligação” neurológica atípica em humanos, como autismo, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, Síndrome de Tourette e esquizofrenia, podem ser variações positivas”. Neurodiversidade enfatiza as diferenças cerebrais dos indivíduos para entendê-las como formas de ser, de existir, nunca como patologias. O movimento da neurodiversidade é iniciado pelos próprios autistas5 que buscavam o entendimento do autismo como diferença, não como doença. A criação do termo neurodiversidade por Judy Singer, em NeuroDiversity: The Birth of an Idea (1999), contribui decisivamente para desencadear o debate renovado sobre as perturbações do foro mental. Relacionado inicialmente ao autismo, TDH e dislexia, o termo
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Movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência. Reivindicava que as pessoas com deficiência pudessem participar ativamente nas decisões políticas referentes a si próprias. 5
As diferentes percepções sobre deficiência existentes entre o modelo social e o modelo minoritário da deficiência gerou percepções distintas em relação a conceitos adotados. Assim, enquanto teóricos do primeiro, de origem britânica, preferem marcar o preconceito vivido pela pessoa diversa na linguagem ao referir-se a “doença”; os teóricos do modelo minoritário, de origem americana, preferem marcar que uma pessoa está fora do padrão imposto pelos “normais”. Na prática, para os britânicos o mais usual é o termo autista; enquanto que, para os americanos, pessoa com autismo ou pessoas com transtorno do espectro autista (TEA).
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ampliou-se e constituiu-se como a antevisão do paradigma que considera que as diferenças são um aspecto impossíveis de se excetuar da identidade de uma pessoa porque é uma maneira de ser que “deve ser respeitada e apoiada, e até celebrada, ao invés de eliminada” (HERRERA; PERRY, 2013, p.76, tradução nossa). Em resumo, como são característicos de quaisquer movimentos sociais, o movimento da deficiência, em qualquer de suas etapas, compreendeu uma variedade de vozes e perspectivas que tinham sido silenciadas e/ou nunca consideradas. A crítica dos estudos da deficiência evidenciou o poder regulador e punitivo do modelo biomédico (BARNES et al. , 2005; SHAKESPEARE, 2002). É esse, portanto, o movimento de um grupo diversificado de pessoas que têm sido oprimidas e reprimidas e, que segundo Davis (2006) e Shakespeare (2018) constitui 15% da população mundial, isto é, a maior minoria do ocidente. Um dos diálogos interdisciplinares dos Estudos da Deficiência é com a Literatura. A esta intersecção emerge os Literary Disability Studies. Extraordinary Bodies (1997), de Rosemarie Garland-Thomson, é um dos esforços pioneiros para a constituição dum corpus crítico, tornando manifesta a relação literatura-deficiência e tendo, consequentemente, contribuído para definir um método analítico especificamente vocacionado para esclarecê-la. Mais recentemente, merecem destaque os estudos Literature and Disability (2015), de Alice Hall, e Interdisciplinary Approaches to Disability (2018), de Katie Ellis (v. 2.), os quais mapeiam a trajetória dos Literary Disability Studies, examinando os principais debates e questões suscitados por este campo disciplinar e exemplificando o novo método de abordagem. Importa salientar que são muitos os autores que, como Susan Sontag, no seu estudo fundador Illness as Metaphor (1978), normalmente se concentraram na doença ou na deficiência física (tuberculose, sífilis, lepra, cegueira, surdez). Assim sendo, as deficiências cognitivas e doenças mentais foram sub-representadas no âmbito dos Literary Disability Studies, ainda que, evidentemente, as deficiências cognitivas e doenças mentais sempre estivessem presentes na literatura ocidental de todos os períodos. Segundo Murray: […] talvez a discrepância seja fácil de explicar. Para a comunidade sem deficiência, o único debate dentro do movimento pelos direitos dos deficientes que é prontamente apreensível é o do acesso, e o acesso é tradicionalmente pensado em termos de deficiência física (MURRAY, 2006, p. 2. tradução nossa).
Atualmente, estudos como Representing Autism: Culture, Narrative, Fascination (2008), de Stuart Murray, e The Cambridge Companion to Literature and Disability (2017) de Clare Barker, ou Literatures of Madness (2018), de Elizabeth J. Donaldson tentam preencher a lacuna dos estudos relativos à condição neuro diversa. Margolin salienta a uma: […] preferência de grande parte da literatura por formas não padronizadas de funcionamento cognitivo, sejam elas raras ou marginais, desviantes ou envolvendo uma falha, colapso ou falta de padrões padrão (MARGOLIN apud SEMINO, 2014, p.142, tradução nossa). Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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Ora, todos os estudos antes mencionados, como nota Elena Semino (2014), têm em comum o objetivo de investigar “mais especificamente, a representação ficcional de mentes que funcionam de maneiras distintas e incomuns”, tendo essa representação “foi notado tanto na narratologia quanto na estilística literária” (SEMINO, 2014, p.143).
Objetivos Estes são os objetivos da tese em desenvolvimento: 1.
Rastrear os contributos teórico-metodológicos dos Disability Studies para a construção do conceito de neurodiversidade, analisando a reflexão desenvolvida no contexto do modelo social de deficiência e da crítica feminista e sua confluência na afirmação do recente paradigma dos Literary Disability Studies.
2.
Evidenciar as linhas ficcionais tópicas na representação literária da neurodiversidade, destacando, em particular, os aspectos constitutivos do universo da personagem neurodiversa: características comportamentais, linguagem, sociabilidade, afetividade.
3.
Correlacionar com esse repertório temático as opções técnico-narrativas e retóricoestilísticas associadas à representação narrativa da neurodiversidade: estatuto e perspectivas
do
narrador,
polifonia,
oscilação
de
registros
estilísticos,
descontinuidades sintáticas da narrativa. 4.
Refletir sobre a poética da autoria subjacente a estes relatos da neurodiversidade, averiguando
se
as
narrativas
correspondem
a
um
projeto
de
expressão
autobiográfica, de vocação confessional/testemunhal, ou se, pelo contrário, se integram no âmbito de uma “literatura de invenção” de vocação sociológicadocumental.
Metodologia As narrativas que integram o corpus foram, em primeiro lugar, selecionadas em função de um critério de ordem temática, pois pretendeu-se que constituíssem um elenco ilustrativo do tratamento literário da neurodiversidade nas suas distintas declinações ficcionais. Por outro lado, foi a intenção que o conjunto fosse representativo dos campos literários português e brasileiro, possibilitando o aprofundamento de uma metodologia de leitura de orientação comparatística, sempre que ela fosse considerada produtiva. Por fim, privilegiou-se intencionalmente textos que, até a data, não tivessem merecido abundante recepção crítica e que, mais importante, não tivessem ainda sido analisados à luz dos Literary Disability Studies. Pensou-se, pois, que, para além de poder contribuir para a divulgação das postulações teóricas e práticas de análise dos
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Literary Disability Studies, o presente trabalho poderá ajudar à validação crítica e ao reconhecimento canônico de autores e obras emergentes. O corpus nuclear da tese é constituído pelas seguintes narrativas, autores e temas: a)
Narrativas Portuguesas: O meu irmão (2015) de Afonso Reis Cabral (Síndrome de Down); Para aquela que está sentada no escuro a minha espera (2016) de António Lobo Antunes (Alzheimer); Autismo (2018) de Valério Romão (Autismo);
b)
Narrativas brasileiras: O filho eterno (2007) de Cristóvão Tezza (Síndrome de Down); O lugar escuro (2007) de Heloísa Seixas (Alzheimer); Arco de virar réu (2016) de Antonio Cestaro (Esquizofrenia).
O corpo da Tese está dividido em três capítulos. No primeiro, serão apresentadas considerações sobre a mente doente, perspectivando-a duplamente como condição clínica e tópico literário, salientando o modo como, em diferentes contextos espácio-temporais, ela foi sendo representada, tanto no discurso biomédico, como na ficção literária, e colocando em evidência a mutação de paradigma promovida pelos Disability Studies. O segundo capítulo tratará precisamente dos paradigmas que se confrontaram na abordagem da doença mental, desde o seu entendimento como “deficiência” até o advento do conceito de “neurodiversidade”. A investigação rastreará as linhas de força da teorização produzida no âmbito dos Disability Studies, caracterizando as suas etapas evolutivas, cujo ponto culminante é
a constituição dos Literary Disability Studies, um domínio prefigurado por Sontag (1987). A autora, ao mostrar que a doença/deficiência é usada de forma figurativa para criar/distinguir identidades desacreditadas, num território onde convergem o histórico e político, indicou uma via possível para se debater questões como a genealogia e o alcance ético do conceito de neurodiversidade. Ainda nesta seção, discorreremos sobre como outros media são cruciais para divulgar imagens da singularidade cognitiva ou comportamental do “deficiente mental”, desfazer estereótipos, questionar atitudes e valores, e criar empatia pelo neurodiverso. Como aponta Murray, referindo-se a este interesse renovado das artes e dos media pela temática da neurodiversidade: “[...] esse desenvolvimento dentro da crítica ocorre em um momento em que houve uma explosão de interesse cultural contemporâneo na área da excepcionalidade cognitiva, seja a compreensão mais ampla do comprometimento neurológico fornecido pela pesquisa neurocientífica ou o fascínio pelos alegados mistérios inerentes às condições neurocomportamentais mostradas em muitas narrativas culturais e críticas” (MURRAY, 2006, p.2. tradução nossa).
O capítulo três divide-se em duas seções. Inicialmente, procurou-se indagar os processos de transposição ficcional da neurodiversidade na narrativa portuguesa e brasileira contemporânea. Será salientado que a tematização literária da neurodiversidade representa uma tendência ficcional recente, alicerçada sobretudo na construção de um retrato verossímil da personagem Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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neurodiversa, surja ele delineado por ela própria ou pelos outros. Mesmo quando o narrador neurotípico (i.e., não-neuro diverso) está a falar de si, ele toma com referência o outro estranho ou atípico. Desta forma, serão inventariadas todas as marcas da diferença eu/outro: comportamento, linguagem, sociabilidade e afetividade são os domínios em que, como se verá, incide a exibição literária da neurodiversidade e será na sua análise que primordialmente nos centraremos. As narrativas selecionadas apresentam conflitos e cumplicidades entre as personagens neurodiversas e os outros, principalmente em contexto familiar. Esse eu estranho é, por vezes, amado e acolhido; outras vezes, é desprezado, penalizado e incompreendido. É inegável que estas personagens neurodiversas possuem algo de recôndito e irredutível à linguagem da racionalidade que se traduz numa inocência imaculada ou num mistério que atemoriza. É
sintomática a confissão do irmão de Miguel, o narrador neurotípico, numa das passagens mais desastrosas do meu Irmão: “Eu nascera inteligente e perfeito, ele nascera inimputável e incompleto. […] O Miguel abdicara de todos os dons antes de nascer e por isso conquistara o paraíso na terra, e Deus guiava-o pela mão, aceitando o que ele oferecia. […] Bastava-lhe existir par existir bem, em paz.” (2015, p.138). A caracterização da neurodiversidade pela neuro normatividade não é, portanto, incomum nestes textos, como já salientou Lennard J. Davis em Enforcing Normalcy (1995). Na seção dois do terceiro capítulo, ocupa-se da poética narrativa do relato em torno da neurodiversidade. Neste domínio, um aspecto crucial diz respeito à problematização do estatuto
autobiográfico das narrativas selecionadas. Quando se analisa o relato sobre neurodiversidade, verifica-se que, curiosamente, as narrativas selecionadas não apresentam, regra geral, o neurodiverso como narrador-protagonista, mas colocam antes em cena um contador neurotípico. O relato fica a cargo de um parente próximo: pais, irmão, filha, avós. Ainda que mingue conhecimento valioso provindo da personagem neurodiversa, ele abunda no que respeita às relações familiares ou interpessoais mais complexas ou conflituais, como ocorre n’O meu irmão, onde a síndrome de Down força, no julgamento do narrador, uma redistribuição de papéis sociais (o irmão torna-se pai), ou como se verifica n’O lugar escuro, em que o diagnóstico precoce de Alzheimer permite antecipar todas as dificuldades futuras: “Naquele instante, com uma lucidez imensa, tive a dimensão do que estava acontecendo. […] algo se rompera em sua mente” (2007, p.10). Há, também, em várias destas narrativas, uma deliberada intenção de dar testemunho, o que convida o leitor a aproximar a figura autoral da instância narrativa, instituindo-se um nítido efeito de autobiografia. Deve-se observar, porém, que, nos romances Arco de virar réu e Para aquela que está sentada no escuro à minha espera, verifica-se que a autoridade para falar das deficiências decorre das experiências em primeira mão do próprio neuro diverso.
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O ato de escrita constitui, nestas obras, frequentemente um espaço de confissão, catarse e, quando possível, apaziguamento terapêutico. Na verdade, de entre as narrativas selecionadas, somente as duas supracitadas de Lobo Antunes e Antonio Cestaro não são baseadas em vivências reais dos autores, convertendo-se as restantes numa “[…] espécie de confissão em forma de livro” (2015, p.76) como explicitamente se admite n’O meu irmão. Investiga-se ainda os processos técnico-narrativos e retórico-estilísticos usados pelos autores, de modo a, partindo de uma análise da “sintomática” da narrativa transtornada, conseguir deduzir uma poética do relato sobre a neurodiversidade. Nas narrativas selecionadas, o uso de analepse, por exemplo, é recorrente, instalando uma clara descontinuidade tempo-espacial que, n’O filho eterno, serve à metaforização da relação pai-filho (passado-eterno presente), em busca de harmonia baseada no amor, como assinala o narrador: “Ele jamais fará companhia ao
meu mundo, o pai sabe, sentindo súbita a extensão do abismo, o mesmo de todo o dia, […], e, no entanto, o menino continua largando-se no pescoço dele todas as manhãs, para o mesmo abraço sem pontas” (2007, p.221). No plano mais especificamente enunciativo, é reiterada a caracterização da personagem neuro diversa através do recurso à linguagem clínica. Apesar disso – como acontece com O filho eterno e O lugar escuro, respectivamente, cujas descrições da síndrome de Down de Felipe e do mal de Alzheimer da mãe de Seixas são duas das mais pormenorizadas –, nem sempre os autores recorrem a um léxico importado do discurso médico que, lembre-se de passagem, é largamente responsável pela imposição de um padrão de normalidade. Serão
analisadas opções narrativas e estilísticas frequentes em um ou mais dos textos que compõem o corpus nuclear, designadamente a focalização alternante ou o pluri perspectivismo, a descontinuidade sintática da narrativa, a polifonia, ou oscilação de registros estilísticos (humor, trágico e grotesco, por exemplo).
Resultados iniciais: novos conceitos e paradigmas O primeiro paradigma rompido é o fato que o empreendimento teórico dos estudos da deficiência foi iniciado por pessoas com deficiência, as quais se tornaram sujeitos de si próprios,
isto é, são, ao mesmo tempo, sujeitos e objetos da nova teoria social que se constitui. A esse respeito Davis argumenta que […] há uma conexão recíproca entre as práticas políticas das pessoas com deficiências e a formação de uma categoria discursiva dos disability studies. Ou seja, pessoas com deficiência existiram ao longo da história, mas é somente nos últimos vinte anos que as pessoas de um braço só, tetraplégicos, o cego, pessoas com doenças crônicas, e daí por diante, se viram como única, aliada, unida, minoria física (DAVIS, 2006, p. XVI. tradução nossa).
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Logo partiram para a denúncia dos modelos tácitos existentes, a saber, o que se assentava sobre uma visão sobrenatural e, o outro, sobre uma visão médica; o da moral religiosa e o da condição médica. Para a percepção da deficiência como condição moral, a deficiência é causada por um “lapso moral ou pecados” (GOODLEY, 2011, p.6) cuja origem é a mais antiga e, ainda que persista, não é hegemônica; esse é Modelo Moral ou Caritativo. O outro é o Modelo Biomédico; este sim hegemônico, foi o mais combatido pelos teóricos dos estudos da deficiência. Sobre ele afirma Barnes: A Biomedicina tem como foco os desvios individuais do corpo e da mente das normas socialmente reconhecidas. A insuficiência (lesão) em si é uma preocupação central - sua detecção, prevenção, eliminação, tratamento e classificação - embora as doenças crônicas e degenerativas continuem sendo nozes difíceis de quebrar. Muita esperança e expectativa biomédica são atualmente investidas em uma ciência genética em rápida evolução que parece aos seus praticantes oferecer um admirável mundo novo de erradicação de doenças e novos tratamentos radicais para a restauração do funcionamento normal. Nesta perspectiva do “modelo médico”, a deficiência continua a ser equiparada à própria insuficiência (lesão) - “a deficiência” é a insuficiência. O surgimento do modelo social da deficiência teve pouco ou nenhum impacto nas construções de deficiência no centro da medicina científica ocidental (BARNES, 2002, p.40. tradução nossa).
A oportuna crítica que se faz aos dois modelos é que em ambos “pessoas com deficiência foram compreendidas inúmeras vezes como pobres criaturas carentes necessitadas da ajuda da igreja ou como vítimas desamparadas de doenças precisando da correção oferecida pelos modernos procedimentos médicos” (DAVIS, 2006, p. 232. tradução nossa). Note-se que ambos modelos percebem a deficiência como um déficit que torna a pessoa anormal. Assim, nomear e caracterizar os modelos mais antigos, amplos e hegemônicos foi o segundo paradigma quebrado pelos estudos da deficiência. Em harmonia com a denúncia, os estudos da deficiência propuseram pensar a deficiência sem patologizá-la, isto é, o questionar sociológico como preponderante sobre a prática médica, sobre a linguagem médica e sobre a marginalização social que recai sobre as pessoas com deficiência: o corpo fora do padrão. Sendo a deficiência o ponto de partida epistemológico de toda a teoria e suas intersecções (com o feminismo, os estudos culturais, a literatura etc.) convém definir o que é a deficiência.
Para os teóricos do modelo social (SHAKESPEARE, 2018; GOODLEY, 2011; BARNES, 2002 E DAVIS, 2006), a deficiência passa, então, a ser entendida como desvantagem ou restrição de atividade provocada pela organização social contemporânea, ou seja, eles argumentam que a deficiência é uma categoria social. É a partir dos anos 1970 que a deficiência adquiri uma estruturação política e cultural, pois, como apontou Goodley (2006, p.1. tradução nossa): a pessoa com “deficiência evoca um lugar marginalizado na sociedade, cultura, economia e política”.
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Essa redefinição da deficiência é mais um paradigma quebrado pelos estudos da deficiência. A deficiência, para os modelos do século XX, é compreendida como sendo influenciada por relações sociais e valores culturais da sociedade, considerando sua localização espaço-temporais. Os teóricos rejeitam a percepção da deficiência como fenômeno natural, um infortúnio pessoal, (BARNES et al. 2005; SHAKESPEARE, 2002). Segundo manifesto da UPIAS: “A deficiência é algo imposto sobre nossas lesões pela maneira como somos desnecessariamente isolados e excluídos da sociedade. Pessoas com deficiência são, portanto, um grupo oprimido. Resulta dessa análise que ter baixa renda, por exemplo, é apenas um aspecto de nossa opressão. É uma consequência do nosso isolamento e segregação em todas as áreas da vida social, como educação, trabalho, mobilidade, moradia etc.” (WATSON et al, 2002, p.14. tradução nossa)
Ambos os modelos social e minoritário, como aponta Shakespeare, conseguiram: Substituir uma abordagem tradicional de "déficit" por uma compreensão de opressão social foi e continua sendo muito libertador para pessoas com deficiência. De repente, as pessoas perceberam que era a sociedade que estava em falta, não elas próprias. Eles não precisavam mudar; a sociedade precisava mudar. Eles não precisavam se arrepender; ao contrário, eles poderiam estar com raiva. O modelo social transformou os indivíduos e construiu uma forte identidade política […]. Em vez de uma dependência humilhante da caridade, os ativistas deficientes agora podiam exigir seus direitos. O movimento da deficiência tornouse outro exemplo de política de identidade, ao lado do movimento das mulheres, da libertação gay e dos movimentos de minorias étnicas e negras. (SHAKESPEARE, 2018, p.15. tradução nossa)
Na prática, os teóricos estão em consenso ao descrever a deficiência como processo de discriminação social, e as pessoas com deficiência como vítimas de preconceito; portanto para eles, não há, em realidade, relação entre deficiência com as condições médicas do corpo porque as discriminações sofridas são provenientes de processos institucionais e sociais de exclusão. Concluem, desta forma, que é nas relações interpessoais que ocorre a exclusão e que é comum em várias sociedades ocidentais, pois é verificável em diferentes lugares e períodos de desenvolvimento econômico ou cultural. As feministas ampliaram o conceito de deficiência, ao afirmarem que ela é multifatorial, pois resulta da interação de diversos fatores. Shakespeare divide a multifatorialidade em níveis a partir das seguintes indagações No nível individual, há a própria deficiência e seu impacto no funcionamento. Isso causa dor? É visível ou invisível? Pode ser tratado? O que isso te impede de fazer? Depois, há as consequências psicológicas de ter uma deficiência, juntamente com a personalidade que uma pessoa tem (são otimistas ou pessimistas, são extrovertidas ou introvertidas, e assim por diante). Então, quais são as consequências psicológicas ou emocionais da maneira como o indivíduo é tratado na sociedade? Quais são as crenças que o indivíduo tem sobre seu potencial e suas expectativas? (SHAKESPEARE, 2018, pp.19-20. tradução nossa)
Garland Thomson apresenta a percepção feminista:
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Deficiência é a carne feita não-ortodoxa, recusando-se a ser normalizada, neutralizada ou homogeneizada. Mais importante, em uma época governada pelo princípio abstrato da igualdade universal, a deficiência sinaliza que o corpo não pode ser universalizado. Moldada pela história, definida pela particularidade e em desacordo com o meio ambiente, a deficiência confunde qualquer noção de um sujeito físico estável e generalizável. (GARLAND-THOMSON, 1997, pp.33-34. tradução nossa)
O feminismo amplia o debate sobre o assunto, pois para si qualquer desvio de uma norma socialmente imposta, seja física ou funcional, serve à definição da deficiência. A deficiência é o destaque atribuído às diferenças individuais, é o heterogêneo marcado pelos normais. Por fim, o mais importante paradigma quebrado pelos estudos da deficiência foi a separação que lograram entre deficiência e lesão. Essa conquista é a base do desdobramento do conceito de deficiência nas distintas intersecções aos quais os estudos da deficiência serão
submetidos. A distinção entre deficiência e lesão, a priori, é complexa porque é-nos difícil perceber que a deficiência são os valores morais impostos pela sociedade à pessoa com lesão, não a lesão em si mesma. O corpo com lesão não é aceito porque está de desacordo com a norma e isto provoca reações preconceituosas. Com efeito, a Deficiência (Disability) é distinta da Lesão (Impairment)6. Goodley aponta que a UPIAS estabeleceu as seguintes definições: 1. Insuficiência/Impairment - falta de parte ou da totalidade de um membro ou de um organismo ou mecanismo defeituoso do membro. 2. Incapacidade/Disability - a desvantagem ou restrição de atividade causada por uma organização social contemporânea que não leva em consideração as pessoas com deficiências físicas e, portanto, as exclui das atividades sociais convencionais. (GOODLEY, 2011, p.8. tradução nossa)
Ainda segundo Goodley, houve uma adaptação da definição pela definição da Disabled People's International (DPI) para: 1. Impairment: é a limitação funcional dentro do indivíduo causada por comprometimento físico, mental ou sensorial. 2. Incapacidade/disability: é a perda ou limitação de oportunidades de participar da vida normal da comunidade em um nível igual ao de outras pessoas devido a barreiras físicas e sociais. (GOODLEY, 2011, p.8. tradução nossa)
A tradução dos termos varia bastante em língua portuguesa, contudo há uma tentativa de convencionalizar a tradução do termo Impairment do inglês para Lesão ou comprometimento em português. E Disability traduz-se comumente como Deficiência. O primeiro termo refere-se a uma forma de diferença física, cognitiva, sensorial e define-se a partir de uma abordagem médica, já o segundo termo refere-se à reação social negativa, opressiva e excludente às diferenças e as pessoas que as tenham. 6
Às vezes, Insuficiência.
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A deficiência (ou disability) é o ato de excluir socialmente pessoas que tenham algum tipo de comprometimento, de lesão. O agente excludente é a sociedade. Disability vai gerar a palavra disablism, em português desativação, que se utiliza para caracterizar uma sociedade opressora que desativa, isto é, impõe restrições de atividades às pessoas com deficiência. Uma pessoa desativada é alguém que foi impedido de ser. Resulta que a desativação pode ser comparada a outras formas de opressão como racismo e sexismo. A quebra de paradigma proposto pelo movimento da neurodiversidade parte da seguinte questão: o autismo, por exemplo, é deficiência ou diferença? A resposta proposta é de que a diferença neurológica é uma característica da condição humana e essa definição está em desacordo com definições tradicionais racionais. Aliás, o que antes era “deficiência intelectual” agora é nomeado de diferença neurológica e não se enquadra mais como distúrbio, mas
características que formam a identidade do indivíduo neurodiverso.
Conclusão Tentei realizar uma explanação sumarizada tanto dos que são os Disability Studies quanto do que se propõe e do que já realizou minha pesquisa. Infelizmente, a maioria dos estudos da deficiência publicados ou se limitam à língua inglesa e ao contexto literário anglo-americano, ou, ainda que tratem de literatura de outras línguas e culturas, são realizados por estudiosos de origem anglófona. Nas academias portuguesa e brasileira minguam obras críticas teoricamente inscritas no terreno dos Disability Studies e suas intersecções; esta escassez, como se pode notar pelo corpus de trabalho, não se reflete nos relatos literários sobre a neurodiversidade, particularmente abundantes sobretudo na sua modalidade autobiográfica. Um número crescente de autores, com frequência (ainda que nem sempre) neurodiversos e cuidadores, tem vindo a promover, pela intermediação da escrita literária, uma indagação da neurodiversidade enquanto expressão da diversidade da mente humana. Romances, poesia, peças teatrais ou filmes em português estão à espera de quem os analise a esta luz esclarecedora. Meu artigo somente apresentou parcialidades de minha tese e, ele próprio, é uma contribuição pequena para a
divulgação dos Disability Studies. Espero, com ele, instigar novos pesquisadores sensíveis às pessoas neurodiversas e à justiça social através da igualdade, tão necessárias em nosso país e estado.
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Entre Interdição E Indignação: Imagens Interditadas De Uma Prova Indignada! Luciane de Assunção Rodrigues1 “O que há pouco era permitido, já não o é agora. Certas coisas que antes eram lícitas e até prescritas, agora são justamente proibidas e castigadas” Santo Agostinho (2015, p. 73).
Resumo Este artigo é parte integrante de uma tese de doutorado sobre formação de professores. Investiga a sexualidade no âmbito de uma escola confessional a partir da análise do material empírico, que consiste em imagens selecionadas por docentes da área para as provas de Ciências/Biologia em uma trama, cujo narrador - personagem é a própria prova “indignada”, que descreve a sexualidade em modos de confissão. A questão que orientou a investigação é: Que discursos sobre sexualidade transitam nas provas de Ciências/Biologia de uma escola confessional? Como ferramentas analíticas são utilizadas as teorizações de Michel Foucault acerca do dispositivo da sexualidade, que é fabricada em meio às relações de poder. Os resultados apontam para a existência de discursos matizados de uma sexualidade conservadora e da regulamentação religiosa da vida, pois investem na regulação do modo de viver a sexualidade em conformidade com os princípios dogmáticos da religião.
Palavras-chave: Escolas Confessionais. Sexualidade. Prova de Ciências/Biologia.
Introdução O que somos!? Quem somos!? Essas questões passam pelo sexo-história, sexosignificação e pelo sexo-discurso (FOUCAULT, 2007). O que somos passa pela história da sexualidade que nos atravessa, nos impulsiona, nos arrebata e nos põe sob a regência do desejo e do prazer. Esse artigo traz à tona a problematização da sexualidade em um espaço cristão! Sexo e sexualidade estão imbricados numa trama tecida pelos discursos, cuja reverberação dá a tônica dessa pesquisa, emergindo de inquietações que têm como mote central a sexualidade!
1
Licenciada Plena em Ciências Biológicas (UFPA, 1998). Especialista em Educação Ambiental pelo Núcleo de Meio Ambiente (UFPA, 2000). Mestre em Educação em Ciências e Matemáticas pelo Instituto de Educação Matemática e Científica (UFPA, 2007). Doutora em Educação em Ciências e Matemáticas pelo Instituto de Educação Matemática e Científica (UFPA, 2019). Professora SEDUC/PA. Membro do Conselho Deliberativo da Regional Norte da Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBENBIO – Regional 6). Avaliadora de artigos da Revista de Ensino de Biologia da Associação Brasileira de Ensino de Biologia. E-mail: luciane.drodrigues@escola.seduc.pa.gov.br. 2
RODRIGUES, 2019.
3
Sexo refere-se ao aspecto biológico e distinções anatômicas entre homens e mulheres, enquanto que a sexualidade está relacionada ao comportamento, ao modo de viver os prazeres, ou seja, “é um lugar de processos ocultos por mecanismos específicos; um foco de relações causais infinitas, uma palavra obscura que é preciso, ao mesmo tempo, desencavar e escutar” (FOUCAULT, 2007, p.78).
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Para falar sobre esse tema tão caro em nossos dias, dei vozes a personagens que habitam o espaço de uma Escola Confessional! Para isso, busquei inspirações em Mia Couto, Manoel de Barros, Fernando Pessoa, Ítalo Calvino, “Noites do Sertão (Corpo de Baile)”, de Guimarães Rosa, “Confissões” de Santo Agostinho, “Sexo na cabeça” de Luís Fernando Veríssimo, “Histórias Íntimas”, de Mary Del Priore e leituras ditas marginais, tais como crônicas de Nelson Rodrigues, além de filmes, como: “Ninfomaníaca”, “Pecados íntimos”, “50 tons de cinza”, “A Arte de Amar” e músicas, dentre outras. Essa quimera de livros, filmes e músicas matizaram essa pesquisa, salpicada de um sabor afrodisíaco à sexualidade pulsante que está nos espaços de educação também, porque a vida invade a escola e a escola invade a vida! A escola invade a vida com suas doutrinações, seus dogmas, suas crenças e a vida invade a escola, inventando modos de viver, cuja
obediência é a condição de existência do “bom cristão” que, no ensaio das resistências e transgressões, vive sua sexualidade em múltiplas dimensões! Aqui a história da sexualidade será feita sob o viés da história dos discursos (FOUCAULT, 2007), é por meio deles que os personagens inventados - na tese - veem, falam, exprimem suas confissões, criam mecanismos de fuga e vivem a sexualidade com liberdade/libertinagem, cada um ocupando sua posição de sujeito, imprimindo seu modo de ver, sentir, ouvir, isto é, o modo de capturar as sensações dos corpos de cristãos que transitam em uma escola confessional, deixando marcas, experimentando sensações, por vezes reiterando dogmas, noutras ensaiando transgressões! Esses personagens fazem aparecer os materiais empíricos analisados nessa pesquisa, tais como: práticas de filmagem do ambiente escolar por meio de câmeras, livros direcionados à formação docente, livros didáticos voltados ao público discente, avaliações/provas aplicadas na escola, manual do educando, docentes, discentes, ambientes e atividades escolares, tais como banheiros, palestras na capela, enfim, todos os espaços em que a sexualidade comparece serão objetos de análise e olhares capturados. Espreitar as conversas, os discursos pronunciados, os discursos imagéticos como objeto do qual se deseja falar sob múltiplas formas, ancorando as ideias na perspectiva foucaultiana, no sentido de tratar a sexualidade na sociedade contemporânea não sob o viés da repressão, mas buscando as razões pelas quais a sexualidade é permanentemente suscitada (FOUCAULT, 2007). Para problematizar a fabricação do “bom cristão”, cada personagem desenvolve uma narrativa na qual expressa seu ponto de vista. É assim que a escola esquizofrênica inicia a trama, alternando momentos de lucidez e de alucinação, em crises esquizofrênicas que causam intensa perturbação, desconfiando que é vítima de uma conspiração diabólica arquitetada pelos personagens que compõem o seu cenário educacional. Tais personagens são convidados a se Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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debruçarem sobre o divã da escola confessional e – em tom de confissão – contam sobre a sexualidade que transborda em cada canto desse lugar. Para iniciar as confissões, o divã é ocupado pela câmera tarada, seguido pelo corpo luxurioso, a capela casta que se metamorfoseou de convertida a pervertida, a meditação incansável em formatar o “bom cristão”, o banheiro puritano e recatado que em tudo vê pecado, a docência hipócrita, a discência com resistências, o livro didático despeitado, a prova indignada que luta contra a interdição, o slogan que tem aversão a si mesmo e decide fazer a (des) invenção do slogan do “bom cristão” e o currículo maquiavélico que inventou estratégias para a fabricação e condução do “bom cristão” no caminho da salvação. Todos esses personagens – incitados e excitados – contam sobre as peripécias sexuais do “bom cristão” no divã da escola confessional!4 Assim, convido Fernando Pessoa a falar por mim: Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentindo, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trêmulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso (PESSOA, 2015, p. 347, grifos meus).
Você está convidado a ocupar o lugar de voyeur da Escola Confessional e – com muito tesão – ler as histórias que engendraram a fabricação do “bom cristão”! Desejo que a leitura seja prazerosa e que as palavras façam festas, assim como dançaram e saltitaram das minhas ideias
à tela do computador e agora povoam as páginas deste artigo.
Confissões de uma Prova Indignada no Divã da Escola Confessional... Que discursos sobre sexualidade transitam nas provas de Ciências/Biologia de uma escola confessional? Essa indagação me causava profunda inquietação! Há quem diga que tenho certa autonomia para selecionar as questões que irão avaliar os conteúdos ministrados em sala pelo professor! Autonomia!? Liberdade!? Na escola confessional, nunca soube o significado dessas expressões! Cheguei a acreditar que era livre para a elaboração das questões acerca dos aspectos importantes que devem entrar na composição do processo de avaliação! (CARVALHO, 2011). Agora entendo que ser livre implica em sofrer o exercício do poder! (FOUCAULT, 1995). Não escapo aos olhares atentos da revisão feita pela coordenação que – via de regra – sugere a interdição de imagens que suscitem outra conotação!
4
Dentre todos os personagens, selecionei para esse artigo apenas a personagem Prova “Indignada” que - em modos de confissão - narra sobre sua indignação e resistência diante das imagens que lhes são interditadas.
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Certa vez, vivenciei uma situação inusitada! Era a avaliação de Ciências do 8º ano, envolvendo conteúdos sobre sexualidade, hormônios e reprodução. Para ilustrar a questão, utilizei uma charge que trata sobre a penetração de um espermatozoide no óvulo – processo de fecundação.
Ao
ser
questionada
pela
coordenadora
pedagógica
sobre
o
gesto
“obsceno” (cotoco)5 feito pelo espermatozoide – o que nem eu havia observado –, argumentei para que tal charge não fosse retirada da avaliação, pois era justamente esse gesto que dava sentido à charge, visto que havia uma multidão de espermatozóides ao redor do óvulo, reivindicando a entrada na célula(óvulo), enquanto que o espermatozoide “espertalhão”, que conseguiu tal façanha, faz o gesto justamente para indicar que ali ninguém mais entra! Isso serve para mostrar que a fecundação consiste na penetração de um espermatozoide por óvulo. Depois de tanta insistência, consegui, mas com a condição de colocar uma tarja – de
censura – em cima do gesto do espermatozoide com o “dedo em riste” (Figura 1). Anos mais tarde, a mesma imagem foi usada por uma instituição de ensino superior do Estado do Pará em seu vestibular. Aí me questionei: o que adiantou retirar a imagem, se muitos de nossos alunos a viram, na íntegra, na prova do vestibular!? Santa hipocrisia! Figura 1 – “Dedo em Riste”
Fonte: https://nacienciacomnatalia.wordpress.com/2012/04/08/apenas-um-espermatozoide/
Essa situação me fez analisar o quanto a escola pode ou não restringir a visão de mundo
do aluno. Colocá-lo numa “redoma de vidro” para impedir seu contato com as coisas ditas mundanas.
Quanto poder ela carrega no sentido de mostrar apenas um lado da moeda!?
Quanta vida pulsa dentro da escola? A vida que é tão valorizada e ao mesmo tempo desrespeitada e depreciada, porque apenas o normal, permitido, não proibido, pode se manifestar.
5
Devido a uma tradição cultural que data da pré-história, um grupo de antropólogos defende que o gesto de levantar o dedo do meio tem sua origem entre os primatas que, como forma de intimidação dos seus inimigos, mostravam o pênis ereto; ele é uma variação dessa estratégia agressiva desse grupo de primatas (Ver MOTOMURA, 2018).
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A vida que invade a escola e dentro dela não pode ser vivida em sua vitalidade e multiplicidade! É sobre essa vida que quero tratar, não somente a vida “empalhada” e “fossilizada” dos livros de Ciências e Biologia, mas a vida humana limitada e cerceada pelas relações de poder, que produzem, fabricam, docilizam, criam e inventam formas de ser docente e discente no interior de instituições que ditam regras e normas regulatórias, mas que têm como produtividade formas de resistências contra o que está estabelecido e deve ser seguido. É na resistência que se cria, é ela que inventa outras formas de viver e ser docente e discente em meio às imposições das instituições confessionais, no que tange à sexualidade. Em outra prova de Biologia do 1º ano médio, coloquei uma imagem do sistema reprodutor masculino e genitália externa feminina (Figura 2). Imagine! A coordenação, ao me avaliar, sugeriu que fosse retirada a imagem alusiva ao sistema reprodutor feminino. “Mas, ‘por quê’!?”,
indaguei; então me responderam que os pais poderiam ficar impressionados com a imagem tão agressiva do ponto de vista visual (Isso me pareceu até cômico!) Não me segurei e perguntei: Mas se fosse a imagem de uma mulher de pernas fechadas seria impossível observar as estruturas indicadas! Figura 2 – Sistema Reprodutor Masculino e Genitália Externa Feminina
Fonte: https://www.todoestudo.com.br/biologia/sistema-reprodutor-masculino https://blogdoenem.com.br/biologiasistema-genital-feminino/
Talvez de pernas fechadas fosse menos agressivo – visualmente falando – não é mesmo, senhora coordenadora!? (aff). A imagem do sistema reprodutor masculino foi liberada – sem interdições. (mas acho que foi menos agressiva, porque o pênis na imagem não está em ereção). Como já havia passado pelas situações anteriores de interdição, fui obrigada a “limar” uma imagem que havia colocado, por questão de identificação dos tipos possíveis de relação sexual mesmo (Figura 3).
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Figura 3 – Charge sobre Sexo Oral.
Fonte: https://hardjota.wordpress.com/2011/04/14/mitos-e-factos-sobre-o-esperma/
No caso dessa ilustração, seria o sexo oral! Isso nem passou pelo olhar de vigilância e interdição por parte da coordenação! Tenho certeza de que, se houvessem entendido o discurso imagético/biológico do texto, o resultado final da minha avaliação seria novamente a interdição! Foram tantas situações pelas quais passei que, às vezes, me surpreendo lembrando de episódios cômicos como o que ocorreu em uma avaliação do 6º ano, cuja questão versava sobre o “Princípio de Arquimedes”, ao tratar sobre conteúdos da densidade da água e a flutuação dos corpos, empuxo e outros. Pesquisei diversas imagens para ilustrar o texto da questão, mas só encontrava imagens de desenhos de Arquimedes saindo pelado da banheira! Nudez total! Nem pensar uma imagem dessas! Na escola teriam uma síncope!
Depois de tanto pesquisar, encontrei uma figura com uma pequena tarja preta que cobria o órgão genital de Arquimedes. Perfeito! Agora posso inserir essa figura junto ao texto! Finalizei a avaliação e entreguei à coordenação convicta de que estava tudo enquadrado dentro da moral e bons costumes! Entretanto, recebi uma notificação extrajudicial! (oooooh!). Na notificação constava a observação de que, apesar de a imagem estar com uma tarja que cobria o órgão genital de Arquimedes, deveria levar em consideração que as nádegas dele estavam em evidência! (era só o que faltava!) Se quisesse permanecer com a ilustração (Figura 3), a condição seria a colocação de uma tarja maior para ocultar totalmente as partes íntimas do personagem. Figura 4 – História em Quadrinhos da Descoberta do Princípio de Arquimedes
ANTES
DEPOIS
Fonte: https://pt.slideshare.net/melissamatos71/arquimedes-2n
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Eureka! Eureka! Descobri que tanta ocultação gera curiosidade e incitação! Coloquei a tarja maior, porém os alunos olhavam a imagem e riam, porque sabiam o que estava ocultado pela grande tarja preta! Assim mesmo, preferi resistir e deixar a imagem que escolhi! Se não posso ser livre para selecionar o que quero avaliar, ao menos faço as concessões e aceito – mesmo que com profunda indignação – as orientações da coordenação!
Considerações Finais... A interdição de qualquer material de Ciências e Biologia, em dissonância com as regras da escola confessional, também foi uma tomada de decisão que gerou indignação em docentes quanto às imagens das provas e demais materiais distribuídos. Foi exaustivo analisar cada prova para interditar imagens, músicas ou expressões, cujo conteúdo incitasse a sexualidade ou até mesmo pensamentos obscenos nas mentes férteis da garotada da escola! A filtragem das informações, contidas em imagens e demais formas de expressão que não condiziam com os ditames da instituição, foi a estratégia utilizada para evitar a todo custo que a filosofia cristã fosse manchada com a ideia de sexualização precoce das crianças! A escola confessional não admite a erotização infantil, por isso tudo é minuciosamente revisado antes de chegar às mãos dos adolescentes em processo de formação! Mas, os alunos estão tão à flor da pele que basta falar em “cabeça do fosfolipídio” ou em “excitação do neurônio” para que eles comecem a se olhar e rir, remetendo tais ideias à sexualidade! Imagine uma imagem que contenha expressões ou relação direta com pornografias ou imoralidades!? Nesse sentido, a intenção é evitar a todo custo a veiculação de imagens ou expressões que causem embaraço e desvirtuem a concentração dos discentes, por isso todo cuidado é pouco diante do que uma ilustração pode suscitar no estudante que se pretende salvar! Todas essas táticas e tecnologias de controle que foram inventadas para que a escola confessional alcançasse seu objetivo maior que é a salvação das almas passam pelo corpo e a sexualidade! O alvo é o corpo, porque é sobre ele que estão os estigmas dos acontecimentos, é dele que nascem os desejos, os erros e os conflitos (FOUCAULT, 2008).
A sexualidade, por sua vez, abre caminhos de possibilidades de invenção e criação de novas formas de viver! Percebi isso nos artefatos que foram criados para colocar em ação o plano de salvação! Cada um – a sua maneira – entrou em modos de resistências e burlou as normativas disciplinares impostas em todo o cenário da escola! Sobre o corpo e a sexualidade, lembrei do trecho de uma música que resume o porquê desse investimento em todas as nuances que o corpo mostrou em cada artefato inventado!
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Seu corpo é fruto proibido É a chave de todo pecado e da libido E prum garoto introvertido como eu É a pura perdição Mesmo criando uma espécie de “cerca elétrica” em torno da escola confessional, houve a emergência de múltiplos currículos que estão a disputar o espaço da subjetivação e fabricação do sujeito dito “Bom Cristão”! São os currículos das redes sociais, da televisão, são os currículos de cada família aí representada, são os currículos dos grupos de amigos, cuja tendência é seguir um modelo. O currículo do “Bom Cristão” fabricado a partir da interdição de imagens de provas – classificadas como obscenas – é mais um dentre tantos currículos no cardápio da vida! Desse modo, a sexualidade é criação/invenção! É potência! Entre as ditas salvação e perdição cabem muitos caminhos! O personagem prova indignada que habita a Escola Confessional ousou ficar no “entre”, no meio, porque acreditava ser mais produtivo! Resistiu, criou, inventou e viveu a sexualidade, cuja invenção/criação rompe a inércia e a paralisia de permanecer na mesma posição. O convite é para não nos determos nem em um lugar e nem em outro! No entre é onde há a insurgência e emergência de múltiplas possibilidades! É no entre que a vida pulsa e a invenção/criação invadem a imaginação! O entre está na interdição das imagens de uma prova que assim mesmo insiste em continuar acreditando que dias melhores virão e com profunda indignação, aceita a tarja preta da interdição! O entre está onde tudo escapa, é a transgressão velada de um corpo e uma sexualidade que não querem formatação, mas querem ser livres para escolher ficar entre o caminho da salvação ou perdição! Assim, quanto maior a intensificação do controle do corpo e da sexualidade, tanto mais rotas de fuga são criadas; esse é o equívoco de quem supõe deter o poder, acreditar que ele é fixo e que suas estratégias são tão eficazes a ponto de gerar sempre obediência. Ledo engano, as resistências estão no entre e são os efeitos mais produtivos nas relações de poder, cuja visibilidade se dá em modos de indignação, subversão e transgressão.
Referências AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de J. Oliveira e A. Ambrósio de Pina, 28 ed. Petrópolis, RJ: Vozes. Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015. CARVALHO, Anna M. Pessoa de; GIL-PÉREZ, Daniel. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2011. FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In.: DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica – para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
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______. Michel Foucault, uma entrevista: Sexo, poder e a política da identidade. Traduzido do francês por Wanderson Flor do Nascimento. Revista Verve do Nu-sol, Núcleo de Sociabilidade Libertária. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. PUC-SP. 5: 260-277. ISSN: 1676-9090. Indicado para publicação em 10 de Fevereiro de 2004. ______. A Hermenêutica do sujeito. Curso dado no Collège de France (1981-1982). Tradução Márcio Alves da Fonseca. São Paulo: Martins Fontes, 2006. ______. História da sexualidade I: A vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 18. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007. ______. Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado. 25. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2008. PESSOA, Fernando. Livro(s) do Desassossego. Edição Teresa Rita Lopes. São Paulo: Global Editora, 2015. RODRIGUES, Luciane de Assunção. Entre Salvação e Perdição: a sexualidade do “bom cristão”! 2019, 124f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemáticas). Universidade Federal do Pará, Belém, 2019. MOTOMURA, Marina. Por que levantar o dedo do meio é considerado ofensa? Revista Super Interessante. 2018 Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/por-que-levantar-o -dedo-do-meio-e-considerado-ofensa/. Acesso em: 6/3/2019.
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Tertúlias Dialógicas Literárias: Uma Experiência De Leitura Virtual Com Estudantes Do Ensino Fundamental Helioneth Daniel Lisboa1 Elizabeth Cardoso Gerhardt Manfredo2
Resumo Este artigo dedica-se a relatar uma experiência de leitura virtual desenvolvida na E.E.E.F.M. Prof. Jorge Lopes Raposo em Belém-PA, realizada no primeiro semestre de 2021, com o objetivo de incentivar a leitura de obras da literatura brasileira e universal, tendo como suporte a ação educativa Tertúlias Dialógicas Literárias. A metodologia usada inicialmente foi a apresentação em ambientes virtuais da versão “O fidalgo Dom Quixote de La Mancha”, de Lino de Albergaria, adaptação da obra Clássica de Miguel de Cervantes, e por conseguinte foram marcados encontros para leitura e comentários da obra, com o intuito de estimular os estudantes a adentrarem o universo literário, possibilitando ainda o envolvimento e o gosto pela leitura. As Tertúlias Dialógicas Literárias desenvolvem a compreensão de uma construção coletiva de sentido e conhecimento baseado no diálogo igualitário entre todos os participantes envolvidos nas Tertúlias, promovendo assim o desenvolvimento da leitura e escrita. Ao término da ação verificou-se os bons resultados dos encontros virtuais das Tertúlias Dialógicas Literárias, evidenciado expressiva participação e envolvimento dos alunos do Ensino Fundamental.
Palavras-chave: Leitura. Tertúlias Dialógicas Literárias. Literatura
Introdução As Tertúlias Dialógicas Literárias foram realizadas em ação de leitura virtual com leitura direcionada de obras clássicas e universais, num ensaio de desenvolvimento em comunidade de aprendizagem. Envolvem encontros de pessoas para dialogar sobre o objeto literário promovendo assim a construção coletiva de significado e o conhecimento científico acumulado pela humanidade ao longo do tempo. Favorece a troca direta entre todos os participantes sem distinção de idade, gênero, cultura ou capacidade. Essas relações igualitárias envolvem a solidariedade, o respeito, a confiança, o apoio, em vez de imposições de ideias e práticas.
As Tertúlias Dialógicas Literárias têm a sua origem nos anos oitenta na escola de adultos La Verneda-Sant Martí de Barcelona e consistem de encontros ao redor da literatura, nas quais os participantes leem e debatem obras clássicas da literatura universal. Os encontros literários dialógicos originaram-se no início da década de 1980 em um centro de educação de adultos. Es-
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Especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará (UFPa) e coordenadora do espaço Sala de leitura/Biblioteca da escola Prof. Jorge Lopes Raposo 2
Doutora em Educação em Ciências e Matemáticas (UFPa) e estagiária de Letras - Língua Portuguesa da Faculdade Estácio.
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ses encontros, com base na aprendizagem dialógicas (FLECHA, 1997), buscam quebrar as barreiras excludentes que impedem as pessoas sem formação de abordagem acadêmica da literatura clássica universal, sob o pretexto de que não estão preparados para ler este tipo de literatura e que, portanto, não a compreendendo, não podem gozar ou gozar e apreciar seu senso estético. Contrariando tal perspectiva entende-se que a leitura literária, na escola, precisa ser democratizada, significando que “A leitura não vem da autoridade do professor ou do currículo, mas sim de sentimentos humanos muito intensos. Não era para ser individualmente estudada, mas, sim, coletivamente compartilhada” (FLECHA, 1997, p. 50). A presente ação de leitura foi idealizada a partir de estudos de textos e análises de ações desenvolvidas com os alunos utilizando as Tertúlias Dialógicas Literárias no ambiente escolar e com o intuito de implantar a cultura da leitura na escola Jorge Lopes Raposo, buscando aliado
a isso incentivar a leitura de obras da literatura brasileira e universal com os estudantes do ensino fundamental , já que são leitores iniciantes nesta fase da leitura. As Tertúlias Dialógicas Literárias têm como base a aprendizagem dialógica, que é a concepção de aprendizagem que fundamenta as Comunidades de Aprendizagem, e que está fundamentada por meio de sete princípios: o diálogo igualitário, a inteligência cultural, a transformação, a dimensão instrumental, a criação de sentido, a solidariedade e a igualdade de diferenças. Considerando tais pressupostos, as aprendizagens se dão por meio das interações entre iguais: professores, familiares, amigos, o que produz diálogo igualitário: A Aprendizagem Dialógica acontece nos diálogos que são igualitários, em interações em que se reconhece a inteligência cultural de todas as pessoas, e está orientada para a transformação do grau inicial de conhecimento e do contexto sociocultural, como meio de alcançar o êxito de todos. A Aprendizagem Dialógica acontece em interações que aumentam a aprendizagem instrumental, favorecendo a criação de sentido pessoal e social, e que são guiadas pelo sentimento de solidariedade, em que a igualdade e a diferença são valores compatíveis e mutuamente enriquecedores (AUBERT et al., 2008, p. 167).
É justamente essa aprendizagem que se busca fomentar nas práticas promovidas nas Tertúlias de modo que os envolvidos tenham suas capacidades leitoras estimuladas e potencializadas na interação, tendo em vista o engajamento individual e coletivo em seu meio sociocultural e na sociedade como um todo. Sendo assim, tal iniciativa de formação do leitor, com a articu-
lação entre a abordagem da leitura crítica e a da literatura, mostra-se importante e promissora para o letramento literário dos estudantes.
Leitura e Letramento literário na formação do leitor Para Solé (1998), a leitura não é só um meio de adquirir informação: ela também nos torna mais críticos e capazes de considerar diferentes perspectivas. Isso necessita de uma intervenção específica. É lugar comum o discurso de que a leitura é de extrema importância na vida Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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do ser humano, pois estimula a criatividade, a imaginação, exercita a memória, possibilita o desenvolvimento do vocabulário e melhora consequentemente a escrita, ou seja, a leitura só traz benefícios a quem a pratica. É tarefa da escola desenvolver e incentivar a prática da leitura do texto literário para a formação do leitor, possibilitando assim aquisição do hábito de ler por parte do aluno e o auxiliando a alcançar o gosto pela leitura literária. Segundo Cosson (2020) a leitura é um processo de compartilhamento, uma competência social, do que decorre que uma das principais funções da escola seja justamente constituir-se como um espaço onde aprendemos a partilhar, a compartilhar, pelo processar da leitura. A leitura do ponto de vista desse autor é entendida como uma competência individual e social que en-
volve quatro elementos: o leitor, o autor, o texto e o contexto. O trabalho com as Tertúlias Dialógicas promove o envolvimento desses quatro elementos propostos por Cosson (2020) por meio da interação de vozes e contextos. Para Cosson( 2009, p. 23), o processo do letramento literário deve envolver aspectos que conciliem os diversos textos literários circundantes nas esferas sociais, e ainda que: “[...] devemos compreender que o letramento literário é uma prática social e, como tal, responsabilidade da escola”, uma vez que demanda de um processo educativo específico que a mera prática de leitura de textos literários não consegue sozinha efetivar. O letramento literário por ter a função de difundir a literatura para a comunidade escolar,
acaba sendo visto como fonte de muita importância para a formação do cidadão, sendo necessário na sua prática escolar desenvolver estratégias de leitura para atrair os alunos ao mundo literário.
A leitura e a abordagem da leitura literária na BNCC O eixo Leitura, segundo a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018), tem seu foco voltado para o desenvolvimento de habilidades de compreensão e interpretação da leitura, interpretação de textos verbais e ainda identificação de gêneros textuais que são compre-
endidas como competências específicas da Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. Nesse sentido, toma-se como foco a BNCC, documento que define as aprendizagens comuns que devem ser essencialmente desenvolvidas por todos os alunos no decorrer da Educação Básica (BRASIL, 2018, p. 7), de modo a analisar suas recomendações no que se refere ao ensino da compreensão leitora e refletir sobre as perspectivas que este documento apresenta aos educadores na atualidade.
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Segundo Victor Thadeu (2019) a BNCC ressalta na etapa Ensino Fundamental a progressão das atividades de leitura. O professor, ao propor estudos de textos literários, deve buscar a ampliação do repertório dos alunos, além da interação com o diferente. Os leitores-fruidores, no projeto previsto pela BNCC, no que diz respeito às competências socioemocionais são aqueles que exercem a empatia e o diálogo no exercício do uso da leitura. Nessa formação de cidadãos emocionalmente educados, a Literatura permite o contato com diversificads valores, comportamentos, crenças , desejos e conflitos, o que contribui para reconhecer e compreender modos distintos de ser e estar no mundo. Assim, o reconhecimento do que é diverso e a compreensão de si geram ações respeitosas que valorizam as diferenças. (THADEU, 2019)
No que concerne à leitura, cabe destacar o que orienta o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998). Considerando os diferentes níveis de conhecimento prévio, cabe à escola promover sua ampliação de forma que, progressivamente, durante os anos do ensino fundamental, cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações. Para isso, a escola deverá organizar um conjunto de atividades que, progressivamente, possibilite ao aluno: •
Utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e produção de
textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condições de produção do discurso; •
Utilizar a linguagem para estruturar a experiência e explicar a realidade, operando sobre as representações construídas em várias áreas do conhecimento;
•
Analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio, desenvolvendo a capacidade de avaliação dos textos:
contrapondo sua interpretação da realidade a diferentes opiniões;
inferindo as possíveis intenções do autor marcadas no texto;
identificando referências intertextuais presentes no texto;
percebendo os processos de convencimento utilizados para atuar sobre o interlocutor/leitor.
•
Usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de análise linguística para expandir sua capacidade de monitoração das possibilidades de uso da linguagem, ampliando a capacidade de análise crítica.
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Justificativa Em de 2020, todos foram surpreendidos pela pandemia do novo Coronavírus, um vírus letal que se multiplicou e acabou atingindo o mundo todo. A educação sofreu intenso impacto, o ano letivo nas escolas de todo o país foi paralisado totalmente devido à pandemia que se alastrava, as escolas foram fechadas e as redes de ensino tiveram de implementar as aulas remotas, uma nova e urgente forma de ensino. As escolas se viram na tarefa de reavaliar o seu modo de ensino e muitas começaram a criar meios de chegar até os alunos, por intermédios de ferramentas e mídias digitais. O ambiente virtual foi visto como saída para dar continuidade aos estudos e chegar até os alunos, mas viabilizá-lo foi um grande desafio, principalmente, na escola pública. As aulas a partir de então foram organizadas através de mídias sociais e aplicativos já utilizados por grande parte das pessoas, os grupos de WhatsApp foram utilizados para ter o contato com os alunos, foram utilizadas as plataforma digitais como o Google sala de aula para que os alunos pudessem ter acesso ao material criado e disponibilizado pelos professores, utilizaram também o ambiente virtual Google meet, e as aulas passaram a ser on-line. Desse modo, foi possível aliar os interesses dos estudantes por jogos on-line- assistir a vídeos nas diversas plataformas digitais como YouTube, Instagram, Facebook, TikTok etc.) a práticas de leitura de obras literárias por meio do livro no formato digital. Diante desse cenário e com o intuito de incentivar a prática da leitura e a formação de leitores de obras clássicas e universais, a escola Jorge Lopes Raposo lança a ação de leitura Tertúlias Dialógicas Literárias. O grande desafio que se colocava ao processo de ensino e aprendizagem da leitura e da literatura era criar situações que permitissem ao aluno desenvolver o hábito e o gosto pela leitura das obras clássicas da literatura. O desafio foi enfrentado e se buscou, em meio a todo contexto adverso da pandemia, formar leitores proficientes e aproximá-los da literatura, assim como os estimulando à escrita autoral.
Metodologia •
Criação de um grupo de WhatsApp para os alunos das turmas de 9º ano;
•
Criação da sala Virtual Google Classroom, onde foram postados o livro em pdf, audiolivro, filmes, slides sobre a importância da leitura, resumos;
•
Encontros no Google Meet - o projeto promoveu três encontros nos meses de maio / junho para apresentação das Tertúlias Dialógicas Literárias;
•
Produção Final: Gravação no Google Meet da apresentação dos alunos nos encontros das Tertúlias, produção de vídeos pelos alunos a respeito do livro, produção de resumo da obra e análise do livro através da ficha de leitura. Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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Desenvolvimento O projeto teve início em abril de 2021, tendo como suporte teórico os princípios básicos da aprendizagem dialógica com o intuito de estimular os alunos no processo de interação e desenvolvimento dos objetivos. O público alvo foram as turmas do 9º ano do Ensino Fundamental, participaram cerca de 60 alunos. A leitura selecionada foi a obra clássica “Don Quixote”, de Miguel de Cervantes, especificamente a versão: “O Fidalgo Dom Quixote” adaptada por Lino de Albergaria e disponibilizada em pdf aos alunos. A ação iniciou com a divisão dos estudantes em equipes para fazerem a leitura e a apresentação no ambiente Virtual Google Meet. Para cada encontro virtual, eram selecionados os capítulos do livro, pelos quais os alunos das equipes ficavam responsáveis em realizar a leitura conforme as orientações.
Na execução dos encontros das Tertúlias Dialógicas Literárias foram utilizados os seguintes passos: os alunos realizaram a leitura dos capítulos do livro: em pdf no celular ou computador; posteriormente, selecionaram trechos dos capítulos que mais lhes chamaram a atenção na leitura. Eles apresentaram trechos destacados e os respectivos comentários críticos. As atividades das Tertúlias Dialógicas Literárias desenvolveram-se em três encontros online, que foram organizados em blocos, nos quais os alunos das equipes selecionadas apresentaram em turno de palavras: a leitura de trechos, seus comentários e considerações a respeito do livro, possibilitando assim a ação dialógica que era proposta em nossa experiência de leitura.
Etapas da experiência de leitura 1ª etapa: Para dar início a ação de leitura, os alunos do 9º ano tiveram uma aula ministrada pelas coordenadoras no ambiente virtual do Google Meet sobre as temáticas: Leitura e Resumo (Figura 1). Figura 1-Professoras coordenadoras (Helioneth Lisboa/Elizabeth Cardoso)
Fonte: Arquivo pessoal.
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2ª Etapa: Foi apresentado o livro à turma (Figura 2 e 3) em uma aula ministrada pelo Google Meet, na qual os alunos tiveram acesso ao livro em pdf, audiolivro, vídeos a respeito da obra clássica adaptada selecionada. Figura 2 - Apresentação do livro: O Fidalgo Dom Quixote
Fonte: arquivo pessoal.
Figura 3 - Apresentação do livro no Google Meet
Fonte: Arquivo pessoal.
Os alunos tiveram três meses para fazer a leitura da obra na íntegra e fazer a apresentação oral dos capítulos selecionados pelos alunos no Google Meet (Figura 4) e também responder a um questionário sobre o livro e produzir um resumo. Essa leitura foi realizada em casa pelos alunos que baixaram os livros em pdf no celular, computador.
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Figura 4 - Alunos do 9º ano
Fonte: Arquivo pessoal.
3ª Etapa: Os encontros das Tertúlias Dialógicas Literárias ocorreram no ambiente virtual do Google Meet, em que os alunos apresentaram os capítulos do livro selecionado e teceram seus comentários (Figuras 5 e 6). Figura 5 - Apresentação da Aluna Manoely Costa - 9º ano
Fonte: Arquivo pessoal.
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Figura 6 - Apresentação da Aluna Nielly Waleska Cristo - 9º ano
Fonte: Arquivo pessoal.
4ª Etapa: Como produção final os alunos produziram vídeos e áudios a respeito dos livros lidos; foi realizada também uma gravação dos depoimentos dos alunos sobre como foi participar da ação de leitura no ambiente virtual (Figura 7). Figura 7 - turma 9º ano
Fonte: Arquivo pessoal.
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No decorrer dos encontros foi notória a motivação dos alunos em participar da ação de leitura no ambiente virtual do Google Meet, durante a qual puderam vislumbrar essa nova forma de ensino-aprendizagem de leitura desenvolvida pela escola Jorge Lopes Raposo. Convém destacar como foi de extrema relevância para a ação das Tertúlias, tendo em vista seus objetivos de incentivo à leitura, desenvolver a motivação dos alunos através da leitura de uma obra clássica. A motivação está relacionada ao sistema de cognição de cada um, e para ela ser ativada precisa envolver o sistema de valores pessoais, que é fortemente influenciado pelo ambiente físico e social. A motivação representa a ação de forças ativas e impulsionadoras: as necessidades humanas. As pessoas são diferentes entre si no que tange à motivação. As necessidades humanas que motivam o comportamento humano produzem padrões de comportamento que variam de indivíduo para indivíduo (CHIAVENATO, 2000, p. 302).
Reflexões sobre a experiência do projeto A prática de leitura é um ato de extrema importância para a aprendizagem do ser humano, pois possibilita o aprimoramento do vocabulário, o desenvolvimento do raciocínio crítico, da imaginação e da interpretação. Só se aprende a ler lendo, e a tarefa da escola é proporcionar aos alunos esse contato com o mundo da leitura, com o intuito de despertar em cada ser a competência leitora, principalmente de obras clássicas da literatura. Na implantação da ação de leitura envolvendo as Tertúlias Dialógicas Literárias observamos um envolvimento imediato por parte dos discentes, desde a apresentação das obras clássicas percebemos que muitos se interessaram pela obra e se dedicaram a leitura do livro em pdf , utilizando como meio de acesso o uso de celular ou computador , embora não tendo o livro físico em mãos os alunos buscaram ler o livro na íntegra, o que fez com que alcançassem o sucesso na realização da ação de leitura. A participação dos discentes no projeto mostrou que a prática da leitura por meio dos meios virtuais é possível, tendo contribuído para tanto o interesse e dedicação dos alunos envolvidos, assim como, o incentivo docente e dos demais agentes da escola comprometidos com esse projeto de incentivo à leitura e promoção do letramento literário.
Considerações finais Ao longo da experiência de leitura virtual observamos que nossa ação foi realizada com êxito e sucesso, uma vez que durante a sua fase de desenvolvimento foi observado e registrado o interesse dos estudantes pela leitura de obras Clássicas e Universais e a grande participação Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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dos que leram a obra adaptada “O Fidalgo Dom Quixote”, na íntegra.Com isso o objetivo da ação de incentivar e formar novos leitores se efetivou com base nos dados comprovados durante o desenvolvimento do projeto. Nesse sentido, com o uso das práticas da leitura dialógica, como as Tertúlias Dialógicas Literárias, foi possível a ampliação do vocabulário, melhorar a expressão oral e escrita, ampliar a compreensão leitora, o pensamento crítico e a capacidade de argumentação em todos os envolvidos, produzindo importantes transformações na superação de desigualdades. A ação de leitura, por meio das Tertúlias Dialógicas Literárias foi, sobretudo, uma ação de cooperação, participação e parceria, em que professores e alunos se envolveram do início ao fim e construíram conhecimentos que deverão permanecer por todas suas trajetórias. Foi notório o êxito da ação de leitura durante o processo. Mesmo com a experiência realizada de forma totalmente on-line, com todas as dificuldades que uma escola pública enfrenta no que concerne a falta de acesso à internet, percebemos o empenho e dedicação dos alunos. Certamente, esse envolvimento dos alunos em todas as atividades propostas foi um grande diferencial; outro aspecto muito positivo foi o fato de os alunos terem lido a obra na íntegra, pois muitos não tinham lido um livro em pdf antes, através da internet, por meio digital. O maior desafio foi ler a obra clássica em pdf, utilizando celulares, cuja tela não permite uma boa visualização, ou mesmo em notebook ou tablet, equipamentos pouco acessíveis à maioria dos alunos e que também não superam as vantagens do livro físico.
O projeto contou com a participação de cerca de 60 alunos das turmas de 9º ano, turnos :manhã e tarde, que realizaram as tarefas de apresentação no Google Meet, criação de vídeos, áudios com comentários sobre o livro, produção de fichas de leitura e resumo da obra. A inclusão dos alunos especiais no projeto foi algo extraordinário, e tanto eles como os demais estiveram engajados e demonstraram grande interesse em ler uma obra clássica adaptada em pdf e participar das Tertúlias Dialógicas Literárias no ambiente virtual. Notou-se uma prática inclusiva nesse aspecto que é, indiscutivelmente, um ponto também a destacar como positivo da experiência.
Referências ALBERGARIA, Lino de. O fidalgo Dom Quixote de La Mancha. Adaptação de Lino de Albergaria da obra de Miguel de Cervantes.-São Paulo:Paulus, 2010. AUBERT, A., Flecha, A., García, C., Flecha, R., & Racionero, S. Aprendizaje dialógico en la sociedad de la información. Barcelona: Hipatia ( 2008)
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BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa: terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998. ______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base nacional comum curricular. Brasília, DF, 2018. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em março de 2019. CHIAVENATO, Idalberto. Administração: teoria, processo e prática. São Paulo: Makron Books. 3. ed. 2000. CONFAPEA. Manual de Tertúlia Literária Dialógica, 2012. Disponível em http://confapea.org/ tertulias/wpcontent/uploads/2012/02/manual.pdf. Acesso em abril de 2013.
COSSON, Rildo. Círculos de leitura e letramento. 1. ed.,. 4. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2020. COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Editora Contexto, 2009 FLECHA,R .Compartiendo palabras.El aprendizaje de las per-sonas adultas através del diálogo. Barcelona: Paidós, 1997 INSTITUTO NATURA. Comunidade de Aprendizagem. Disponível em: . Acesso em: 14 maio 2017. SOLÉ, Izabel. Estratégias de Leitura, 1998. Disponível em: <https://www.pensecomigo.com.br/
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https://www.comunidadedeaprendizagem.com/aprendizagem-dialogica
COMUNIDADE
DE APRENDIZAGEM •
https://www.paulus.com.br/assistencia-social/wp-content/uploads/2015/10/o-fidalgo-domquixote_miolo.pdf
•
https://www.edocente.com.br/blog/bncc/literatura-bncc/
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Marierrê: Poética Quilombola na Interface Cultura e Educação Benedito Lelio C. Costa1
Resumo Este artigo é parte da dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura (PPGEDUC), UFPA – Campus Cametá, fruto de pesquisa de campo realizada entre 2019 e 2020, de cunho etnográfico e método cartográfico de análise, na qual observamos que o povo negro da vila de Carapajó-Cametá, exercita sua religiosidade e cultura, no âmbito do Marierrê, ritual composto por cortejos, cantos, batuques, danças e culinária, símbolos da memória e do sagrado na vida de ex-escravos: a libertação das correntes do não ser e a afirmação do ser humano negro, frente a uma sociedade brasileira preconceituosa, estigmatizadora e racista. O intuito aqui é mostrar como o ritual Marierrê, nos fez enxergar a construção, dentro de um espaço de negritude, que vão de encontro a ideologias capazes de combater a uniformidade do desenho identitário e de valores estéticos e educacionais que têm sido forjados na escola pelo viés eurocêntrico. Em seguida, apresentar discussão no sentido de como articular a soma do conhecimento cultural de uma comunidade negra, visando à educação quilombola. Para esta argumentação contribuíram Silva (2000), Veiga-Neto (2007), Moreira e Candau (2008), Geertz (2008), Candau (2010) e Gilroy (2012). Constatou-se que o Marierrê produz uma poética afirmativa que subverte ideologias racistas, ritos religiosos cristãos e concepções sobre o ser negro, e que pode ser usada na educação como combate ao preconceito alastrado no decorrer de nossa história e arraigado em cada canto deste país. Por meio dela, pode-se difundir na escola, entre as crianças, jovens e adultos, os saberes, a cultura, a expressão religiosa, a importância do ser negro e das populações quilombolas como um mecanismo que promova a compreensão e a afirmação de nossa identidade étnica e pluricultural, em que se deve basear a defesa consciente dos valores da cidadania e do ser negro.
Palavras-chave: Marierrê. Poética Afro-brasileira. Afirmação Negra.
Introdução A preocupação da antropologia e da educação com o estudo da cultura, da identidade e das relações étnico raciais no Brasil tem gerado muitos debates acirrados e trazido muita luz à obscuridade que envolve os conceitos e aspectos a serem tratados nesses campos da ciência, no chão da escola. Nesse contexto, voltamos nossa preocupação à educação ofertada nos quilombos,
argumentado que ela não pode perder de vista que a identidade, dos sujeitos quilombolas enquanto indivíduos ou grupos, não se define mais como desertores da escravidão ou fugitivos do sistema, mas pelo espaço de negritude que assumem e pela continuidade como grupo que ainda sofrem com as desigualdades, no campo cultural; com a discriminação, no campo social; e com a tentativa de apagamento histórico, devido ao racismo.
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Professor de Língua Portuguesa da Rede Pública Municipal de Cametá e do Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME/2ª URE-PA). Graduado em Letras (UFPA), Especialista em Ensino de Língua Portuguesa (UFPA), Mestre em Educação e Cultura (PPGEDUC/UFPA-Campus/Cametá).
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A identidade, no bojo da(s) cultura(s), é marcada pela diferença (SILVA, 2000), e no caso dos quilombos, diríamos, a identidade é marcada pela coletividade, pelo senso de pertença a esse lugar e grupo; por isso, por meio da escola, é importante o ensinamento sobre o respeito, o reconhecimento e a valorização da identidade e das diferenças alheias em todos os sentidos, seja nos quilombos, nas ilhas, nos centros urbanos, pois, quando colocamos identidade e diferença uma frente a outra, desprovidos de quaisquer formas de prepotência, percebemos que toda identidade e toda diferença são verdadeiras, belas, nunca uniformes e que, além de autênticas, ambas estão vinculadas às condições sociais, materiais e simbólicas dos povos. Quando encampamos estudos sobre o rito poético quilombola Marierrê 2, buscávamos enxergar no seu acontecer memórias, identidades e a cultura de matizes negra; deparamo-nos, assim, com um movimento de contra ideologia capaz de romper a visão uniforme do desenho
identitário e de valores estéticos forjados pelo viés eurocêntrico. Os negros da vila de Carapajó, ao festejar o Marierrê, exercitam sua cultura como a soma do conhecimento a partir da singularidade significante do “outro” que resiste à “totalização”, exercitando sua religiosidade, rebuscando sua ancestralidade e memória, festejando com arte sua negritude, potencializando sua afirmação. A temática da identidade e da negritude constitui, a nosso ver em conformidade com Candau (2010), relevante objeto de estudo para a teoria social e teorizações sobre educação, além de apresentar acentuada importância política antirracista. Na teoria social, a importância está na pertinência de refletir sobre quem somos nós, de examinar como temos nos formado,
bem como nos situarmos em relação aos outros grupos que compõem a nossa sociedade, o nosso povo, o nosso país. Essa discussão teórica se justifica por iluminar a interação entre a experiência subjetiva do mundo e os cenários históricos e culturais em que a identidade é formada (GILROY, 2012). Num momento em que muitos debates se travam e sobre diferentes dimensões: universalização da escolarização, qualidade da educação, concepções curriculares, função social da escola, relações com a comunidade, plano institucional e nacional de educação, formação de professores, enfim, o que parece consensual, concordando com Candau (2010); é a necessidade de se reinventar a educação escolar, para que possa oferecer espaços e tempos
de ensino-aprendizagem significativos e desafiantes para os contextos sociopolíticos e culturais atuais e as inquietudes de crianças e jovens, principalmente os marginalizados pelo sistema
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O Marierrê, é uma invenção do negro carapajoense para exercitar ritos religiosos e culturais, disfarçados em adoração à Virgem do Rosário, nas casas do rei e da rainha, nas ruas da vila e na igreja matriz. O olhar pouco treinado verá no Marierrê uma vassalagem religiosa cristã do negro à Mãe de Jesus. O olhar acadêmico com finura cartográfica enxergará nesse cortejo, a cultura, a religiosidade negra e a afirmação de um povo que celebra, numa espécie de sagrada folia, sua negritude.
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vigente: negros, índios, pobres, LGBTQIA+, entre outros tantos grupos.
Não há educação que não esteja imersa nos processos culturais, étnico, religioso do contexto em que se situa. Não é possível conceber uma experiência pedagógica “desculturizada”, desvinculada dos modos de vida dos grupos que compõem o todo social de uma nação. Por que, como questiona Candau (2010), fala-se e discute-se tão acaloradamente hoje sobre as relações entre educação e cultura(s)? Porque essa problemática tem ajudado a analisar e a denunciar o caráter em geral padronizador, homogeneizador e monocultural da educação. Atualmente, o desejo se tornou mais fortes no sentido de romper com as práticas que temos e construir novas práticas educativas, nas quais as questões da diferença, da etnicidade e
do multiculturalismo se façam cada vez mais presentes; ou seja, enfrentar a injustiça que o sistema educacional brasileiro nos impõe enquanto negros, nos quilombos ou não, é um desafio que, enquanto professor, precisamos assumir, posto que a história da educação no Brasil tem nos mostrado, em uma de suas narrativas, práticas de opressão, exclusão, silenciamento, enfim, de negação de direitos e do jeito de ser de povos ou grupos humanos menos favorecidas. Em síntese, o que buscamos debater, no decorrer do texto, é a importância de movimentos culturais como o Marierrê para a efetivação de uma educação quilombola, porque que vivemos tempos em que a escola está sob suspeita, no dizer de Gabriel (2003), referindo-se à questão da produção de saberes considerados válidos a serem ensinados e aprendidos em contextos específicos; tempos em que não há educação que não esteja imersa nos processos culturais do contexto em que se situa, educação e cultura são dois universos entrelaçados (CANDAU, 2010); tempos em que, a nosso ver e de outros teóricos da educação, é preciso repensar a escola, o currículo educacional e a prática docente nos quilombos, pôr em prática ali uma concepção de escola como espaço de cruzamento de culturas, fluido e complexo, atravessado por tensões e conflitos, principalmente no campo das linguagens.
Educação pela Linguagem no Campo Quilombola O Marrierê nos mostra que é possível repensar a escola, o currículo, a prática docente nos quilombos e, nesse sentido, é necessário lançar um olhar para o ensino de linguagens (Língua Portuguesa, Artes e Educação Física), visando a enxertar no pensar, no currículo e nas práticas docentes, exercidas em comunidades quilombolas, criações poéticas e culturais que permeiam estas comunidades. Dessa forma, propõe-se que a escola promova um lembrar/reavivar das tradições preservadas pelos descendentes dos antigos escravos, buscando entender para ensinar como a
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poética que se ritualiza no Marierrê pode afirmar perfis identitários, dando voz a quem, socialmente, não a tem: todos que estiveram fora da história oficial, silenciados pelo conceito etnocêntrico de verdade, quilombolas, praticantes da religião afro-brasileira, o povo negro. Já passou da hora de o professor “deixar seu status de expert e se transfigurar em um mediador de aprendizagens” (FELDMANN, 2009, p. 14). O educador necessita se assumir como intelectual transformador, crítico e emancipador; planejador de situações de aprendizagens; mediador e incentivador dos alunos em suas aprendizagens; que constrói clima de confiança e corresponsabilidade, que se adequa ao contexto de suas aulas; que faça com que seus alunos negros (e sua comunidade) se vejam refletidos nos textos, enxerguem sentido nas aulas a ele ministrada, se entenda enquanto sujeito local e universal, que compreenda sua identidade e a dos outros, que aprenda a agir e a se desenvolver individual e socialmente. No que tange ao ensino de linguagem, se atrelado às manifestações poéticas como observamos no Marierrê, o processo cultural local ou universal pode (e deve) aprimorar identidades individuais e coletivas, no bojo das quais emergem várias noções de sujeitos que assumimos ou construímos naquele âmbito cultural. Vimos, ainda, em todas as suas vozes e ritos poéticos, vários lugares a partir dos quais os professores do campo da linguagem podem se posicionar e posicionar seus alunos. Cremos que a educação nos quilombos precisa encontrar seu caminho no qual a cultura e a variabilidade cultural possam ser mais levadas em conta do que concebidas como fonte de preconceito.
O sujeito que pode surgir de uma educação quilombola, no campo da Arte, pautada em ritos como o Marierrê, deve levar a criança e o jovem negro e se perguntar: O que uma obra poética nos faz? Como ela nos atinge? Como a obra poética Marierrê desperta nossa sensibilidade, nossa inteligência? Para onde nos conduz? O que essa obra poética nos faz pensar sobre o corpo, o movimento, sobre a cultura, as relações, a nossa vida, a sociedade? Como a interpretamos? O que essa obra nos convida a compor, a criar, a explorar, a descobrir? Uma educação mais ajustada e que respeita identidade, cultura e religiosidade do sujeito que habita os quilombos. Só assim, em uma educação na qual crianças e jovens negros se velam refletidos, esses
sujeitos quilombolas encontrarão como resposta, entre outras tantas, que elas/eles podem ser verdadeiros reis ou rainhas, como as que vivenciam o Marierrê (Foto 1).
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Foto 1 – Rei e Rainha Marierrê 2019
Fonte: Arquivo pessoal.
Na vila de Carapajó, a criança, o jovem e o adulto negros caminham empoderados, pois sua identidade e afrodescendência e afirmada cotidianamente, com maior potência, durante o Marierrê. Contudo, nossas leituras mostram que, no decorrer da história da educação, a escola sempre demonstrou dificuldade em afirmar a identidade negra, sua diferença cultural e étnica de forma benéfica; a atuação escolar, nesse campo, tem-se feito pejorativa: neutralizando e\ou tentando apagar a cultura negra, silenciando a religiosidade e a linguagem desse povo, paulatinamente, isto é, a discussão acerca do ensino que se materializa no chão escolar quilombola, envolve o enfrentamento de tensões entre identidade, cultura e poder. Nesses termos, é essencial legitimar um ensino de linguagens que prime pela defesa
das diferenças, pela valorização da cultura local e pelo combate das desigualdades e do desrespeito aos povos e comunidades tradicionais que possuem modos próprios de reprodução linguística, cultural, social, religiosa, ancestral e poética. Nosso entendimento de Educação Quilombola vai no mesmo sentido de possibilitar que professores repensem, à luz da experiência dos quilombos contemporâneos, o papel da escola como fonte de afirmação da identidade local e nacional. Encampamos, portanto, um desafio de propor um desenvolver de novos espaços linguísticos e pedagógicos que propiciem a compreensão das identidades do homem e da mulher quilombola como cidadãos brasileiros e que levem crianças e jovens nascidos no quilombo a conhecer e defender suas origens, sua
cultura e sua história. Olha, o Marierrê, aqui no Carapajó, a gente pode ver é uma cultura que precisa ser mantida né, de gerações e o mais importante é manter, (...) porque é o nosso povo que tá sendo retratado a gente sabe que tá ligado a questão dos escravos, então todo ritual, uma manifestação, que eles mostravo exatamente a questão da liberdade [...] é mantido até hoje como cultura e por conta disso ele representa algo de importante da vida dos nossos antepassados (Fala de uma moradora negra, 2019)3. 3
Foram registradas algumas falas tais quais foram ditas, pelos sujeitos que participaram da pesquisa de campo, todos moradores da Vila de Carapajó e que se autodeclaram negros.
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Há uma demanda antiga dos movimentos negros, de professores e de setores da sociedade brasileira, no sentido de que a escola formal desvele esse conhecimento histórico e cultural, demandas que fizeram surgir a Lei n. 10.639/03 (BRASIL, 2005), que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica, tornando oportuno, e agora obrigatório, o estudo dessa parte da História do Brasil. Isso, somado à Educação para as Relações Étnico-Raciais, torna uma obrigação da escola a transmissão da história dos quilombos contemporâneos e de sua situação atual, fator positivo aos afetados por séculos de opressão e exclusão educacional. A Lei n. 10.639/2003 (BRASIL, 2005) visa a, dentre outra coisas, combater o preconceito alastrado no decorrer de nossa história e arraigado em cada canto deste país; por isso, é preciso difundir os saberes, a cultura, a expressão religiosa, a importância do ser negro e das
populações quilombolas entre todas as crianças brasileiras, entre os jovens e adultos como um mecanismo que promova a compreensão e a afirmação de nossa identidade étnica e cultural. O Marierrê é uma devoção católica com característica negra que tem muita importância para mim, porque através dela posso mostrar e engrandecer minha cultura da qual meus antepassados foram responsável eis e levar o nome da minha comunidade para o conhecimento de todos (Dona Marinete, 66, negra, 2019).
De uma forma mais abrangente, para a sociedade brasileira como um todo também é importante esse conhecimento, cujo primeiro passo é a formação de professores comprometidos com a causa, a construção de um currículo pensado para esse fim, a elaboração de conteúdos
nos quais se mantenha o diálogo com a realidade sociopolítica da população negra e dos grupos quilombolas, e finalmente, a utilização de métodos e estratégias de ensino-aprendizagem que garantam e respeitem a especificidade das vivências, realidades e histórias negras ou das comunidades quilombolas do país, tais como: cultura, religiosidade e ancestralidade afrobrasileira, os direitos na legislação brasileira e a educação escolar quilombola (BRASIL, 2011), dentre outros documentos como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que, dentre outras orientações, versa sobre a educação das relações étnico-raciais e ensino de história e cultura afro-brasileira, africana [...] (BRASIL, 2018). Entre 2004 e 2016, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), do Ministério da Educação (MEC), buscou oferecer às professoras e aos professores informações e conhecimentos estratégicos para a compreensão e o combate do preconceito e da discriminação raciais nas relações pedagógicas e educacionais das escolas brasileiras. Em um dos documentos elaborados após muita pesquisa, fóruns e debates, esta Secretaria partilha a seguinte inferência: O melhor entendimento do racismo no cotidiano da educação também é condição sine qua non para se arquitetar um novo projeto de educação que possibilite a inserção social igualitária e destravar o potencial intelectual, embotado pelo racismo, de todos(as) os(as) brasileiros(as), independentemente de cor/raça, Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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gênero, renda, entre outras distinções. Tal fato contribuirá para o desenvolvimento de um pensamento comprometido com o anti-racismo, combatente da idéia de inferioridade/superioridade de indivíduos ou de grupos raciais e étnicos, que caminha para a compreensão integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal e substantivamente respeitada e valorizada (BRASIL, 2005, p. 11).
Desse modo, na educação brasileira, a ausência de uma reflexão sobre as relações raciais no planejamento escolar mantém o negro na condição de inferioridade e sem voz contra o racismo; o silêncio sobre o racismo nas diversas instituições educacionais contribui para que as diferenças de fenótipo entre negros e brancos sejam entendidas como desigualdades naturais. O calar da escola no que se refere ao racismo cotidiano faz dela conivente e omissa e isso não só impede o florescimento do potencial intelectual de milhares de mentes brilhantes nas escolas brasileiras, como também nos embrutece ao longo de nossas vidas, impedindo-nos de sermos seres realmente livres para ser o que for e ser tudo – livres dos preconceitos, dos estereótipos, dos estigmas, entre outros males. Portanto, como professores(as) ou cidadãos(ãs) comuns, não podemos mais nos silenciar se desejamos realmente ser considerados educadores e ser sujeitos de nossa própria história. Diante disso, como fazer nascer o professor que cuide da afirmação da dignidade do menino e da menina quilombola enquanto pessoas que possuem uma herança cultural bela e que são parte da infinita diversidade que constitui a riqueza do ser humano?
Entendemos que a formação desse professor é essencial, ela precisa ser antirracista, multicultural e focada na construção do cidadão e da cidadã que decifre as piscadelas do sistema opressor. Atentar para a composição multicultural e pluriétnica do povo brasileiro é condição essencial quando se tem por objetivo formar professores para o exercício da cidadania. A grande diferença na ação do professor na escola quilombola estaria, então, em substituir a transmissão de conhecimentos pela construção de conhecimentos e ampliação de saberes dessas comunidades negras rurais, que estariam referenciados na experiência do aluno enquanto agente social, cultural e político. Não há dúvida de que a escola tem um papel fundamental para os moradores dos
quilombos contemporâneos, mas eles desejam uma escola sua e uma comunidade onde suas diferenças sejam respeitadas (BRASIL, 2007), uma vez que não há como negar que o preconceito e a discriminação raciais constituem um problema de grande monta para a criança negra, visto que esta sofre direta e cotidianamente maus tratos, agressões e injustiças, os quais afetam a sua infância e comprometem todo o seu desenvolvimento intelectual. A escola e seus agentes, os profissionais da educação em geral, têm demonstrado omissão quanto ao dever de respeitar a diversidade racial e reconhecer com dignidade as Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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crianças e a juventude negra (BRASÍLIA, 2005, p. 12); portanto, está mais do que na hora de agirmos no sentido de mudar esse panorama.
O Marierrê como vetor educacional Verdadeiros celeiros da tradição africano-brasileira, os quilombos têm sua identidade preservada pela perpetuação de seus costumes e de suas tradições, repassados, ao longo dos séculos, pelos mais velhos aos mais novos. Por meio das histórias e de práticas seculares, repassam a memória de um povo. Suas lideranças exercem um papel transformador junto às comunidades, atuam politicamente em favor delas e estão engajadas em projetos sociais e culturais. Mantendo suas tradições, verificamos que é durante os rituais (como o Marierrê) que os valores que a comunidade considera essenciais se condensam e são reafirmados e renegociados, constituindo assim um currículo invisível, por intermédio do qual são transmitidas as normas do convívio comunitário. Para mim o Marierrê, além de ser uma festa tradicional de anos em nossa vila, ela celebra a fé, a união e o respeito que nós temos por nossa cultura. Então a gente como morador, tem que apoiar, a gente tem que participar, ninguém pode ficar de fora, a gente tem que estar presente em todos esses momentos e ajudando a contar a história da Vila do Carapajó (Mãe do Rei de 2018 e exrainha, 1995).
Nossa missão é fazer com que maior número possível de professores, em especial os da grande área da linguagem, possam enxergar esse currículo e suas poéticas de forma a trabalhálos em prol do direito ao exercício cultural, ao respeito às identidades e as diversidades, buscando maneiras de concretizá-lo. Mas concretizá-lo por meio de uma poética que emana do ser negro, de um lugar onde mulheres, homens, crianças, jovens e anciãos que nunca negaram sua pertença à negritude. Um chão onde vozes, corpos, instrumentos e gingas geram um rito que culmina na unidade cultural que performatiza a arte negra em sua pluralidade de expressões provenientes dos vários grupos de africanos trazidos para o Brasil. Uma poética como a afro-brasileira-Marierrê-quilombola que contesta equívocos
históricos, científico e culturais sobre o ser negro, e que transita entre estes dois polos: catolicismo e cultos africanos, nos quais as religiões afro-brasileiras e as artes a elas associadas se desenvolveram como espaço de mediação, de confluências e interpenetrações de ritos, liturgias e visões de mundo no qual o religioso e o artístico se fundem e se desdobram em múltiplas faces e soterram tais equívocos, ao passo que nos convidam a vislumbrar um sacerdote em reverência a uma rainha negra (Foto 2).
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Foto 2 – Coroação da Rainha Marierrê 2019
Fonte: Arquivo pessoal.
A imagem representa o momento maior do ritual Marierrê, é o ato de coroação da Rainha negra, realizado por um sacerdote católico, o que simboliza não só um hibridismo culturalreligioso, mas também a conquista de espaços onde os descendentes de escravos podem praticar livremente suas danças, seus ritos e tradições, antes soterrados ou silenciados pelos equívocos dos colonizadores e pelas falácias da sociedade atual. O soterramento dos equívocos e das falácias proferidas contra o afro-brasileiro pode ser muito mais positivo se intensificado no campo do ensino da linguagem, pois é aqui que temos desvalorizado as linguagens simbólicas em prol de uma linguagem verbal/padrão, homogênea e,
por meio dela, nós, professores, temos agido em sala de aula, de maneira geral, disseminando a ideologia do discurso social competente, que negativa o negro em seu falar, em seu agir, cujo ideal seria aquele e somente aquele que faz jus às normas hegemônicas. Quaisquer falas, danças, músicas, poesias, cultos religiosos, expressões de artes e cultura de forma geral, que fuja a esse “padrão clássico” é considerado errado, vulgar, blasfêmia, exótico, sem valor, conforme Fanon (2008). Bakhtin (1995) nos diz que “as línguas são ecumênicas” (por que não dizer que todas as linguagens também o são?), no entanto, não é fácil quebrar esse paradigma ideológico de linguagem e de ensino, ajustando as diferenças ao padrão das identidades linguísticas. Mas acreditamos que uma das funções do ser professor seja esta: buscar justamente evitar qualquer obscurecimento, menosprezo ou desqualificação nas práticas de uso da linguagem, principalmente na escola do campo, lugar profícuo para se propagar o conhecimento de que, em questões de cultura e linguagem não há lugar para desqualificação, reducionismo ou erro. É preciso empoderar os filhos e filhas quilombolas com outras competências e habilidades linguísticas conseguidas a partir da valorização de si, de suas próprias falas, dos seus cantos e rezas, suas danças e lutas, suas festas, sua arte e artesanato, confrontando-as com os conhecimentos expressos nos livros didáticos, nas obras da literatura oficial nacional e universal, Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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nos filmes, nas novelas, enfim para que esses meninos e meninas, homens e mulheres se percebam – a partir das linguagens que expressam com suas vozes e corpos – como sujeitos locais, mas também globais. A aprendizagem é a nossa própria vida. Desde criança até a velhice todos aprendemos coisas, de uma maneira ou de outra. O problema é que, no que tange à educação sistemática e global, muitos obstáculos bloqueiam o caminho tanto dos alunos quanto dos professores negros: interesses conflitantes entre Estado, sociedade e escola, e a ideologia racista e do capital submersa no currículo e nas ações, muitas vezes, disciplinadas e alienadas dos profissionais do ensino, conforme Veiga-Neto (2007). A nosso ver, é imprescindível enfrentar de modo mais consciente e seguro esse
disciplinamento invasivo de que fala Veiga-Neto (2007). Sabemos, graças a 20 anos de profissão, que professores e alunos são sujeitos marcados pela exploração e tentativa de dominação, mas também sabemos que para o enfrentamento para qual chamamos a atenção, é necessária uma sólida formação acadêmica; ou seja, não podemos tratar de questões que envolvam identidades, diferenças, cultura e linguagem em educação simplesmente como uma questão de tolerância e respeito para com a diversidade, mas como uma questão que envolve, fundamentalmente, relações de poder. Gostaria de argumentar, como Tomaz da Silva em favor de uma estratégia pedagógica e curricular de abordagem da identidade e da diferença que levasse em conta precisamente as contribuições da teoria cultural recente; nessa abordagem, a pedagogia e o currículo tratariam a identidade e a diferença como questões políticas. Uma política da identidade a da diferença tem a obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença, mas questioná-la para forjar o sujeito negro senhor de suas práticas discursivas. Isto é, um “eu negro” com discurso coletivo e plural, capaz de ser muitos em um só, que compreenda que as identidades são construídas dentro e não fora do discurso e que precisa fazer uso de seu discurso como produção histórica e institucional específica, consciente que ao fazê-lo, participa de um jogo que envolve poder e exclusão que determina o que pode ser dito, como dever ser dito, como pode ser esse dito e quem melhor diz.
Pelo viés do ensino prescritivo, dos modelos hegemônico e padrão, os alunos negros não têm sido sujeitos das suas linguagens, pois a língua que eles falam e a língua que lhes “ensinam” não é a mesma; as expressões de Arte usadas como exemplos do belo, da riqueza temática e marca do intelecto e do senso criativo, quase nunca fazem parte do repertório usual deles; as linguagens corporais, as teorias e práticas esportivas, as danças vivenciadas pelos filhos de comunidades tradicionais, geralmente, não são consideradas na ação docente.
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Logo, a posição discursiva e de qualquer outra linguagem dos sujeitos alunos da educação oficial que é aplicada no quilombo, aparentemente, é vazia, pois não se vê nas aulas diárias ou nos livros didáticos a dança do Siriá, o Samba-de-cacete e o Batuque como expressão da cultura negra quilombola. Já pelo viés das poéticas afro-brasileiras quilombolas, como as do Marierrê, o processo ensino-aprendizagem a ser praticado pelos professores precisa ser outro. Porque se você for olhar de janeiro a dezembro nós temos um ponto alto todos os meses, né, você passa por Janeiro, tá aí os fogos do São Sebastião. Fevereiro a gente tem o Carnaval, vem o entrudo que só se celebra aqui no Carapajó né. Mês de Junho nem se fala, quadrilha, boi brabo, banho de cheiro. Julho, Nossa Senhora do Carmo né. Outubro festa de São Benedito, meu Deus do céu... quem nunca viu o que é coisa bonita venha olhar o que é Outubro, (risos). Dezembro, Natal a nossa festa né, Marierrê... então quer dizer, o nosso povo é muito rico de Cultura (Fala da moradora D, negra, no dia 30 de março de 2019).
Os resultados poderão ser bem melhores se os objetos do conhecimento tratados e trabalhados nas aulas de linguagens forem extraídos dos diálogos cotidianos, das lendas, dos contos, das rezas, das festividades, da memória e das poéticas todas que compõem uma infinidade de gêneros ou discursos difusos no seio das comunidades quilombolas, produzidos pelos pais, avós, tios e pelos próprios alunos. Esses alunos se sentirão muito mais motivados e seguros de sua aprendizagem ao experimentarem uma educação, na qual eles se enxergam como atores principais (sendo reis e rainhas), pois são os seus atos de fala, as performances das suas várias linguagens poética e religiosa, que dariam, agora, forma às peças transmutadas em aulas. Os professores passarão a preencher o espaço vazio do sujeito quilombola, imputado a ele pela história da educação fundamentada na ideologia hegemônica, racista e predatória, que não permite ao negro, ao índio, ao caboclo enxergar suas identidades linguísticas, suas formas de arte e sua cultura corporal refletida nas aulas de linguagens, nos seus ritos, na sua cultura.
Em suma O Marierrê, na comunidade observada, produz uma poética afirmativa que subverte ideologias racistas, ritos religiosos cristãos e concepções sobre o ser negro, porque nessa manifestação cultural e religiosa é a criança e a ritualística quilombola que tem o papel principal, exercitada recorrendo à Poética que pode ser usada na educação como combate ao preconceito alastrado no decorrer de nossa história e arraigado em cada canto deste país. Sendo assim, depois de lançar um olhar epistemológico, mas também humano sobre o ser negro no quilombo, estamos convictos que nós, educadores(as) brasileiros(as), necessitamos urgentemente contemplar no interior das escolas a discussão acerca de uma educação para as relações étnicas no Brasil, para a diversidade cultural, para o fortalecimento Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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da memória das comunidades ancestrais e da identidade dos sujeitos negros quilombola.
Nessa linha, é preciso não só boa vontade, sensibilidade e boa formação dos profissionais da educação, mas também a elaboração de material didático-pedagógico antirracista e recursos auxiliares para que possamos ministrar aulas combatendo o preconceito e a discriminação raciais. Foi também com este propósito que experimentamos o Marierrê e sua poética, para entender, no campo das linguagens, a identidade negra, e senso de pertença étnica, a riqueza cultural; o combate ao racismo, à discriminação e ao etnocentrismo, a afirmação do ser negro. Mesmo o povo negro tendo na cultura uma das marcas de sua intelectualidade e civilidade que o tem feito ascender socialmente, ele necessita também da educação formal para
ascender de status. Como negro compreendo que sem educação formal dificilmente nosso povo poderá ascender socialmente, ou seja, obter mobilidade vertical individualmente ou coletivamente, numa sociedade em pleno processo de modernização, porém racista; insistimos, por isso, na construção de um ensino democrático que incorpore a história, a cultura, a religiosidade e a dignidade de todos os povos que participaram da construção do Brasil. No que tange a ações pedagógicas nas escolas quilombolas, elas devem se fundamentar em uma forte consciência de missão a cumprir – um desejo pedagógico de contribuir para que os afro-brasileiros quilombolas e outros brasileiros despertem a atenção para a necessidade de reverter os mecanismos étnico-segregadores utilizados pela sociedade e pela escola brasileira nas suas práticas e discursos. Nesse sentido, o Marierrê, nos convida a criar no quilombo um espaço de representação conexo e antagônico porque contestador das construções homogeneizadoras, um espaço em tempos onde se articulem diversos saberes, discursos e culturas que tornem privilegiada a interpretação do mundo, a partir de um ponto de vista e de um sujeito, antes cativo, sem voz e hoje livre, senhor de sua história e em constante ressignificação. O movimento negro no rito Marierrê é um educador, emprestando as palavras de Nilma Lino Gomes (2017), e propondo o Marierrê como um de seus atores políticos e também educador para atender as demandas de homens e mulheres negras que lutaram e lutam pela
superação do racismo e pela construção da emancipação social no Brasil e na diáspora africana. Vivemos, no momento em que escrevo este artigo, tempos de profundas mudanças econômicas, políticas e educacionais que ameaçam de morte a democracia no Brasil; tempos em que é necessário não baixar a guarda na luta em defesa dos movimentos sociais, das comunidades tradicionais, da emancipação social. Por isso é importante que a memória, a história e a cultura do índio, do negro e de outros grupos marginalizados, não se percam, ao contrário estejam sempre sendo reavivadas.Para
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Gomes (2017), foi e tem sido o movimento negro – para nós o Marierrê enquanto rito – o principal protagonista para as ações afirmativas se transformarem em questão social, política e acadêmica em nossa sociedade e em contextos como o quilombo hoje; esse movimento também seria o responsável por trazer a arte, a corporeidade, o cabelo crespo, as cores da África para o campo da estética, da beleza, do reconhecimento e da representatividade. No nosso entender, portanto, o Marierrê é conteúdo linguístico capaz de nos levar a compreensão de que nenhum significado pode ser determinado fora do contexto e que nenhum contexto permite saturação, isto é, contido, domesticado, pois assim como o sujeito terá sempre sua identidade em formação, o contexto e os interesses que o moldam são de ressignificações intermináveis.
A luta pela visibilidade dos negros e negras na cena artística e cultural continua, hoje conosco, ao trazermos à baila o Marierre do Rosário, oriundo da vila de Carapajó, município de Cametá-PA, como porto de ancoragem e base para uma educação quilombola, aos moldes das leis 10.639/03 e 12.288/10 (BRASIL, 2005), que institui o Estatuto da Igualdade Racial, respeitando as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação e das Relações Étnicos-Raciais, bem como as Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar Quilombola, pelo viés, porém de uma abordagem poética no entrecuzamento das várias linguagens. É tempo de o corpo docente do hipercampo das linguagens se mobilizar rumo à construção, no campo da educação afirmativa para o ser negro. Como pode alguém se afirmar em corpo físico, inteligência, cultura, religiosidade, com alegria, espontaneidade e arte, sendo ele negro num país em que o feio, o negativo, o mau é característica de negro? Nessas considerações que encaminham nossa conversa para o final queremos reafirmar que, para se combater o preconceito alastrado no decorrer de nossa história e arraigado em cada canto deste país é preciso difundir os saberes, a cultura, a expressão religiosa, a importância do ser negro e das populações quilombolas entre todos os brasileiros, pois se aprendemos é possível ensinar que, não sendo respeitado quanto à sua religiosidade e cultura, o negro carapajoense fez surgir o Marierrê, um rito, uma arte, um símbolo de renascimento de um povo que se reconstrói e transforma sofrimento em alegria partilhada.
Marierrê é um canto, é um grito, é um rito que emerge como um instrumento de resistência e emancipação via os festejos da cultura, da religiosidade negra, do choque de ambas com as tradições dos antigos senhores e dos resquícios da colonização. Logo, é necessário tornar esse canto, esse grito, esse rito instrumento de resistência e emancipação pelo viés da educação formal, que use como base os símbolos de nossa ancestralidade negra para firmar o senso de pertença da criança, do jovem, do homem e da mulher negra.
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O Universo Lobatiano na Literatura Infantil: O Que me Contas, Monteiro Lobato? Missilene Silva Barreto1
Resumo Este artigo visa à reflexão sobre as valiosas contribuições de Monteiro Lobato para a Literatura Infantil Brasileira; para isso, realizamos uma pesquisa de natureza qualitativa com revisão bibliográfica e análise da obra Memórias de Emília (LOBATO, 2007). Constatou-se que o escritor buscou criar uma literatura, possibilitando o público infantil a sonhar, a imaginar e a ampliar suas experiências culturais, bem como seus conhecimentos sobre a realidade. O autor derrubou as muralhas de uma literatura engessada e preocupada muito mais em transmitir ensinamentos moralizantes; assim, ousou abrir as portas para o imaginário infanto-juvenil (e por que não, adulto?) por meio de suas obras altamente fantásticas, mas também cheias de realismo, de sonhos, de ideais e de críticas.
Palavras-chave: Monteiro Lobato. Literatura Infantil Brasileira. Memórias da Emília.
Introdução O presente artigo tem como objetivo a realização de uma reflexão acerca das
contribuições de um notório escritor que ficou consagrado como o “pai” da Literatura Infantil Brasileira, por ter conseguido captar, com muita sensibilidade, a beleza do mundo da criança: Monteiro Lobato (1882-1948). O título de pai da literatura infantil brasileira, de acordo com Travassos (2013), tem uma explicação: Monteiro Lobato, mesmo antes de iniciar sua obra destinada ao público infantil, na segunda década do século XX, já se inquietava com o fato de as histórias lidas pelos pequenos leitores, no Brasil, serem quase todas importadas da Europa, retratando contextos totalmente distintos da realidade nacional. Além disso, quando essas obras estrangeiras chegavam ao nosso país, apresentavam-se em traduções portuguesas, provocando um determinado distanciamento dos falares brasileiros da época, o que, de certa forma, resultava em dificuldades ainda mais latentes no que diz respeito à leitura realizada pelas crianças. Dessa forma, o encantamento infantil encontrava obstáculos porque, talvez, a compreensão nem sempre fosse palpável, dados os choques contextuais, sociais, históricos e culturais. 1
Doutoranda em Letras, área de concentração em Linguística (PPGL/UFPA). Mestra em Letras (PROFLETRAS/ UFPA). Professora, integrante do quadro de formadores do Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará (CEFOR/SEDUC).
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Um outro aspecto importante a ser destacado é que a literatura infantil produzida naquele tempo estava muito mais preocupada em transmitir ensinamentos de cunho moral do que abrir as portas para a imaginação. Travassos (2013) ao fazer menção à Sandroni (1987), postula que os objetivos moralizantes daquela época tinham mais relevância do que os objetivos da literatura enquanto arte. Assim, incitar a emoção, o sentimento estético, o prazer e a fruição ficavam relegados a um segundo plano ou deixados de lado. Talvez, por isso, também, o encantamento infantil fosse mais escasso, já que brincar, sonhar, imaginar, criar, inventar, eram quase sempre banidos das histórias. É a partir desse cenário que Lobato, escritor de livro para adultos, editor e jornalista, sedento de uma literatura infantil agradável que servisse seus próprios filhos, lança seu primeiro livro voltado ao público infantil – A Menina do Narizinho Arrebitado – e nessa obra inaugural, de
1920, ensaia algumas das características que mudariam os rumos da literatura infantil brasileira. Assim, Lobato diferenciou e inovou a literatura destinada ao público mirim porque buscou uma linguagem coloquial com “sabor de Brasil” e, desse modo, aos poucos, criou uma literatura na qual a criança foi possibilitada a sonhar, imaginar e ampliar suas experiências culturais, bem como seus conhecimentos sobre a realidade. “Nas páginas da obra infantil lobatiana, a criança é livre para brincar, inventar, trocar ideias e tirar suas próprias conclusões a respeito dos mais variados temas e contextos” (TRAVASSOS, 2013, p. 12).
Quem é Monteiro Lobato? Monteiro Lobato é considerado por grandes pesquisadores da área literária o escritor que revolucionou a literatura infantil no Brasil. Com seus personagens marcantes do sítio do Picapau Amarelo conquistou muitos leitores na sua época. Quem nunca ouviu falar da Emília, a boneca de pano falante? Narizinho? Dona Benta? E tantos outros. Há quem diga que nem precisaria ler as obras para conhecer tais personalidades tão divertidas. Essa grande popularidade dos personagens lobatianos acabou rendendo a merecida notoriedade do escritor brasileiro. Corroborando essa ideia, Zilberman (2005) afirma que um escritor consegue alcançar um
patamar de respeito em seu meio, quando, de certa forma, promove a fama de seus personagens, fazendo-os viver independentemente de seu criador, e foi exatamente isso que ocorreu com Monteiro Lobato; seja por meio dos livros ou não, certamente muitas pessoas conhecem o elenco marcante de sua obra. Isso se deu, claro, pela criatividade e originalidade com que Lobato escrevia. Ainda de acordo com Zilberman (2005), Lobato utilizou uma sistemática que contribuiu muito para isso: sempre trabalhou com os mesmos personagens. Sua produção girava em torno de novas aventuras em que seus personagens encarnavam um espírito aventureiro, vivenciando Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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muitas aventuras fantásticas que mexiam com a imaginação da garotada. Além disso, Lobato se utilizou da figura infantil – Pedrinho e Narizinho – e de personagens que imitavam o comportamento infantil, como é o caso dos bonecos Emília e Visconde que fazem parte desse universo; tal estratégia aproxima os universos, fazendo com que o leitor mirim se interesse pela leitura devido a essa identificação imediata. A autora também explica que os seres das obras lobatianas são dotados de inteligência e uma certa independência que lhes dá ampla liberdade para agir, pensar e resolver problemas. Dona Benta, por exemplo, é aquela que acolhe, conta, lê e ensina aos netos sem o autoritarismo do professor; compartilha do conhecimento oral e filosófico e ensina com afetividade e com paciência de avó.
Já o Visconde é a personificação do saber científico; a voz racional, mas não enfadonha ou mesmo séria da ciência. Por meio de sua voz, o saber científico se mistura ao universo lúdico e imaginário das crianças. A boneca Emília e sua “torneirinha de asneiras”, por sua vez, é curiosa, inquieta e contestadora; assume uma postura-chave nas histórias, pois sendo dona de si, não lhe cabe ser só um brinquedo de criança e nem assumir um papel secundário, do contrário, assume a liderança nas aventuras, tem poder de decisão, é proativa, mas tem coração. A esses personagens, soma-se o universo ficcional que Lobato deu ao sítio, indo muito além de um ambiente rural, tornando-o um espaço mágico, onde qualquer parte do mundo cabe, seja real ou imaginado – um lugar para se viver e fantasiar o conhecimento. Lobato tratou de preencher as lacunas do ensino criando ficções onde a informação se somava à aventura, onde o dogmatismo era substituído pela experimentação e conceitos abstratos eram transformados em vivências concretas (SILVA, 2009, p. 105).
Ainda quanto aos personagens, As crianças, representadas pelos seres humanos, Pedrinho e Narizinho, e pelos bonecos, Emília e Visconde, são figuras inseridas na vida brasileira, o que lhes confere autenticidade e nacionalidade, (...) integram-se aos problemas do país, reagem às dificuldades de seu e nosso tempo, o que mais uma vez facilita a aproximação entre as personagens e o leitor (ZILBERMAN, 2005, p. 24).
Desse modo, é possível perceber também, que as histórias escritas por Lobato não giravam (ou giram) apenas em torno do fantástico, da magia ou da imaginação, mas de assuntos/temas reais, presentes verdadeiramente na vida das pessoas. Talvez essas peculiaridades das obras não pareçam tão relevantes para as crianças ainda, porém, certamente, é um fator elementar para justificar o encantamento de um público leitor mais experiente: os adultos. Travassos (2013), em sua dissertação de mestrado, corrobora que as inovações que Lobato trouxe para sua literatura infantil foram muitas, mas talvez uma das marcas mais Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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importantes tenha sido exatamente essa aproximação que o autor estabeleceu entre o real e o imaginário; no Sítio não há fronteiras entre esses dois mundos. Suas personagens recebem a visita de personagens de outras histórias, viajam no tempo e no espaço, animais falam, bonecos ganham vida e tudo passa a fazer parte do mesmo universo. Entretanto, dentro de toda essa fantasia, Lobato, com maestria, incorporou assuntos de grande relevância social do Brasil da época. O escritor procurava retratar por meio da imagem do sítio de Dona Benta, como o país é. Por outro lado, não deixava de cogitar também como o país poderia ser. “(...) o escritor foi (...) um ferrenho crítico das mazelas nacionais; mas nunca deixou de colocar o país no centro de seu pensamento, procurando verificar o que era melhor para a população” (ZILBERMAN, 2005, p. 30).
Travassos (2013) expõe também que Lobato tinha essa facilidade de aproximar o real do imaginário, possivelmente pelo fato de se corresponder com a criançada que lia seus livros. A título de exemplo, transcrevemos abaixo trechos de algumas cartas enviadas por leitores mirins a Lobato: Fiquei muito triste no fim. Por que a menina não se casou com o príncipe? (Nené Ramos). Até sonhei com tanta coisa engraçada. Por que não disse no fim que não era sonho? Eu queria que não fosse sonho (Eduardinho Costa) (TRAVASSOS, 2013, p. 92).
Tais depoimentos dizem respeito ao livro A Menina do Narizinho Arrebitado, produzido ao
longo dos anos 1920, e que em 1931 teve suas histórias reelaboradas e reunidas no livro Reinações de Narizinho (LOBATO, 1931); a partir disso, o escritor foi compreendendo que no universo infantil, realidade e fantasia caminham juntas, por isso, ao reelaborar o primeiro livro, Monteiro Lobato desfaz as fronteiras que separavam esses dois universos. Ainda de acordo com Travassos (2013), o autor, ao rever a obra A Menina do Narizinho Arrebitado para transformá-la no episódio inicial do novo livro, optou pela fantasia desejada pelas crianças que lhes escreviam. Assim sendo, a personagem Narizinho não foi mais despertada de um sonho, a boneca Emília continua viva e falante e tudo o que acontecera no Reino das Águas Claras é aceito por todos do Sítio do Picapau Amarelo como parte do real.
Cabe atentarmos também, para o fato tratado por Zilberman (2005) acerca da atitude corajosa assumida por Monteiro Lobato ao escrever suas obras, denunciando e criticando o sistema governamental. O autor produziu diversas obras no período em que o Brasil vivia um regime ditatorial (época de punições duras, represálias contra quem ousasse ir de encontro com tais ideais), contudo, não deixou de apontar as falhas da época, bem como a criar um modelo do que poderia ser, se não um país ideal, pelo menos um país bem melhor do que era ou é. Foi assim que Lobato criou o sítio: dentro de um “regime ideal para viver e residir (...) modelo para outras nações” (ZILBERMAN, 2005, p. 32). Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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Já Silva (2009, p. 103), ao se referir a Lobato, é taxativa dizendo que: “Pode-se afirmar com segurança e sem exagero: a nossa literatura infantil não seria o que é se não tivesse existido um homem chamado Monteiro Lobato”; isso porque, segundo a pesquisadora, a leitura produzida por ele respinga cheiro de infância para muita gente que teve, na aurora da vida, o prazer de debruçar-se sobre a obra do autor, capacitando-se a lançarem-se mundo a fora, modificados, transformados pelo espírito crítico e nonsense que Lobato impregnava em seus textos. Numa época em que os livros para crianças sofriam do discurso pedagógico e moralizante, artisticamente empobrecido, em que o espaço para a experiência, para a troca e para as interações entre texto e leitor pressupunha uma criança com pouca liberdade de expressão e que deveria ser obediente aos preceitos pedagógicos de então, a produção
lobatiana surge como um brinquedo lúdico cuja diversão, entretenimento e criatividade se coadunam e efervescem o mundo da leitura fora dos muros da escola. Dessa forma, Lobato subvertia a lógica escolar, na qual as leituras vinham em seletas e com discurso ingênuo, desmerecendo o próprio caráter curioso e de descobrimento que permeia a infância; as leituras da sua obra eram (e são) muito mais que válvulas de escape da ideologia do cativo, em que se lê, implicitamente, que educar é podar. O que ocorria, entretanto, era que as leituras além dos muros escolares, aquelas feitas por prazer eram mais fortes que a cultura fossilizada nos livros escolares e ganhava vida e respirava liberdade entre os pequenos, nas vozes de amas de leite, avós e pais. Lobato, então, compreende essa lógica e cria seu universo mágico, onde a criança é vista como parte desse mundo; portanto, o universo lobatiano envolve a cultura mágica do encantamento que tanto atrai as crianças, mas sem diminuir a importância do aprendizado. É por essa razão, acreditamos, que a produção bibliográfica de Lobato coroou o fascínio da criança pelo mundo da leitura durante décadas e se mantém atualíssima nos dias contemporâneos quando a leitura de um bom livro compete com tantos atrativos midiáticos contemporâneos.
Emília e suas memórias Quem nunca ouviu falar da boneca de pano mais intrigante que já existiu? Ontem, hoje e sempre, Emília, criação de Monteiro Lobato, se eterniza em nossas memórias; ela conquistou e continua conquistando não só o público infantil, mas o adulto também, já que, de certo modo, é uma espécie de porta-voz da sociedade, por sua personalidade forte, crítica e sincera, e com essa personalidade, a marquesa de rabicó, como gosta de ser chamada, parece ter ganhado vida própria. Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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Conforme Pina (2011), Emília por ser uma boneca, vem representar uma concretização ficcional do lúdico em confronto com um mundo adulto. Isso justifica o fato de essa personagem não precisar, necessariamente, enquadrar-se nas relações familiares comuns e em suas injunções; daí ela poder dar livre curso aos seus comportamentos, atitudes, posturas tão irreverentes que a caracterizam. Em Memórias da Emília, livro que foi publicado pela primeira vez em 1936, Lobato traz a história das supostas memórias de sua personagem mais irreverente. Nessa obra, vamos comentar um pouco das aventuras vividas e inventadas por Emília, inventadas sim, pois como ela própria afirma: “- Minhas memórias são diferentes de todas as outras. Eu conto o que houve e o que devia haver” (LOBATO, 2007, p. 83).
Acioli (2014), em seu livro Emília uma biografia não autorizada da Marquesa de Rabicó, discute alguns pontos interessantes sobre a existência dessa boneca falante. Segundo a pesquisadora, Emília sempre teve vontade de escrever sobre ela mesma e isso ficou evidente na visita que fez a Macau com a turma do Sítio; lá, a boneca expressou seu desejo de ter uma gruta, assim como Camões, para que ela pudesse escrever suas memórias. Memórias da Emília (LOBATO, 2007) está dividido em quinze pequenos capítulos, todos intitulados; a obra apresenta uma espécie de introdução cujo título é “O jeito Emiliano de pensar”, dessa forma, o leitor já é levado a deduzir que o que será lido é abordado de forma irreverente, crítico e até mesmo “malcriado”, já que a personalidade da boneca Emília é exatamente assim: diz o que pensa e não teme críticas. O primeiro parágrafo é iniciado com as seguintes palavras: “Todo mundo concorda com a importância de recordar os fatos da vida. Sem isso não saberíamos quase nada sobre o passado da humanidade” (LOBATO, 2007, p. 9). Nesse trecho, o narrador mostra ao leitor a importância de se relatar o que acontece no decorrer de nossa vida, pois são por meio desses relatos que vamos conhecendo a história, a cultura e os costumes de um povo. “Emília resolve escrever suas memórias. As dificuldades do começo”, usando esse título, dá-se início às aventuras de Emília. A boneca resolve compor suas memórias da maneira mais inusitada possível, uma vez que memórias, geralmente, são produzidas após a morte, como
coloca Dona Benta: “uma pessoa só pode escrever memória depois que morre...” (LOBATO, 2007, p. 12). Mas, Emília parece não ligar para essa regra e mais uma vez, transgride os domínios da lógica habitual ao responder a Dona Benta: “O escrevedor de memórias vai escrevendo, até sentir que o dia da morte vem vindo. Então pára; deixa o finalzinho sem acabar. Morre sossegado” (LOBATO, 2007, p. 12). Nesse ponto da narrativa, conforme Debus (2011), já é possível perceber uma contestação do próprio gênero memorialístico que aparece como norteador da história; isso
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permite compreender que Monteiro Lobato era mesmo um transgressor das regras habituais, não só no sentido da criação de seus personagens e suas ações, mas no sentido da própria concepção de suas produções, buscando desprender-se de determinadas regras impostas. Ao dar prosseguimento à narrativa, Dona Benta e Emília discutem a respeito do que seria verdade e o que seria mentira; a boneca parte do pressuposto de que os autores de memórias mentem para que elas fiquem mais interessantes e conclui que “verdade é uma espécie de mentira bem pregada, das que ninguém desconfia. Só isso” (Lobato, 2007, p. 13). Na fala de Emília é possível perceber uma crítica à sociedade como um todo, baseada em mentiras e interesses, tão comuns na época quanto o são hoje. Ainda no início da produção de suas memórias, a boneca se vê diante das dificuldades do
começo, mostrando o quão difícil é começar uma escrita. Aqui, notamos a metalinguagem, trazendo para a discussão os procedimentos da escrita, o que mostra a preocupação com a materialidade do impresso. “Emília preparou-se para ditar. Tossiu. Cuspiu e engasgou, não sabia como começar”; “Isso de começar não é fácil” (LOBATO, 2007, p. 13;14). Para resolver a situação e atender aos seus caprichos, Emília convoca Visconde de Sabugosa como seu escriba, pois não queria cansar suas mãozinhas. A princípio, Visconde escrevia sob a orientação da boneca, no entanto, no decorrer da escrita, ela deixa a produção por conta do sabugo, enquanto vai conversar com Quindim. Visconde, por sua vez a questiona e lhe diz: “- Mas assim as Memórias ficam minhas e não suas, Emília” (LOBATO, 2007, p 17). Nesse instante, percebemos a esperteza da boneca, que segundo ela própria aprendeu com os homens na Terra: - Perfeitamente, Visconde! Isso é que é importante. Fazer coisas com a mão dos outros, ganhar dinheiro com o trabalho dos outros, pegar nome e fama com a cabeça dos outros: isso é que é saber fazer a coisas. Ganhar dinheiro com o trabalho da gente, ganhar nome e fama com a cabeça da gente é não saber fazer as coisas. Olhe, Visconde, eu estou no mundo dos homens há pouco tempo, mas já aprendi viver. Aprendi o grande segredo dos homens na terra: a esperteza (...) (LOBATO, 2007, p. 63-64).
A esperteza de Emília é considerada fora dos padrões morais, uma vez que é desonesto o que a boneca propõe. No entanto, isso não é próprio de sua personalidade, ela apenas reproduz aquilo que aprendeu com os humanos. Essa foi a forma que Lobato encontrou para denunciar e criticar certos comportamentos sociais imorais da época. O humor de Lobato leva o leitor a refletir e perceber a verdadeira condição humana velada pela prática capitalista e individualista do ter sempre mais, dar um “jeitinho”, a esperteza emiliana pela exploração do mais fraco, a possibilidade de tomar do outro o que lhe é proveitoso (DEBUS, 2011, p. 109).
Um aspecto importante também, destacado por Debus (2011), é o fato de Lobato se utilizar de uma espécie de estratégia comercial para divulgar seus títulos anteriores dentro das novas narrativas; isso é percebido quando Visconde seleciona a história do anjinho de asa Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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quebrada e relata ao leitor as peripécias realizadas na Viagem ao Céu, de onde trouxeram a figura celestial. É o que podemos perceber no trecho: “As crianças que leram as Reinações de Narizinho com certeza também leram a Viagem ao Céu, aonde vêm contadas as aventuras dos netos de Dona Benta, da Emília e também as minhas no país dos astros”. (LOBATO, 2007, p.18). No terceiro capítulo é narrada a visita de crianças do mundo real ao Sítio. Como já mencionado anteriormente, isso não é novidade na obra de Monteiro Lobato; nesse episódio acontece uma escolha democrática do grupo de crianças (dentre crianças de todo o mundo) que visitaria o sítio. No caso, quem consegue, primeiramente a honra são as crianças da Inglaterra. De acordo com Debus (2011), por trás desse episódio de escolha democrática entre os
governantes de países diversos (Alemanha, Itália, Etiópia, Japão, EUA e Inglaterra), podemos ler a ironia de Lobato, uma vez que, historicamente, isso não poderia acontecer, haja vista que a Alemanha nazista, sob o comando de Hitler, vivia uma ditadura, bem como a Itália fascista de Mussolini que, em 1936, conquista, à força, a Etiópia. Outro ponto também relevante na obra é a inversão de papéis provocada pela boneca e pelas crianças, Pedrinho e Narizinho. Por um lado, tem-se o Visconde fingindo ser o anjinho, ocorrendo desse modo, a vulgarização do divino ao ser travestido com uma camisola de Emília e asas de gavião polvilhadas com farinha de trigo. Por outro lado, aparece o Almirante Brown como refém no sítio. Assim, tem-se o celestial (anjo) e o poder (almirante) rebaixados de suas posições. É certo que dentro das aventuras narradas em Memórias da Emília (LOBATO, 2007) podemos perceber, além do lado fantástico da obra, o que provoca muita diversão no leitor, que Lobato aproveita também para tratar de vários assuntos, alguns já comentados acima. Dentre os que não foram mencionados ainda, citamos: a valorização do nacional e a visão preconceituosa de quem vem de fora. Nota-se a importância do nacional quando Emília mostra à Alice (do País das Maravilhas) o valor do sítio: a personagem inglesa dizia à boneca que o país europeu era mais atrativo, porém foi convencida por Emília e pelos encantos do sítio do quanto nossas terras são também belas e interessantes. - Uma casa velha, estas árvores tortas por aqui, aquele leitão lá longe nos espiando – então isso lá é morada digna de um anjinho caído do céu? Os anjos querem nuvens bem redondas. Se o levássemos para Londres, haveríamos de dar-lhe um palácio de cristal cheio de nuvens de ouro – ouro fofo bem macio (LOBATO, 2007, 34) Estou mudando de opinião, Emília. Estou achando que esse sítio de Dona Benta é ainda mais gostoso que o nosso Kensington Garden lá de Londres... (LOBATO, 2007, p. 38).
O preconceito racial é outro assunto que, atualmente, tem-se tornado polêmico. Há os casos em que Emília transmite certas ideias com esse teor ao nosso ver contemporâneo, porém, Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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essa perspectiva precisa ser inserida no universo ideológico daquela época (1936), basta fazer um paralelo entre os comportamentos daquela época com os de hoje. Essas perspectivas – ideologicamente aceitáveis ou não – podem ser usadas para mostrar aos leitores hodiernos a historicidade e a efemeridade das ideias. No que se refere à ascensão do cinema, temos aí um ponto marcante na obra; ocorre como se fosse uma novidade, e assim o era. O próprio Monteiro Lobato estava empolgado e quis, a todo custo, levar essa novidade a seu público leitor, dessa forma, o autor, “dialoga com esse gênero introduzindo personagens da fábrica de sonhos nas memórias de Emília. A inserção desses personagens, bem como do diretor da Companhia cinematográfica Paramount, multiplica o espaço do maravilhoso” (DEBUS, 2011, p. 111).
Cabe-nos ainda ressaltar, em concordância com Debus (2011), que Lobato, ao produzir as memórias da boneca Emília, o faz relacionando-a com as memórias do próprio Sítio, ou melhor, com a memória de sua própria produção literária para crianças, pois enumera, ao longo da narrativa, seus outros livros escritos até ali: Peter Pan (1930), Reinações de Narizinho (1931), Viagem ao Céu (1932), Emília no país da gramática (1934), Aritmética da Emília (1935) Geografia de Dona Benta (1935), aquele que seria publicado no mesmo ano de 1936 Dom Quixote das Crianças), e suas traduções Alice no País das Maravilhas (1931), Alice através do espelho (1961) e Robinson Crusoé (1931). No último capítulo, Emília procura se justificar, fazendo um discurso autoconsciente. O reconhecimento de seus erros pode ser entendido como uma estratégia de autodefesa do próprio Monteiro Lobato com relação a insensibilidade, as “má-criações” da boneca, principalmente, a respeito do preconceito étnico-racial na representação de Tia Nastácia. Notamos, portanto, que o estilo lobatiano de promover a literatura para o mundo infantil não é algo ingênuo, desprovido de um caráter social, reflexivo e crítico; além de toda criatividade, diversão e aberturas para a imaginação infantil, traz em suas histórias uma gama de conhecimento (de variados assuntos), dando-nos a oportunidade de expandirmos o nosso olhar para os fatos ocorridos a nossa volta de forma mais consciente, inteligente e crítica.
Considerações Finais De tudo até aqui discutido, fica para nós a certeza de que realmente Monteiro Lobato foi um grande colaborador para a literatura infantil brasileira. Sua sensibilidade e sua disposição para transformar algo que lhe inquietava rendeu-lhe o título muito merecido de “pai” dessa literatura. Nesse sentido, o autor derrubou as muralhas de uma literatura engessada, preocupada muito mais em transmitir ensinamentos moralizantes, ousando abrir as portas para o imaginário infanto-juvenil (e adulto) por meio de suas obras fabulosas, todavia cheias de Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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realismo, sonhos, ideais e críticas.
Compreendemos que na obra de Monteiro Lobato encontraremos sempre a criança inserida cultural e socialmente no mundo, ora com maior liberdade para criar, ora mais associada à ideia de receber conhecimentos, porém, não sem interrogá-los. Imaginar, brincar e aprender são experiências que andam juntas na criação lobatiana (TRAVASSOS, 2013) e isso é um diferencial que faz dele quem o é. Quanto à breve análise da obra Memórias da Emília (LOBATO, 2007), a intenção não foi esgotar as possibilidades de compreensão e de interpretação dessa obra, mas de levantar alguns pontos importantes que chamou a atenção ao nos debruçarmos na sua leitura. Ao lê-la pudemos, de fato, constatar o encantamento, a diversão, a união do mágico e do imaginário com
o real e o tom forte, inteligente, corajoso e crítico de Monteiro Lobato.
Referências ACIOLI, Socorro. Emília: uma biografia não autorizada da marquesa de Rabicó. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014. LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo: Brasiliense, 1931. LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. São Paulo: Editora Globo, 2007. DEBUS, Eliane Santana Dias. Memórias de Emília, de Monteiro Lobato: uma reflexão sobre a linguagem. In.: GREGORIN FILHO, José Nicolau; PINA, Patrícia Kátia da Costa; MICHELLI, Regina Silva. (Orgs.) A Literatura infantil e juvenil hoje: múltiplos olhares, diversas leituras. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2011, p. 90-119. Disponível em: http://www.dialogarts.uerj.br/ arquivos /a_literatura_infantil_e_juvenil_hoje.pdf. Acesso em: 20 de junho de 2016. PINA, Patrícia Kátia da Costa. Narizinho e Emília: Representações de cenas de leitura e construção do perfil da leitora novecentista na obra infantil de Monteiro Lobato. In.: GREGORIN FILHO, José Nicolau; PINA, Patrícia Kátia da Costa; MICHELLI, Regina Silva. (Orgs.) A Literatura infantil e juvenil hoje: múltiplos olhares, diversas leituras. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2011,
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TRAVASSOS, Sônia. Lobato, infância e leitura: a obra infantil de Monteiro Lobato em diálogo com crianças na escola da atualidade. 2013, 238f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação. Rio de Janeiro: 2013. Disponível em: http://www.educa cao.ufrj.br/dsoniat.pdf. Acesso em: 23 de junho de 2016 ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a Literatura Infantil Brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
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Libras na Perspectiva Semiótica: processos de significação na representação de sinais em apostilas de curso de LIBRAS Paulo Sérgio da Silva Lira1
Resumo Nos cursos de Libras como segunda língua para ouvintes, o material didático impresso ainda é muito utilizado mesmo diante de tantas mídias disponíveis. Por se tratar de uma língua gestual-visual que exige clareza em suas representações em imagens, os sinais representados em desenhos nas apostilas precisam ser bem elaborados para que quem visualize possa compreender e articular o sinal de forma correta. Em muitos casos isso não acontece por falta de compreensão dessas imagens e desenhos. Para tanto, esse estudo foi realizado objetivando analisar o que dificulta a compreensão das imagens relacionadas aos sinais em apostila de ensino de Libras como L2 para ouvinte; identificar os aspectos gráficos nas imagens que contribuem para tais dificuldades e verificar os parâmetros da Libras nas imagens de representação. Quanto a metodologia, foi realizado uma pesquisa bibliográfica e análise de conteúdo envolvendo os parâmetros da Libras com as autoras Quadros e Karnopp (2004), a semiótica social com as autoras Gualberto e Pimenta (2019) e material didático com a autora Denise Bandeira (2009), para posterior análise de três imagens de sinais em duas apostilas impressas de curso de Libras para ouvintes. Os sinais, que em sua articulação envolvem o parâmetro movimento, são os que mais apresentam confusões nas representações em imagens através de vetores confusos que não elucidam o direcionamento. O parâmetro expressão facial que é responsável para emitir emoções e sentimentos também, em alguns casos, aparecem com expressão neutra. Para garantir a boa compreensão dos sinais impressos em apostilas, o produtor, antes do planejamento, deve ter conhecimentos em Libras, seus parâmetros e utilizar dos mais variados recursos semióticos relacionados ao contexto para dar o significado almejado e garantir, dessa forma, o bom aprendizado da Libras.
Palavras-chave: Imagens. Libras. Semiótica.
Introdução Nos cursos de Libras como L2 para ouvintes é comum a utilização de apostilas como material didático no processo de ensino-aprendizagem, e a Libras por ser uma língua gestualvisual, seus sinais são formados por uma combinação do movimento das mãos com um formato em um determinado local, sendo desta forma, representada nas apostilas por imagens através
de desenhos e vetores. No processo de aquisição da Libras como segunda língua para ouvintes são verificadas dificuldades na compreensão de sinais representados em apostilas. Os aprendizes ouvintes quando se deparam com um sinal impresso desconhecido, necessitam compreender com
1
Licenciado em Pedagogia na Universidade Federal do Pará (UFPA), Professor de Atendimento Educacional Especializado (AEE), lotado na E.E.E.M Antônio Brasil, no município de Tomé Açu. email: paulo.lira@escola.seduc.pa.gov.br.
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clareza a imagem para uma correta articulação dos sinais na prática comunicacional em língua de sinais. Neste contexto, o referido trabalho foi idealizado a partir da inquietação relacionada a falta de compreensão de imagens de sinais em apostilas de ensino de Libras como L2 para ouvinte, surgindo assim alguns questionamentos como: Quais as maiores dificuldades nas interpretações de sinais em desenhos de imagem nas apostilas de Libras como L2 para ouvinte? Quais os aspectos gráficos nessas imagens que contribuem para essas dificuldades? É possível identificar os parâmetros da Libras nas imagens de representação nessas apostilas? A metodologia utilizada para responder às questões levantadas no artigo objetivou analisar as dificuldades de interpretação de sinais nas imagens em duas apostilas de ensino de
Libras como L2 para ouvinte, utilizadas em cursos de Libras no município de Tomé-Açu/Pa. Para tanto, foram abordadas três áreas de pesquisas que envolvem essas temáticas para análises e resultados, a saber, o primeiro são os parâmetros da Libras que são unidades mínimas e quando articuladas entre si dão sentido a um sinal; nessa área utilizou-se embasamentos teóricos de Quadros e Karnopp (2004), que discutem os parâmetros da Libras no livro “Língua de Sinais Brasileira: um estudo linguístico”. A segunda área de pesquisa foi a semiótica social baseado nos estudos de Gualberto e Pimenta (2019), na obra “Semiótica Social, Multimodalidade, Análises, Discursos”. A terceira e última área de pesquisa se refere ao material didático com referência aos estudos de Denise Bandeira (2009), no livro “Materiais didáticos”.
Vale ressaltar que o referido trabalho de pesquisa é de grande relevância para os critérios que devem ser considerados na confecção de apostilas impressas para cursos de Libras como L2 para ouvinte, ou na escolha adequada para uma utilização que venha de fato atender o propósito do ensino. O trabalho em sua organização tem seu primeiro subtítulo “a contribuição paramétrica da Libras” subdividido nos cinco parâmetros (configuração de mão, ponto de articulação, movimento, orientação da palma da mão e expressão corporal e facial). O segundo subtítulo “semiótica social” fala sobre os elementos que dão sentido ao texto. O terceiro subtítulo “material didático: apostila” aborda os métodos para sua confecção. Esses três subtítulos tem o propósito
de dar respaldo ao autor, após a metodologia, fazer as análises no subtítulo “resultado” e as considerações finais.
Contribuição paramétrica da Libras A Lei Federal de número 10.434/2002 garantiu o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como língua oficial dos surdos no Brasil, mas os conceitos linguísticos da língua Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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de sinais começaram no ano de 1960, pois antes disso não sabíamos que a língua de sinais se compunham de partes menores assim como as línguas orais, conhecidas linguisticamente como fonemas, as quais isoladamente não expressam sentidos. Foi o americano Willian Stokoe, linguista pesquisador da American Sign Language ou ASL, em português Língua de Sinais Americano, que comprovou na década de 60 que os sinais se dividem em três partes menores, ou seja, em parâmetros como reforça (PEDROSA, 2018 apud Frydrych 2013): [...] foi então que Stokoe notou que para cada sinal realizado a mão assumia uma determinada forma, chamada por ele de Configuração de Mão (C.F), posteriormente observou que os sinais são realizados em determinada parte do corpo ou em um espaço neutro, passando a ser chamado de Ponto de Articulação (P.A) e por fim, os sinais poderiam vir ou não acompanhados de Movimento (M). Eis então os parâmetros primários da língua de Sinais (PEDROSA, 2018, apud FRYDRYCH, 2013, p. 21).
Essas descobertas de Stokoe foram propulsoras para que a língua de sinais fosse reconhecida linguisticamente, isso contribuiu para novos olhares a esse campo de estudo, despertando interesses em outros pesquisadores como Battison (1974) e Friedman (1975) que acrescentaram os parâmetros Orientação da Palma da Mão (Or) e Expressão facial ou corporal (E), ficando desta forma, cinco parâmetros da língua de sinais. Todos esses parâmetros são de grande importância para a língua de sinais, pois caso algum desses seja articulado incorretamente, o significado do sinal pode ser alterado, dificultando dessa forma, a compreensão da comunicação. No Brasil, a partir da década de 80, estudiosos pesquisadores como Lucinda Ferreira Brito, aborda a questão dos parâmetros da Libras em seu livro “Por uma Gramática de Língua de Sinais” divulgado no ano de 1990. No capítulo 12 desta obra, a autora, em parceria com Langevin trata da transcrição das Línguas de Sinais e reafirmam que os parâmetros (configuração de mão, ponto de articulação, movimento e orientação) são clássicos na descrição dos sinais e que para ocorrer um movimento tem que haver um objeto e um espaço. Também os autores comentam sobre o setting ou espaço em que é realizado os sinais com três eixos que são os três graus de liberdade para o movimento no espaço, localizados na parte da frenteatrás, da esquerda-direita e em cima-embaixo de quem articula os sinais. No início dos anos 2000, surgem outros pesquisadores linguistas como Ronice Muller de Quadros e Lodenir Becker Karnopp com a obra “Língua de Sinais Brasileira: Estudos Linguísticos”. No segundo capítulo deste livro as autoras apresentam um estudo sobre a fonologia das línguas de sinais em que fazem abordagem sobre os parâmetros da língua de sinais brasileira. De acordo com os estudos dessas autoras, conheceremos a seguir, cada um desses componentes e sua relevância para a Libras.
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Configuração de mão (CM) São as diferentes formas que as mãos assumem no momento da articulação do sinal. Conforme Ferreira-Brito, a língua de sinais brasileiras apresenta 46 CMs, um sistema bastante similar àqueles da ASL, embora nem todas as línguas de sinais partilhem o mesmo inventário de CMs. Para a autora, as CMs da língua de sinais brasileira foram descritas a partir de dados coletados nas principais capitais brasileiras [...]. (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 53).
Esse parâmetro é de grande importância porque caso a mão assuma configuração equivocada, pode alterar o significado do sinal dificultando o entendimento de quem está recebendo a informação. Atualmente, pesquisas em andamento apontam mais de 46 configurações de mãos da
Libras, contudo, o mais importante aqui é frisar que essas configurações devem assumir um posicionamento claro e correto em conformidade ao sinal que se pretende articular.
Ponto de articulação (PA) É o local onde será articulado o sinal. Esse local pode ser tocado no corpo ou afastado, o que chamamos de espaço neutro. Dessa forma, segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 57), “Na língua de sinais brasileira, assim como em outras línguas de sinais até o momento investigadas, o espaço de enunciação é uma área que contém todos os pontos dentro do raio de alcance das
mãos em que os sinais são articulados”. Neste parâmetro o sinal deve ser articulado em determinado local em conformidade com o sinal que pretende expressar. Em muitos casos, a mesma configuração de mão articulada em locais diferentes, alteram o significado do sinal.
Movimento (M) Existem alguns sinais que não envolvem movimentos em sua articulação, outros contêm
algum tipo de movimento. Este parâmetro se refere aos sinais que compõem movimentos, os quais geralmente trazem vetores nas imagens de representação para orientar o movimento que as mãos irão fazer (linear, circular, simultânea ou alternadas) e sua direção (para cima, para baixo, esquerda, direita, para frente e para trás).
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Orientação da palma da mão (Or) Este parâmetro trata da posição que a palma da mão assume na articulação, determinando diferentes sentidos ao significado do sinal. Por definição, orientação é a direção para a qual a palma da mão aponta na produção do sinal. Ferreira-Brito (1995, p. 41), na língua de sinais brasileira, e Marentette (1995, p. 204), na ASL, enumeram seis tipos de orientações da palma da mão na língua de sinais brasileira: para cima, para baixo, para o corpo, para a frente, para a direita, ou para esquerda. (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 59).
Em muitos casos, o sinal tem a mesma configuração de mão, mesmo ponto de articulação e mesmo movimento, porém a orientação da palma da mão é que determina o significado do sinal.
Expressão facial e corporal Também chamado por Quadros e Karnopp (2004) de expressão não-manuais, esse parâmetro é relacionado às expressões que envolvem os olhares, linguagens corporais, expressões faciais dentre outros que demonstram emoções como surpresa, espantos, tristeza, alegria para dar significado ao que pretende dizer. As expressões não manuais (movimento da face, dos olhos, da cabeça ou do tronco) prestam-se a dois papéis nas línguas de sinais: marcação de construções sintáticas e diferenciação de itens lexicais. As expressões não-manuais que tem função sintática marcam sentenças interrogativas sim-não, interrogativa, orações relativas, topicalizações, concordância e focos, [...] (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 60).
A Libras por ser uma língua gestual visual, exige clareza nas conexões simbólicas entre a imagem e seu significado para uma boa captação e percepção visual dos sinais articulados em consonância com seu verdadeiro significado na enunciação. É necessário então que haja uma correta exploração dos parâmetros envolvendo os aspectos mais observáveis aos abstratos para uma correta descrição visual na formação das palavras, frases, orações e seu significado dentro de um contexto. Ao contrário disso, qualquer modificação em um único parâmetro pode alterar completamente o significado do sinal.
Semiótica Social Pesquisas e registros históricos relatam que a semiótica teve sua origem na Grécia Antiga, porém se desenvolveu no início do século XX com a contribuição de pesquisadores como Charles Peirce (1839 – 19214), conhecido como “papa da semiótica” e Ferdinand de Saussure (1857 – 1913) filósofo conhecido como “pai da linguística”.
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A teoria da semiótica se preocupa com a construção de significados na comunicação, procurando compreender a relação entre o texto escrito e todos os elementos que o envolvem para dar um sentido como imagem, signos, sinais e símbolos. De acordo com a teoria, esses elementos representam algum tipo de significado para nós seres humanos envolvendo toda essa linguagem verbal e não verbal. Neste sentido, a semiótica procura compreender como o ser humano interpreta as coisas levando em consideração o ambiente que o envolve e como atribui significado a tudo que está ao seu redor “pois em todo processo de signos ficam marcas deixadas pela história, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas econômicas, pela técnica e pelo sujeito que as produzem” (SANTAELLA, 2005).
Nessa perspectiva, a semiótica social também chamada de sociossemiótica é uma vertente da semiótica em que sua abordagem investiga técnicas humanas de dar significado em circunstância social e cultural, buscando explicar a criação desses significados a partir das práticas sociais. Enquanto a semiótica é originalmente determinada conforme Saussure (1975, p.24) como “a ciência da vida dos sinais em sociedade”, a semiótica social se amplia sobre as ideias de Saussure explorando as implicações de que os códigos de linguagem e comunicação são formados por processos sociais. A semiótica social tem como objetivo “[...] entender a dimensão social do significado, sua produção, interpretação e circulação, e suas implicações” (JEWITT; BEZEMER; O’HALLORAN, 2016, p. 58). Percebemos, no entanto, que esse estudo abrange dimensões sociais do significado assim como o poder dos processos de significação e interpretação das pessoas na sua formação como indivíduo em uma sociedade. A semiótica social é centrada nas práticas sociais de criação de significados diversos como verbais, visuais ou gestuais. Na produção de texto deve-se criar signos em que seu sentido deve levar em consideração o público-alvo, utilizando-se dos mais variados elementos da semiótica para alcançar o objetivo da mensagem que deseja transmitir, pois todos os textos possuem modos de construir significados nas variadas situações de comunicação. “Modos são recursos semióticos socialmente enquadrados e culturalmente dados para produzir significado” (KRESS, 2010 apud SANTOS; PIMENTA, 2014, p. 303). Os modos semióticos são elementos como escrita, imagem, desenhos, cores, números, dentre outros que contribuem para dar sentido a um texto. A semiótica social concebe esses modos como formas semióticas carregados de significados, conforme versam Gualberto e Pimenta (2019): Assim, a Semiótica Social, preconizada por Hodge e Kress (1988), se configura como uma proposta para entender processos de comunicação, considerando a diversidade de modos semióticos (cores, tipografia, imagens etc.) que podem estar presentes nos textos. Tal publicação possibilitou estudos posteriores, como Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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os de Kress (1997, 2003, 2010), Pimenta (2006), Bezemer e Kress (2015), Gualberto e Kress (2019), van Leeuwen (2005) e muitos outros, que vêm ampliando as proposições constantes em Hodge e Kress (1988). (GUALBERTO; PIMENTA, 2019, p. 19).
Nesse viés, Kress e Van Leeuwen (2006) enfatizam que o signo (aquilo que representa alguma coisa para alguém) é determinado a partir dos interesses dos agentes sociais e do contexto em questão “sob o nosso olhar o signo nunca é arbitrário, e a ‘motivação’ deve ser formulada na relação entre o criador do signo e o contexto que cada signo é produzido” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p. 83). O signo é carregado de significado dentro de um contexto social específico envolvendo questões sociais, culturais e históricas. Neste sentido, a semiótica social se atenta para o processo de produção de significado como os elementos usados nessa construção, os agentes sociais responsáveis e o contexto em
que esses significados estão inseridos. Os signos: [...] são organizados em textos, como complexos de signos – um conjunto de elementos coerentes dentre de entidades textuais coerentes, estabelecendo um entrelaçamento, uma cadência entre vários signos utilizados numa interação social, um conjunto multimodal. Nessas configurações, percebemos a integração de diversos modos, na comunicação contemporânea, usando seus recursos materiais e conceituais na produção e orquestração de significados (GUALBERTO; SANTOS, 2019, p. 8).
Portanto, a semiótica social concebe os signos como elementos que dão significados para além da língua propriamente dita. Esses signos estão atrelados aos aspectos histórico, social e cultural. Na construção de significados de um texto a semiótica social não vê somente a
linguagem escrita, mas todo o conjunto de modos selecionados que o produtor utilizou naquela interação em um contexto específico para garantir o propósito da comunicação.
Material Didático: Apostila Nos cursos educacionais, o material didático é um instrumento pedagógico que serve como apoio e orientação ao cursista. Ele é um manual de instrução dos assuntos que serão abordados no decorrer dos cursos incluindo sugestões de leituras complementares, resumos de conteúdo, imagens, desenhos, dentre outros para facilitar a compreensão dos assuntos
abordados. Em sua confecção, o material didático deve ser muito bem selecionado, adequando-se ao contexto e as necessidades educacionais, deve também instigar o interesse do aluno ao assunto tratado. Portanto, para Denise Bandeira (2009): O tipo de material didático a ser utilizado na educação formal e informal dependerá das condições de oferta e finalidades do curso, da proposta pedagógica, do rol de disciplinas, da duração e da carga-horária, do público-alvo, da combinação possível das tecnologias etc. As possibilidades de combinação e interação entre os vários tipos de material didático e mídias deverão ser Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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analisadas durante a concepção do curso e antes da produção do material didático[...] (BANDEIRA, 2009, p. 26).
A autora enfatiza além dos critérios para elaboração de um material didático, a possível combinação com a tecnologia, ou seja, um suporte para o aprimoramento do material. Para a autora, a escolha e produção do material didático depende muito da finalidade educativa, dos objetivos que se pretende atingir com o material junto ao público-alvo. Assim, o material didático, conjunto de textos, imagens e de recursos, ao ser concebido com a finalidade educativa, implica na escolha de um suporte, impresso ou audiovisual. No entanto, cada época exibe um conjunto de técnicas, do papiro aos meios digitais no século XXI, estas mudanças revolucionaram a escrita, a produção e a difusão do livro [...] (BANDEIRA, 2009, p. 15).
Na apostila, seus conteúdos devem dar suporte ao desenvolvimento das competências e habilidades almejadas no planejamento de formulação. A linguagem utilizada nesse material deve ser clara com suportes de imagens, desenhos, alternativas com material de apoio em mídias, entre outros para garantir um bom aprendizado ao público-alvo sobre o conteúdo em questão. Na educação formal cada vez mais se oferecem combinações de material didático impresso tanto para docentes como para discentes. A formulação de uma coleção didática para o ensino formal deverá incluir material impresso diversificado e, também, prever como atender às expectativas do professor em sala de aula e as necessidades do aluno em suas atividades escolares e domiciliares. (BANDEIRA, 2009, p. 21).
Diante do exposto, na elaboração de material didático apostila, deve-se fazer um planejamento em que seu produtor deve pensar no perfil do público a ser atingido, recursos alternativos para suporte adicional ao material, clareza nos textos, possibilidades do uso desse material, sua metodologia, objetivos de aprendizagem, estrutura do conteúdo, elementos visuais, atividades, avaliação e o contexto em que esse material será utilizado. Com esses aspectos o curso ganha maiores possibilidades de atender as necessidades dos estudantes.
Metodologia O artigo elaborado, trabalhou com analise de conteúdo, com o tipo de pesquisa
bibliográfica, de abordagem qualitativa em livros para embasamento teórico que envolve a temática. As obras trabalhadas foram: “Língua de Sinais Brasileira: Um estudo linguístico” das autoras Quadros e Karnopp (2004), que abordam no segundo capítulo, os parâmetros da Libra; “Semiótica Social, Multimodalidade, Análises, Discursos” de Clarice Gualberto e Sônia Pimenta (2019), que discutem no primeiro capítulo, a semiótica social; por último “Materiais didáticos” de Denise Bandeira (2009), que fala sobre os conceitos e elaboração no primeiro capítulo da obra. A partir da pesquisa e leitura dos materiais anteriormente mencionados, foi realizada uma explanação qualitativa sobre os referidos temas para análises e discussões de três imagens em Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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duas apostilas utilizadas em cursos de Libras para ouvinte no município de Tomé-Açu/Pa. Com isso, por meio das leituras, análises e discursões a pesquisa mostrou resultados que respondem aos questionamentos apresentados na problemática à luz dos referenciais teóricos utilizados no artigo.
Resultados Nesta seção será feito análises do autor, a partir do referencial teórico, sobre três imagens de apostilas de curso de Libras para ouvinte, destacando os aspectos que interferem na interpretação desses sinais. Figura 1 - Sinal do mês junho.
Fonte: APOSTILA (2015).
Na imagem é apresentado o sinal do mês “junho”, podemos observar que o entendimento fica confuso, pois as setas que aparecem, dão ideia de que o movimento é feito apenas para cima, enquanto que o movimento apresentado pelas mãos e braços são opostos, ou seja, as setas estão em desconformidade com os movimentos desenhados. Gualberto e Santos (2019), enfatizam a importância da utilização de modos semióticos para dar mais significados aos textos. Para materializar signos, utilizamos modos semióticos, que são formas materiais para a produção de sentido, socialmente constituídas. Assim, voltamos às noções de interesse e escolha, pois, no processo de produção de textos, orquestramos modos semióticos que apresentam maior potencial de significação (affordances) para aquilo que queremos expressar (GUALBERTO e SANTOS, 2019, p. 19).
Por se tratar de sinais em Libras, o visual da imagem deve ser claro para boa percepção de sua articulação. Para essa boa percepção, os modos semióticos devem ser explorados para dar esse suporte. O referido desenho poderia ser colocado em três momentos separados e em sequência, assim ficaria mais claro o movimento do sinal e as setas teriam melhores espaços Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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para indicar com maior clareza o movimento.
Para facilitar também o contexto em que o sinal é apresentado, é fundamental a expressão facial, chamada por Quadros e Karnopp (2004), expressões não manuais. Embora o sinal de mês junho seja feito com a expressão facial neutra, é interessante que os olhos, nariz e boca sejam apresentados na imagem para contribuir no entendimento do sinal (Figura 2). Figura 2 – Sinal de desconto.
Fonte: INSTITUTO IEPA (2018).
Embora o produtor tenha usado a estratégia de representar o sinal com a pessoa de lado para maior entendimento, a articulação ficou confusa devido a carência de seta legível para
definir o direcionamento do movimento. Para quem tem conhecimento prévio do sinal, a imagem e o nome do sinal escrito em português abaixo trazem signos que facilitam essa compreensão, porém, para quem ainda não conhece o sinal, a imagem deve trazer todo suporte para garantir a percepção visual correta do que se pretende transmitir. [...] tais traços referem-se ao tipo, direcionalidade, maneira e frequência do movimento. Assim, Ferreira Brito (1990) menciona que o movimento pode estar nas mãos, pulsos e antebraços; os movimentos direcionais podem ser unidirecionais, bidirecionais ou multidirecionais; a maneira é a categoria que descreve a qualidade, a tensão e a velocidade do movimento; a frequência referese ao número de repetição de um movimento [...] (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 55).
Portanto, observa-se que na imagem o produtor desenhou uma seta entre os braços da pessoa para dar direcionalidade e determinar o movimento, o que ocorre é que além de ilegível, a seta ficou em um local que se confunde com o próprio desenho, deixando dessa forma, dúvidas para compreender a direcionalidade do movimento. Neste caso, a seta como recurso semiótico colocada fora do desenho, ao lado esquerdo, daria mais legibilidade e compreensão ao sina (Figura 3)
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Figura 3 – Sinal de promoção.
Fonte: INSTITUTO IEPA (2018).
Nessa imagem, a seta ficou sobreposta a imagem do sinal, dificultando a visualização do movimento e a orientação que a palma da mão faz na articulação. O nome “PROMOÇÃO” colocado abaixo da imagem, apresenta-se como um recurso semiótico para dar maior significado à imagem, pois para um aluno ouvinte, a palavra promoção remete a ideia de baixa de preço, com isso pode-se ter a compreensão de que o direcionamento do sinal se dá de cima para baixo. O que fica confuso neste desenho é o movimento que o antebraço e mão fazem na articulação, pois a seta apresentada remete à ideia de movimento sinuoso para baixo, enquanto que o movimento deste sinal é baixando diretamente o antebraço fazendo rotação do mesmo
com as mãos abertas. Gualberto e Santos (2019), reforçam a importância de um olhar multimodal na produção de texto: Nessas relações, encontramos o foco da Semiótica Social, teoria que ampara os capítulos deste livro. A partir dela, olhamos para os textos considerando o caráter multimodal, ou seja, a complexa interação entre os (multi) modos – palavras, cores, imagens, sons etc. Se uma palavra é escrita, ela tem forma, traço, tamanho, cor, espessura, margem, direção e ocupa certa posição no local em que foi escrita (ou digitada). (GUALBERTO e SANTOS, 2019, p. 11).
Por este viés, na imagem analisada, pode-se colocar mais elementos para dar maiores elucidações no entendimento do sinal. A imagem poderia ser desenhada em dois momentos: primeiramente fazendo o sinal de dinheiro com a mão fechada e apenas o indicador e polegar friccionando; em segundo momento, outro desenho com o antebraço descendo fazendo rotação com a mão aberta, neste último a seta ao invés de ser sinuosa, passaria ser apenas indicando rotação do antebraço.
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Conclusão A presente pesquisa objetivou analisar o que dificulta a compreensão das imagens relacionadas aos sinais em apostila de ensino de Libras como L2 para ouvinte; verificar a presença dos parâmetros da Libras no mesmo, assim como identificar quais aspectos gráficos contribuem para tais dificuldades. A princípio, pode-se afirmar que na produção de apostilas para cursos de Libras para alunos ouvintes, o produtor além de elaborar um bom planejamento que envolva objetivos, metodologias, público alvo e recursos, também deve ter conhecimento em Língua Brasileira de Sinais (Libras) para entender a importância e a boa visualização dos parâmetros nas imagens em apostilas e assim utilizar recursos semióticos na produção que facilite a compreensão dos
sinais e garanta dessa forma, o bom entendimento dos desenhos e consequentemente dos sinais apresentados nas imagens. Através das análises, percebeu-se que uma das maiores dificuldades na interpretação de sinais nas imagens estão relacionadas aos sinais que envolvem o parâmetro movimento, pois quando um sinal envolve movimento é expressado em imagem, esse desenho necessita de elementos semióticos para elucidar esse efeito. Verificou-se a utilização de vetores (setas) e tracinhos no formato das mãos e braços desenhados repetitivamente expressando movimento. Quando esses elementos (vetores e tracinhos) ficam ilegíveis na imagem ou não expressam corretamente a direcionalidade do movimento, acabam confundindo quem visualiza. Foi possível identificar os parâmetros nas imagens analisadas com observações ao parâmetro movimento já mencionado anteriormente, e na expressão facial que é de grande relevância para dar sentido às emoções que na maioria das imagens das apostilas pesquisadas apresentaram expressões neutras. Através dos resultados, pode-se afirmar que para uma boa interpretação de sinais em Libras através de imagens, o desenho deve estar bem legível, mostrando com clareza os parâmetros que envolvam o sinal e a utilização de recursos semióticos para dar o significado almejado naquele contexto.
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Educação Inclusiva e Deficiência visual: Historicidade e Contemporaneidade Ana Ruth Silva Campos1
Resumo O presente artigo traz como eixo temático “Educação e Inclusão” e como tema: “A educação inclusiva e deficiência visual: historicidade e contemporaneidade”. A inclusão se faz especial porque favorece a diversidade no contexto escolar, garante a aprendizagem de todos os alunos. Nesse contexto, o artigo apresenta um panorama histórico da Educação Especial e Inclusiva, destacando o ensino para alunos com deficiência visual. O artigo tem como categoria de trabalho a revisão de literatura e no que se refere aos procedimentos metodológicos, caracterizou-se como uma pesquisa qualitativa, de natureza bibliográfica, por meio da leitura e análise de trabalhos publicados a partir de livros, artigos e fontes eletrônicas que abordam o tema proposto. Como resultado da pesquisa, concluiu-se que o contexto escolar deve ser um lugar de oportunidades onde o educando com deficiência visual (DV) possa usufruir de recursos e adequar as suas necessidades, a fim de que passe por novas experiências em sala de aula, utilizando da linguagem que lhe é conhecida, o braile. Ficou claro que não basta apenas inserir o deficiente visual na escola regular é preciso oferecer-lhes todas as possibilidades de integrá-los plenamente ao contexto escolar.
Palavras-chave: Alunos. Educação Inclusiva. Deficiência visual.
Introdução É na escola que todas as pessoas têm acesso ao conhecimento e desenvolvimento de suas habilidades. E isso não pode ser diferente para pessoas com deficiência visual. Nesse contexto, o presente artigo trouxe como tema: “A educação inclusiva e deficiência visual: historicidade e contemporaneidade”. Assim, para que todos tenham o mesmo direito de aprender é preciso compreender as necessidades específicas de cada aluno, e quando se trata de alunos com necessidades educativas especiais, é necessário buscar meios e mecanismos que atendam o perfil individual
de cada um. Diante disso, o artigo problematiza no que se refere ao paradigma da educação especial e inclusiva, quais os caminhos percorridos até a contemporaneidade? Como se constituiu o ensino para alunos com deficiência visual (DV)? Quais dificuldades e possibilidades para o processo de inclusão dos alunos com DV nas salas de aulas comum? 1
Licenciatura em Letras- Universidade Estadual do Maranhão; Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira - Faculdade FINON. Vinculada a Escola Estadual de Ensino Médio Prof.ª Ernestina SP. Maia. Professora de Português. E- mail: anaruth4617@outlook.com – Celular: (91) 984380566.
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Teve-se como objetivo geral apresentar a partir de recortes históricos e contemporâneos, um breve
panorama sobre a educação inclusiva
e a deficiência visual, destacando as
dificuldades e as possibilidades para efetivação de um trabalho docente alinhado aos princípios de uma educação justa e equitativa. A relevância da pesquisa se justifica pelo fato de contribuir com o conhecimento dos educadores e da comunidade escolar acerca da inclusão dos alunos com deficiência visual. Assim, para a escolha do tema levou-se em consideração as mudanças ocorridas nos últimos anos na educação, a política de acessibilidade e inclusão social surgiu visando a inserção dos alunos com necessidades educativas especiais no contexto escolar, porém, não basta apenas facilitar o acesso destes estudantes à escola, é preciso proporcionar aos professores formação continuada, no caso dos alunos com deficiência visual, a formação em braile é fundamental. Metodologicamente o estudo caracterizou-se por meio de uma pesquisa bibliográfica, qualitativa e descritiva, constituída pela análise de artigos, livros, revistas, documentos impressos ou eletrônicos. “A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL 2002, p. 44). A coleta de dados foi realizada nas plataformas Google Acadêmico e Scielo. Foram selecionados artigos científicos, dissertações e trabalhos de conclusão de curso. As pesquisas foram filtradas de acordo com o objetivo e a correspondente afinidade temática. Em seguida, foi feito leituras e fichamentos dos artigos selecionados, para em seguida a montagem do presente artigo. Diante disso, constituiu-se o referencial teórico subdividido em seções iniciando com um breve relato sobre a educação especial e inclusiva, em seguida descreveu-se sobre a deficiência visual, logo após, abordou-se um breve histórico da educação inclusiva com foco na deficiência visual no contexto escolar.
Educação especial e inclusiva A Educação Especial e Inclusiva constitui-se, uma proposta pedagógica que assegura recursos e serviços para apoiar e complementar serviços educacionais comuns. Essa
concepção percorreu um longo caminho até “firmar-se” no espaço escolar, os primeiros registros de que se tem notícia sobre o atendimento prestado as pessoas com deficiência datam do final do século XVIII, quando estes eram internados em orfanatos, manicômios, prisões e outros tipos de instituições, juntamente com delinquente, idosos e pedintes, ou seja, eram excluídos do convívio social por causa da discriminação que então vigorava contra pessoas diferentes (BERGAMO, 2009). A despeito disso, Fernandes (2007), afirma que a Educação Especial e Inclusiva é definida na LDB nº 9394 como uma modalidade de educação escolar. No documento de Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica, promulgado pela resolução CNE nº 02/2001, define-se: Art. 3º - Por educação especial, modalidade da educação escolar, entende-se um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica (BRASIL, 2001, n.p).
Assim, as escolas devem acolher todas as crianças, jovens e adultos com alguma necessidade educativa especial, as mesmas devem ter assegurado o seu direito de aprender no ensino regular, na série correspondente à sua faixa etária.
Deficiência Visual A deficiência visual está dividida entre a cegueira e a baixa visão, que pode ser congênita ou adquirida. As causas de origem congênita podem ser diversas, tais como retinite pigmentosa, glaucoma e catarata congênita (BRASIL, 2001). Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, considera a deficiência visual como: [...] cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60°; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores (BRASIL, 2004, p. 14).
No caso das pessoas com baixa visão estas apresentam “desde condições de indicar projeção de luz até o grau em que a redução da acuidade visual interfere ou limita seu desempenho” (BRASIL, 2001, p. 34). Diante disso, pode-se inferir conforme Brasil (2001) que no contexto educacional o desenvolvimento do aluno com baixa visão acontecerá por meio de recursos específicos a sua
limitação, ou seja,
recursos visuais ampliados. Em se tratando de pessoas cegas
apresentam “desde ausência total de visão até a perda da projeção de luz”. O processo de ensino-aprendizagem será por meio dos outros sentidos (tato, audição, olfato, paladar), e também utilizando o sistema Braille.
Breve histórico da inclusão educacional O início da inclusão foi marcado com forte rejeição, discriminação e preconceito. Na
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antiguidade, período histórico iniciado com as mais antigas civilizações e que se estendeu até a queda do Império Romano do Ocidente (século V), apenas as pessoas nobres detinham o poder social, político e econômico. “O corpo perfeito e forte para guerrear, a beleza física, a capacidade retórica para proferir discursos filosóficos, eram aspectos que valorizavam algumas pessoas e conferiam-lhes a cidadania nessa sociedade” (FERNANDES, 2007, p. 38). No período citado acima, as pessoas com deficiência severa e moderada eram tratadas e mantidas isoladamente pela sociedade, estes indivíduos na maioria das vezes contavam somente com o apoio da família. A falta de conhecimento sobre as deficiências fazia com que essas pessoas fossem marginalizadas, ignoradas. Não existia o termo inclusão, assim, pessoas com diferente deficiência, classe social, raça, não podiam frequentar a escola, por serem vistos como aqueles que não tinham condições sociais mínimas para isso. Segundo Fernandes (2007) havia a interpretação de que essas pessoas eram escolhidas por Cristo e predestinadas para o “dom da cura”. Cegos, por exemplo, eram tidos como pessoas abençoadas com o poder sobrenatural dos profetas para a vidência. De acordo com pesquisas, pode-se dizer que o advento da inclusão educacional se deu em 1854, visto que: Já se tinha no Brasil em 1854 a Educação Especial com a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, denominado atualmente Instituto Benjamin Constant, já três anos depois surge o Instituto dos Surdos Mudo, hoje chamado de Instituto Nacional da Educação dos Surdos, ambos localizados no Rio de Janeiro”. Já em meados do século XX, exatamente no ano de 1926, foi fundado “o Instituto Pestalozzi, voltado ao atendimento especializado às pessoas com deficiência mental e na década de 50 é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE” (GAVA, 2012, p. 22).
Até o século XX as pessoas com deficiências eram rotuladas e isoladas em instituições especiais, não se acreditava ser possível que pessoas com deficiência auditiva, surdez, deficiência visual, cegueira, deficiência física, dentre outras, concluíssem o ensino infantil, fundamental e médio com um grau de aprendizagem aceitável (SOUSA, 2012) . No início do século XXI, de acordo com os estudos de Mazzotta (2005), é possível destacar três atitudes sociais que marcaram o desenvolvimento da Educação Especial no tratamento dado às pessoas com necessidades especiais: -Marginalização: atitudes de total descrença na capacidade de pessoas com deficiência, o que gera uma completa omissão da sociedade na organização de serviços para esse grupo da população. -Assistencialismo: atitudes marcadas por um sentido filantrópico, paternalista e humanitário, que buscavam apenas dar proteção às pessoas com deficiência, permanecendo a descrença no potencial destes indivíduos. -Educação/reabilitação: atitudes de crença nas possibilidades de mudança e desenvolvimento das pessoas com deficiência e em decorrência disso, a preocupação com a organização de serviços educacionais (MAZZOTTA 2005 apud FRIAS E MENEZES 2008, p. 5). Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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Além dessas três atitudes sociais destacadas por Mazzotta (2005), para explicar o processo de inclusão/integração educacional Sassaki (2006) situa quatro fases: - Fase de Exclusão: período em que não havia nenhuma preocupação ou atenção especial com as pessoas deficientes ou com necessidades especiais. Eram rejeitadas e ignoradas pela sociedade. - Fase da Segregação Institucional: neste período, as pessoas com necessidades especiais eram afastadas de suas famílias e recebiam atendimentos em instituições religiosas ou filantrópicas. Foi nessa fase que surgiram as primeiras escolas especiais e centros de reabilitação. - Fase da Integração: algumas pessoas com necessidades especiais eram encaminhadas às escolas regulares, classes especiais e salas de recursos, após passarem por testes de inteligência. Os alunos eram preparados para adaptar-se à sociedade. - Fase de Inclusão: todas as pessoas com necessidades especiais devem ser inseridas em classes comuns, sendo que os ambientes físicos e os procedimentos educativos é que devem ser adaptados aos alunos, conforme suas necessidades e especificidades (SASSAKI 2006 apud FRIAS 2008, p. 5).
Após essas fases que representaram o início para inclusão escolar, no ano de 1957 representando também a inclusão desses alunos, a Campanha de Educação do Surdo Brasileiro (CESB) criada pelo “Decreto Federal nº42. 728, sendo sua organização e execução descritas na Portaria Ministerial nº114, de 21 de março de 1958, com o lema de atender aos portadores de necessidades especiais” (GAVA, 2012, p.22). Na década de 60 que, “pais e parentes de pessoas deficientes vislumbraram a possibilidade da integração de seus filhos junto aos demais alunos de escolas regulares,” com o
advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, Lei nº 4.024/61), que aponta o direito dos “excepcionais” à educação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino” (GAVA, 2012, p.22). Nos anos 90, inicia a Conferência Mundial de Educação para todos na Tailândia, sendo implementado e complementado na Espanha, em 1994, por meio da Declaração de Salamanca, que trouxe como objetivo maior a inclusão em escolas regulares, visando combater atitudes discriminatórias, tendo como princípio orientador de que “as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras” (BRASIL, 2006, p.330). Conforme Rosa (2008, p.04) o Brasil avançou na política pública de inclusão social, no sentido de garantir acesso a todos aos bancos escolares, “mas o que não está sendo pensado é na qualidade do que vai ser oferecido a estes alunos e no preparo dos professores que atenderão a esta clientela”. Assim: Uma nova ética se impõe, conferindo toda a igualdade de valor, igualdade de direitos particularmente aos de equidade e a necessidade de superação de qualquer forma de discriminação por questões étnicas, socioeconômicas, de gênero, de classes sociais ou de peculiaridades individuais mais diferenciadas. Os Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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movimentos sociais em prol dos direitos humanos muito contribuíram para a ressignificação dos sistemas educacionais e do papel das escolas. Em vez de seletividade que as tem caracterizado, penalizando inúmeros alunos com ou sem deficiência ou superdotação (CARVALHO 2004, p.34).
Nesse contexto, os profissionais que atuam com a educação especial necessitam ter conhecimento dos processos da aprendizagem, assim como aspectos relativos às diferentes etapas do desenvolvimento humano. Conhecer as diferentes necessidades educativas especiais. Nesse contexto incluir não é só respeitar as diferenças, tem-se que adaptar metodologias onde se possa não só transmitir conhecimentos, mas, avaliá-los visando o aproveitamento de cada aluno. Visto que: A partir do movimento de inclusão, começam a ocorrer possibilidades de convivência na heterogeneidade dentro da escola que abrem múltiplas oportunidades de aprendizado, não somente para os alunos, como também para os professores, que, geralmente, em se tratando dos especialistas de áreas curriculares específicas, não tiveram em sua formação pedagógica disciplinas que contemplassem conteúdos de educação especial. Em contato com alunos com deficiência, os professores de arte vão percebendo a necessidade de prover recursos ou atenção especial para o atendimento das especificidades de cada aluno no campo da linguagem, motricidade, mobilidade, acesso ao conhecimento e produção artística (REILY, 2010, p. 86).
Contudo, para que se tenha possibilidades de convivência na heterogeneidade dentro da escola com foco na educação inclusiva, é preciso que o professor conheça
a educação
especial, que se especialize no caso de alunos com deficiência visual em braille, para que o
aluno com deficiência visual possa se sentir acolhido, e tenha uma aula com qualidade. A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no contexto escolar não começou hoje, vem desde a criação da LDBEN, Lei nº 4.024/61, onde a partir dessa lei teve-se um ensino igualitário nas escolas, um ensino onde começou a se respeitar as diferenças, sejam sociais, econômicas, física, motora, independe de qual seja. E dentro desse contexto vem contribuindo para que esses alunos deficiente visuais possam através do contexto escolar, realizar trocas e experiências com os outros alunos. É importante esclarecer que foi a partir da Declaração de Salamanca que se iniciou a inclusão nas escolas, as mesmas começaram a se adaptar para receber alunos com diferentes
necessidades especiais. Atualmente quase todas as escolas são inclusas, entretanto, uma minoria ainda está se adaptando.
O deficiente visual no contexto escolar da inclusão Os primeiros registros sobre a inclusão do deficiente visual (DV) no contexto escolar são do século XVI : Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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Com Girolínia Cardono – médico italiano – que testou a possibilidade de algum aprendizado de leitura através do tato. Peter Pontamus, Fleming (cego) e o padre Lara Terzi escreveram os primeiros livros sobre a educação das pessoas cegas. 27 A partir de então, as ideias difundidas vão ganhando força até que, no Séc. XVIII, 1784, surge em Paris, criada por Valentin Haüy, a primeira escola para cegos: Instituto Real dos Jovens Cegos. Nela Haüy exercita sua invenção – um sistema de leitura em alto relevo com letras em caracteres comuns. No Séc. XIX, proliferaram na Europa e nos Estados Unidos escolas com a mesma proposta educacional. Um novo sistema com caracteres em relevo para escrita e leitura de cegos é desenvolvido por Louis Braille e tornado público em 1825 – o Sistema Braille. Assim, o processo de ensino aprendizagem das pessoas cegas deslancha, possibilitando-lhes maior participação social (BRASIL, 2001, p.26-27).
Em 1822, Charles Barbier de La Serre, criou outro sistema de sinais, feito em relevo, que serviu como base para o Braille. E em 1829, em primeira versão e aprimorada em 1837, Louis Braille (1809-1852) criou “o sistema Braille (Figura 1) que obteve seu nome, oferecendo aos cegos a possibilidade de ter ao seu alcance todo alfabeto de leitura táctil decodificado pelo deficiente visual” (MAZZOTA, 2001, p. 12) Figura 1: Alfabeto Braille
Fonte: CUNHA, 2015, p. 46
Charles Barbier, que era oficial do exército, fez o trabalho inicial criando um código militar, com 12 caracteres, utilizado na comunicação noturna entre soldados franceses durante a guerra. Louis Braille, então, fez as modificações que considerou necessárias, dando novas proporções à invenção, e criou assim o sistema Braille, em que duas colunas de três pontos formam a cela Braille. “As diferentes combinações desses pontos permitem a formação de 63 símbolos Braille” (LEMOS, 1999 apud CUNHA, 2015, p.46). Diante desse contexto, Ribeiro (2017) discorre que os alunos com DV, devem estar
inclusos no sistema regular de ensino, atendendo aos princípios da educação inclusiva, e de uma escola para todos. Para Brasil (2001, p. 98 apud RIBEIRO, 2017, p.08), a inclusão do aluno com DV nas classes comuns de ensino “deve ser um processo preferencial, com possibilidade de progresso, êxito e condições de desenvolvimento da aprendizagem”. Cabe ainda salientar que precisa de uma “organização com várias propostas de trabalho e especificidades à pessoa humana, visto que, a inclusão escolar ainda enfrenta muitas barreiras para que possa atingir a educação como direito de todos” (BRASIL, 2001 apud RIBEIRO, 2017, p.08 Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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Nesse âmbito, é importante que as escolas se adaptem às necessidades específicas de seus alunos, buscando não apenas a “aceitação do aluno com DV nas classes regulares de ensino, mas sim fazer valer de fato a educação inclusiva, enfrentando desafios e buscando cada vez mais melhorias na qualidade do ensino” (RIBEIRO, 2017, p. 13). Diante do exposto, visando a remoção das barreiras que impedem o desenvolvimento dos alunos
com deficiência, é importante que se faça alguns ajustes para responder às
necessidades dos alunos, como por exemplo, as adaptações curriculares, importante estratégia que deve integrar a proposta pedagógica das escola, contribuindo com o trabalho desenvolvido frente aos desafios da inclusão. Neste sentido compreende-se que: Os alunos com DV devem ter acesso aos mesmos conteúdos que os demais alunos, o que vai diferenciar, na maioria das vezes, é a metodologia empregada pelo professor para que esse aluno consiga adquirir os conhecimentos necessários para a sua aprendizagem. Um primeiro ponto a se pensar sobre a prática docente é a mudança de postura, exigindo desse a consideração do aluno como um sujeito da aprendizagem, capaz de pensar, construir, discordar etc. (RIBEIRO, 2017, p. 13).
Assim, durante a aula em todas as disciplinas, juntamente com os outros alunos, é preciso que o professor utilize de “materiais didáticos produzidos a partir de vários materiais de baixo custo e de materiais que podem ser reaproveitados” (SÁ, CAMPOS, SILVA, 2007 apud RIBEIRO, 2017, p. 15). Sendo assim, pontua-se que os alunos com baixa visão no geral, poderão necessitar de recursos como: Recursos ópticos específicos para a discriminação e a visualização de figuras, livros, textos e gráficos. Auxílios como lupa de apoio, luminárias e materiais de alto contraste podem ser também necessários. Recursos de alta tecnologia como lupas eletrônicas e recursos de TV podem ser utilizados pelo aluno nos centros de apoio pedagógicos da comunidade, bem como maquetas sensoriais e outras adaptações de jogos sensoriais e livros adaptados (BRASIL, 2001, p.169).
No que se refere aos alunos com ausência total de visão, estes necessitam também de brinquedos e de jogos adaptados à sua necessidade sensorial nas diferentes disciplinas. Assim como: Assim como: Materiais tridimensionais, materiais para elaboração de trilha, percursos, construção de representação simbólica, representação do ambiente e maquetas. Jogos adaptados para iniciação e concretização da matemática, acesso ao ambiente de leitura e escrita em relevo e pelo sistema braile também são necessários. Recursos específicos para escrita como reglete, punção, máquina braile, sorobã adaptado e jogos pedagógicos para leitura-escrita e matemática também devem ser providenciados (BRASIL, 2001, p.169).
A partir dessa perspectiva tem-se uma educação para todos, possibilitando “condições viáveis e ao mesmo tempo desafiadoras para cada aluno, explorando a aprendizagem nas possibilidades, e não nas deficiências” (FISCHER, 2008, p.02). Eliminando assim, barreiras para uma aprendizagem efetiva. Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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quais os caminhos percorridos até a contemporaneidade? Como se constituiu o ensino para alunos com deficiência visual (DV)? Quais dificuldades e possibilidades para o processo de inclusão dos alunos com DV nas salas de aulas comum?
Considerações Finais A pesquisa apresentou um olhar abrangente sobre educação inclusiva e a deficiência visual. Assim, chegou-se à conclusão de que, no que se refere a esta temática, o professor, mesmo já formado e em atuação, precisa revisar conceitos e metodologias, atualizando-se constantemente para atender as necessidades dos alunos com DV.
Mediante as leituras feitas para a fundamentação teórica, constatou-se que os caminhos percorridos da inclusão escolar até a contemporaneidade, teve como foco a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Ficou claro que ao se constituir o ensino para alunos com deficiência visual (DV), não basta apenas inseri-lo na escola regular é preciso oferecer-lhes todas as possibilidades de integrá-los plenamente ao contexto escolar. A pesquisa evidenciou que para sanar as dificuldades
no processo de inclusão dos
alunos com DV nas salas de aulas comum , é necessário dar ao professor e a escola o suporte necessário à sua ação pedagógica. O papel do professor é fundamental nesse processo, principalmente em relação à construção de uma proposta pedagógica para o ensino do aluno
com DV, para que ele não se sinta apenas um espectador, mas, parte integrante no processo de desenvolvimento de ensino e aprendizagem. Pois, de nada adianta incluir esses alunos em um sistema de ensino sem que haja uma preparação profissional e adequação de materiais necessários ao seu acolhimento. Diante dos objetivos estudados, conclui-se que o processo da inclusão escolar vem contribuindo para o fim da segregação, da exclusão dos alunos com DV, mesmo que seja a passos lentos. Para tanto, a pesquisa nos mostrou que , independente do tipo da deficiência visual ( a cegueira e a baixa visão) o aluno precisa ter acesso a uma educação de qualidade, vivenciando o processo de ensino-aprendizagem
por meio dos outros sentidos (tato,
audição, olfato, paladar), e também utilizando o sistema Braille para a escrita. Ao contextualizar a educação inclusiva com foco na deficiência visual, considerando aspectos históricos e contemporâneos desse processo, ficou claro que não basta apenas inserir o deficiente visual na escola regular é preciso oferecer-lhes todas as possibilidades de integrálos plenamente ao contexto escolar.
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Educação Inclusiva e Deficiência Visual: Fundamentos e Perspectivas Merly Glayze Costa Dias Da Costa1
Resumo O presente artigo teve como objetivo apresentar alguns apontamentos sobre a Educação Inclusiva no Brasil, destacando a realidade e as possibilidades no processo de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência visual matriculados nas classes regulares. O percurso histórico da educação especial foi o ponto de partida da pesquisa, perpassando pelo direito ao acesso e a permanência do aluno na escola, a legalização da educação inclusiva no ambiente escolar, a ação pedagógica dos profissionais que atuam nesta modalidade de ensino e as práticas educativas para alunos com deficiência visual. A pesquisa desenvolvida se caracterizou por um estudo de natureza qualitativa e foi realizada por meio de revisão bibliográfica. A partir desse estudo pudemos observar que é de singular importância que o professormediador promova um planejamento compatível e adequado ao processo ensino-aprendizagem dos alunos com deficiência. Pode-se considerar que a formação do professor é essencial para promoção de um ensino com qualidade, favorecendo o acesso e a permanência dos alunos com deficiência visual dentro do ambiente escolar.
Palavras-chave: Deficiência-visual. Ensino-Aprendizagem. Inclusão.
Introdução Segundo Saviani (2003), a educação é um fenômeno que os seres humanos utilizam para garantir sua existência. Ela ocorre a partir da transformação da natureza e, segundo o autor, ela é responsável pela assimilação de conceitos, valores, símbolos, etc. Desta feita, podemos afirmar que o fenômeno educacional é essencial para o desenvolvimento social. Tomando como ponto de partida o entendimento de Saviani sobre educação, o presente trabalho se justifica ao sugerir uma reflexão acerca do contexto educacional inclusivo vivenciado nas escolas de ensino regular, enfatizando a atuação dos professores no processo educacional dos alunos com deficiência visual. Neste sentido, o artigo buscou apresentar alguns pilares da Educação Especial e Inclusiva no Brasil, destacando algumas práticas escolares necessárias e urgentes na condução da aprendizagem de alunos cegos nas classes regulares de ensino, analisando o contexto educacional brasileiro em que esses alunos estão inseridos e refletindo as especificidades das situações do cotidiano escolar. A pesquisa desenvolvida se caracterizou por um estudo de natureza qualitativa e foi realizada por meio de revisão bibliográfica de autores que tratam da temática em questão, tais como Aranha, Ferrero e Miranda. 1
Especialista em educação, vice-diretora da Rede Estadual de Ensino .
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Breve histórico da Educação Especial Ao visualizar os pontos históricos acoplados ao tratamento e, posteriormente, ao atendimento educacional voltado à pessoa com deficiência notou-se que as teorias de um ou de outro estão atrelados ao conhecimento científico da época, assim; [...] esses aspectos históricos e o atendimento educacional estão associados às condições de vida, social e cultural, de cada povo, que estabelece as normas de convivências com aquelas pessoas que, por algum motivo, diferenciam-se das demais (RODRIGUES, 2010, p. 19).
O conceito de inclusão mencionado por Rodrigues traz a diversidade cultural como atributo essencial para o desenvolvimento humano, reconhece o outro como sujeito histórico e social, projeta mudanças de concepções e atitudes. A história da Educação Especial no Brasil ficou marcada principalmente pela criação do Instituto dos Meninos Cegos em 1854 e do Instituto dos Surdos-Mudos em 1857, na cidade do Rio de Janeiro. Miranda (2003, p. 3): Descreve que ambos foram criados pela intercessão de amigos ou de pessoas próximas ao Imperador, fato que configura a prática do favor e da caridade, o que era comum naquele momento também nas relações com pessoas com deficiência.
Analisando esse processo histórico da educação especial no Brasil nos deparamos com um sentido atribuído a ela: o de assistência a crianças e jovens com deficiência. O assistencialismo não garantia ao aluno um desenvolvimento pleno e não atendia a necessidade
especial de ninguém, pois era uma ação emergente e não causava modificações estruturais e muito menos duradouras a essas crianças e jovens que eram surdos ou cegos. A educação especial, hoje, busca a superação de sua condição de assistencialista ou de caridade, e isto demarca um momento histórico importante na caminhada para efetivamente possibilitar um sistema educacional mais abrangente e menos excludente. A construção de uma sociedade inclusiva é um processo que envolve todos os segmentos sociais, dentre os quais se destacam a família e a escola. A família como primeira instância socializadora da criança e a escola como mediadora na apropriação de conhecimentos científicos. A Educação Especial, como modalidade da educação básica, responsável também pelo atendimento educacional especializado, organiza-se de modo a considerar a aproximação dos pressupostos teóricos à prática de educação inclusiva, a fim de cumprir dispositivos legais, políticos e filosóficos. A inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais no ensino regular requer que se busquem meios para beneficiar sua participação e aprendizagem tanto na sala de Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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aula, como no atendimento educacional especializado, assim estaremos alinhando o discurso com a prática, incluir sem excluir e garantir o acesso e permanência dos alunos é um dever de todos seja dentro ou fora das escolas.
O direito ao acesso e a permanência do aluno na Escola Inclusiva Conforme as diretrizes educacionais da Declaração de Salamanca (1994), uma pedagogia centrada na criança também é concebida como uma maneira de reduzir as taxas de insucesso na escolarização, garantindo, simultaneamente, índices mais elevados de rendimento escolar e impedindo o desperdício de recursos. A partir desse ponto, pode-se compreender melhor que a educação é área prioritária da ação da sociedade, sendo esta e a escola responsável pelo desenvolvimento infantil como pela preparação para a escolarização. Ainda segundo a Declaração de Salamanca a educação escolar deve assumir a perspectiva de base de treino para uma sociedade baseada no povo, que respeita tanto as diferenças quanto a dignidade de todos os seres humanos. Na avaliação de Ferrero (2011), Intensas discussões têm sido travadas pelos educadores infantis acerca da perspectiva apontada pela nova legislação educacional na intenção de definir a especificidade da educação infantil na qual se encontra presente o cuidado e a educação de forma indissociável em complementaridade à ação da família. (FERRERO, 2011, p. 10).
Nesse sentido, busca-se consolidar um ambiente didático-pedagógico estimulador de aprendizagem
e
do
desenvolvimento
infantil
que
supere
os
modelos
educacionais
disciplinadores, autoritários e alienantes – que vem subsidiando o atendimento à criança de zero a seis anos no Brasil. Vale ressaltar que a educação inclusiva deverá ser promovida desde o nascimento da criança, como um direito garantido constitucionalmente. No entendimento de Aranha (2001): A inclusão escolar "prever" intervenções decisivas e incisivas, em ambos os lados da equação: no processo de desenvolvimento do indivíduo, busca-se a criação imediata de condições que garantam o acesso e a participação da pessoa na vida comunitária, através da provisão de suportes físicos, psicológicos, sociais e instrumentais.
Referindo-se especificamente a pessoas com deficiência: Cabe à sociedade oferecer os serviços que os cidadãos com deficiência necessitarem (nas áreas física, psicológica, educacional, social e profissional). Mas lhe cabe, também, garantir-lhes o acesso a tudo de que dispõe independentemente do tipo de deficiência e grau de comprometimento apresentado pelo cidadão (ARANHA, 2001, p.23).
Portanto, o direito ao acesso e a permanência do aluno na escola inclusiva ocorre desde o seu nascimento, uma vez que a educação é direito de todos e deve ser garantindo eficazmente pelo poder público Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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Legalização da Educação Inclusiva no ambiente escolar A consolidação de estudos na área da educação e a defesa dos direitos humanos vêm modificando os conceitos, as legislações e as práticas pedagógicas e de gestão, promovendo a reestruturação do ensino regular e especial favorecendo um novo entendimento da educação inclusiva nas classes regulares de ensino. A Declaração de Salamanca de 1994 estabelece como princípio que as escolas do ensino regular devem educar todos os alunos, enfrentando a situação de exclusão escolar das crianças com deficiência, das que vivem nas ruas ou que trabalham em desvantagem social, das superdotadas e das que apresentam diferenças lingüísticas, étnicas ou culturais (BRASIL, 2008a, n.p.).
Assim, no que compete a legalidade da educação inclusiva no Brasil, cabe ressaltar a Portaria de nº 555/2007, que fortalece que o movimento mundial pela inclusão é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva se constitui em um paradigma educacional fundamentado na concepção dos direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à idéia da equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2008a, n.p.).
A Portaria reconhece as dificuldades que são enfrentadas nos sistemas de ensino, evidenciando a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias com a criação de alternativas para superá-las, passando a educação inclusiva a assumir um espaço central no
debate a ser realizado pela sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão. A partir dos referenciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a organização de escolas e classes especiais passa a ser repensada, implicando uma mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos tenham suas especificidades atendidas. (BRASIL, 2008a, n.p.).
A partir dessa recomendação da Portaria nº 555/2007, enfatiza-se que os professores devem compreender que os avanços educacionais na educação inclusiva precisam ser referendados por práticas escolares que viabilizem uma aprendizagem satisfatória para formação dos alunos cegos, os mesmos terão que proceder a uma investigação histórica a
respeito dessa educação, bem como conhecer o que dispõem as leis para essa modalidade educativa, para garantir uma investigação sólida acerca da realidade inclusiva vivenciada no contexto das escolas públicas brasileiras, a fim de se observar se há de fato e de direito o cumprimento destas no contexto educacional. A promulgação da Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1998), estabelece em seu art. 208, inciso III, que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de “atendimento educacional especializado a pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Assim, a Carta Magna estabelece que a educação especial seja organizada Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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e planejada na rede regular de ensino, com todas as garantias de direitos peculiares a cada uma das necessidades educacionais específicas, de acessibilidade, de formação continuada aos professores que atuam nessa educação inclusiva, com aplicabilidade de metodologias condizentes à satisfatória inclusão do aluno, bem como, a utilização de diversos recursos didáticos fortalecedores da aprendizagem, dentre outras prerrogativas que corroboram na efetivação dessa educação inclusiva. Para consolidar ainda mais o direito à educação estabelecida na Constituição Federal do Brasil, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96 que estabelece em seu Capítulo V – Da Educação Especial, as seguintes diretrizes: Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para alunos com necessidades especiais. §1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. §2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular. §3º A oferta da educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil (BRASIL, 1996, n.p.).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional vem determinar e regulamentar toda a organização estrutural e curricular da educação inclusiva, quando normatiza que a mesma deve ser efetivada no ambiente escolar regular e disponibilizada aos alunos com qualquer necessidade especial, salvo exceção, se a deficiência demandar um atendimento educacional mais especializado. Outro fator de extrema importância para a legalidade da educação inclusiva no ambiente escolar foi à aprovação da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2010), em seu Capítulo IV – Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer, em que estabelece as seguintes orientações: Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: III-
Atendimento
educacional
especializado
aos
portadores
de
deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.069/90, artigo 55, reforça os dispositivos legais supracitados, ao determinar que "os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. Também, nessa década, documentos como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), passam a influenciar a formulação das políticas públicas de educação inclusiva. (BRASIL, 2008a).
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É importante também frisar que em 1994 foi publicada a Política Nacional de Educação Especial, orientando o processo de ‘integração instrucional’ que condiciona o acesso às classes comuns do ensino regular “àqueles que possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais”. Ao reafirmar os pressupostos construídos a partir de padrões homogêneos de participação e aprendizagem, a Política não provoca uma reformulação das práticas educacionais de maneira que sejam valorizados os diferentes potenciais de aprendizagem no ensino comum, mantendo a responsabilidade da educação desses alunos exclusivamente no âmbito da educação especial (BRASIL, 2008a, n.p).
A publicação do Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008 que em seu art.1 o estabelece que a União preste apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular. Neste sentido, o referido decreto destaca o atendimento especializado como: § 1º Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular e; § 2o O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da família e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas (BRASIL, 2008b, n.p.).
Já a Resolução CNE/CEB Nº 4/2009, em seu art. 1º ressalta que para a implementação do Decreto Nº 6.571/2008, os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos. (CNE, 2009). E em seu art. 2º, estabelece que “o Atendimento Educacional Especializado tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de
serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem”. Dessa forma, o AEE visa atender as necessidades educacionais específicas dos alunos público alvo da educação especial, devendo a sua oferta constar no projeto pedagógico da escola, em todas as etapas e modalidades da educação básica, a fim de que possa se efetivar o direito destes alunos à educação (BRASIL, 2010).
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Mittler (2003) salienta que a educação inclusiva no contexto social brasileiro ainda se ressente pela falta de políticas públicas que garantam a efetivação da cidadania plena da pessoa com deficiência. Desse modo, percebe-se que o poder público não tem priorizado ações focadas para a efetivação dessa inclusão educacional no ambiente escolar, já que as ações que vislumbram a efetivação dessa inclusão nos estados brasileiros, não corroboram para a acessibilidade dos alunos dentro da escola, uma vez que os poderes públicos estadual e municipais entendem que a acessibilidade dentro das escolas se limita à construção de apenas algumas rampas de acesso ao aluno em detrimento de metodologias pedagógicas favoráveis à aprendizagem dos alunos.
Ação pedagógica dos profissionais na educação inclusiva Reafirmando o conceito de Saviani (2003) sobre educação, podemos pontuar que ela assume um papel transformador dentro da sociedade, embora ainda existam muitos entraves na garantia de uma educação justa e igualitária, conforme disposto na Lei Diretrizes e Bases da Educação. Diante desta realidade, considerando o contexto da educação inclusiva, pesquisas apontam a necessidade de se capacitar profissionais para atender a diversidade, nesse sentido, no que se refere à condução da formação dos professores, É necessário que eles compreendam que o ensino-aprendizagem não se dá por simples acúmulo de informações, nem pela transmissão de noções já empacotadas, como se fossem a última palavra, e sim pela aprendizagem e pelo desenvolvimento das competências de relacionar, comparar, inferir; pela estruturação cada vez mais compreensiva, coerente e aberta às complexidades das articulações entre dados, fatos, percepções e conceitos (MARQUES, 2000, p. 32).
Marques (2000) também contribui com a discussão sobre a formação dos professores no cenário educacional inclusivo, na sua análise o professor precisa visualizar as diversas prerrogativas que circunscrevem a educação inclusiva, quanto à unidade dos componentes curriculares em interação. Segundo autor, a totalidade deve tornar-se menos confusa e caótica para que o professor tenha uma percepção ampla dessa educação; e a unidade necessita recompor-se a cada passo
na síntese dos múltiplos elementos/processos que tecem e trabalham, pois somente com uma percepção globalizada do processo educacional especial é que poderão conduzir um atendimento educacional especializado com qualidade. Partindo desses pressupostos, compreende-se que a formação dos professores é fundamental para efetivação de uma educação verdadeiramente inclusiva, pois alicerça os professores na elaboração de estratégias metodológicas que viabilizam o acesso e a permanência dos alunos com deficiência na escola.
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[...] o processo de inclusão educacional das pessoas com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino vai exigir que os profissionais que atuam nesta modalidade educativa, tenham uma formação profissional adequada para proceder à efetivação de metodologias educacionais que favoreçam a aprendizagem dos alunos com tais necessidades. Empreender metodologias salutares às necessidades de organização do conhecimento pelos alunos vai demandar que os professores tenham um preparo pedagógico que favoreça a ordenação de técnicas e materiais didáticos facilitadores dessa aprendizagem (KLEIN; HATTGE, 2010, p. 15).
Marques (2000) referenda que a formação profissional dos professores deve possibilitar condições para que eles no processo ensino-aprendizagem saibam desenvolver uma aprendizagem
qualitativa
às
pessoas
com
necessidades
educacionais
especiais.
A
aprendizagem construída com os alunos vai depender consideravelmente dessa formação, pois os professores precisarão conduzir uma ação educativa eficaz, favorecendo melhores condições
de aprendizagem aos alunos de acordo com suas necessidades. No entendimento de Amorim e Alves (2008) a ação educativa dos professores na escola inclusiva deve ser efetivada nas classes regulares de ensino, pois quando há a inclusão dos alunos, eles passam a socializar o conhecimento com os colegas em sala de aula de forma participativa. Desse modo, a aprendizagem vai se fortalecendo, porque eles contam com o auxílio dos colegas na execução das atividades e formalização do conhecimento através dos conteúdos estudados. Antunes (2009) ressalta que os conteúdos necessários à aprendizagem dos alunos não podem ser arquivo estático na memória do professor, mas propostas de ações dinâmicas que
possam ser experimentadas com seus alunos. O professor resiliente dentro das classes inclusivas deverá fortalecer a construção de inteligências coletivas, valorizando os progressos alcançados em detrimento dos resultados, ajudando o aluno a solidarizar-se e a perceber sua dimensão humana. Amorim e Alves (2008) consideram que: O professor quando preparado para estimular a socialização e a solidariedade na produção do conhecimento, ele estará contribuindo para uma inclusão educacional plena, pois planejando e articulando o emprego de recursos didáticos adequados e que favoreçam a aprendizagem dos alunos, estes possam a acompanhar satisfatoriamente os conteúdos trabalhados em sala de aula (AMORIM; ALVES, 2008, p. 5).
Já na concepção de Antunes (2009, p. 19): [...] a educação precisa fortalecer e incentivar a auto descoberta, autoconhecimento, a auto motivação do aluno, ressaltando sua auto estima potencializando sua imaginação, suas diferentes inteligências e linguagens e simplicidade de sua produção individual e coletiva, assim também ocorre com educação inclusiva (ANTUNES, 2009, p. 19).
o e a a
Nessa perspectiva, o currículo não pode ser preestabelecido e idêntico para todos de uma mesma série, o professor resiliente deve proporcionar estratégias e orientações que levem o aluno a perguntar e, em seguida, a buscar respostas para questões que aprendeu a propor. Com isso o aluno passa a compreender que mesmo com as limitações de sua deficiência ele Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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será capaz de organizar sua aprendizagem a partir de sua força de vontade mediatizada pela ação da escola e dos profissionais da educação que nela atuam. Machado (2009) enfatiza em suas análises que os professores especializados têm que garantir o atendimento educacional especial, mediante qualificação profissional para atender os alunos cegos, com baixa visão e surdos, é preciso que tenham subsídios pedagógicos para promover esse atendimento.A autora referenda que não se trata de conhecimentos clínicos sobre a deficiência, mas uma formação que possibilite um conhecimento especializado adequado com enfoque educacional. No que se refere aos alunos cegos, a autora supracitada concebe que o professor tenha conhecimento do Sistema Braille para que possa ensinar com qualidade.
O conceito de escola inclusiva difundida na atualidade é amplo, já que implica em todo um redimensionamento dos sistemas escolares tradicionais. Nesta perspectiva, as modalidades de formação continuada para professores do ensino regular devem ser revistas e planejadas, para atender aos princípios da inclusão escolar. (MACHADO, 2009) Na avaliação da referida autora, não se trata apenas de fortalecer os aspectos clínicos e especializados da deficiência, como vem sendo feito, mas de buscar estudos que garantam uma profunda revisão das práticas pedagógicas, acompanhada de estudos teóricos inovadores e atualizados.
Práticas educativas para alunos com deficiência visual No que se refere ao atendimento educacional especializado para alunos cegos, desenvolvido na rede regular de ensino, Machado (2009) ressalta que a escola deve possuir uma estrutura adequada ao trabalho pedagógico específico a ser mediatizado em seu interior, a autora chama atenção para a garantia efetiva da aprendizagem satisfatória dos alunos. Diante da exigência de uma aprendizagem qualitativa a partir dos serviços educacionais ofertados dentro da escola a esse público-alvo, alguns estados passaram a organizar as salas multimeios, que se constituem em espaços específicos para as atividades pedagógicas
localizadas dentro das escolas e servem para o atendimento educacional especializado. Possuem mobiliário adequado ao atendimento dos alunos e material pedagógico confeccionado pelo professor, são equipadas com materiais e equipamentos específicos e necessários à aprendizagem do público atendido, possuindo jogos pedagógicos, recursos tecnológicos e outros utilizados na aprendizagem dos alunos. Machado (2009) salienta que o objetivo dos estados é promover e garantir aos alunos com deficiência visual um atendimento educacional especializado no interior da escola. Nas Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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salas multimeios, os alunos com deficiência visual participam de várias atividades cujo foco é a inclusão deles no ensino regular. É importante destacar queas atividades promovidas pelos professores requerem formação continuada desses profissionais que atuam no atendimento educacional especializado, para que possam produzir os materiais adequados à aprendizagem dos alunos. Dentro das salas, Os professores especializados devem ensinar o sistema Braille; portanto, devem ter domínio do mesmo; promover atividades de orientação e mobilidade, fomentar atividades da vida diária, fortalecer o uso de ferramentas de comunicação: sintetizadores de voz para ler e escrever via computador, ensinar a técnica do sorobã, promover técnicas de rastreamento e de locomoção com guia vidente dentro do ambiente escolar, realizar a transcrição de materiais do Braille para tinta e da tinta para o Braille e providenciar texto escrito em formato digital e produzir áudio-livro (MACHADO, 2009, p. 27).
Nesse contexto, percebe-se o quanto é importante que o professor tenha formação inicial e continuada na área para garantir a qualidade na aprendizagem dos alunos. A nova estrutura educativa exigiu uma qualificação eficaz do professor, pois a confecção dos materiais pedagógicos utilizados na aprendizagem dos alunos requer que o professor tenha conhecimento para produzi-los e aplicá-los no processo ensino-aprendizagem dos alunos com deficiência visual (CERQUEIRA; FERREIRA, 2000, p. 17).
Diante do exposto, ficou evidente que a formação continuada é fator singular para o fortalecimento do conhecimento especializado do professor, para que ele possa trabalhar com qualidade e ajudar no desenvolvimento da aprendizagem dos alunos com deficiência visual.
Aproximações não conclusivas O intuito deste trabalho foi abordar alguns apontamentos (históricos e legais) sobre a Educação Especial e inclusiva no Brasil, enfatizando as barreiras e os caminhos que permeiam o processo de ensino aprendizagem dos alunos com deficiência visual. Analisando o processo histórico da educação especial no Brasil pudemos perceber que o marco inicial estava centrado na educação de cunho assistencialista para crianças e jovens com deficiência, deixando de lado os direitos constitucionais garantidos na legislação brasileira.
A partir disso, no decorrer do trabalho, buscou-se mostrar, através de fundamentação teórica, algumas práticas escolares necessárias para o desenvolvimento da aprendizagem de alunos cegos nas classes regulares de ensino. Ficou evidente que as práticas escolares desenvolvido nas escolas, que atuam na perspectiva da educação especial e inclusiva ,precisam avançar para atender a demanda requerente dessa modalidade educativa, uma vez que a organização pedagógico-estrutural apresentada pelas escolas ainda não contemplam a qualidade pleiteada pelos professores, fazendo-se necessário e urgente à implantação de políticas públicas que favoreçam um atendimento educacional especializado eficaz à Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais.
O conteúdo da pesquisa suscitou a compreensão da importância do processo de formação continuada para professores que atuam na modalidade da educação especial, pois viabiliza a construção de um conhecimento mais sólido a respeito de como empreender uma ação pedagógica voltada para as crianças com deficiência visual. Vislumbramos ao longo do texto que existe uma preocupação pertinente dos professores no que se refere à qualidade do atendimento educacional especializado, se tornando inclusive o foco de luta desses profissionais, isso ocorre porque a inclusão educacional ainda não se efetivou de maneira consistente, com a estrutura pedagógica necessária dentro das escolas da rede regular de ensino. É importante frisar que existe uma carência de recursos metodológicos voltados para o processo de ensino-aprendizagem dos alunos com deficiência visual. A utilização de novos recursos metodológicos vai favorecer uma estimulação na aprendizagem do aluno cego, porque ele passará a compreender o contexto da aprendizagem à medida que o professor for introduzindo esses recursos facilitadores da absorção do conhecimento, quanto mais os conteúdos forem trabalhados no ambiente escolar por intermédio desses recursos, mais possibilidades de domínio o aluno terá.
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Perspectivas Gnosiológicas sobre A BNCC: Entre similitudes e diferenças1 Gláucia de Nazaré Baia e Silva2 Pedro Franco de Sá3
Resumo Com o intuito de cotejar os discursos sobre a Base Nacional Comum Curricular e estabelecer as similitudes e diferenças nos textos realizou-se uma pesquisa bibliográfica com uma revisão sistemática sobre o tema em Teses e Dissertações publicadas nos últimos cinco anos em repositórios especializados. A pergunta central teve por interesse buscar respostas para a garantia e defesa da educação como direito. Como critério de inclusão, definiu-se que os trabalhos trouxessem a discussão sobre a Base, com algumas categorias analíticas como currículo, alfabetização, educação, formação e sua própria implementação, ou seja, aspectos conceituais que impactam no direito social subjetivo à educação. Para operacionalização do trabalho, realizou-se uma busca ativa na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações4 (BDTD) e no repositório Google Acadêmico5, suportes onde foram encontrados 117 trabalhos a respeito do referido documento. O destaque para as similitudes deve-se ao reconhecimento do currículo como campo de forças. Verificou-se que os autores apontam que a Base foi concebida e defendida com alguns aspectos primordiais, a vendo como ponto de partida e não como currículo fechado, não trata de uma relação de conteúdos para as escolas, mas tem como percurso o apoio aos sistemas de ensino para a elaboração de suas próprias propostas curriculares. As divergências aparecem quanto ao processo alfabetizador, quando ressalta a necessidade da ação de alfabetizar e letrar, enquanto seus princípios norteadores passaram a indicar a alfabetização em concomitância com o letramento na área de linguagens. Para os trabalhos analisados, a Base induz às habilidades emocionais e normatiza um estreitamento entre questões psicológicas e biológicas, porém regula o saber que versa sobre o indivíduo, convidado a assumir um modelo desenvolvimentista e funcionalista no currículo. Também não traz uma fundamentação pedagógica definida e clara sobre educação, assim como seus alicerces teóricos, epistemológicos, somente metodológicos (competências e habilidades).
Palavras-chave: Currículo. Alfabetização. BNCC.
Introdução “É lá no porão que estão as raízes”. Com Veiga-Neto (2012), decidiu-se descer aos porões e procurar a marca inicial da necessidade de uma organização nacional para a educação
brasileira, ou seja, como se chegou à ideia da Base Nacional Comum Curricular brasileira? O 1
O presente texto foi apresentado no Seminário de Cognição e Educação Matemática; Pesquisas em Educação e Práticas Pedagógicas, da Universidade do Estado, no ano de 2019. O mesmo passou por pequenas mudanças sem alterar o objeto principal, os discursos sobre a Base Nacional Comum Curricular. 2 Especialista em Educação na Secretaria de Estado de Educação; Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará; Mestrado em educação pela Universidade do Estado do Pará, Diretora da EEEM Padre Eduardo; glaucia.silva@seduc.pa.gov.br 3 Docente do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Matemática do CCSE- UEPA. Licenciado Pleno em Matemática pela Universidade Federal do Pará, mestrado em Matemática pela Universidade Federal do Pará e Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 4 http://bdtd.ibict.br 5 https://scholar.google.com.br
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que nos revelam as discussões sobre esse documento que podem garantir a defesa pelo direito à educação? Segundo Costa (2018), as aspirações por uma Base Nacional Curricular não são recentes; remontam-se às décadas de 1970 e 1980, pela necessidade de reformulação dos cursos de professores dos anos iniciais (Pedagogia). A defesa pela formação e valorização docente ganha corpo no V Seminário Nacional da Associação Nacional pela Formação de Professores, em 1983, elevando-a ao patamar de uma luta política em que se definiu um princípio orientador dos currículos de formação de professores a fim de que se estruturasse a formação em uma unidade.
Procedimentos metodológicos - desenvolvimento Outros marcos legais, contudo, devem ser lembrados para reafirmar a trajetória de que nada é (de)feito atual, mas segue uma engrenagem muito mais articulada sistemicamente (Quadro 1). Quadro 1 - Marcos Legais à BNCC ANO - Marcos legais 1988 - Constituição Federal
1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 1997 – Parâmetros Curriculares Nacionais
Definições estruturantes Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos Estabelecimento de uma referência curricular comum para todo o País, ao mesmo tempo que fortalece a unidade nacional e a responsabilidade do Governo Federal com a educação, busca garantir, também, o respeito à diversidade que é marca cultural do País
2010/2014 – Conferência Nacional de Educação
EIXO VI: Definir uma base nacional comum (diretrizes nacionais) de valorização dos profissionais da educação básica que oriente os sistemas de ensino para a elaboração participativa de planos de carreira unificados
2011 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica.
Visam a estabelecer bases comuns nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, bem como para as modalidades com que podem se apresentar, a partir das quais os sistemas federal, estaduais, distrital e municipais, por suas competências próprias e complementares, formularão as suas orientações assegurando a integração curricular das três
2014 – Plano Nacional de Educação
Pactuar entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a implantação dos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que configurarão a base nacional comum curricular do ensino fundamental e do Ensino Médio
2015/2017 – Base Nacional Comum Curricular
É um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica Fonte: Elaborado pelos autores.
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Como se pôde perceber, alguns demarcadores legais que reforçam a leitura do discurso de que a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018) não é construto atual, dessa década pelo menos, os quais serão retomados ao longo do texto; assim, [...] a tarefa exige que se mostre como determinados eventos e ocasiões únicos – um encontro aqui, um projeto ali – podem ser tecidos em conjunto com uma variedade de fatos e uma bateria de interpretações, a fim de se produzir uma percepção de como as coisas andam e provavelmente andarão (GEERTZ, 2012, p. 10).
Nesse sentido, para a elaboração, aprovação e implementação da Base brasileira foram definidas algumas etapas que se seguiram desde setembro de 2015 aos dias atuais. Algumas estratégias decorreram: da escrita da proposta preliminar, o encaminhamento à consulta pública, a reescrita para uma segunda versão entregue à sociedade e fechada a terceira versão do
documento, seguiu-se para aprovação do texto final. Para alguns autores, algumas habilidades foram desenvolvidas nesse processo pelos elaboradores, seguindo um conjunto de uma variedade de fatos, como: analisar, discutir, debater, decidir, definir, escolher e selecionar o que fez parte da construção do material, mas fará parte também da trajetória curricular, a ser tarefa de todos a partir de então (NEIRA; ALVIANO JR.; ALMEIDA, 2016). Neira et al. (2016) aponta pelo menos cinco etapas ou fases, em que se trabalhou para a materialização do documento, conforme descrito a seguir; cabe destacar que o marco zero foi apontado aqui como etapa, porém não é lembrado pelos autores, que só comentam da
publicação à versão final (Quadro 2). Quadro 2 - Elaboração da BNCC Fases/etapas
Procedimentos
0
Escrita da versão preliminar
I
Publicação da versão preliminar em setembro de 2015
II
Consulta pública entre setembro de 2015 e março de 2016
III
Publicação da segunda versão do documento em maio de 2016
IV
Realização dos seminários estaduais entre junho e agosto de 2016 Encaminhamento da versão definitiva do documento ao Conselho Nacional de Educação (CNE)
V
Fonte: NEIRA et al., 2016 (adaptado)6.
De acordo com os autores, a organização da primeira versão da BNCC 7 apontava para as
6
Essa produção narra, do ponto de vista de um dos seus partícipes, o processo de construção da primeira e segunda versão do documento. 7 No que se refere à primeira versão da BNCC, observa-se que a equipe composta pelos professores e professoras indicados pelo Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), pela Undime (União Nacional dos Dirigentes de Educação) e pelos profissionais de 35 universidades, consultou os currículos estaduais e do Distrito Federal com o intuito de produzir um documento que fosse reconhecido pelos sistemas (NEIRA et al., 2016, p. 35).
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três etapas da educação básica: educação infantil, o ensino fundamental separado em duas fases, com os anos iniciais e finais e ensino médio. A primeira etapa de ensino distribuída em Campos de Experiência e as demais por área de conhecimento e componentes curriculares. Contudo, pode-se afirmar que a Segunda Versão modificou, a partir das contribuições encaminhadas na plataforma digital, disponível ao público, e das críticas encomendadas a leitores, as concepções de: Área – Componentes - Segmento de Objetivos de Aprendizagem (NEIRA et al., 2016). Para esses autores, a Base foi concebida e defendida com alguns aspectos primordiais, primeiro como ponto de partida e não como currículo mínimo, logo, não se tratava de uma relação de conteúdos a ser ensinada nas escolas; ela tomou esse percurso com o objetivo de apoiar os sistemas de ensino, como calibragem para as propostas curriculares. Além disso, a
ideia era que o documento se tornasse um material de apoio para a elaboração de propostas estaduais, municipais, da rede privada e de cada unidade escolar, como inspiração a pensarem em objetivos que se coadunam com as intenções educativas das escolas. Muitos discursos puderam ser vistos a partir de então; de acordo com Neira et al. (2016), os conservadores denunciavam que o documento estava aquém do desejável em termos de aquisição de conhecimentos, assim como acusá-lo de esquerdista e ideológico, porém os progressistas também não pouparam críticas, pois queriam um documento mais engajado, sem qualquer aceno ao mercado ou às políticas neoliberais. Essas posturas reforçam a disputa ideológica premente no campo educacional, quando grupos com interesses diversos acabam por
invadir os espaços, produzindo frestas que mais prejudicando o fazer pedagógico e processo formativo educacional. Não que a educação possa ser um campo neutro, porém as diretrizes legais avançam em garanti-la como um direito social a todos os brasileiros. Também apresentaram suas críticas às entidades científicas, os movimentos sociais organizados e às organizações Não-governamentais ligadas à educação, mas, para esses autores que participaram da elaboração do documento não se pode deixar passar despercebido, a BNCC como projeto formativo, traz um sujeito que saiba ler a realidade que o cerca e atuar fundamentado em conhecimentos variados, que reconheça sua própria identidade cultural e que lute para transformar a sociedade atual.
Perspectivas gnosiológicas: entre similitudes e diferenças Este trabalho tem como mote fazer uma incursão nos trabalhos acadêmicos sobre as perspectivas gnosiológicas, entendendo-as como o
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Entendimento que o pesquisador tem do real, do abstrato e do concreto no processo de pesquisa científica; o que implica diversas maneiras de abstrair, conceituar, classificar e formalizar, ou seja, diversas formas de relacionar o sujeito e o objeto da pesquisa e que se refere aos critérios sobre a ‘construção do objeto’ no processo de conhecimento (GAMBOA, 2012, p. 59).
Partindo desse entendimento e com o intuito de cotejar os discursos sobre a BNCC (BRASIL, 2018) e estabelecer as similitudes e diferenças, adotou-se como metodologia a realização de uma pesquisa bibliográfica em teses e dissertações publicadas nos últimos cinco anos em repositórios especializados. Como critério de inclusão, definiu-se os trabalhos trouxessem o debate sobre a Base, os seguintes descritores: currículo, alfabetização, educação, formação humana e sua própria implementação, ou seja, aspectos conceituais e políticos de impactos na educação brasileira.
Para operacionalização deste trabalho, a busca ativa consistiu em adotar dois repositórios digitais científicos, primeiro na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações 8 (BDTD), depois no Google Acadêmico9, nos quais foram encontrados 117 trabalhos relacionado à temática. No primeiro repositório, obteve-se 94 respostas e no segundo foram 23 artigos apresentados em eventos científicos e revistas especializadas. Os trabalhos eleitos tratam dos descritores do currículo, da alfabetização, da educação e da formação humana efetivamente. Os excluídos têm relação com a Base, mas mantém um apontamento que se pode chamar de flutuantes, isto é, não trazem efetivamente discussões com os descritores citados, trazem à tona outras frentes de interesse como: competência,
habilidades cognitivas, saberes e objetos pelas áreas de conhecimento, até mesmo das habilidades socioemocionais. Nesse sentido, seguimos com os textos que trazem os descritores mais atentos ao interesse deste trabalho. Em Triches (2018), encontra-se uma análise do processo de formulação da Base e as concepções em disputa sobre o processo alfabetizador da criança. Nesse trabalho, a autora captura os elementos envolvidos no movimento do documento e analisa as concepções sobre processo alfabetizador delineados nas diferentes versões do documento. Por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental balizou-se o estudo com a seguinte pergunta: quais são os elementos envolvidos na tessitura da BNCC e as concepções em disputa sobre o processo alfabetizador da criança? Para Triche (BRASIL, 2014 apud 2018, p. 98,), o movimento de delinear o processo alfabetizador da criança, aconteceu com a Meta 5 do PNE (2014/2024), na qual se define a necessidade de “alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do Ensino Fundamental”. Sabe-se que essa meta está organizada com sete estratégias, em que uma delas traz a finalidade de se garantir alfabetização plena de todas as crianças com vistas a 8 9
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articular a estruturação dos processos pedagógicos de alfabetização, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Segundo a autora, a “orientação do currículo” apresentou divergências, na versão preliminar da Base, pois [...] o processo alfabetizador ressaltava a necessidade de centrar o conhecimento na ação de alfabetizar e letrar, enquanto que os princípios norteadores indicava a importância de trabalhar alfabetização em concomitância com o letramento, ao tratar da Área de linguagens (TRICHES, 20018, p. 116).
De acordo com a autora, a Segunda Versão da BNCC apontou para a necessidade de integração pelas áreas de conhecimento e seus componentes curriculares na construção do processo alfabetizador, contudo, esse o processo foi reduzido para a etapa dos anos iniciais do
Ensino Fundamental, mais especificamente nos dois primeiros anos. Para esse fim na Área da Linguagem, a Terceira Versão do documento se posiciona afirmando que: “cada ato de linguagem não é uma criação em si, mas está inscrito em um sistema semiótico de sentidos múltiplos e, ao mesmo tempo, em um processo discursivo” (BRASIL, 2017 apud TRICHE, 2018, p. 131). Assim, na concepção de Triche (2018), houve uma adequação na proposta apresentada na BNCC, quando não fica mais garantida a produção de textos escritos ao final do processo alfabetizador da criança. Assegura-se o domínio da escrita, mas não se exige a construção do texto. Fica em evidência a consonância com os demais currículos voltados para o processo de alfabetização da criança nos primeiros três anos do Ensino Fundamental. Enfim, defende que a pesquisa não se configura em um “findar”, mas que as contribuições expostas, necessitam ainda serem aprofundadas. Destarte, salienta-se a necessidade de dar prosseguimento à pesquisa Outro autor, traz o interesse com o tema do universo da aprendizagem da criança. Fonseca (2018); este teve por objetivo, fazer uma análise das práticas pedagógicas sobre a infância e pensar a BNCC como uma lente de aumento interpretativa, para explorar os objetos políticos de administração social da criança; para o autor, o que se coloca em jogo na escavação sociopolítica, são os apontamentos para o caráter da BNCC como um dispositivo pedagógico, com um “conjunto de estratégias e práticas discursivas, das quais o poder se vale para investirse na e sobre a infância”. A BNCC é uma estratégia de poder que faz conciliação com o gerenciamento da pedagogia científica da Modernidade. Ambas trabalham juntas, promovendo discursividades aos indivíduos, e, principalmente, discursividade à infância e ao adolescente. Em se tratando da BNCC, esta estratégia está relacionada para uma teoria pedagógica que defende a construção do sujeito e sua subjetividade incorporada a uma relação de poder. A educação da infância insere-se num conjunto de tecnologias políticas pedagógicas que vão investir na regulação das populações através de controle e normalização (FONSECA, 2018, p. 17).
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Desse modo, a Base não induz somente habilidades emocionais para a infância; mas promove e normatiza um estreitamento entre questões psicológicas e biológicas, enfim, regulase o saber que versa sobre o indivíduo, convidado a assumir um modelo desenvolvimentista e interiorizar-se nele. Assim, para Fonseca, “os campos de experiências da BNCC, enquanto organização interdisciplinar, por excelência, fundamentam importantes processos de formação e aprendizagem normativas para as crianças” (FONSECA, 2018, p. 58) De acordo com Fonseca (2018, p. 59), o que se está chamando de infância é uma construção discursiva, como fenômeno secular e moderno, constituído num horizonte histórico e epistemológico, categórico das ciências humanas. Isso possibilita problematizar a invenção da infância, permite perceber como ela está sendo engendrada na sociedade. Além de permitir ver, “o que se está fazendo da infância e com a infância em nosso presente”. Dessa forma, o
pesquisador conclui que a Base, como dispositivo pedagógico da racionalidade governamental brasileira comporta um conjunto de tecnologias que se apoiam num conjunto de expertise, cujo objetivo é tornar pensável a vida das populações, neste caso a infantil, para nela intervir. Já Santos (2019), para compreender o discurso da igualdade educacional presente na Base com a seguinte pergunta norteadora: “como se constrói e se sustenta o discurso da igualdade educacional na BNCC?”. Para tal, embasada na perspectiva teórica da filosofia da linguagem, pelo pensamento bakhtiniano, partiu dos enunciados da Base para cotejar as vozes que se caracterizam como contrapalavras, surgidas durante o processo de construção da BNCC. A autora defende como objeto de estudo a “igualdade”, compreendendo que a ideia de igualdade em um sistema capitalista, perpassa pelo princípio da meritocracia, em que todos são recebedores de oportunidades, e que pelo esforço individual se alcançaria seus objetivos, para tanto, “o princípio da igualdade na sociedade capitalista é o de uma sociedade industrializada, ou seja, é um princípio de viés mercadológico, mercantilizado e baseado nos méritos”. (SANTOS, 2019, p. 28) Como contraditório, Santos (2019, p. 67) aponta que a BNCC reafirma o compromisso com a “redução das desigualdades educacionais” no país por meio do direito de aprender, que “todos” tenham uma educação de qualidade, para isso define o que devem aprender, assim terão uma educação igual. Nesse sentido, faz-se necessário compreender os discursos da igualdade educacional e social na BNCC; o discurso apresentado no documento traz a ideia de uma educação igualitária e comum a todos os alunos da educação básica, porém com base na redução da igualdade e promoção da equidade. Por essa perspectiva, “é possível compreender que o termo equidade se fortalece no meio educacional, relacionado a oportunidades iguais de ingresso na escola”. (SANTOS, 2019, p. 67)
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A desigualdade social abre caminho para desigualdade educacional, falar em igualdade quando as oportunidades são para poucos é complexo. Por isso, é importante compreender a dimensão do problema, ter igualdade educacional não é simplesmente ter um currículo com os mesmos conteúdos básicos em todas as escolas do país, não é dar obrigatoriedade de aprendizagens comuns, não é fazer com que todos estejam matriculados em uma escola (SANTOS, 2019, p. 67).
Segundo essa linha, é essencial garantir que sejam oferecidos os mesmos conteúdos, escolares para todos os lugares não significa igualdade de oportunidades educacionais. Assim, Santos (2019, p. 69) diz que para “haver oportunidades iguais é necessário que sejam levadas em consideração as desigualdades existentes”. Verifica-se que em relação ao termo “conteúdos”, a BNCC traz a nomenclatura “objetos de conhecimento”. Outrossim, a autora entende que o discurso da Base se constitui de vozes hegemônicas e não-hegemônicas, visto que o discurso tem necessariamente uma relação de alteridade, em que se apresentam as possibilidades do que chamou de frestas libertárias, num jogo de enunciados e num movimento constante de tensionamento ideológico; em um dos seus fragmentos, o documento da Base declara que sozinha não fará mudanças no cenário da educação nacional. Ao declarar isso, abre-se as possibilidades de frestas de se colocar no jogo as contrapalavras: os currículos não prontos; a formação inicial e continuada de professores; a produção de materiais; as matrizes de avaliação e os exames nacionais (SANTOS, 2019, p. 91). Essas são as primeiras frestas, segundo a autora, materializadas já no texto de apresentação da Base, apontando para a possibilidade de instaurar um jogo de forças. Mesmo com a aprovação, homologação e em fase de implementação, não se pode afirmar de que todos vão consolidá-la no fazer da escola. Todos esses processos, nela descritos, ainda não estão finalizados, por entender dos riscos históricos, como foram com tantos outros documentos nacionais e tantas outras diretrizes demandadas e não foram seguidas. Logo, podem ser campos férteis para a instauração de contrapalavras para a educação. Quanto à Silva (2018), sua dissertação trará a compreensão das concepções de educação e de currículo que permeiam a atual política curricular e seus possíveis efeitos na formação dos/das estudantes. Para isso, ela se apoia na metodologia da análise de conteúdo, por meio de uma abordagem qualitativa crítica, trabalhando com atores que participaram de cada etapa de elaboração do documento e procurando contextualizar o período político nacional
e internacional que permeou todo o processo. No que diz respeito às concepções de Educação, Currículo e Formação dos Sujeitos, diante das análises realizadas, a pesquisadora declara que na BNCC há contradições com o que está registrado nas diretrizes nacionais de educação, pois adota somente uma concepção curricular, conteudista e disciplinar e infringe a legislação, quando desconsidera o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. O documento negligencia as produções acadêmicas da área curricular brasileira e internacional, principalmente no que se refere às políticas afirmativas no Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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atendimento a diversidades econômicas, étnico-raciais, sociais, culturais, cognitivas, de gênero, que resultaram em fértil produção de conhecimento (SILVA, 2018). Para a autora, o processo educacional está centralizado no ensino-aprendizagem e no conhecimento como “trabalho cognitivo que cada sujeito realiza independentemente de suas condições materiais, sociais, culturais e/ou históricas, embasada pelas concepções de autogerenciamento, de autonomia, de livre escolha e de responsabilização individual” (SILVA, 2018, p. 149). Ademais, ela assevera que a BNCC, ao incorporar o conceito de competência, seu principal fundamento pedagógico consiste na mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, vai ao encontro de “uma inversão das funções da escola: o direito ao
conhecimento e à aprendizagem é substituído pelas aprendizagens mínimas para a sobrevivência” (LIBÂNEO, 2012 apud SILVA, 2018, p. 149). Portanto, a concepção curricular apresentada pela estudiosa aponta que o currículo estruturado dentro da teoria da pedagogia das competências, além de o tornar um instrumento técnico focalizado no saber fazer e ser, desconsidera o caráter do processo educativo quanto à construção do sujeito integral, permeado por uma concepção funcionalista da educação. Percebe-se que esta autora pinça uma categoria um pouco contraditória do documento, que é o sujeito integral, dito isso, pode-se apontar que quando está apresentado um mínimo, de objetos de conhecimentos e se vai avaliar a partir daí, a categoria integral fica fragilizada. Porém, em se tratando de educação, só será integral se as dimensões deixarem de ser apenas em uma perspectiva teórica e se consolidarem, também no material, na infraestrutura, na formação continuada, nas condições de acesso e permanência. Do mais, a cercania em torno do que está posto no documento e o que se espera realizar, enquanto função da escola e da educação, campo de disputas vão estar acirrados, foi o que se verificou com os autores estudados.
Considerações Finais A sensação advinda desta pesquisa é de incompletude com desejo de falar mais; na elaboração textual não foi possível abarcar todos os materiais encontrados. Primeiro, pelo número de páginas definidas para construção do artigo, segundo pelo tempo disponível para uma incursão mais criteriosa em todos os materiais efetivamente. Hoje, se tem um documento oficial e obrigatório que se traduz em condensar mais da metade de todas as ações e atividades curriculares, desde a educação infantil, passando pelo ensino fundamental e ditando intervenções para o ensino médio, regulando assim todas as escolas no território nacional, nos mais de 5.500 municípios e para todas as redes de ensino. Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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Dessa forma, defende-se que há necessidade de se fazer uma análise de conteúdo e de discurso nesses documentos em outra oportunidade, de toda maneira, o cenário apresentado pelos poucos documentos tratados apontam que o debate em torno da BNCC e das diretrizes para educação nacional se tornaram grandes desafios para todos os que são atingidos diretamente pelas políticas brasileiras. O que se mantém em destaques foram elucubrações nossas, todavia apoiadas em pesquisas acadêmicas validadas pelos maiores programas de pós-graduação do país, das quais foram apresentadas as perspectivas gnosiológicas dos autores. De antemão, destaca-se que o processo de elaboração, publicação e validação da BNCC foi emblemático e perpassado por um cenário de crise política, de descrédito da maioria dos profissionais da educação, de arranjos governamentais e mesmo assim foi aprovada. Algumas passagens dos autores trabalhados neste artigo são plausíveis para se pensar sobre os conceitos quanto à alfabetização com o processo alfabetizador, em que apesar das inúmeras críticas a BNCC determina a redução do tempo destinado à alfabetização, para os dois primeiros anos do ensino fundamental, desconsiderando todos as diretrizes anteriores. As divergências aparecem quanto ao processo alfabetizador, que ressaltava a necessidade da ação de alfabetizar e letrar, enquanto seus princípios norteadores indicam a alfabetização em concomitância com o letramento e a alfabetização cientifica. No que diz respeito à concepção de Educação, a Base não traz uma fundamentação pedagógica, ou seja, uma definição clara sobre educação e quais seus alicerces teóricos, epistemológicos, somente metodológicos, por meio das competências e habilidades, o que valida a afirmação do resgate ao tecnicismo no campo curricular, aplicado à educação entre as décadas de 1960 e 1980; o documento ainda induz às habilidades emocionais e normatiza um estreitamento entre questões psicológicas e biológicas, porém regula o saber que versa sobre o indivíduo, convidado a assumir um modelo desenvolvimentista e funcionalista no currículo. Verificou-se por meio destes vieses, a hegemonia de uma concepção de educação, centrada nos indivíduos e em projetos de vida que servem apenas como mecanismo de produção subordinada aos interesses econômicos. Outra questão, é a padronização imposta pela Base, limitando a concepção educacional e renegando os problemas reais da população, além de coibir a tão defendida e almejada autonomia das escolas, em busca da qualidade social na educação. No que diz respeito à equidade, travestida de igualdade, pode-se perceber que o termo equidade presente na BNCC se fortalece no meio educacional relacionando-se a oportunidades iguais de ingresso na escola, contudo, atender aos indivíduos de acordo com suas necessidades e oferecer mais a quem mais precisa e menos a quem requer menos, não se configura em reconhecimento das diferenças e atendimento às necessidades das pessoas. A partir do Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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momento que se estabelecem critérios para atendimentos aos cidadãos acaba-se com a igualdade. Essa é a nossa defesa. O destaque para as similitudes, deve-se ao reconhecimento do currículo como campo de forças. Pelo reconhecimento dos autores de que a Base foi concebida e defendida com alguns aspectos primordiais, como ponto de partida e não como currículo fechado, não se trata de uma relação de conteúdos para as escolas, mas tem como percurso, apoiar os sistemas de ensino nas suas propostas curriculares. Conclui-se que os autores trazem também as possibilidades de frestas de se colocar no jogo as contrapalavras: a primeira fresta aponta para o cuidado aos se refazerem os currículos regionais, locais e especialmente os das escolas, pois aqui a escola está com uma grande
oportunidade de reconquista da autonomia do projeto pedagógico da escola; outro ponto em destaque é para a formação inicial e continuada de professores, visto como parte do direito e de valorização, mas precisam estar atentos para os projetos de cursos, que precisam atender aos anseios da educação básica, mas não podem se abster de proporcionar aos professores-alunos, uma formação técnica, mas principalmente política e humana. Quanto à produção de materiais, faz-se necessário em produtos que apoiem as diversidades, as diferenças, as identidades e, principalmente, uma educação inclusiva; quanto à avaliação educacional, outra fresta necessária, defende-se a ressignificação avaliativa, com a defesa de um processo democrático e de inclusão pautado no tripé - avaliação externa, interna e institucional -, que sejam garantidos os conhecimentos pertinentes à avaliação formativa, de um acompanhamento efetivo para a garantia do direito à aprendizagem, apoiando-se nas matrizes de avaliação e os exames nacionais, mas principalmente que se apoiem nos indicadores de processos e não com foco somente nos indicadores de resultados.
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Pensar Docente da Prática Educacional: Perspectivas do Professor Pesquisador sobre a sua Prática Karolina da Costa Henriques1
Resumo Este artigo tem como objetivo apresentar perspectivas do olhar docente sobre sua prática educativa. Nele, apresentamos algumas ponderações acerca do processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, tendo como premissa o diálogo reflexivo constante que engloba, além de reminiscências pessoais da própria prática docente, a forma como ela vem sendo concebida historicamente. Como base teórica para as reflexões feitas, recorremos aos postulados de Contreras (2002), Fagundes (2016) e Nóvoa (2001) cujos estudos são resultado de décadas de pesquisa acerca da temática, sobretudo no que se refere as (in)certezas que fazem parte do cotidiano de professores do mundo inteiro. Nesse sentido, este texto visa a compartilhar com a comunidade docente em geral, reflexões de experimentações de uma prática docente consciente, reflexiva e com vistas a contribuir para a tomada de decisão em sala de aula.
Palavras-chave: Professor reflexivo. Prática docente. Aprendizagem.
Introdução Esta reflexão surgiu a partir do contato teórico sobre a Formação do professor pesquisador da própria prática, durante os estudos do programa de Pós-Graduação em Docência em Educação em Ciências e Matemática (PPGDOC), da Universidade Federal do Pará (UFPA), da qual somos vinculadas e cuja abordagem temática tem como foco principal a avaliação educacional. Como parte desse processo, algumas etapas foram importantes para a (des)construção acerca do tema e contemplaram além do estudo teórico, uma apreciação crítica do contexto profissional, do qual emergiu um confronto entre teoria e prática que culminaram neste relato que traz reflexões sobre a tríade: docência, pesquisa e reflexão.
Para a sua concretização, realizamos uma (re)visitação nas memórias educacionais que se desenvolveram desde os tempos de escola como discente até o presente momento no papel de discente-docente da Secretaria Estadual de Educação; desse percurso, vários aspectos podem ser observados no que concerne ao diálogo entre pares e seus diferentes contextos de vivência, possibilitando emergir concepções avaliativas que aparecem, de forma explícita ou implícita no âmbito profissional. 1
Mestranda em Educação em Ciências e Matemáticas (PPGDOC), pela Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: karolina.henriques@iced.ufpa.br
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Breve contexto sobre memórias discentes A prática docente é sempre uma temática da qual emergem diferentes discussões e que nas últimas décadas tem dado espaço para a ampliação do debate, sobretudo em torno do fazer docente. Isto ocorre porque temos verificado, seja por meio de índices educacionais ou no dia a dia de sala de aula, que o ensino e a aprendizagem nem sempre tem andado de mãos dadas, ao contrário, verificamos a existência de um abismo entre o que o professor ensina e o que o aluno (não)aprende. Sem o objetivo de apontar culpados, o fato é que, de alguma forma, (consciente ou inconscientemente) ainda reproduzimos em maior ou menor escala dentro das instituições de ensino, uma prática educacional que é tradicionalista; ela se assemelha com o estereótipo de
docência ideal que construímos e consolidamos em nossas mentes a partir de nossas próprias experiências como estudantes. Na visão de Contreras (2002), essa postura remonta a figura do professor “expert infalível” no sentido de uma educação pensada de forma instrumental, crendo assim que a aplicação de técnicas e procedimentos podem gerar o alcance dos efeitos ou dos resultados desejados porque assim o crê. Nesse sentido, [...] a prática profissional reflexiva está guiada por valores profissionais que cobram autêntico significado, não com objetivos finais que devam ser conseguidos como produto da ação, mas como critérios normativos que devem estar presentes e ser realizados no próprio desempenho profissional (CONTRERAS, 2002, p. 112).
O professor que assim pensa, vivencia em sua prática docente uma autonomia didática ilusória que demonstra mais preocupação pelo rigor do que pela relevância e, nessa condição, o profissional não está preocupado em desenvolver uma visão global da situação pedagógica ao qual está inserido, limitando-se apenas ao conhecimento especializado que possui. Nessa perspectiva, sua prática se torna menos criativa e subordinada a uma relação de dependência a um único tipo de conhecimento e finalidade dos quais não elabora, apenas reproduz, cujas capacidades que se associam à ação autônoma, como a deliberação e o juízo, ficam aqui reduzidas a um conjunto de habilidades e regras que devem ser seguidas e não ampliadas (CONTRERAS, 2002).
Essa postura distorce de uma concepção de professor como autor da sua própria prática discursiva. Esta, tem como princípio, o reconhecimento dos professores como seres essencialmente sociais, com suas identidades pessoais e profissionais que vão sendo elaboradas por meio de uma série de relações que o sujeito estabelece com os pares e com o entorno escolar; influenciada por aspectos sociais, emocionais, cognitivos e afetivos. Nesse sentido, abrindo ênfase para nossas proposições acerca da temática, relembramos que no início da nossa carreira docente nos víamos na árdua tentativa de rememorar e trazer para a realidade de sala de aula algumas práticas docentes dos nossos professores da época de Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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escola; até porque eram referências que tínhamos e que estavam guardadas na memória ao longo da caminhada nessa educação formal de escola. De alguma forma, procurávamos reproduzir a mesma didática de outrora ao invés de supor (re)criá-las em prol de uma prática inovadora que fossem ao encontro de nossas convicções e que coadunassem com os documentos atuais vigentes, deixamos também de considerar que Na modernidade, a noção de indivíduo se tornou mais complexa em razão das transformações ocorridas no âmbito das relações sociais marcadas por novos códigos culturais, concepções de individualidade e formas de organização política no mundo ocidental. Em meio às mudanças, foram criadas condições para o debate a respeito da natureza dos seres humanos, seu papel em diferentes culturas, suas instituições e sua capacidade para a autodeterminação (BRASIL, 2018, p. 566).
Essa visão sistêmica do ser humano e a maturidade do que é educar, ainda não nos era perceptível, mas hoje, percebemos essa postura como inerente ao debute docente que é, via de regra, permeado de muitas incertezas e inseguranças; esse movimento de espelhamento em relação a uma imagem anterior nos coloca numa espécie de “lugar seguro”, mas também em uma posição de engessamento; isso ocorre porque geralmente […] alunos que emergem das licenciaturas, saem, muitas vezes, pouco preparados para a docência, tanto com relação a enfrentar uma sala de aula, quanto aos conteúdos específicos a serem trabalhados e as metodologias para a prática pedagógica (OMODEI, 2011, p. 59)
No entanto, a grande contradição nesse espelhar é que – a imagem que se esperava refletir – era justamente a mesma imagem questionada durante o percurso da Licenciatura justamente por terem, em um dado momento da nossa trajetória estudantil, contribuído de forma não tão positiva para nossa aprendizagem e, por consequência, terem resultado em desdobramentos posteriores que só foram percebidos a partir uma autoanálise durante a própria graduação. Esse, talvez, tenha sido o nosso primeiro insight de que teoria e prática necessitavam de uma urgente ressignificação tendo em vista que [...] somente na medida em que se descobrem hospedeiros do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo. A pedagogia do oprimido, que não pode ser elaborada pelos opressores, é um dos instrumentos para esta descoberta crítica – a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores pelos oprimidos (FREIRE, 1987, p. 43).
Contudo, retomando a proposição anterior, ratificamos mais uma vez que ao retomar essas passagens estudantis; o objetivo não é culpabilizar nossos professores de antigamente por terem aplicado um determinado modelo de ensino, hoje visto como tradicional, porque até então, este se efetivava a partir de um modelo vigente e estava inserido a serviço de um contexto sócio-político-econômico específico que refletia os moldes educacionais da época. Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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De fato, a finalidade maior talvez seja fomentar possíveis questionamentos, tais como: nossos professores tiveram a oportunidade e mecanismos que os levassem a ter práticas educativas diferentes das quais atualmente criticamos? Em outra medida, o que nos leva ainda a reproduzi-las? De quais formas podemos superar essa acomodação de uma prática pedagógica em sala de aula que ainda traz fortes resquícios de um modelo não mais vigente, porém presente? Acreditamos ser primordial em nossa prática educativa a atitude de questionar, se questionar e compartilhar desses questionamentos com os nossos pares dentro das nossas Instituições de Ensino. Pensamos ser este um dos caminhos possíveis para o rompimento de práticas docentes nocivas ao aprendizado dos nossos estudantes, isto porque, a partir da reflexão sobre a nossa própria ação docente; podemos vislumbrar rupturas de paradigma
significativas. Mas será que apenas somente o processo de refletir sobre a própria ação docente é o suficiente para vislumbrar uma mudança efetiva diante de contextos educacionais reais e tão diferenciados?
O professor pesquisador: uma ação-reflexão-ação da própria prática A prática docente é uma construção que envolve vários fatores, entre eles: históricos,
sociais e políticos. Em meio a esses fatores, incidem motivações individuais e/ou coletivas que fazem com que a ação docente seja permeada de limitações e possibilidades. Dentro dessa conjuntura, o profissional da educação das mais diferentes licenciaturas traz consigo o peso de uma sociedade que cobra cada vez mais do professor, sem contrapartida das políticas públicas educacionais para área que não disponibilizam os subsídios necessários para que este profissional tenha condições efetivas de trabalho. Em meio a esse turbilhão de questões de ordem estruturais que se apresentam frente a carreira docente, também incide sobre o profissional da área de educação outras questões de natureza pedagógica que dão a essa ocupação uma característica essencialmente reflexiva. Em
nossas práticas docentes em muitas situações somos levados ao ato de reflexão constante. Essa reflexão deriva de nossas experiências profissionais subjetivas com nossos alunos ou da nossa observação entre nossos pares. O paradigma do professor reflexivo, isto é, do professor que reflete sobre a sua prática, que pensa, que elabora em cima dessa prática é o paradigma hoje em dia dominante na área de formação de professores. […] Eu diria que elas não são inerentes à profissão docente, no sentido de serem naturais, mas que elas são inerentes, no sentido em que elas são essenciais para a profissão. E, portanto, tem que se criar um conjunto de condições, um conjunto de regras, um conjunto de lógicas de trabalho e, em particular, e eu insisto neste ponto, criar lógicas de trabalho coletivos dentro das escolas, a partir das quais – através da reflexão, Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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através da troca de experiências, através da partilha – seja possível dar origem a uma atitude reflexiva da parte dos professores. (NÓVOA, 2001, p.8)
No entanto, cabe destacar que do ponto de vista do ensino-aprendizagem, no sentido do que fazer e como fazer e refazer apenas o ato da reflexão pela reflexão, não é capaz de provocar modificações substanciais na vida de estudantes e docentes. Embora a reflexão sobre o ensino-aprendizagem seja o propulsor de um processo maior que culmina em intervenções mais específicas, nota-se que mesmo dentro dos espaços de formação docente que o conceito de professor reflexivo aparentemente foi absorvido de maneira equivocada não como um meio, mas como um fim. Percebemos nas vivências de sala de aula que é comum identificarmos situações de aprendizagem que requerem uma mudança de postura frente ao ensino e que suscitam
mediação significativa, mas que, no entanto, algumas vezes são registradas apenas no ponto de vista do professor e para o professor, ficando encerradas apenas ao campo das ideias. Vários fatores contribuem para esse processo: a acomodação geralmente atrelada a práticas consolidadas como, por exemplo, o uso dogmático dos livros didáticos; o desconhecimento do professor sobre o que fazer com aquela informação que ele identificou; a inviabilização de tempo para que seja possível a reelaboração de uma outra proposta didática ou até mesmo o equívoco já citado em compreender que o professor reflexivo da própria prática se finda apenas no refletir sobre. Nesse sentido, mais do que pensar (refletir) sobre a prática, é importante também darmos continuidade nesse processo por meio da sistematização desses dados observados (pesquisa) com o intuito possibilitar intervenções em sala de aula em um processo que, na prática, inclui ações de planejamento, aplicação, avaliação e replanejamento da ação inicial em um movimento cíclico com vistas a contemplar a aprendizagem significativa dos estudantes. Esse é o papel do professor-pesquisador que reflete sobre a própria prática não havendo antagonismo entre os dois conceitos de professor reflexivo, proposto por Schön e professor pesquisador proposto por Stenhouse. [...] os conceitos de professor pesquisador (Stenhouse, 1975, 1981) e de profissional/professor reflexivo (Schön, 1983, 1992) foram amalgamados no paradigma do professor reflexivo (Nóvoa, 2001), vastamente utilizado por setores que possuem a prerrogativa de orientar a formação de professores e suas práticas em sala de aula [...] (FAGUNDES, 2016, p. 285).
Dessa forma, Nóvoa (2001) também nos esclarece sobre a possível dicotomia entre as duas concepções de professor reflexivo X professor pesquisador que: O professor pesquisador e o professor reflexivo, no fundo, correspondem a correntes diferentes para dizer a mesma coisa. São nomes distintos, maneiras diferentes dos teóricos da literatura pedagógica abordarem uma mesma realidade. A realidade é que o professor pesquisador é aquele que pesquisa ou que reflete sobre a sua prática. Portanto, aqui estamos dentro do paradigma do professor Revista InForm@ção - Vol. VII, Nº 9 (Dez.2021)
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reflexivo. É evidente que podemos encontrar dezenas de textos para explicar a diferença entre esses conceitos, mas creio que, no fundo, no fundo, eles fazem parte de um mesmo movimento de preocupação com um professor que é um professor indagador, que é um professor que assume a sua própria realidade escolar como um objeto de pesquisa, como objeto de reflexão, com objeto de análise (NÓVOA, 2001, p. 8).
Em linhas gerais, retomando o pensamento freiriano em sua Pedagogia da Autonomia (1996), sobre os saberes necessários à prática educativa, o educador salienta que Ensinar não é transferir conhecimento, e atenta para o fato de que Ensinar (também) exige a consciência do inacabamento, entendendo que, como todos nós, ele se dizia inacabado: “sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado” (FREIRE, 1996, p. 53) Diante disso, entendemos que somos educadores e por essência inacabados, no sentido de que estamos em constante processo de evolução e imersos em diversos processos que requer de nós mais do que apenas uma simples reflexão sobre o nosso fazer pedagógico, pois assim estaríamos limitados apenas ao campo das ideias; o que se propõe, de fato, é abertura para um agir modificador permanente sobre a prática que permita inovações metodológicas em sala de aula numa perspectiva criadora e criativa. Sendo assim, estabelecendo uma relação entre as proposições abordadas, nossa prática vivenciada em sala de aula, além das contribuições que emergem dos diálogos entre os pares nos espaços escolares – em uma análise preliminar a partir dos processos que se desenvolvem efetivamente na ação docente – o contexto nos sugere e aponta para a necessidade de uma ruptura paradigmática nas formas de se conceber e realizar o ensino, e, consequentemente, na forma como o aluno recebe essa mensagem a fim de motivar os educandos impulsionar a aprendizagem.
Considerações Finais Professor reflexivo é aquele que repensa sua própria prática a fim de tentar compreender e melhorar o seu ensino que conceitualmente se sustenta em três pilares: conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a reflexão na ação; na prática, é uma espécie de autoavaliação profissional e uma oportunidade de o professor refletir sobre problemas vivenciados na sua atuação cotidiana. Já a reflexão crítica do coletivo profissional não se reduz apenas a reflexão de situações de sala de aula e da escola, mas abrange o contexto educacional nas suas perspectivas históricas, sociais, culturais, organizacionais e por fim, individuais. Portanto, para que tenhamos realmente uma verdadeira transformação no âmbito
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educacional é preciso, acima de tudo, romper com os paradigmas que ainda permeiam nosso agir dentro dos espaços escolares e tomarmos para nós a verdadeira autonomia do trabalho docente que é (re)criar e (re)significar o espaço escolar. Por certo, há muito mais a trilhar, no entanto, é necessário dar o primeiro passo, refletindo e depois agindo sobre o que refletiu. Aqui fazemos uma reflexão que envolve nossa prática: repensar os modelos educacionais que fizeram parte da nossa vivência como estudantes e do ideal docente que (re)criamos em sala de aula, é primordial para a ruptura de uma prática docente engessada por moldes que embora pensemos superados, ainda permanecem enraizados em nossas memórias e práticas. Pensamos que refletir sobre esses processos é o ponto de partida necessário, porém não
um fim, tendo em vista que o professor que (re)pensa sua prática, inevitavelmente perpassará sempre por esse movimento que é alicerce, cíclico e permanente, pois viabiliza a tomada de decisão que gera mudanças em sala de aula.
Referências BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília - DF: SEF/MEC, 2018. CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002. FAGUNDES, Tatiana. Os conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo: perspectivas do trabalho docente. Revista Brasileira de Educação. Rio de |janeiro, v. 21, n. 65, abr.-jun. 2016, p. 281-298. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ______. Pedagogia da Autonomia. 25. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. NÓVOA, Antonio. O professor pesquisador e reflexivo. (Entrevista concedida em 13 de setembro de
2001).
Disponível
em:
https://ledum.ufc.br/arquivos/didatica/3/Professor_
Pesquisador_Reflexivo.pdf. Acesso em: outubro de 2021. OMODEI, Letícia Barcaro Celeste. Docência em Matemática: Um Relato de Experiência num Projeto de Ensino. Diálogos & Saberes. Mandaguari. v. 7, n. 1, p. 59-66, 2011. Disponível em http://www.fafiman.br/seer/index.php/dialogosesaberes/article/viewFile/288/280.
Acesso
em:
outubro de 2021.
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