Vol ume3Nยบ5
Informação. A Revista digital do CEFOR/SEDUC. Ano III, v.1 (out. 2017). Belém: Secretaria de Educação. Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará, 2017. Semestral (2015-) ISSN 2448-1106 1. Educação – Periódicos 2. Formação de professores– Periódicos I. Secretaria de Educação do Estado do Pará II. Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará. CDD: 370 CDU: 37 (05)
S U M Á R I O
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Apresentação
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DIVÃ, OS MATERIAIS DIDÁTICOS DA OLIMPÍADA DE LÍNGUA PORTUGUESA ESCREVENDO O FUTURO: em foco, o Artigo de Opinião Gercilene Vale dos Santos, Missilene Barreto, Sílvio Nazareno de Sousa Gomes
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TECENDO SABERES POR ÁREA DE CONHECIMENTO: possibilidades didáticas em foco Francisco Augusto Lima Paes, Luciel Antonio da Silva Macêdo
44 O ENSINO DE MATEMÁTICA ATRAVÉS DA CONEXÃO ENTRE OS SABERES Lígia Françoise Lemos Pantoja, Ricardo José Fernandes Anchieta, Rocio Rubi Calla Salcedo 58
A UTILIZAÇÃO DE UM BLOG E SUAS FERRAMENTAS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA DO 6º AO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL II NO MUNICÍPIO DE PARAGOMINAS-PA NO ANO DE 2016 Samuel Antonio Silva do Rosario, Jocenilda Pires de Sousa,Anderson da Silva e Silva
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TRABALHANDO COM PROJETOS DIDÁTICOS INTERDISCIPLINARES NA CLASSE HOSPITALAR DO ESPAÇO ACOLHER Gilda Maria Maia Martins Saldanha, Denise Corrêa Soares da Mota, Micheline Banhos de Oliveira
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DADOS ESTATÍSTICOS NA ESCOLA: um estudo de caso de distorções idade-série como subsídios para intervenções educacionais Amari Goulart, Amerinei Ferreira da Silva, Geriane Afonso de Mendonça
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AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS SOBRE A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS NUM CURSO DE FÉRIAS EM BELÉM (PA) Ana Paula Guimarães Lameira, Rouziclayde Castelo Barata, Sônia Helena F. Costa
107 OS MITOS DE ORIGEM INDÍGENAS E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS Walmir Nogueira Moraes 118 PERSPECTIVAS DA TRADUÇÃO DE TEXTOS MATEMÁTICOS NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Luciano Augusto da Silva Melo 137 O TRABALHO COM FÁBULAS NO ENSINO FUNDAMENTAL: Contribuições para o desenvolvimento da leitura no 6º ano Teodomiro Pinto 150 O PROGRAMA DO LIVRO DIDÁTICO (PNLD) NO CONTEXTO EDUCACIONAL DA AMAZÔNIA: O CASO DO MUNICÍPIO DE MARACANÃ NO ESTADO DO PARÁ Wilson da Silva Rezende
E X P E D I E N T E
GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ
EDITOR Ocimar Marcelo Souza de Carvalho
Simão Robson Oliveira Jatene
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO Ana Cláudia Serruya Hage
SECRETARIA ADJUNTA DE ENSINO José Roberto Alves da Silva
CONSELHO CIENTÍFICO Carlos Alberto de Miranda Pinheiro Diana Lemes Ferreira Evandro dos Santos Paiva Feio Gesson José Mendes Lima Glaucia de Nazaré Baia e Silva Ivône Rosa Cabral Jacirene Vasconcelos de Albuquerque João Amaro Ferreira Neto José Roberto Alves da Silva José Rondinelle Lima Coelho Letícia Carneiro da Conceição Luciel Antonio da Silva Macêdo Luiza Helena Miranda Amador Mara Franco de Sá Ocimar Marcelo Souza de Carvalho Paulo Roberto Sousa David Raimunda de Nazaré Fernandes Corrêa Raimundo William Tavares Júnior Roberto Araújo Martins
CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARÁ Carlos Alberto de Miranda Pinheiro
CONSELHO EDITORIAL André Luis Pereira de Feitas Nádia Eliane Cortez Brasil Ocimar Marcelo Souza de Carvalho Suzana Mariano Alves da Silva
REVISÃO Ana Lúcia da Silva Brito Melissa da Costa Alencar Missilene Barreto
CAPA E DIAGRAMAÇÃO André Freitas
A P R E S E N T A Ç Ã O
Cronos, o tempo é imbatível e célere. Parece que foi ontem quando o Centro de Formação dos Profissionais da Educação Básica do Estado do Pará Cefor - resolveu lançar inform@ção, revista eletrônica com o objetivo de estimular a divulgação de produção acadêmica e relatos de experiências dos profissionais da educação do estado do Pará. A época a iniciativa foi do então coordenador do centro, o professor José Roberto Alves da Silva, abraçada com entusiasmo pela equipe do centro, com destaque para o professor Ocimar Marcelo Souza de Carvalho, editor da revista. Naquele momento, sofríamos com os indicadores educacionais que colocavam o Pará como um dos últimos estados da federação. Era também o momento em que diuturnamente nossas escolas eram expostas na mídia como em colapso em termos estruturais e físicos. Esse tempo, felizmente ficou em grande parte para trás. Visivelmente na reversão dos indicadores. Mas em pleno olho do furacão, numa atitude visionária e de real entusiasmo, a proposta de um periódico mostrava-se extremamente pertinente. Inclusive para valorizar os inúmeros professores, especialistas, mestres e doutores da rede estadual. Na República Popular da China, convocam-se semanalmente os professores, por bairro, para que durante um dia haja compartilhamento de experiências exitosas. Na falta de espaço e tempo, a revista cumpre o papel de demonstrar que, apesar de situações ainda adversas que são postas na nossa rede de ensino, é possível o comprometimento com o principal sujeito da aprendizagem - nossx alunx. Independente de partidos e governos, a educação nesse país tem de ser vista como fundamental para a superação do atraso econômico e de condições para a efetivação de uma cidadania comprometida com uma sociedade democrática, inclusiva e mais igualitária. Dessa forma os onze artigos e relatos de experiência mostram-se extremamente relevantes no alcance dos objetivos acima enumerados. Os professores mestres de língua portuguesa: Gercilene Vale dos Santos, Missilene Barreto e Sílvio Nazareno de Sousa Gomes em No Divã, os Materiais Didáticos da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro:
em foco, o
artigo de opinião, analisam os materiais didáticos de língua portuguesa sob o viés da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro mais especificamente do Caderno do professor-Pontos de Vista (2016) sobre gênero textual artigo de opinião. Para os autores o material revelou-se atualizado, coerente com foco nas interações sociais, a sequência didática como eixo metodológico
e com uma preocupação de preparar o 3
educador para a realização de oficinas. A produção escrita é o foco central da pesquisa numa sociedade em que o analfabetismo funcional ganha indicadores alarmantes. Os mestres Francisco Augusto Lima Paes e Luciel Antonio da Silva Macedo no artigo Tecendo Saberes por Área de Conhecimento: possibilidades didáticas em foco, trabalham ao encontro das discussões acerca do Ensino Médio na busca de superar o ensino disciplinar propondo o estudo por áreas de conhecimento referendados Pela LDB 9.394-96 e a atual Base Nacional Curricular (BNCC), a partir da 2ª versão do documento (2016), apresentando possibilidades didáticas como sugestões metodológicas. Na trilha de resolução de problemas matemáticos, a mestra Lígia Françoise Lemos Pantoja da Seduc, os doutorandos do IFMA Ricardo José Fernandes Anchieta e Rocio Rubi Calla Salcedo da Universidade Federal de Macapá em O Ensino de Matemática através da Conexão entre os Saberes apresentam uma proposta metodológica para ensinar e/ou aprender sistemas de equações algébricas lineares a partir da conexão entre os métodos da substituição e do escalonamento. Dessa forma, ensinando de maneira mais eficaz uma disciplina que precisa cada vez mais chegar perto do estudante. Ainda no campo da matemática, Perspectivas da Tradução de Textos Matemáticos no Âmbito da Educação Matemática do professor Luciano Augusto da Silva Melo, aborda aspectos da tradução de textos a partir de teorias de Ricoeur, Benjamin e Schleimancher. A partir daí passa a analisar a tradução de textos matemáticos num campo ainda pouco explorado no sentido muito apropriado de melhorar o ensino da disciplina nas nossas escolas. Como estímulo à leitura, peça fundamental para todas as áreas do conhecimento e janela para diversos mundos e contextos, surgem dois artigos que trabalham estratégias de facilitação ao mundo do letramento eu comento a seguir: O primeiro O Trabalho com Fábulas no Ensino Fundamental: contribuições para o desenvolvimento da leitura no 6º ano do professor Teodomiro Pinto Sanches Neto, mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura. Com o objetivo do incremento à leitura, o professor propõe no artigo a utilização da fábula como instrumento didático de ensino. Além do mais a fábula agregaria tanto a análise interpretativa, quanto à contemplativa. O segundo parte da defesa da utilização do universo mítico das diversas etnias indígenas
que
constituíram
e
constituem
a
nacionalidade
brasileira
e
mais
especificamente amazônida foi a proposta do mestre em língua portuguesa, Walmir Nogueira Moraes 4
em Os Mitos de Origem e as Práticas pedagógicas. A proposta vai
comparar os mitos indígenas com os mitos da antiguidade clássica. Os mitos abordados foram o mito da Iara, a rainha das águas; Vitória Régia; Mandioca, o pão indígena e o Curupira a partir de uma análise comparativa. Um dos gargalos educacionais do Brasil e do Pará consiste, entre outros, na distorção idade série. Amerinei Ferreira da Silva, especialista em educação, Gerlane Afonso de Mendonça licenciada em pedagogia e o Dr. em Matemática Amari Goulart, em Dados Estatísticos na Escola: um estudo de caso de distorções idade-série como subsídios para intervenções educacionais, apresentam análise de dados estatísticos do desempenho escolar numa instituição de ensino fundamental no município de Moju, no interior do Pará. Como resultado da análise, e reflexão por parte da comunidade procurou-se medidas para a melhoria da aprendizagem escolar. Em
As
Representações
Sociais
de
Professores
de
Ciências
sobre
Aprendizagem Baseada em Problemas num Curso de Férias em Belém (PA), Ana Paula Guimarães Lameira, mestre em Zoologia, Rouziclayde Castelo Barata, mestre em educação em Ciências e Matemática e Sônia Helena F. Costa, mestre em educação em Ciências Veterinárias trabalham com as representações sobre a Aprendizagem Baseada em Problemas (APB) aplicada no Curso de Férias realizado no município de Belém para alunos de ensino médio, através de pesquisa qualitativa. O resultado foi de impressões altamente positivas a respeito da metodologia. Wilson da Silva Rezende, especialista em Educação em O Programa do livro Didático (PNLD) no Contexto Educacional da Amazônia:
o caso do município de
Maracanã no Estado do Pará analisa O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) no contexto regional em Maracanã discutindo as deficiências de gestão no processo de distribuição de livros didáticos, utilizando como fonte entrevistas com diversos sujeitos como diretores, professores e técnicos responsáveis por sua distribuição, propondo medidas para melhorar o gargalo na distribuição. E por último, mas não menos importante, dois relatos de experiências. O primeiro dos mestres Samuel Antonio Silva do Rosário, Jocenilda Pires de Sousa e do professor de matemática Anderson da Silva e Silva tem como título: A Utilização de um Blog e suas Ferramentas no Ensino e Aprendizagem da Matemática do 6º ao 9º Ano do Ensino Fundamental II no Município de Paragominas-PA no Ano de 2016, relata a criação de um blog de matemática para dar suporte ao professor, com conteúdos, materiais e sugestões de aulas diferenciadas. 5
E o segundo Trabalhando com Projetos Didáticos Interdisciplinares na Classe Hospitalar do Espaço Acolher da mestre Gilda Maia Martins Saldanha, e das especialistas Denise Corrêa Soares da Mota e Micheline Banhos de Oliveira descreve o trabalho de professores da rede estadual em uma classe hospitalar na casa de apoio “Espaço Acolher” da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará-FSCMPA com ações interdisciplinares junto a mulheres ribeirinhas vítimas de acidentes de motor na Amazônia. O êxito do trabalho se deu com metodologias que dialogaram com as experiências de vida desses sujeitos. Como se viu, artigos e relatos de experiências de 24 professores de cinco municípios do estado, sem falar da capital, altamente relevantes e uma pequena amostra do que é produzido por profissionais da rede estadual de ensino, agora com a oportunidade de compartilhar saberes e práticas. Professor Dr. Raimundo William Tavares Jr.
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NO DIVÃ, OS MATERIAIS DIDÁTICOS DA OLIMPÍADA DE LÍNGUA PORTUGUESA ESCREVENDO O FUTURO: em foco, o Artigo de Opinião
Gercilene Vale dos Santos 1 Missilene Barreto2 Sílvio Nazareno de Sousa Gomes3
Resumo: A presença de materiais didáticos de língua portuguesa, tecidos sob o viés da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o futuro, nas escolas já é uma realidade. Nos últimos anos a proposta desse programa de governo tem sido muito discutida. Com base nisso, objetivamos neste artigo analisar as concepções de gênero textual, com foco no tratamento da leitura, análise linguística e produção textual escrita no material distribuído da Olimpíada de Língua Portuguesa, especificamente o Caderno do Professor Pontos de Vista, que aborda o gênero artigo de opinião. Para tanto, inicialmente situamos o caderno no conjunto dos materiais da Olimpíada de Língua Portuguesa; em seguida, analisamos a abordagem do gênero textual Artigo de Opinião, no caderno do professor – Pontos de vista; posteriormente, discorremos sobre o ensino e aprendizagem da leitura, análise linguística e da escrita no Caderno do Professor – Pontos de Vista e, finalmente tecemos nossas conclusões. Os resultados demonstram uma abordagem de gênero com foco nas interações sociais; a sequência didática como eixo metodológico; a tomada dos textos como práticas sociais e como objetos de ensino e aprendizagem da leitura, análise linguística e produção textual escrita; a produção escrita como foco central da proposta. Palavras-chave: Olimpíada de Língua Portuguesa. Caderno do Professor Pontos de vista. Leitura. Escrita.
1
Professora de Língua Portuguesa do Estado do Amapá. Mestra em Letras pela UFPA. Professora de Língua Portuguesa – SEDUC/PA. Mestra em Letras pela UFPA. 3 Professor de Língua Portuguesa do Estado do Amapá. Mestre em Letras pela UFPA. 2
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Introdução O material da Olimpíada de Língua portuguesa (OLP) parte de um objetivo geral, a saber: “proporcionar ensino de qualidade para todos” (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 3). É um programa do Ministério da Educação (MEC) e constitui uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Trata-se de um concurso de textos que premia produções discentes de escolas públicas brasileiras de ensino fundamental e médio. O concurso está organizado em quatro categorias de gêneros: poema (5º e 6º anos do Fundamental); memórias literárias (7º e 8º anos do Fundamental); crônica (9º ano fundamental e 1º ano do Ensino Médio) e artigo de opinião (2º e 3º ano do ensino Médio), partindo do tema “O lugar onde vivo”. O tema leva o aluno a conhecer a sua comunidade, aprofundar o olhar, expandir suas relações sociais, vindo ao encontro da concepção de língua como ato de interação. O ponto de partida são entrevistas e conversas com a comunidade, experiências que desenvolvem o sentimento de pertença e favorecem o reconhecimento dos saberes e problemas locais; além disso, leituras, pesquisas e estudos constroem um novo olhar acerca da realidade e abrem perspectivas de transformação social (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 4).
A OLP, ao mobilizar o envolvimento de professores, transcende o concurso e proporciona a esses educadores envolvidos, contextos de formação e material didático com atividades planejadas para o processo educativo. São eles: Figura 1 Caderno do professor – orientação para produção de texto
Fonte: Caderno do Professor Pontos de vista/2016
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Figura 2 Coletânea de Textos
Fonte: Caderno do Professor Pontos de vista/2016
Figura 3 - CD-ROM com textos em versão sonora e para impressão/projeção
Fonte: Caderno do Professor – Artigo de Opinião/2016
O principal material disponibilizado pelo programa da OLP para o trabalho com os gêneros acima elucidados é o Caderno do Professor, impresso, e disponível em versão PDF na plataforma do programa: www.escrevendoofuturo.org.br. O caderno que apresenta o gênero artigo de opinião é intitulado “Pontos de vista”. Acompanham esse caderno: dez coletâneas de textos (Figura 2), na qual se apresentam os textos, sem análise e sem comentário para leitura do aluno e o cd-rom (Figura 3) desses mesmos textos gravados em áudio e prontos para serem projetados em datashow ou impressos. No cd, acompanha um aplicativo que permite destacar palavras e trechos para mostrar ao aluno. Além desses, há, também, na plataforma online da Olimpíada outros recursos multimídias disponíveis para uso do professor: caderno virtual, coletânea de textos finalistas nas edições anteriores, jogos de aprendizagem e atividades complementares.
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Figura 4 - Caderno virtual
Fonte:
https://www.escrevendoofuturo.org.br/caderno_virtual/caderno/opiniao/.
Acesso
em:
14.04.2016
Preocupada com as novas tendências em tecnologias da educação e em adequar seus materiais ao contexto contemporâneo, a OLP inova, ao apresentar o caderno virtual para o gênero artigo de opinião. De acordo com o texto de apresentação do material, este recurso foi pensado para ser usado virtualmente, apresenta oficinas transformadas em atividades lúdicas (games), levando os alunos a acessarem e “jogarem” online, durante as aulas.
[...] É assim que, na mesma página, pode-se acessar às diferentes oficinas, aos textos da coletânea, ao áudio destes mesmos textos, a vídeos relacionados à produção de artigos de opinião, aos jogos, enfim, a uma multiplicidade de informações. O material ainda fornece outros recursos multimídias, tais como realizar buscas no ambiente, anotações e grifos nos textos. (CADERNO VIRTUAL, 2013, online)
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Figura 5 - Textos Finalistas de todas as edições
Fonte:https://www.escrevendoofuturo.org.br/biblioteca/#/nossas-publicacoes/textos-dos-finalistas. Acesso em: 14.04.2016
Figura 6 - Jogos de Aprendizagem – Artigo de Opinião
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Fonte:https://www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/biblioteca/nossas-publicacoes/colecao-daolimpiada/artigo/213/jogos-de-aprendizagem-artigo-de-opiniao. Acesso: 14.04.2016
Figura 7 - Materiais de atividades complementares
Fonte:www.escrevendoofuturo.org.br. Acesso: 14.04.2016
Todos esses instrumentos didáticos e a abordagem teórico-metodológica, talvez sejam um dos principais investimentos da OLP e o que, certamente, contribui para o que Rangel (2002) apud (Rangel e Garcia, 2012, p. 13) afirma como sendo “uma virada pragmática no ensino da língua materna”.
O Gênero Discursivo Artigo de Opinião na Olimpíada de Língua Portuguesa: o caderno do professor – Pontos de vista O gênero textual artigo de opinião é trabalhado a partir do Caderno do professor Pontos de vista, segundo a opção teórico-metodológica da OLP. O ensino-aprendizagem do gênero se apresenta por meio de uma sequência didática, em 15 módulos. A carta direcionada ao professor discorre sobre todos os materiais e a organização estrutural da proposta da Olimpíada. É possível perceber nesse texto que a proposta de produção textual escrita segue a abordagem de gênero como ferramenta de ensino da escrita, como se lê no quarto parágrafo: “Este Caderno do Professor traz uma sequência didática desenvolvida para estimular a vivência de uma metodologia de ensino de língua que trabalha com gêneros textuais” (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 3). Os gêneros textuais, no geral, estão ligados às esferas de circulação e às práticas sociais. A título de exemplo, pode-se citar: a jornalística, a acadêmica, a literária, entre outras. Na OLP, percebemos, quanto à esfera de circulação, a preferência pela literária, visto que a presença dos gêneros poema, memórias literárias e crônicas é maioria. O 12
artigo de opinião, da esfera jornalística, é trabalhado apenas em uma categoria e é direcionado a estudantes do 2º e 3º anos do ensino médio. A noção de gênero abordada pela OLP, segundo Rangel e Garcia (2012) assentase na definição traçada por Bakhtin (2003), segundo o qual toda esfera da atividade formula seus enunciados concretos relativamente estáveis. Cada um, por sua vez, constituído pelo conteúdo temático, construção composicional e estilo. Na OLP esse pressuposto pode ser claramente compreendido quando se lê: “[...] Orientada pela perspectiva discursiva de Bakhtin, a Olimpíada parte do pressuposto de que as diversas esferas da atividade humana estão, necessária e indissoluvelmente, relacionadas ao uso da linguagem” (RANGEL E GARCIA, 2012, p. 12). Dessa maneira, a concepção de gênero discursivo é considerada como os usos da linguagem vinculados às diferentes esferas sociais, as quais elaboram suas formas próprias de comunicação, cada uma moldada textualmente, com uma forma própria. Além desse relevante aspecto teórico na elaboração dos Cadernos do professor, o programa da OLP adota outra perspectiva de gênero, a qual subsidia a didatização dos gêneros em sala de aula. Na página de apresentação do Caderno é possível perceber mais claramente essas perspectivas de gênero: o interacionismo sócio-discursivo, de Bronckart e a perspectiva socioconstrutivista da Escola de Genebra, representado por Joaquim Dolz, Noverraz e Bernard Schneuwly, conforme se lê nos fragmentos abaixo:
[...] para preparar este material conversamos com pessoas que pesquisam, discutem ou discutiram a escrita e seu ensino. Entre alguns pesquisadores e teóricos de diferentes campos do conhecimento que têm se dedicado a elaborar propostas didáticas para o ensino de língua destacamos o Prof. Dr. Joaquim Dolz [...] (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 8)
Juntamente com Jean – Paul Bronckart, Bernard Schneuwly e outros pesquisadores, Joaquim Dolz pertence a uma escola de pensamento genebrina que tem influenciado muitas pesquisas, propostas de intervenção e de políticas públicas de educação em vários países. [...] (PONTOS DE VITSA, 2016, p. 8)
A partir desse esclarecimento, podemos notar, mais especificamente, que o as perspectivas de gênero são muito bem desenvolvidas no projeto da Olimpíada. Percebemos isso quando consideramos a preocupação em definir um gênero específico em cada caderno, a metodologia da sequência didática, as capacidades de linguagem como conteúdos ensináveis do gênero e a priorização do oral nas atividades. 13
É o próprio Dolz por sinal quem faz as “honras da casa” ao escrever sobre A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro: uma contribuição para o desenvolvimento da aprendizagem da escrita, traduzido por Anna Rachel Machado. No texto, o estudioso não só dá um panorama geral da proposta, como também aprova e convida a todos (os professores) a abraçarem o projeto. É o que podemos perceber nos desdobramentos das seções que compõem o texto, sobre as quais nos detemos a seguir: •
Na introdução, compara-se a proposta do programa da OLP à concepção de jogos olímpicos e apresentam-se os objetivos, ditos “ambiciosos” da Olimpíada de Língua Portuguesa: democratizar os usos da Língua Portuguesa, perseguindo o “iletrismo” e o fracasso escolar; contribuir para melhorar o ensino da leitura e da escrita, fornecendo material e ferramentas como a sequência didática; contribuir direta e indiretamente para a formação docente;
•
Em Ler e escrever: prioridades da escola – que trata sobre a abordagem da leitura e da escrita como aprendizagens essenciais, que devem ser prioridades da escola e concebidas a partir das suas dimensões sociais, culturais e psicológicas;
•
Em Aprender a ler lendo todos os tipos de texto – em que se estabelecem quais são os principais objetivos do ensino da leitura e o que o ensino dessa habilidade implica;
•
Em Aprender a escrever escrevendo – no qual se esclarece que esse tema é a principal preocupação da Olimpíada. Situa o ensino da escrita como uma batalha para a qual há necessidade de o professor tecer estratégias, elaborar objetivos adequados e ter uma boa formação. Nessa ação, discorre-se sobre a escrita a partir de suas dimensões social, psicológica, do desenvolvimento da linguagem, destacando dentro desse último: o contexto de produção, a planificação do texto, a mobilização dos recursos linguísticos, a arquitetura textual e a adoção da concepção de escrita como processo, no qual são consideradas atividades de revisão, releitura e de reescrita.
•
Em Escrever: um desafio para todos, na qual se apresenta o desafio proposto pelo programa da Olimpíada: “[...] melhorar as práticas de escrita” (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 13) e se estimula o professor a aderir ao
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concurso: “Só o fato de participar desse projeto já é importante para se tomar consciência do desafio que é a escrita” (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 13); •
A sequência didática como eixo do ensino da escrita, em cujo texto Dolz discorre sobre essa abordagem metodológica, apresentando os principais passos a serem considerados em uma sequência didática: fazer os alunos escreverem um primeiro texto e avaliar suas capacidades iniciais; escolher e adaptar as atividades; trabalhar com outros textos do mesmo gênero; trabalhar sistematicamente as dimensões verbais e as formas de expressão em língua portuguesa; estimular progressivamente a autonomia e a escrita criativa dos alunos;
•
Finalmente em Uma chama olímpica contra o iletrismo, o autor reforça sua aprovação pelas sequências didáticas desenvolvidas no contexto da Olimpíada de Língua Portuguesa e reforça sua convicção de que os desafios do ensino e aprendizagem da leitura e da escrita podem ser superados.
Após essas explanações percebemos que o propósito dessas informações é de orientar o professor sobre todo o processo de ensino e aprendizagem proposto no caderno, ao passo em que o motiva a traçar novos rumos para o ensino da leitura e da escrita, a partir da OLP. A abordagem do gênero artigo de opinião, especificamente, acontece a partir da Introdução ao gênero. Nessa seção aborda-se a temática de Escrita e Cidadania, num claro movimento de situar o gênero Artigo de opinião com a prática social de expressar um ponto de vista sobre determinado tema, em especial as questões que geram polêmica. Toma-se essa capacidade linguística como uma condição relevante para o exercício da cidadania. Nesse percurso apresenta-se o objetivo do caderno: “[...] motivar alunos e professores a (re)conhecer questões polêmicas que atravessam nosso cotidiano” (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 18). Os autores do caderno têm o cuidado de mostrar o contexto de produção do gênero em tela. Para tanto, situam-no como pertencente à esfera jornalística, mencionando outros gêneros dessa esfera para diferenciá-lo, a notícia. Assim são caracterizados os gêneros de natureza neutra e imparcial distintamente daqueles cujas matérias são assinadas. 15
Seguidamente, é apresentado o papel social do articulista; os meios de circulação do gênero; os objetivos da escrita do gênero; algumas características do gênero e justifica-se a importância de se abordar esse gênero no contexto de sala de aula. Seguese a isso, um boxe com informações sobre o tempo necessário para o desenvolvimento das oficinas. Depois dessas explanações introdutórias é apresentada uma sequência didática organizada em 15 oficinas. A ideia é bem simples: por meio de um encadeamento de atividades, os discentes produzem a primeira versão do gênero artigo de opinião que será estudado. Em seguida, desenvolvem práticas de oralidade, leitura, discussão e apreensão de unidades estruturais e linguísticas do gênero em questão, pesquisas sobre o tema. Após tudo isso, uma segunda versão do gênero em estudo é produzida, a partir da qual são propostas atividades de reescrita e aprimoramento. Ao final do caderno há um quadro com os critérios de avaliação para o gênero. O propósito é proporcionar aos estudantes por meio de projetos de atividades, o contato e desenvolvimento desse em gênero, em particular. Figura 8 - Sumário – visualização geral dadas oficinas propostas
Fonte: Caderno do Professor Pontos de Vista/2016
Ao analisar as oficinas é possível perceber que a abordagem de gênero discursivo, de acordo com Bakhtin (2003), vai se concretizando no desenrolar das oficinas, cujas 16
atividades recaem sobre o contexto de produção, conteúdo temático, construção composicional e estilo do gênero, conforme verificamos nos exemplos a seguir:
Figura 9 - Atividade voltada ao contexto de produção do gênero Artigo de Opinião
Fonte: Oficina 2 (p. 40) Caderno do Professor – Pontos de vista/2016
Figura - 10 Atividade voltada à construção composicional do gênero
Fonte: Oficina 7 (p. 92) - Caderno do Professor – Pontos de vista/2016
Para manter-se fiel às opções teórico-metodológicas, os organizadores definem como contexto de produção do texto discente o concurso de textos promovido pela OLP (uma situação real de comunicação) e como eixo temático, “O lugar onde vivo” e como aspectos ensináveis do Artigo de opinião, conteúdos como: formulação de questões 17
polêmicas, tipologia argumentativa, organização textual, análise de argumentos, emprego de elementos articuladores; tomada de posição; a escrita, reescrita, reescrita coletiva. Figura 11- Exemplo de atividade com foco no conteúdo temático
Fonte: Oficina 12 - Caderno do Professor – Pontos de vista/2016
Figura 12 - Exemplo de atividade com foco no estilo do artigo de opinião
Fonte: Oficina 8 (p. 110) – Caderno do professor - Pontos de vista
Conforme observamos no sumário e nos desdobramentos das próprias oficinas, percebemos que a perspectiva de gênero adotada se concretiza na proposta como um todo. No caderno Pontos de vista são apresentados nove textos, todos da esfera jornalística. Desses, três são notícias, um é charge e cinco são artigos de opinião. A partir
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desses textos são apresentadas atividades para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita do artigo de opinião. Exemplares de textos do gênero Artigo de opinião são utilizados em todo o caderno para que os alunos possam ter acesso a referências textuais do gênero e possam desenvolver o exercício da leitura e da análise das marcas do gênero, bem como tê-los como modelo de texto quando da produção escrita.
O ensino e aprendizagem da leitura, análise linguística e da escrita no Caderno do Professor – Pontos de Vista A abordagem de atividades com foco na oralidade, na leitura, na análise linguística, na pesquisa e produção de texto escrito é desenvolvida, em equilíbrio, ou seja, estão inter-relacionadas. Para a efetivação da produção escrita com competência comunicativa, há sempre um forte vínculo da escrita com a oralidade, leituras anteriores, com os conteúdos linguísticos e ideias do leitor, visto que sem essa relação, o texto seria produzido vazio e sem consistência. O quadro 1, disposto abaixo, possibilita-nos ter a ideia do conjunto e do percentual das atividades propostas no decorrer das 15 oficinas do caderno Pontos de vista (2016). Quadro 1 - Distribuição de atividades no Caderno do professor - Pontos de vista/2016
Distribuição de atividades no Caderno do professor - Pontos de vista/2016 Reescrita 10% Produção escrita 12%
Oralidade 19%
Pesquisa 7% Análise linguística 19%
Leitura 33%
Fonte: Autores/2016
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As atividades de leitura
A proposta da OLP, além do ensino da produção escrita, também visa ao incentivo da leitura de todos os tipos de texto. Essa prática de linguagem é concebida, pelo concurso, como importante ferramenta para integrar o indivíduo à cultura letrada. Por meio das práticas de leitura, o aluno é conduzido a desenvolver-se cognitivamente, emocionalmente e linguisticamente, expandindo seus conhecimentos a respeito da língua, tornando-se, desse modo, um leitor autônomo. Assim, percebemos que a proposta de ensino da leitura delineada pela OLP vai além da simples ação de decodificar palavras, mesmo sendo esta uma ação imprescindível para a concretização do ato de ler. Isso porque, na proposta da OLP ler é um processo de interação verbal, cujos interlocutores, autor e leitor, dialogam por meio do texto, necessitando ir além da decifração dos códigos linguísticos, ultrapassando os limites explícitos do texto. Nesse sentido, consoante o caderno Pontos de vista:
[...] Não é suficiente que o aluno seja capaz de decifrar palavras, identificar informações presentes no texto ou lê-lo em voz alta – é necessário verificar seu nível de compreensão e, para tanto, tem de aprender a relacionar, hierarquizar e articular essas informações com a situação de comunicação e com o conhecimento que ele possui, a ler nas entrelinhas o que o texto pressupõe, sem dizer explicitamente, e a organizar todas as informações para dar-lhes um sentido geral (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 10-11).
Dessa forma, o docente precisa “preparar o aluno para que, ao ler, aprenda a fazer registros pessoais, melhore suas estratégias de compreensão e desenvolva uma relação mais sólida com o saber e com a cultura” (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 10.), além de orientá-lo para a construção de sentidos do texto, por intermédio de estratégias leitoras. Ao analisarmos a natureza das questões propostas voltadas para leitura no caderno Pontos de vista (2016), pudemos confirmar que as atividades para esse fim, levam em conta os níveis de compreensão, o conhecimento de mundo do aluno-leitor, a construção de sentidos do texto numa concepção interacionista, nas quais prevalecem o diálogo entre autor-texto-leitor, bem como o uso de estratégias de leitura. A título de exemplo, podemos observar as Figuras 13 e 14, as quais nos mostram trechos de algumas atividades de leitura presentes no referido caderno: Figura 13 – Exemplo de atividade de leitura presente no caderno do ProfessorPontos de Vista com abordagem de estratégia de leitura. 20
Fonte: Oficina 6 (p.81-82) Caderno do professor – Ponto de vista
Figura 14 – Continuação de exemplo de atividade de leitura presente no Caderno do Professor- Pontos de Vista com abordagem de estratégia de leitura.
Fonte: Oficina 6 (p.83; 87) Caderno do professor – Pontos de vista
Além disso, o ensino da leitura centra-se também, nas características e finalidades do gênero estudado, que na ocasião, é o artigo de opinião, conforme exemplificado nas figuras 9, 10, 11 e 12. Isso possibilita o discente a tomar conhecimento sobre a situação de produção (quem produz, para quem produz, porque produz etc.), construção
21
composicional, conteúdo temático e das diferentes “marcas linguístico-discursivas que lhes são próprias” (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 11). A partir do quadro 2, podemos visualizar, em termos quantitativos, as atividades de leitura propostas em cada oficina do caderno Ponto de vista (2016). Quadro 2 – Amostra quantitativa das atividades de leitura, por oficina, presentes no caderno Pontos de vista (2016)
Atividades de leitura por oficina 3.5 3 2.5 2
1.5 1 0.5 0
Leitura Fonte: Autores/2016
Atividades de análise linguística
As questões de análise linguística desenvolvem-se de acordo com as duas vertentes que alicerçam o caderno analisado, tanto na perspectiva de gêneros textuais quanto na dos gêneros discursivos. Como ilustração do trabalho com os gêneros textuais,
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além de outras oficinas, escolhemos a oficina 10 (Como articular) da sequência didática presente no caderno. Essa oficina traz como objetivos “Perceber articulações, ou seja, relações e/ou vínculos entre parte diferentes de um texto argumentativo” e “Conhecer e usar expressões que tornam um texto argumentativo articulado” (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 123). Nesta etapa, por meio de atividades, os alunos aprendem a estabelecer relações textuais, utilizando os elementos coesivos, como por exemplo: “tomar posição (do meu ponto de vista, pensamos que etc), indicar certeza (é possível que, ao que tudo indica etc)” (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 128), assim como muitos outros operadores argumentativos. A análise linguística, na oficina 10, está vinculada à sequência textual de Adam (1992), isto é, na análise dos nexos coesivos no estabelecimento da dimensão textual do gênero produzido, ou seja, a prioridade é o estudo da forma, as sequências caracterizadoras do artigo de opinião, já que pertence à tipologia argumentativa. Figura 15 – Exemplo de atividade com marcadores argumentativos propostos no caderno
Fonte: Oficina 10 (p. 125) – caderno do professor – Pontos de Vista/2016
Figura 16 - Continuação da atividade acima com marcadores argumentativos propostos no caderno 23
Fonte oficina 10 (p. 126) – Caderno do professor – Pontos de vista/2016
Selecionamos a oficina 11, (Vozes presentes no artigo de opinião), que se relaciona com a perspectiva dos gêneros discursivos de Bakhtin (2003) e traz como objetivo “Indicar as vozes, ou seja, as diferentes informações ou posições a respeito de um assunto com os quais um articulista interage” (PONTOS DE VISTA, 2016, p. 129). Uma das questões das atividades pede para os alunos identificarem os trechos, no artigo de opinião lido, as expressões que o articulista usa para construir seu argumento (as vozes sociais que são favoráveis ao autor do texto durante a argumentação e as vozes sociais que são contrárias a seu ponto de vista, as quais refutam e contestam). A análise linguística é concebida sob o viés discursivo, uma vez que o articulista é visto como um sujeito ativo que ocupa um lugar na interação verbal, o sujeito ao dizer por ser 24
histórico, constrói enunciados, que não são isolados, mas construídos no encontro das palavras próprias do autor do texto com as palavras alheias, vozes sociais que se entrelaçam para compor o discurso do artigo de opinião lido. Figura 17 – Exemplo de atividade presente no caderno do Professor- Pontos de Vista com foco nas vozes sociais
Fonte: oficina 11 (p. 133) – Caderno do professor – Pontos de vista/2016
Atividades de produção textual escrita
Percebemos que as oficinas anteriores à abordagem da produção escrita durante o desenrolar da sequência didática são todas desenvolvidas por meio da prática leitora. Com isso objetiva-se desenvolver conhecimentos necessários para que os alunos cheguem a uma produção textual final eficiente, ou melhor, com competência comunicativa na produção final do artigo de opinião. São observadas oito situações que levam os alunos a manifestar-se por meio da escrita. Essas atividades para a escrita podem ser visualidades nas oficinas 1, 4, 5, 10, 13,14, 15, conforme explicitado no quadro a seguir:
25
Quadro 3 – Situações de produção textual escrita Oficina
Atividades
Objetivos
1
Discutir o papel da argumentação.
4
Escolher formular questões polêmicas
5
Produzir individualment e um primeiro artigo de opinião
10
Perceber articulações, ou seja, relações, vínculos entre partes diferentes de um texto argumentativo
13
Analisar e reescrever um artigo de opinião produzido por um aluno
14
Escrever o texto individualment e
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ou
Revisar e melhorar o texto individual
15
Como se vê, as atividades destinadas à produção escrita do gênero artigo de opinião tomam como ponto de partida a produção textual inicial e como ponto de chegada a produção textual final. Evidenciam que os aprendizes devem dominar a produção textual na prática, ou melhor, escrevendo. Nesse sentido a metodologia abordada no caderno Pontos de Vista leva o aluno a produzir um texto inicial, a partir do qual são diagnosticados os conhecimentos a serem ampliados e ensinados aos alunos. Essas diagnoses iniciais direcionam professor e educandos para o ensino e aprendizagem de mecanismos que os incita a colocarem em prática a própria escrita, direcionando-os a uma produção contextualizada, já que a escrita viabiliza a acessibilidade às diversas formas de interação mais complexas do aluno como cidadão (ponto de vista social). Assim, a produção do artigo de opinião pedido na sequência didática é situada à finalidade da esfera social, na qual o gênero, em estudo é produzido de forma concreta, à situação de produção exigida: o concurso de textos produzido pela Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o futuro. Para isso, são mobilizados questões como: Quem escreve?”, “Qual seu papel social?”, “Para quem escreve?”,” Qual é o papel social de quem vai ler?”, “Em que instituição social o texto vai ser produzido e vai circular?”, Qual é o efeito que o autor do texto quer produzir sobre o destinatário convencê-lo de alguma coisa, fazê-lo ter conhecimento de algum fato atual ou de algum acontecimento passado, diverti-lo, esclarecê-lo sobre algum tema considerado difícil?”. Depois de todas as etapas de leitura, reflexão linguística e produção, ainda há atividades de releitura e reescrita interligadas, que são imprescindíveis para que os discentes cheguem à etapa final da produção textual. Essas atividades levam o aluno a compartilhar conhecimentos um com os outros e à autoavaliação, esta última parte de um roteiro de avaliação.
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Conclusão A análise realizada da proposta da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o futuro, cujo foco é o ensino e aprendizagem da escrita, mais especificamente, do Caderno do professor – Pontos de Vista (2016), sobre o gênero textual artigo de opinião, revelouse um material atualizado e coerente. Atende às orientações oficiais de ensino e aprendizagem de língua, adequa-se às mais atuais discussões teórico-metodológicas voltadas ao ensino da Língua Portuguesa e vai de encontro à lacuna histórica de falta de apoio didático ao professor. Aliás, destaca-se como ponto positivo a preocupação com a formação e o fazer docente. Para isso, as atividades estão devidamente organizadas e interligadas umas às outras, permitindo o entrelace entre textos da mesma esfera de circulação do gênero artigo de opinião e textos diversos do mesmo gênero. Além disso, a preocupação com o acesso à leitura é fundamental e devidamente oportunizado durante as oficinas, e o desenvolvimento dessa habilidade é considerado condição para uma produção textual eficiente. A leitura é abordada no material com o mesmo grau de importância que a escrita, o que é evidenciado pela presença da coletânea de leitura, que acompanha o caderno do professor. E, também, pela forma de abordagem, sempre com estratégias de leitura antes, durante e depois, tendo como pano de fundo a perspectiva de leitura sóciodiscursiva. No que concerne ao ensino e aprendizagem, objetiva combater o fracasso escolar, proveniente das dificuldades do ensino e aprendizagem, considerado sob o ponto de vista cognitivo, psicológico e social. As reflexões sobre o estilo do gênero são desenvolvidas a partir de atividades de análise linguística que levam o aluno a perceber as engrenagens da língua como peças fundamentais ao domínio do gênero. Interessante perceber que, para isso, são propostas atividades partindo de textos do próprio gênero e dos textos produzidos inicialmente pelos alunos, além de haver espaço para o lúdico. A escrita é o ponto central da proposta, dado que se trata de um concurso de texto. Sua abordagem parte do pressuposto que se aprende a escrever escrevendo e a escrita é trabalho, processo no qual são necessárias atividades de reescrita e aprimoramento. Nesse contexto, a proposta vai do texto inicial (do aluno) ao texto final. Além dessas abordagens de leitura e escrita, eixos centrais do caderno, observamos que os estudantes não chegam à produção escrita sem antes desenvolverem 28
atividades que contemplem a oralidade e a pesquisa em estudo. A oralidade é considerada, também, como um exercício de interação, por meio da qual o aluno manifesta seus conhecimentos prévios, adequa seu discurso e constrói referências para seu trabalho escrito. A pesquisa, por sua vez, como forma de ampliar o repertório temático do texto, a partir da qual o aluno terá o que dizer. Para auxiliar o professor e o aluno, a OLP preocupa-se em ofertar materiais multimodais: vídeos, jogos, cadernos virtuais que atendam às expectativas do nosso tempo, em especial dos estudantes. Essas ferramentas, ainda que não todas (exceto o cd-rom) acompanham o material impresso e podem ser aliadas ao bom desenvolvimento da proposta. Essa preocupação é muito relevante, porque atende a contextos distintos de ensino e aprendizagem, do mais rural ao mais urbano, tão comuns no Brasil. Com isso, concluímos que a proposta da OLP contempla, principalmente, tanto a leitura quanto a escrita, como aspectos essenciais da aprendizagem discente, não negando outros eventos de letramento, que todo sistema público de ensino brasileiro deve oferecer. Assim, ler e escrever são a preocupação maior da proposta da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o futuro e dos professores, já que compreender e produzir textos são processos que implicam as dimensões sociais, culturais e psicológicas, além de mobilizarem todos os tipos de capacidade de linguagem e de serem substanciais no processo de participação social. Outro aspecto muito significativo da proposta da OLP é a preocupação com o preparo do educador para o desenvolvimento das oficinas. Em todo o material analisado foi possível perceber um diálogo com orientações pertinentes ao docente para o encaminhamento das atividades. Isso mostra que não basta somente um acervo muito bem elaborado de material didático, há de se levar em conta a formação de quem mediará todo o processo de ensino, nesse caso, o professor.
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REFERÊNCIAS ADAM, J.M. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. São Paulo: Cortez, 1992. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, humano. Campinas: Mercado de Letras, 2006.
discurso
e
desenvolvimento
DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Seqüências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004, p. 95-128. PONTOS DE VISTA: CADERNO VIRTUAL. Disponível em: https://www.escrevendoofuturo.org.br/caderno_virtual/caderno/opiniao/. Acesso em 13 de abr. de 2016 PONTOS DE VISTA: CADERNO VIRTUAL: orientação para a produção de textos./[equipe de produção Egon de Oliveira Rangel, Eliana Gagliardi; Heloísa Amaral]. – São Paulo: Cenpec, 2016. – (Coleção da Olimpíada). Disponível em: < https://www.escrevendoofuturo.org.br/arquivos/5683/olp2016-cad-pro-mem.zip> Acesso: 07 de Mar. de 2016. RANGEL, Egon de Oliveira; GARCIA, Ana Luiza Marcondes. A Olimpíada de Língua Portuguesa e os caminhos da escrita na escola pública: uma introdução. Cadernos Cenpec, v.2, n.1, p.11-22. - São Paulo/ julho 2012.
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TECENDO SABERES POR ÁREA DE CONHECIMENTO: POSSIBILIDADES DIDÁTICAS EM FOCO
Francisco Augusto Lima Paes1 Luciel Antonio da Silva Macêdo2
RESUMO Neste artigo, procura-se retomar a discussão em torno da possibilidade de construção curricular por áreas de conhecimento, tendo como marcos referenciais a LDB 9.394-96 e a atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a partir da 2ª versão do documento em construção (2016). Para a compreensão e o devido aprofundamento deste processo, fezse a opção em trazer à luz diferentes documentos oficiais que estão no ínterim desse itinerário, como: Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), PCN+ (2002), e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006). Apesar do caráter sucinto da análise, o objetivo que, por ora, se procura atingir é compreender de que forma estes documentos tratam a possibilidade de organização curricular por áreas de conhecimento, além de problematizar: se tais orientações conseguiram avançar nas propostas apresentadas e de que forma a BNCC pode ser compreendida tendo como referência os documentos oficiais elaborados a partir da LDB 9.394/96. Ao adentrar em tais questões, procura-se, por fim, apresentar possibilidades didáticas, a título de sugestões metodológicas que podem permitir o processo de integração e o trabalho por áreas de conhecimento. Palavras-chave: Currículo. Interdisciplinaridade. LDB. BNCC
1
Mestre em Ciências da Religião (UEPA). Possui especialização lato-sensu em História da África, cultura africana e afro-brasileira (FIBRA). Bacharel e Licenciado pleno em História (UFPA). Professor da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC) – lattes: http://lattes.cnpq.br/9440900107060761. 2 Mestre em Motricidade Humana pela Universidade Castelo Branco-RJ. Especialista em Hematologia Clínica com ênfase em Citologia Hematológica (UFPA). Graduado em Biologia (UFPA). Professor da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC) – lattes: http://lattes.cnpq.br/9665378336305064.
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1 INTRODUÇÃO Acompanha-se na atualidade o forte processo de “mudanças” (ou seriam “ajustes”?) no sistema educacional brasileiro. A construção da Base Nacional Comum Curricular para o ensino básico constitui a materialização de tal processo em que novas perspectivas metodológicas passam a ser lançadas como desafios para os educadores de todo o país. Estes, por sua vez, passam a ter acesso a diferentes fontes de informação, o que acaba provocando o distanciamento dos documentos oficiais. Para a implementação de mudanças significativas na práxis pedagógica, torna-se fundamental não só o aprofundamento dos documentos oficiais, mas, sobretudo, das diferentes concepções teóricas ligadas ao amplo debate em torno da necessidade de mudanças de paradigmas da educação no Brasil. Neste artigo, procura-se retomar os documentos oficiais 3 inseridos ao longo do percurso entre a LDB 9.394/96 e a atual BNCC em processo de construção, tendo como núcleo da abordagem a questão da possibilidade de construção curricular por áreas de conhecimento. A partir daí, procura-se adentrar em algumas possibilidades didáticas no trabalho por áreas de conhecimento para o Ensino Médio, tendo como base a Matriz de Referência do Enem (2009). Para isso, faz-se necessário, a priori, procurar compreender, mesmo que de forma sucinta, de que forma os documentos normativos ligados a construção curricular concebem a estrutura por área de conhecimento.
2 ENSINO MÉDIO: CENÁRIO E PERSPECTIVAS
Mais de duas décadas já se passaram da aprovação da LDB 9.394/96 que passou a preconizar e suscitar novos horizontes para a construção de um “novo parâmetro” para o sistema educacional brasileiro. Faz-se necessário olhar para trás e refletir sobre o caminho construído até o tempo presente e fazer memória aos desafios lançados em meados da última década do século passado e analisar os rumos que foram tomados. Sobretudo, procurar compreender em meio aos atuais documentos oficiais, se estamos diante, de fato, de um possível novo modelo para a educação brasileira ou se, na verdade, estamos diante de uma nova etapa das perspectivas e horizontes suscitados 3
Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2016); PCN + Ensino Médio (2002); Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB (BRASIL, 1996).
32
pela LDB 9394/96 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), frente as constantes transformações da sociedade e do tempo em que vivemos. O atual paradigma da educação no mundo sustenta o pressuposto de que o desenvolvimento do estudante deve estar pautado na formação de competências para sua vida em sociedade. Em consonância com essa tendência mundial, a educação básica, no Brasil, está aliada ao compromisso de formar seus educandos de forma a potencializar suas habilidades, diante das possibilidades das escolhas pessoais e profissionais em seu contexto. O ensino médio brasileiro tem sido recorrentemente identificado como um espaço, ainda em busca de sua identidade, ora se apresentando como um ensino de caráter propedêutico ao ensino superior, ora como ensino profissionalizante. A partir da LDB (Lei 9.394/96), das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), foram indicados novos princípios e outras formas de organização para o Ensino Médio, instigando a comunidade educacional a pôr em prática propostas que, superem a fragmentação e as limitações do antigo ensino, organizado em duas principais tradições formativas, a pré-universitária e a profissionalizante (MOEHLECKE, 2012). Ressalta-se, nesse momento, segundo a autora, a intenção de imprimir ao ensino médio uma identidade associada à formação básica que deve ser garantida a toda a população, no sentido de romper a dicotomia entre ensino profissionalizante e preparatório para o ensino superior e, portanto, o novo Ensino Médio, passa a assumir a responsabilidade de completar a educação básica a partir de uma perspectiva de educação integral. Em qualquer das modalidades, isto significa preparar para a vida, qualificar para a cidadania e capacitar para o aprendizado permanente, em eventual prosseguimento dos estudos ou diretamente no mundo do trabalho conforme preconiza a LDB em seu art. 35. Ao longo das últimas décadas foram dados passos significativos com o intuito de superar a típica fragmentação curricular do Ensino Médio. O documento PCN+ apresentou várias orientações referentes a tal questão (PCN+, 2002). Não obstante, o debate ganhou grande efervescência na atualidade com a construção da Base Nacional Comum Curricular4 (BNCC) que reitera e propõe readequações e novos caminhos metodológicos a serem adotados, como pode ser observado no trecho a seguir:
4
Constitui referência para a formulação e implementação de currículos para a Educação Básica por estados, Distrito Federal e municípios, e para a formulação dos Projetos Pedagógicos das escolas. Avança em relação a documentos normativos anteriores ao definir direitos e objetivos de aprendizagem e
33
No Ensino Médio, a definição de uma base comum deve se comprometer com a criação de alternativas que superem a fragmentação dos conhecimentos e tornem o trato com o saber um desafio interessante e envolvente para os/as estudantes. Na BNCC, esse compromisso é assumido pela via da maior ênfase nas articulações entre as áreas de conhecimento e na organização dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento em Unidades Curriculares. Tal organização visa a subsidiar os sistemas de ensino e escolas a construírem combinações entre Unidades Curriculares que contemplem seus projetos e estabeleçam interfaces entre a base comum dos currículos e a parte diversificada, inclusive a Educação Técnica Profissionalizante. Por esta razão, embora haja, em alguns casos, relações de precedência entre Unidades de Conhecimento de um mesmo componente curricular, elas podem ser organizadas em diversos arranjos temporais (BNCC, 2016, p. 487).
Assim, observa-se um itinerário de construção curricular que teve na LDB (1996) o seu ponto de partida, na busca de um processo de consolidação de um modelo de formação e educação integral capaz de superar o modelo fragmentador. Nesse sentido, o documento “orientações curriculares para o ensino médio” 5 exerceu um papel fundamental, com o intuito de fomentar o diálogo entre professor e escola sobre a prática docente. No que diz respeito à educação profissional, a Unesco após estudos e discussões lançou em 2013 o documento “currículo integrado para o Ensino Médio: das normas à prática transformadora6”, procurando apresentar perspectivas para a construção de um currículo integrado com o ensino regular. A partir dos documentos oficiais apresentados, observa-se que ainda é muito latente a necessidade de articulação entre as áreas do conhecimento em diferentes estágios, seja intra-área, a partir da aproximação entre os componentes curriculares, assim, como pela interação e articulação com diferentes áreas do conhecimento, construídos
a
partir
de
estratégias
interdisciplinares,
transdisciplinares
ou
multidisciplinares. De acordo com as orientações curriculares para o ensino médio Com a nova organização e formatação do ensino médio, todas as disciplinas do currículo escolar reúnem conceitos comuns, entendidos como estruturantes das áreas de conhecimento, ou seja, referenciais para que se compreendam os conteúdos das disciplinas. Os conceitos são instrumentos do pensar e do agir que se justificam e ganham sentido próprio no complexo sistema que compõe com os conceitos correlatos e no qual interagem em campo teórico mais vasto. Impõe-se, por isso, nova visão de interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade. Nenhuma região do saber existe isolada em si mesma, devendo, depois, relacionar-se com as demais. Só na unidade do saber existem as disciplinas, isto é, na totalidade em que se correlacionam e uma às outras demandam reciprocidade (2006, p. 52-53).
desenvolvimento aos quais todas as crianças, adolescentes e jovens brasileiros devem ter acesso ao longo de seu processo de escolarização (BNCC, 2016, p. 44). 5Orientações curriculares para o ensino médio. Ciências humanas e suas tecnologias. Secretaria de Educação Básica. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, volume 3, 2006. 6REGATTIERI, Marilza; CASTRO, Jane Margareth. Currículo integrado para o Ensino Médio: das normas à prática transformadora/ organizado por. – Brasília: UNESCO, 2013.
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De que forma é possível pensar tais orientações elaboradas uma década após a implementação da LDB 9.394/96 e a atual base nacional comum curricular? Tais orientações estariam ultrapassadas ou será que não conseguiram avançar nas propostas apresentadas? De que forma a BNCC pode ser compreendida tendo como referência as orientações curriculares para o ensino médio? De acordo com a BNCC A formação integral deve ser o elo articulador e para o qual convergem todas as áreas do conhecimento, de forma que os componentes curriculares, com seus objetivos de aprendizagem entrelaçados aos eixos formativos, componham um mosaico de aprendizagens que assegurem o desenvolvimento dos/das estudantes em todas as suas dimensões (intelectual, física, social, emocional e simbólica). Dois caminhos de integração devem ser especialmente considerados. O primeiro concerne as contribuições dos vários componentes curriculares para a efetivação da formação integral pretendida. No contexto da BNCC, cada um dos componentes do Ensino Médio trata de suas possibilidades de integração com outros componentes e áreas. Essas possibilidades devem ser observadas na construção de projeto interdisciplinares que sejam significativos para os estudantes, consideradas a diversidade de contextos em que o currículo se realiza (BNCC, 2016, p. 494).
Há de se ressaltar que o fomento suscitado nos documentos oficiais gira em torno do movimento de integração entre os diferentes componentes curriculares. A BNCC, por sua vez, traz a possibilidade de construção de um “mosaico de aprendizagens” a ser estabelecido, tendo como elo fundamental nesse processo, o protagonismo do discente (BNCC, 2016, p. 629) na medida em que este é envolvido em um processo de problematização, de pesquisa e de inserção orgânica na escola e na sociedade. Para tanto, torna-se fundamental inserir o docente no centro dessa profusão de debates e de informação, com o objetivo fundamental de lhe possibilitar a reflexão crítica acerca do processo e, sobretudo, apontar-lhes caminhos ou possibilidades didáticas viáveis (frente a diferentes contextos e diversidades) que possam lhe assegurar um “jeito novo” na construção de novos saberes junto ao corpo discente, para que, assim, este possa assumir a condição de “protagonista” na construção da teia de saberes. De fato, este passa a ser um dos grandes desafios no trabalho por área de conhecimento. Apresentados estes breves referenciais sobre o processo de reorientação e consolidação do currículo educacional brasileiro, cabe apresentar possibilidades didáticas, a título de enfoques metodológicos, que contemplem tais perspectivas tão estimuladas nos diferentes documentos oficiais mencionados. Sendo que, tais propostas, neste artigo, exercem o papel de demonstrar como a articulação entre os diferentes saberes podem 35
ocorrer. Portanto, trata-se de perspectivas lançadas e não receitas construídas, haja vista, que neste processo diferentes variáveis precisam ser consideradas e não se pretende sugerir o caráter prescritivo de práticas pedagógicas a serem executadas.
3 TECENDO SABERES POR ÁREA DE CONHECIMENTO
Diferentes são os caminhos e múltiplas as possibilidades que permitem a criação de ações e estratégias capazes de fomentar a prática docente por áreas de conhecimento dentro da escola. Nesse sentido, não há como apresentar uma prescrição a ser seguida e sim, provocar os sujeitos sociais diretamente envolvidos nesse processo para que o itinerário formativo seja construído, considerando-se os elementos normativos aqui apresentados, a realidade local, as diferentes linguagens, a importância das tecnologias, dentre outras variáveis. Dentre as ferramentas didáticas que podem ser criadas, os projetos temáticos representam uma boa possibilidade, seja em uma área específica ou ainda, de modo geral, contemplando todas as áreas. O fato é que “cada disciplina que compõe o currículo do ensino médio pode ser comparada a uma peça que é parte inseparável de um conjunto” (OCEM, 2006, p. 66). Convém ressaltar que o alcance didático desses níveis pode ser alcançado a partir do diálogo, do estudo e, principalmente, do planejamento envolvendo os diferentes componentes curriculares e suas respectivas áreas. Desse modo, um caminho novo marcado pela articulação constante entre os diferentes campos do saber passa a estabelecer outro momento no processo de construção do conhecimento. Nesse sentido, a perspectiva interdisciplinar entre os componentes curriculares de uma área ou com diferentes áreas de conhecimento pode funcionar como núcleo convergente e de integração partindo dos fundamentos epistemológicos ligados aos diferentes campos do saber que passam a suscitar diferentes olhares a partir do mesmo ponto, passando a funcionar como eixo de integração. Para isso, torna-se fundamental ter clareza do papel a ser exercido pela perspectiva interdisciplinar. De acordo com as diretrizes curriculares para o ensino médio: o princípio pedagógico da interdisciplinaridade é aqui entendido especificamente como a prática docente que visa ao desenvolvimento de competências e de habilidades, à necessária e efetiva associação entre ensino e pesquisa, ao trabalho com diferentes fontes e diferentes linguagens, à suposição de que são possíveis diferentes interpretações sobre temas/assuntos. Em última análise, o que está em jogo é a formação do cidadão por meio do complexo jogo dos
36
exercícios de conhecimento e não apenas a transmissão–aquisição de informações e conquistas de cada uma das disciplinas consideradas isoladamente. A questão da interdisciplinaridade está claramente exposta nos PCN+, Ciências Humanas, p. 15-16 (OCEM, 2006, p. 68).
A perspectiva da interdisciplinaridade7 suscitada pelo documento visa o desenvolvimento
de
competências
e
habilidades,
pautadas,
principalmente
no
protagonismo do discente no processo de construção do conhecimento e, para isso, diferentes ferramentas e mecanismos precisam estar associados e integrados entre as diferentes esferas e sujeitos sociais da escola, por isso, torna-se fundamental a clara definição das ações a serem implementadas na escola em seu projeto político pedagógico.
7Geralmente
interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade não representam questões conceituais novas para a maioria do corpo docente. No entanto, o que a práxis pedagógica tem mostrado é uma contínua dificuldade de aplicação de tais conceitos no cotidiano escolar. Muitas vezes aulas com professores de componentes curriculares diferentes, mesmo que de uma mesma área, passam a ocorrer e são denominadas “interdisciplinares”, porém, na prática, não atingem tal nível, haja vista que cada docente geralmente aborda determinado aspecto da temática escolhida. Portanto, por não ocorrer a aproximação/interação/integração entre os componentes é possível constatar que nestes casos dificilmente se consegue ultrapassar o nível multidisciplinar.
37
Para compreender como a interdisciplinaridade acaba sendo explorada em exames de larga escala, tomemos como exemplo a análise do item 07 da prova do Enem 2016, caderno amarelo, de ciências humanas e suas tecnologias. A seguir foi feita a análise do item a partir de diferentes aspectos, a saber: QUESTÃO
GABARITO
07
E
COMPETÊNCIA
HABILIDADE
Competência de Área 1
H1
COMPONENTES CURRICULARES
OBJETO DE CONHECIMENTO
História Sociologia Filosofia Artes
Cultura material e imaterial
O item tem como tema o patrimônio cultural que está inserido no eixo da matriz de referência do Enem denominado: “diversidade cultural, conflitos e vida em sociedade”. Daí seu vínculo com a Competência de Área 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as identidades. Observa-se também que o mesmo está estruturado no que a Matriz do Enem define como eixo cognitivo 8; no caso do item, identifica-se, fundamentalmente, o referente ao domínio de linguagens (DL) e a compreensão de fenômenos (CF). Para a resolução do mesmo, torna-se indispensável para o aluno ter o domínio conceitual do campo trabalhado (patrimônio cultural, conhecimentos tradicionais, cultura material e imaterial) e, sobretudo, precisa estabelecer as distinções necessárias entre os mesmos. A compreensão de fenômenos no campo das ciências humanas precisa ser observado, de certo modo, atrelado, ao próprio eixo cognitivo com o objetivo de aplicar os conceitos de diferentes áreas do conhecimento, a fim de gerar a compreensão do fenômeno social em questão.
EIXO TEMÁTICO
TEMA DO ITEM
EIXOS COGNITIVOS
AUTOR TRABALHADO/REFERÊNCIA
Diversidade cultural, conflitos e vida em sociedade.
Conhecimentos tradicionais
(DL/CF)
GONTIJO (org.). Cultura política e leituras do passado: historiografia e o ensino de história. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2007.
8Dominar
Patrimônio cultural.
FONTE HISTÓRICA UTILIZADA Fotografia Fonte Escrita
linguagens (DL): dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa in Matriz de Referência do Enem, p. 1. Compreender fenômenos (CF): construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas.
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Ao abordar os “conhecimentos tradicionais”, o item apresenta de forma inerente à necessidade de compreensão do conceito de cultura, patrimônio cultural 9, assim como, as diferentes naturezas dos mesmos: material e imaterial. Frente a tal análise, observa-se que tal item tem como fundamento o patrimônio cultural e suas diferentes interfaces. Nesse sentido, identifica-se que há um campo nítido de integração entre os componentes curriculares como História, Sociologia, Filosofia e Artes. Daí a necessidade de compreender e aprofundar conceitualmente tais questões para o trabalho por áreas de conhecimento, pois, desse modo, passa-se a ter clareza que “o exercício dessas competências e dessas habilidades está presente em todas elas, ainda que com diferentes ênfases e abrangências” (OCEM, 2006, p. 68). Feita tal constatação, eis uma nova questão que se impõe: como abordar tal temática em uma perspectiva de área de conhecimento? Diferentes significados envolvem o termo “cultura” que passa por grande efervescência na atualidade, o que permite o aprofundamento da questão, abrindo novas perspectivas de análise e de integração curricular, o que fica preconizado nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio: A ampliação do conceito de cultura, fruto da aproximação das disciplinas História e Antropologia, enriquece o âmbito das análises, caminhando, de forma positiva, para a abertura do campo científico da História Cultural. O recurso à Filosofia, por sua vez, enriquece e amplia o conceito, especialmente no que se refere à ideia de cultura como formação advinda da “paideia” (ligada à educação) e da cultura humanista, renascentista e iluminista. Na articulação dessas abordagens (histórica, antropológica e filosófica), o conceito de cultura pode alcançar maior abrangência e significado 10.
Como foi salientado no documento o conceito 11 de “cultura” é um excelente exemplo do potencial de integração de um conceito ou categoria de análise. Tal situação, por sua vez, suscita a criação de práticas inovadoras e a perspectiva interdisciplinar constitui uma delas. Não obstante, há de se levar em conta que problematizar o conceito de cultura é adentrar na sua amplitude. Por isso, faz-se necessário estabelecer delimitações conceituais e recortes temáticos que sejam facilitadores do trabalho 9
Para aprofundar o conceito de patrimônio cultural, assim como ter acesso a lista de bens de natureza material e imaterial tombados no Brasil uma boa opção é acessar o site do IPHAN: http://portal.iphan.gov.br/ 10 (PCNs apud PINSKY, 2015, p. 75). 11 Malinowski compreende a cultura como o conjunto de artefatos herdados, bens e processos técnicos, ideias, hábitos e valores; Geertz, por sua vez, vê a cultura como um “feixe de dimensões simbólicas do real” apud PINSKI 2015, p. 80.
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pedagógico, a fim de identificar os limites e explorar as possibilidades que o conceito abarca no currículo. Nesse sentido, ao mapear o conceito de cultura é fundamental circunscrevê-lo em determinada área, como no campo das ciências humanas. A partir daí pode-se estabelecer um fio condutor perpassando diferentes temporalidades e espacialidades, em que debates intelectuais, concepções e tradições são revisitadas. Assim, a dimensão conceitual passa a ser compreendida como dinâmica, cuja hermenêutica nos diferentes campos do saber ao longo dos séculos, nos dá uma dimensão das diferentes possibilidades que o mesmo abarca. A partir daí é possível estabelecer o eixo da abordagem que se pretende construir, principalmente, levantando em conta as principais discussões na contemporaneidade acerca da questão. No caso da análise, por ora estabelecida, a partir do item da prova do Enem (2016), o patrimônio cultural contempla um destes eixos que pode ser definido como recorte temático, podendo abarcar a memória, a paisagem, patrimônio material e imaterial e diferentes questões em torno da identidade (nacional, social, cultural). A seguir não queremos apresentar uma “receita” ou manual, mas apresentar as sugestões abaixo como possibilidades didáticas, construídas a partir de diferentes ferramentas e linguagens, que podem viabilizar esse caminho de integração entre os componentes curriculares outrora mencionados em torno de uma temática de integração comum: o patrimônio cultural, ligado a habilidade 1 da matriz de referência do Enem. UNIDADE TEMÁTICA: DIVERSIDADE CULTURAL, CONFLITOS E VIDA EM SOCIEDADE OBJETOS DE CONHECIMENTO ASSOCIADOS À MATRIZ DE REFERÊNCIA
1. Cultura material e imaterial;
2. Patrimônio e diversidade cultural no Brasil.
- Problematização em torno do conceito de cultura. - Compreensão dos conceitos patrimônio cultural, cultura material e imaterial, levando em consideração os parâmetros estabelecidos pela Unesco, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pela Constituição Federal de 1988. - Ter como ponto de partida o amplo cenário da diversidade cultural brasileira e a partir das manifestações e expressões desta diversidade na atualidade, fazer as devidas referências a seus processos históricos, a fim de analisar: mudanças, permanências, rupturas, dentre outros.
HABILIDADE
POSSIBILIDADES DIDÁTICAS
H1
A habilidade tem como pressuposto a compreensão do conceito de fontes documentais, vinculado ao conceito de cultura. Uma boa possibilidade didática consiste em explorar ambientes virtuais, fazendo atividades como tour virtual em museus de diferentes naturezas com o objetivo de construir junto com os alunos uma boa compreensão dos conceitos envolvidos.
Interpretar historicamente e/ou
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ELEMENTOS CONCEITUAIS
geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura.
Neste caso, tal atividade pode ser explorada pelos docentes dos componentes curriculares envolvidos, possibilitando uma abordagem integrada e interdisciplinar.
1) Espaços virtuais sugeridos: Museu Imperial http://www.museuimperial.gov.br/servicos-online/tour/visita-interativa.html Museu da USP http://www.sp360.com.br/site/conteudo/index.php?in_secao=37&in_idioma =1&in_conteudo=85&thisMediaId=2804 Museu de Arqueologia e etnologia da USP http://www.vmptbr.mae.usp.br/modules/extgallery/public-album.php?id=6
No que tange as possibilidades didáticas mencionadas, sua relevância consiste em permitir gerar a integração curricular entre os componentes e, sobretudo, despertar no corpo docente um processo de sensibilização acerca das Tecnologias de Informação e Comunicação, como geradora de uma rede de possibilidades de inovações na prática pedagógica, por meio de várias ferramentas de aprendizagem. Nesse sentido, considerase que a tecnologia educacional constitui uma ferramenta tão importante quanto os demais elementos fundamentais no processo ensino-aprendizagem, como lousa, livro, caderno e, como ferramenta ela precisa estar associada a um bom modelo pedagógico, gerador de um processo fundamentado no protagonismo, na autonomia e na construção colaborativa do saber, que possa romper as fronteiras entre as áreas do saber, possibilitando um aprendizado global. De acordo com a BNCC, no Ensino Médio, a área de Ciências Humanas tem a responsabilidade de “Propiciar oportunidades para a consolidação e o aprofundamento de conhecimentos e fortalecer atitudes que permitam a desnaturalização da cultura” (BNCC, 2016, p. 628). Nesse sentido, as possibilidades didáticas mencionadas podem contribuir, de forma significativa, tanto para o corpo docente quanto para o corpo discente, conseguir passar por um processo de aproximação dos conceitos mencionados, problematizá-los e, sobretudo, compreendê-los de forma global e não fragmentada, a partir da própria realidade social apresentada.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os aspectos considerados neste artigo, mesmo que de forma propedêutica, perpassando desde os aspectos normativos, com o intuito de compreender os diferentes documentos inseridos ao longo deste percurso entre a LDB 9.394/96 e a atual Base Nacional Comum Curricular, em construção, permitem trazer à tona a discussão e a proposição de uma organização curricular por área de conhecimento, compreendida enquanto possibilidade de integração curricular entre os diferentes componentes, o que não implica diretamente na exclusão dos mesmos e sim, possibilita a aproximação, a interação a partir de uma proposta dialógica que perpassa todos os segmentos da escola, haja vista que se faz necessária a inversão de paradigmas. A BNCC retoma e reitera os anseios de uma integração curricular, enfatizada em documentos anteriores como as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), o próprio PCN+ (2002). Portanto, se propõe a criar alternativas que possam superar a fragmentação do conhecimento, tornando a construção do saber envolvente e interessante para os discentes (BNCC, 2016, p. 487). A perspectiva de formação integral suscitada pela BNCC procura englobar as áreas de conhecimento, para que estes possam criar entre si um processo de irrigação entre os diferentes saberes envolvidos, entrelaçados a eixos formativos, de modo a possibilitar aos discentes sua formação global.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: MEC/SEB, 2002. _______. Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, resolução CEB no. 3 de 26 de junho de 1998. _______. Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Básica. Ciências humanas e suas tecnologias. Orientações Curriculares do Ensino Médio, vol. 3. Brasília, 2006. _______. Ministério da Educação (MEC), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Matriz de Referência do Enem. Brasília, Inep, 2012. _______. Ministério da Educação (MEC). Base Nacional Comum Curricular. Proposta preliminar, segunda versão revista. Brasília, 2016. _______. Ministério da Educação (MEC). Orientações curriculares para o ensino médio (OCEM): ciências humanas. Brasília, 2006. MOEHLECKE, Sabrina. O ensino médio e as novas diretrizes curriculares nacionais: entre recorrências e novas inquietações. Revista Brasileira de Educação v. 17 n. 49, jan.abr. 2012. REGATTIERI, Marilza; CASTRO, Jane Margareth. Currículo integrado para o Ensino Médio: das normas à prática transformadora. Brasília: UNESCO, 2013. PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Novos temas nas aulas de História. 2ª. edição. São Paulo: Contexto, 2015.
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O ENSINO DE MATEMÁTICA ATRAVÉS DA CONEXÃO ENTRE OS SABERES Lígia Françoise Lemos Pantoja1 Ricardo José Fernandes Anchieta 2 Rocio Rubi Calla Salcedo3 Resumo O referido artigo apresenta uma proposta metodológica para ensinar e/ou aprender sistemas de equações algébricas lineares a partir da conexão entre os métodos da substituição e do escalonamento. Aplicando-se o método da substituição em um sistema de equações algébricas lineares generalizado é possível estabelecer operações aritméticas as quais também são usadas quando um dado sistema é resolvido pelo método do escalonamento. Os resultados da pesquisa apontam para uma evidente conexão entre os dois métodos demonstrando assim, que é possível se ensinar matemática interligando os saberes. Palavras-chave: Sistemas Lineares. Conexão. Método da Substituição. Método de Escalonamento.
Introdução A ideia de trabalhar com conexões no ensino de matemática está associada à necessidade de tornar os saberes inerentes a esta ciência o menos estanque, fragmentado e desconectado possível. Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais PCN recomendam aos professores que ensinem matemática relacionando os saberes quando traça entre os objetivos para o ensino de matemática “Estabelecer conexões entre temas matemáticos de diferentes campos, e entre esses temas e conhecimentos de outras áreas curriculares”. (BRASIL, 1997, p.37) Ensinar um objeto matemático através de conexões significa dar oportunidade aos alunos de enriquecer seus próprios processos de pensamento a partir de ideias já desenvolvidas. Significa flexibilizar os limites da matemática escolar de modo a ampliar relações. É também conferir significado a atividade matemática em meio a integração dos saberes já que o estudo isolado de um tema pode não permitir a exploração do caráter indagador que ele possui. A esse respeito os PCN (1999) afirmam que: Professora da Secretaria Estadual de Educação – SEDUC e da Universidade Estadual do Pará – UEPA com Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática pela UFPA/IENCI e Doutorado em andamento pela REAMEC – ligiadauepa@yahoo.com.br 2 Professor do Instituto Federal do Maranhão, Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática e Doutorando da REAMEC – ricardoanchieta@ifpi.edu.br 3 Professora da Universidade Federal de Macapá com Mestrado em Ciências da Educação e Doutoranda da REAMEC – rubi@unifap.br 1
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[...]se os conceitos são apresentados de forma fragmentada, mesmo que de forma completa e profunda, nada garante que o aluno estabeleça alguma significação para as ideias isoladas e desconectadas umas das outras. Acredita-se que o aluno sozinho seja capaz de construir as múltiplas relações entre os conceitos e formas de raciocínio envolvidas nos diversos conteúdos; no entanto, o fracasso escolar e as dificuldades frente à matemática mostram claramente que isso não é verdade. (BRASIL, 1999, pp 86-87)
Apesar de evidentes as consequências e os benefícios que uma prática educativa pautada na integração dos saberes pode proporcionar, prevalece nas escolas situações de ensino desenvolvidas por meio da apresentação de conhecimentos fragmentados e desarticulados, relegando aos alunos a difícil tarefa de montar verdadeiros quebracabeças, esperando que consigam estabelecer conexões entre as várias peças apresentadas. Nos próprios livros didáticos as organizações matemáticas e didáticas apresentadas pouco favorecem a conexão entre os saberes. Na maioria das vezes, os assuntos são apresentados de maneira contextualizada, as tarefas resolvidas ou propostas são trabalhas na perspectiva da resolução de problemas, mas sem estabelecer, necessariamente, conexão entre os temas abordados, tal como recomenda os PCN. Pais (2006) em seu livro “ensinar e aprender matemática” defende que o ensino de matemática seja desenvolvido através da articulação entre os saberes uma vez que lançar articulações entre configurações, conceitos, problemas e propriedades é uma das condições necessárias para a expansão dos resultados do ensino e da aprendizagem da matemática. Segundo o autor, “quanto mais intensas forem a interatividade e a articulação, mais significativa será a aprendizagem” (p.52) já que é através delas que os alunos constroem conhecimentos e fazem matemática. Chevallad (2001) também argumenta que o fazer matemático compreendido como o ato de identificar esquemas de ação próprios do raciocínio humano é marcado por articulações e integrações de saberes matemáticos, ora explícitos, ora implícitos, daí a importância de uma abordagem educacional na qual as conexões sejam favorecidas e destacadas. A fragilidade de conexões ou mesmo sua inexistência no estudo dos saberes matemáticos pode prejudicar o aprendizado ao não permitir uma tomada de consciência quanto à construção do conhecimento. Em meio à percepção dessa fragilidade e em consonância com as recomendações dos PCN de se desenvolver um ensino com 45
articulação entre os saberes, apresentamos uma proposta que permite visualizar como trabalhar o saber matemático Sistemas de Equações Algébricas Lineares de forma articulada.
O Estudo de Sistemas de Equações Algébricas Lineares O primeiro contato dos alunos com o estudo de Sistemas de Equações Algébricas Lineares acontece no sétimo ano do ensino fundamental ao serem apresentadas situações problemas envolvendo duas equações com duas incógnitas, que juntas, levam à constituição de um sistema que pode ser resolvido mediante a aplicação de três possíveis métodos: o método da adição, da comparação e o da substituição. Esse tema volta a ser estudado no terceiro ano do ensino médio regular ou na segunda etapa da Educação de Jovens e Adultos - EJA com um número maior de equações e incógnitas através de técnicas matriciais de resolução como a Regra de Cramer envolvendo o cálculo de determinante, e também pelo método do escalonamento. Tal temática, Sistemas de Equações Algébricas Lineares, por aí não se esgota, a mesma volta a ser objeto de estudo nos cursos de graduação e pós-graduação em latu e strito sensu servindo como tema para monografias, dissertações, teses e artigos científicos em revistas cientificas de destaque no meio acadêmico matemático como a Linear Álgebra and its Applications. Geralmente, no Brasil, o Ensino de Sistemas de Equações Algébricas Lineares na educação básica, mais precisamente no ensino médio, acontece por meio da apresentação de técnicas oriundas do estudo prévio de matrizes e, em alguns casos, como no ensino médio técnico, o estudo de sistemas é realizado mediante o processo de escalonamento sem que essa técnica de resolução tenha conexão com o que foi estudado no ensino fundamental. Embora se tenha conhecimento que os alunos estudaram Sistemas Lineares no sétimo ano do ensino fundamental, no ensino médio o assunto é apresentado como algo inédito, sem conexão com o que já foi estudado. Tal forma de abordagem, acaba por quebrar uma sequência de estudo desejável e propulsora à construção do conhecimento matemático gerando com isso dificuldades ao processo de aprendizagem. Segundo Herrero (2004) as dificuldades que os alunos apresentam ao estudarem sistema lineares decorrem da: - Complexidade matemática segundo a qual são tratados os elementos básicos que são usados para resolver os Sistemas Lineares; 46
- A forma abstrata como o conceito de Sistemas de Equações Algébricas Lineares é trabalhado e a não interpretação do significado das soluções encontradas pelos alunos; - A ruptura entre o pensamento aritmético e algébrico empregado no ensino de Sistemas, entre outras mais. Parece, então, natural nos preocuparmos com o ensino dessa temática e mais ainda, em buscar os significados para as técnicas empregadas no ensino médio pois o ensino de Sistemas Lineares desenvolvido somente através de um tratamento matricial usando o Escalonamento ou mesmo via cálculo de Determinantes empregando a regra de Cramer, acaba escondendo a verdadeira simplicidade que envolve o estudo desse objeto matemático, uma vez que o processo de resolução de um sistema depende unicamente da efetivação de algumas operações aritméticas, conforme mostraremos.
Conexão entre o Método da Substituição e o Método do Escalonamento no Estudo de Sistemas Lineares Resolver um Sistema de Equações Algébricas Lineares significa envidar esforços sistemáticos em busca de uma solução. Entre os esforços sistemáticos, que denominamos de métodos, usados para resolver sistemas, destacamos dois: o método da substituição e o método do escalonamento. O Método da Substituição, ou método da substituição e eliminação, consiste em escolher e escrever uma incógnita em função das outras a partir de uma equação fixada e substituir nas demais equações, com o propósito de eliminá-la nessas equações, obtendo-se assim, um novo sistema mais simples de resolução que o sistema anterior. Caso a primeira substituição de uma incógnita nas demais equações não tenha sido suficiente para encontrar a solução do sistema, continua-se o processo escolhendo e fixando nova incógnita e equação para substituição e consequente eliminação da incógnita nas demais equações até que a solução seja alcançada. No sistema a seguir, mostramos como esse processo acontece: x+ y + z = 1
Equação I
2x + 2y + 4z = 3
Equação II
3x + 6y + 6z = 1
Equação III
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Isolando x da primeira equação e substituindo nas demais equações, temos: x+ y + z = 1 → x = 1 - y - z 2(1 - y - z) – 3y + z – 3 = 0 3(1 - y - z) + 6y + 6z – 1= 0
Efetuando os cálculos, obtemos o sistema equivalente: x+ y + z = 1
x+ y + z = 1
2 - 2y - 2z - 3y + z - 3 = 0
2z = 1
- 3y - 3z + 6y + 6z - 1= 0
3y + 3z = -2
Assim, a solução do sistema é: x = 5/3, y = -7/6 e z = 1/2
O outro método a que nos referimos é o do Escalonamento o qual consiste em transformar o sistema inicial em outro equivalente, isto é, com o mesmo conjunto de soluções, com a forma mais triangular possível de modo a permitir facilmente a análise e evidência da solução procurada, quando existir. Algumas operações elementares são usadas para resolver sistemas pelo método do escalonamento. Segundo Steinbruch (1987), são elas: 1 – Permutação entre equações; 2 – Multiplicação de uma equação por um número real diferente de zero; 3 – Substituição de uma equação por sua soma ou subtração com outra equação previamente multiplicada por um número real diferente de zero.
Na resolução do sistema a seguir, mostramos como essas operações são desenvolvidas: Dado o sistema: x+ y + z = 1
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Equação 1 – E1
2x + 2y + 4z = 3
Equação 2 – E2
3x + 6y + 6z = 1
Equação 3 – E3
Aplicando as operações elementares 2 e 3, temos: x+ y + z = 1 2x + 2y + 4z = 3
x+ y + z = 1 →
3x + 6y + 6z = 1
E2 – 2E1 = 0
→
0x + 0y + 2z = 1
E3 – 3E1 = 0
→ E1 → E2
0x + 3y + 3z = -2 → E3
Permutando E2 e E3, obtemos o sistema equivalente triangular escalonado: x+ y + z = 1 3y + 3z = -2 2z = 1 Assim, a solução do sistema é: z = 1/2, y = -7/6 e x = 5/3 Apresentamos até então a maneira como os dois métodos, o da substituição e o do escalonamento são desenvolvidos individualmente, entretanto, a resolução de Sistemas de Equações Algébricas Lineares desenvolvida por meio do Método da Substituição se converte na própria aplicação do Método do Escalonamento mediante a evidência e aplicação de algumas regularidades matemáticas que permitem articular os dois métodos apresentados. Esse processo de isolar a incógnita de uma equação e substituir nas demais equações para resolver um dado sistema pode ser aplicado em um sistema generalizado. Tal processo define uma sequência de operações matemáticas que são usadas quando se resolve sistema através do Método de Escalonamento, conforme se observa: Dado o sistema generalizado: a 1 x + b 1 y + c1 z = k 1 a 2 x + b 2 y + c2 z = k 2
→
x = k1 - b1y - c1z a1
a 3 x + b 3 y + c3 z = k 3
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Após a substituição e eliminação da primeira incógnita da primeira equação nas demais equações, obtém-se as seguintes relações matemáticas:
a1x + b1y + c1z = k1 (b2 – a2.b1)y + (c2 - a2.c1 )z = k2 - a2k1 a1
a1
a1
(b3 – a3.b1)y + (c3 – a3.c1)z = k3 - a3.k1 a1
a1
a1
Nas relações definidas são realizadas operações aritméticas somente com os coeficientes de cada equação que forma o sistema original as quais vão deixando o sistema escalonado a medida em que as incógnitas vão sendo substituídas. Assim, diante de um sistema, ao invés de aplicar o método da substituição isolando as incógnitas para resolver o sistema ou aplicar as operações matemáticas elementares descritas anteriormente, o uso de tais relações permite resolver diretamente o sistema, caso tenha solução. Em meio a proposta metodológica para resolver sistemas usando as relações matemáticas apresentadas, desenvolvemos uma pesquisa-ação com alunos da segunda etapa da Educação de Jovens e Adultos – EJA em uma escola da rede pública estadual de ensino do município de Belém ao longo de três meses de trabalho e pesquisa. A escolha de uma turma da EJA para desenvolver a proposta se deu em função de ser uma turma com a qual já se tinha contato, devido um dos componentes ser docente da turma, além do que, era uma turma que ainda não havia estudado Sistemas de Equações Algébricas Lineares e que poderia estudar o assunto segundo a proposta. Antes de aplicarmos a proposta metodológica para resolver sistemas a partir das relações matemáticas definidas, resgatamos os conhecimentos prévios dos alunos sobre o assunto trabalhando com eles a resolução de sistemas lineares aplicando apenas o método da substituição conforme haviam estudado no sétimo ano do ensino fundamental. Como as relações matemáticas definidas derivam de todo um processo de substituição e cálculos operatórios realizados com os coeficientes de cada equação que constitui um dado sistema, fez-se necessário essa retomada do método da substituição para o 50
entendimento das relações matemáticas estabelecidas na proposta. Na sequência, fomos trabalhando algumas questões envolvendo sistemas por meio das quais mostramos como tais relações são utilizadas para resolver um sistema: Situação Problema: Uma lanchonete da cidade de Belém resolveu ofertar quites promocionais de lanche. O quite com 1 sanduíche, 1 batata frita e 1 refrigerante custa R$ 5,00; já o quite contendo 1 sanduíche, 2 batatas fritas e 1 refrigerante custa R$ 6,00 e o quite com 1 sanduíche, 1 bata frita e 2 refrigerantes sai por R$ 7,00. Qual o valor de cada item presente no quite de lanche promocional? (Fonte: Próprios autores)
Solução: Figura 01
Fonte: Solução desenvolvida por alunos da Educação de Jovens e Adultos – EJA - Ensino Médio (Segunda Etapa – Turma 2J01) de uma escola pública da cidade de Belém/Pa.
Na solução apresentada é formado um outro sistema somente com os coeficientes das incógnitas, sendo os mesmos, identificados generalizadamente conforme as posições que ocupam no sistema. Assim, os coeficientes 1, 1, 1 e 5 da primeira equação, correspondem, respectivamente, aos coeficientes generalizados a 1, b1, c1 e k1; 51
os coeficientes 1, 2, 1 e 6 da segunda equação, correspondem, respectivamente, aos coeficientes a2, b2, c2 e k2 e; os coeficientes 1, 1, 2 e 7 da terceira equação, correspondem, respectivamente, aos coeficientes a 3, b3, c3 e k3. No processo de resolução do sistema são mantidos os coeficientes da primeira equação, todavia, os coeficientes das demais equações são recalculados usando as operações matemáticas definidas anteriormente. Vale destacar que este processo descreve um sistema escalonado e, nesse sentido, os coeficientes a 2 e a3 são iguais a zero, daí serem recalculados apenas os demais coeficientes. Reescrevendo o sistema com os valores dos coeficientes da segunda e da terceira linhas recalculados, têm-se então o sistema em sua forma escalonada. Ao final, as incógnitas do sistema são reintroduzidas e encontrada a solução do sistema. Conforme foi possível observar, as relações matemáticas aplicadas exigem apenas domínios de algumas operações matemáticas básicas como a multiplicação, a divisão e a subtração tornando o processo de resolução do sistema mais simples e compreensível à medida em que as os novos coeficientes vão sendo calculados. Na atividade a seguir mostramos mais uma aplicação das referidas relações matemáticas. Atividade: Resolver o sistema. a + b = -1 a+b=2 b + c = -3
Solução:
Figura 02 Fonte: Alunos da EJA - Ensino Médio (Segunda Etapa – Turma 2J01)
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Aplicando as relações matemáticas diretamente no sistema apresentado, os alunos concluíram que o mesmo não tinha solução, pois era impossível de ser resolvido, conforme mostrou a figura 2. Em nenhum momento se deram conta da solução equivocada e, neste momento, foi necessário discutir o fato ocorrido com os alunos até que se dessem conta da ausência de algumas incógnitas e, consequentemente, de seus coeficientes nas equações do sistema. Assim, solicitamos aos alunos que descrevessem as referidas incógnitas pertencentes ao sistema e seus respectivos coeficientes. Os alunos apontaram perfeitamente as incógnitas a, b, c que compunham o sistema, todavia, não souberam indicar os coeficientes das incógnitas que estavam ausentes. Em meio a isso, dialogamos e refletimos com os alunos tal situação até que se dessem conta de que quando não aparece uma incógnita no sistema, a mesma pode ser descrita com o valor do coeficiente sendo igual a zero. Somente após essa compreensão, o sistema foi reescrito com os coeficientes e incógnitas ausentes e as relações matemática aplicadas tendo em vista à obtenção da resposta para o sistema proposto. Sistema reescrito com a presença dos coeficientes e incógnitas ausentes:
a + b + 0c = 2 a + b + 0c = 2 0a + b + c = -3
Nova Solução
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Figura 03 Fonte: Alunos da EJA - Ensino Médio (Segunda Etapa – Turma 2J01)
O incidente ocorrido na primeira tentativa de resolver o sistema não implica dizer que os alunos tiveram dificuldade em aplicar as relações matemáticas definidas para que o sistema ficasse na forma escalonada. Ao contrário, a aplicação do método a partir do uso das relações foi feita corretamente na figura 02 (dois), mas usando os coeficientes errados. Com a definição dos coeficientes que estavam ausentes no sistema original, os alunos conseguiram resolver o sistema aplicando as relações matemáticas estudadas, conforme mostra a figura 03 (três). O procedimento de resolução foi o mesmo aplicado na figura 01 (um), entretanto, desenvolvido duas vezes na resolução do mesmo sistema até o mesmo ficasse escalonado. 54
De modo geral, o Método da Substituição transforma um sistema de m equações e n variáveis a partir de uma série de substituições convenientes de incógnitas nas equações posteriores com o propósito de obter um sistema que evidencie a solução e isso é obtido pelo arranjo das fixações das equações e substituições de incógnitas de modo conveniente no sentido de se obter um sistema mais triangular possível. A sistematização dos cálculos algébricos nas equações do sistema pelo Método da Substituição leva a observar que as equações resultantes podem ser obtidas de modo similar e repetitivo envolvendo somente os coeficientes das incógnitas que, quando vistas de modo sistemático, na presença do processo de Escalonamento Matricial torna visível a conexão entre essas duas formas de tratamento no estudo dos Sistemas de Equações Algébricas Lineares. O desenvolvimento da proposta de resolver sistemas lineares usando o método da substituição busca revelar que este método corresponde ao método do escalonamento quando abstraída as variáveis. É a relação estabelecida entre os coeficientes correspondentes das incógnitas presentes nos sistemas anteriores e posterior ao processo de substituição e eliminação que permite revelar a estreita relação entre o método da substituição e o método do escalonamento, sendo este último uma abstração do primeiro. O ensino de Sistemas Lineares desenvolvido somente através de um tratamento matricial usando o Escalonamento ou mesmo via cálculo de Determinantes empregando a regra de Cramer, acaba escondendo a verdadeira simplicidade que envolve o estudo desse objeto matemático, uma vez que o processo de resolução de um sistema depende unicamente de manipulações algébricas, conforme mostramos.
Considerações Finais Neste trabalho enfatizamos a necessidade e a importância de se trabalhar a relação entre os temas matemáticos uma vez que o tratamento isolado dado ao estudo dos temas possivelmente corrobora para a ocorrência de um aprendizado mecânico e desprovido de significado. Temos o entendimento de que a construção do conhecimento matemático está associada às diversas conexões estabelecidas entre os saberes. Nesse sentido, cabe ao professor a árdua tarefa de elaborar sequências de ensino que possibilitem mostrar as múltiplas relações existentes entre os saberes escolares. 55
Desenvolver um ensino que prime pela construção do conhecimento implica buscar metodologias que facilitem o aprendizado dos alunos. Apresentamos aqui apenas mais uma, entre tantas outras propostas que podem ajudar nesse processo. Especificamente falando sobre sistemas lineares, durante o processo de ensino desse saber matemático no ensino médio, geralmente não são retomados os conhecimentos que os alunos apresentam sobre este assunto. Embora tenhamos conhecimento de que o estudo inicial de sistemas acontece no sétimo ano do ensino fundamental, o assunto é apresentado no ensino médio como algo inédito sem estabelecer conexão com o que já foi estudado. As críticas ora realizadas quanto ao uso do Escalonamento Matricial a partir das operações elementares empregadas no estudo dos Sistemas Lineares conforme descritas por Steinbruch (1987) não justificam, entretanto, deixar de lado a abordagem desse tratamento junto aos alunos; pelo contrário, faz necessário trabalhar os diferentes tratamentos, os diferentes métodos que podem ser empregados no estudo de sistemas, mas estabelecendo conexão entre eles tendo em vista a busca de significado para o que é estudado. É a compreensão em torno dos objetos matemáticos que nos move a atribuir um sentido ao que é estudo e a há que haver características outras no Escalonamento Matricial, como a que apresentamos, que possibilitem desenvolver seu estudo com significado tornando-o importante no ensino de sistemas lineares. Quando se converte o Método da Substituição no Método do Escalonamento se desenvolve um outro significado para o estudo dos Sistemas de Equações Algébricas Lineares, pois deixa-se de trabalhar numa perspectiva algébrica para se dar um tratamento aritmético-matricial ao referido estudo cujas operações envolvidas são de conhecimento e habilidade dos alunos. O método do escalonamento é uma criação do homem de modo a evitar o hercúleo trabalho das manipulações algébricas e assim tornar o trabalho de resolução menos árduo. Conforme foi mostrado, as operações elementares podem ser vistas claramente como decorrentes da sistematização do Método de Substituição e são elas que usamos quando resolvemos sistemas aplicado o Método do Escalonamento, conforme foi apresentado.
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REFERÊNCIAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997. 142p.
_______ Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério da educação, 1999, pp 86-87.
CHEVALARD, Yves. La transposition didactique: del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique, 1991.
HERRERO, Sandra Machel Segura. Sistemas de equações lineares: uma sequência didática. Relime. Vol 7. num 1. março 2004. pp. 49 – 72.
PAIS, Luiz Carlos. Didática da Matemática, uma análise da influência francesa. 2ª edição, Belo Horizonte: Autentica, 2002.
__________ Ensinar e aprender matemática. Belo Horizonte: Autentica 2006. STEINBRUCH, Alfredo. Álgebra Linear. São Paulo. McGraw-Hill, 1987.
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A UTILIZAÇÃO DE UM BLOG E SUAS FERRAMENTAS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA DO 6º AO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL II NO MUNICÍPIO DE PARAGOMINAS-PA NO ANO DE 2016 Samuel Antonio Silva do Rosario1 Jocenilda Pires de Sousa2 Anderson da Silva e Silva3 RESUMO Baseados em experiências vividas em sala de aula e na introdução de computadores no ambiente educacional, a intenção deste trabalho foi a criação e o uso de um blog (página da internet) de matemática capaz de dar recursos e auxiliar no processo de ensinoaprendizagem por parte de professores, alunos e pessoas interessadas em se aprofundar na área, levando em consideração as possíveis contribuições de novas tecnologias para o desenvolvimento e elaboração de conceitos e conteúdos matemáticos. Durante a construção foi proposta a realização de uma pesquisa de caráter qualitativa e quantitativa com o objetivo de colher dados sobre a aplicação da metodologia abordada, onde foram consultados 251 alunos distribuídos aleatoriamente, em uma escola do município de Paragominas, salientando informações sobre o uso da informática, estudo da matemática e outras informações importantes que ajudaram a desenvolver e aprimorar os conteúdos presentes no blog. A investigação, ancorada à pesquisa permitiu a construção de um canal de conhecimento capaz de dar suporte ao professor, com conteúdos, materiais e sugestões de aulas diferenciadas, permitindo uma interação mais profunda entre professor, pais, alunos e comunidade, além da divulgação dos conteúdos em um ambiente digital. Palavras-chave: Educação, informática, interação.
1. INTRODUÇÃO O processo de aprendizagem está em constante renovação, exigindo cada vez mais que o docente esteja preparado para trabalhar em uma nova realidade, com novas ferramentas. A forma pela qual o profissional da educação vai se habituar à nova realidade da educação auxiliada por tecnologias informatizadas, pode influenciar de maneira significativa no processo de ensino-aprendizagem dos alunos. É importante que esses profissionais não só utilizem a tecnologia, mas entendam o que estão fazendo, aprimorando seus conceitos e metodologias. (...) é preciso que a diretores e professores seja dada a oportunidade de conhecer, compreender e, portanto escolher as formas de uso da informática a serviço do ensino... é preciso que o professor saiba avaliar esses programas a fim de poder
1
UFPA, Mestrando, E-mail: samuel_mat2009@hotmail.com UFPA, Mestranda. SEDUC-PA, Vice-Diretora na EEEFM Manoel Lobato. E-mail: joufpa16@gmail.com 3 UEPA, Graduado, E-mail: matemaniacos2@gmail.com 2
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selecioná-los para o uso em aula, adequando-os à metodológica(...) (GATTI, 1993, p.23)
sua programação
A utilização de computadores no ambiente escolar muda o cotidiano de todos os envolvidos no processo de ensino aprendizagem, pois ao utilizar equipamentos informatizados a escola permite que novas possibilidades possam surgir, como por exemplo, a utilização da internet, que possui ferramentas que possibilitam aproximar todos os envolvidos no ciclo de aprendizagem escolar, podendo ser utilizada na tentativa de aumentar a interação entre aluno-aluno, aluno-professor, professor-pais, pais-direção escolar, através de ferramentas virtuais como e-mail, web chat, redes sociais, entre muitas ferramentas que estreitam a distância ente as pessoas e aumentam a comunicação entre os envolvidos nesse ciclo.
2. O COMPUTADOR COMO RECURSO À EDUCAÇÃO MATEMÁTICA O processo de ensinar matemática nunca foi uma tarefa fácil, ainda mais levando em consideração que muitas das definições existentes na matemática surgiram a partir de um pensamento abstrato. Ensinar esta ciência exige que o profissional que esteja à frente, esteja sempre à procura de novas metodologias de ensino e aprendizagem da ciência matemática, buscando ferramentas que ajudem o estudante a entender melhor cada conceito. A utilização do computador através de suas muitas funcionalidades e aplicações faz desse equipamento um dos maiores recursos já criados pelo homem, que vem se tornando indispensável no momento de ensinar e aprender matemática. Os computadores não só tornam o cálculo e o traçado mais simples, como mudaram a natureza dos problemas, no entanto, não é o domínio da tecnologia que fornece a garantia de que o aluno se torne matematicamente alfabetizado. Calculadoras e computadores devem ser utilizados como ferramentas que simplificam, mas não executam o trabalho matemático. (BARREIRA, 2007, p. 39)
A utilização de computadores no processo de ensino-aprendizagem na matemática vem crescendo muito nos últimos anos, muitas metodologias surgiram baseadas na educação auxiliadas por máquinas informatizadas e esses métodos procuram introduzir tecnologia na sala de aula de uma maneira que o ambiente de ensino e aprendizagem seja um processo constante tanto para professores quanto para os alunos. Os computadores na sala de aula promovem mudanças nas relações do professor com os alunos, proporcionando um novo tipo de interações na relação triangular entre o professor, o aluno e o saber. O papel do professor requer uma
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considerável reflexão, pois os computadores podem afetar o comportamento dos estudantes e exigir novas responsabilidades ao docente. (BARREIRA, 2007, p. 53)
A responsabilidade de ensinar um determinado assunto de matemática para um público de maneira que todos possam entender, sempre foi uma tarefa difícil para muitos docentes. A utilização de ferramentas, como o computador, nesse processo, ajuda de maneira significativa o aprendizado, pois um determinado assunto que antes ficaria apenas na imaginação de cada pessoa, hoje pode ser observado e questionado através de programas de computador que permitem estudar a matemática de forma mais simples, abrindo novas possibilidades de estudo e novas opções de pesquisa.
3.UTILIZAÇÃO DO BLOG E SUAS FERRAMENTAS NO ENSINO-APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA: PROJETO MATHEMANÍACOS4 O mundo da tecnologia da informação sempre despertou muito interesse nas pessoas pela facilidade com que as informações são obtidas ou transmitidas para qualquer lugar do planeta. Isso nos motivou a construir um projeto que estivesse envolvido nesse meio de constante troca de conhecimento, mas com ênfase na área da educação matemática, visando trabalhar com toda a comunidade escolar, incluindo direção, professores, alunos, pais e comunidade em geral. O projeto do blog Mathemaníacos surgiu com a finalidade de estreitar as distâncias entre os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem em matemática, oferecendo aos usuários uma grande variedade de ferramentas com a finalidade de auxiliar os estudos dos conteúdos desta ciência. Ao iniciar a construção da página virtual, procuramos utilizar ferramentas que facilitassem o manuseio do mesmo por qualquer usuário, independente do seu grau de conhecimento de informática, pois a base dos assuntos estudados no blog seriam os conteúdos trabalhados nas escolas de ensino fundamental II (6º ao 9º ano) no município de Paragominas, podendo ser estendido a qualquer outra realidade parecida com o conteúdo de matemática trabalhado neste município. A construção do blog Mathemaníacos se deu através de ferramentas disponíveis na própria internet, sendo que a maioria dessas ferramentas foram modificadas para serem utilizadas pelos usuários desta página, tendo em vista que grande parte do público-
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Página virtual desenvolvido durante este trabalho, podendo ser visitado no endereço http://mathemaniacos.blogspot.com.br
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alvo seriam alunos do Ensino Fundamental II. Partindo dessa informação, criamos postagens e utilizamos aplicativos que facilitassem a compreensão dos conteúdos da matemática estudados nas salas de aulas do município, auxiliando de maneira significativa as pesquisas realizadas no blog. Esta página virtual veio com uma proposta de oferecer conteúdo de relevância, contextualizados, atualizados e pertinentes pedagogicamente dentro da ciência matemática, conteúdo este que permiti que professores possam ter novas opções de materiais didáticos para serem utilizados em suas aulas, disponibilizando também este mesmo conteúdo para os alunos, seus pais, direção escolar e todos que de maneira direta ou indireta contribuem para a educação matemática. Uma das características principais desse tipo de página é a liberdade que os usuários têm de comentar um determinado conteúdo. Então, o blog Mathemaníacos utilizou essa característica como forma de auxiliar a interação entre alunos e professores, de uma maneira que todos pudessem ver os comentários e tivessem a opção de também deixar um pouco de seu conhecimento sobre aquele determinado assunto através de comentários feitos na própria página.
4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O trabalho está fundamentado nas teorias e estudos que discutem novas metodologias de ensino em matemática, propostas pedagógicas e a utilização de ferramentas digitais no cotidiano escolar. Para isso, levamos em consideração o anseio por novas metodologias de ensino na área da matemática. Ao analisarmos Freire (1967), observamos que o mesmo define a educação como algo que acontece da interação do homem com o meio em que vive, pois a aprendizagem acontece quando o conhecimento de um indivíduo complementa o desenvolvimento da sociedade como um todo, isso nos proporciona olhar a educação por outra ótica, uma que permita uma verdadeira interação dos agentes envolvidos nesse processo com o seu cotidiano, com o mundo ao seu redor, seja ele virtual ou real. Uma educação que vai além do professor e aluno, um processo de ensino e aprendizagem que possa abranger a sociedade como um todo. Ao analisarmos a forma como os computadores serão utilizados nas práticas pedagógicas, é necessário um embasamento nos trabalhos de Barreira (2007) Tajra (2007), Valente (1996) e Wissmann (2002). 61
A autora Barreira (2007) conceitua que a informática pode ser usada na educação matemática de modos distintos ajudando no processo de ensino e aprendizagem. Como auxiliar da exposição do professor, o computador funciona como um poderoso quadro eletrônico, cujos produtos são integralmente controlados pelo docente. Ao discutir esse contexto de ensino, Tajra (2007) aborda que cabe a cada professor descobrir a forma de utilizar a informática conforme o seu interesse educacional, pois não existe uma fórmula universal para a utilização do computador em sala de aula. Para Valente (1993), as ferramentas digitais de processamento de texto, planilhas, construção e transformação de gráficos, sistemas de autoria, calculadoras entre outros aplicativos são extremamente úteis tanto ao aluno quanto ao professor. Nessa mesma perspectiva Wissmann (2002), apresenta uma abordagem levando em consideração a sociedade em que vivemos, onde a troca de conhecimento e informação é continua, onde o ato de ensinar utilizando a internet pressupõe um professor diferente, se utilizando de informações advindas tanto da sua própria experiência pessoal como dos seus alunos, tornando a escola um local de debates, discussões e interpretações críticas dos saberes em mutação, preocupando-se com a construção do sujeito do saber significativo. Ao tratarmos da utilização de ferramentas digitais como sites e blogs na educação matemática as análises estarão fundamentadas nos autores Allevato (2008) e Almeida (2003). As abordagens de Allevato (2008), sobre atividades de ensino com o computador, mostram que esse processo deve ser realizado de maneira planejada com antecedência, com objetivo de compreender o papel do computador e sua relação com a atividade escolar. Desta forma o autor aponta que as pesquisas realizadas na internet utilizando sites e blogs devem ser orientadas previamente pelo professor correlacionando o conteúdo estudado com as páginas a serem pesquisadas. As considerações de Almeida (2003) apontam que o ensino da matemática pode tornar-se mais dinâmico e prazeroso, levando em conta que os ambientes virtuais de aprendizagem permitem fornecer informações e trocas de experiências.
5. METODOLOGIA Para o desenvolvimento deste trabalho, inicialmente, fez-se levantamento bibliográfico, com estudo inserido em pesquisa qualitativa, visando à seleção e o 62
aprimoramento do referencial teórico. Em seguida, entrou-se em contato com a Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC) para conhecer o conteúdo programático de matemática utilizado no 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental II no município de Paragominas. Após o reconhecimento da referência das diretrizes das quais professores e alunos do município desenvolvem em sala de aula, iniciou-se uma pesquisa por material relacionado a estes conteúdos de matemática. Conteúdos que incluem textos, vídeos, jogos virtuais, jogos lúdicos, livros, aplicativos e muitas outras formas de conteúdos virtuais que nos permitisse construir uma página sobre matemática na internet. A construção do blog deu-se a partir de uma ferramenta virtual chamada blogger5 que abriga esse tipo de página na internet, nos permitindo criar uma página constituída de recursos virtuais de cunho pedagógico que proporcionassem aos visitantes uma prévisualização do tema desenvolvido neste trabalho. Logo após a construção do blog, foram desenvolvidas postagens com textos, videoaulas, aplicativos, bibliografias de matemáticos importantes e os demais recursos descritos no decorrer deste trabalho, com a finalidade de disponibilizar este conteúdo para os visitantes dessa página na internet. Após este momento efetuou-se a entrega de ofício em uma escola do município de Paragominas, com o intuito de formalizar a obtenção dos dados e auxiliar na continuidade e aprimoramento desta ferramenta virtual. Logo após, desenvolveu-se um questionário caracterizado para coletas de dados de cunho qualitativo e quantitativo destinados aos alunos da instituição de ensino, salientando informações de cada individuo em relação ao uso da internet, seu grau de conhecimento em informática, sua afinidade com o uso de tecnologias, conhecimento sobre assuntos matemáticos, pesquisas realizadas sobre matemática em sites e blogs, a opinião sobre a criação de um blog de matemática em Paragominas e outras informações importantes que nos ajudaram a desenvolver e aprimorar os conteúdos presentes na página virtual. Para a realização da pesquisa foram consultados 251 alunos distribuídos aleatoriamente entre os sexos masculino e feminino. Os indivíduos consultados foram subdivididos da seguinte maneira: no 6º ano foram coletados dados de 64 alunos, no 7º ano foram consultados 62 alunos, já no 8º ano obteve-se resultado de 60 alunos e no 9º ano obtiveram-se dados de 65 alunos.
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Ferramenta gratuita de publicação de blog do Google.
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Após a coleta de dados deu-se início ao levantamento estatístico e análise dos resultados obtidos. Para este procedimento utilizamos o programa Microsoft Excel, para nos auxiliar na organização dos dados e na construção dos resultados. Em seguida, foram realizadas as análises das respostas de cada pergunta feita em questionário, somando-se todos os dados coletados, dividindo-se de acordo com cada pergunta. Por fim, analisaram-se os resultados obtidos interpretando-os segundo o tema tratado, para que as conclusões sobre o trabalho fossem feitas. 6. ANÁLISES DE RESULTADOS Os dados utilizados na construção da tabela abaixo tiveram origem após a aplicação de um questionário de 10 perguntas em uma determinada escola do município de Paragominas, com alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental II, com a permissão da direção escolar e com a presença dos professores de matemática em sala. A aplicação dos questionários teve a seguinte metodologia: duas turmas do 6º ano, sendo uma, no período matutino e outra no período vespertino, duas turmas do 7º ano, duas do 8º ano e duas do 9º ano, totalizando a quantidade de 251 alunos, distribuídos aleatoriamente.
Pergunta 1
Você tem curso de informática?
66% não
2
Você utiliza a internet para estudar? Você costuma acessar internet em quais locais? Quantas horas semanais você utiliza na internet em pesquisa de conteúdos relacionados à matemática? O seu professor (a) de matemática desenvolve atividades utilizando ferramentas de informática em suas aulas?
75% às vezes 21% sempre
4% nunca
38% outros
34:% em casa
21% na escola
45% 1 a 5 h
40% menos de 1h 15% mais de 5H
58% nunca
36% as vezes
3% não
3 4
5
64
RESULTADOS OBTIDOS 34% sim
6% sempre
6
A informática pode contribuir efetivamente na sua formação?
97% sim
7
Você costuma utilizar algum blog para estudar matemática?
41% às vezes 32% nunca
27% sempre
8
Quantas Web Page (sites ou blogs) você costuma acessar em suas pesquisas relacionadas à matemática?
49% 3 a 5
41% 0 a 2
10% mais de 5
9
Você gostaria que seu município disponibiliza-se uma Web Page (sites ou Blogs) para utilização em pesquisa ou estudo relacionado a matemática?
92% sim
8% não
Se existisse algum blog disponível com conteúdos relacionados somente a 51% outros 30% jogos matemática, que conteúdo você gostaria de pesquisar para estudar? Tabela 1 - Pesquisa qualitativa. Fonte: Autoria própria
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19% dicas de aulas
Na pergunta 1, podemos constatar através do resultado da pesquisa que ainda é grande o número de alunos que não possuem um curso de informática, do total de entrevistados apenas 34% dos alunos possuem esta formação. Na pergunta 2, notou-se que pesquisas para estudo realizadas através da internet ainda não é predominante entre os alunos, pois grande parte dos entrevistados admitem que utilizam às vezes e existem alunos que ainda realizam suas pesquisas somente em outros meios de consulta, como os livros. Na pergunta 3, após análise dos dados, verificamos que mesmo a escola disponibilizando computadores com internet, existe um grande número de alunos que procuram outros lugares para ter acesso, e verificamos também que ainda existe uma pequena parcela de alunos que admitem que não utilizam essa ferramenta, seja por escolha própria ou por outras eventualidades que ocorrem dentro e fora da escola. Conforme a pergunta 4, constatamos que o tempo dedicado pelos alunos à pesquisas sobre conteúdos relacionados à matemática é bem otimista, onde 45% utilizam de 1 hora a 5 horas semanais e 15% utilizam mais de 5 horas. Na pergunta 5, observamos que os alunos admitem que os professores de matemática utilizam poucas vezes os recursos digitais em suas aulas, onde 58% dos alunos entrevistados salientaram que poucas vezes os professores utilizam esses recursos. Segundo a pergunta 6, observou-se que 97% dos alunos entrevistados reconhecem que a informática pode contribuir de maneira significativa para sua formação, restando apenas uma parcela de 3% do total de alunos que acreditam que a informática não tem grande importância para sua formação. De acordo a pergunta 7, constatou-se que a procura por blogs de matemática é relativamente grande entre os entrevistados, pois 27% dos alunos envolvidos na pesquisa afirmam que utilizam sempre algum blog para estudar matemática, e outros 41% dos entrevistados admitem que utilizam às vezes blogs sobre matemática em seus estudos. Conforme a pergunta 8, observou-se entre o público consultado que o número de páginas virtuais sobre matemática por pesquisa é relativamente grande onde 49% dos 65
alunos utilizam de 1 a 5 páginas virtuais relacionadas à matemática, outra parcela de 7% utiliza de 5 a 10 páginas virtuais. De acordo com a pergunta 9, constatou-se que 92% dos entrevistados gostariam que o município disponibilizasse um site ou blog com conteúdos relacionados à matemática estudada no próprio município, observando a necessidade de uma página virtual mais próxima da realidade dos alunos, visto que a maioria dos blogs e sites sobre matemática é baseada em outros contextos educacionais. Na pergunta 10, a análise dos dados coletados mostrou que grande parte dos alunos entrevistados gostaria que o blog disponibiliza-se jogos virtuais e/ou lúdicos para serem utilizados pelos usuários, totalizando o percentual de 30% dos entrevistados, enquanto 19% dos alunos gostariam que o blog disponibiliza-se dicas de aulas e uma taxa de 51% gostaria de outros conteúdos. Observa-se então, um grande interesse por parte dos entrevistados em conteúdos diversificados sobre a ciência matemática, matérias que possam despertar no estudante um interesse ainda maior em seu tempo dedicado à matemática.
7. CONCLUSÃO Quando o presente trabalho foi iniciado, buscava-se contribuir com o desenvolvimento de uma nova metodologia, introduzindo um blog no processo de ensinoaprendizagem em Matemática. Pretendeu-se também, refletir acerca da utilização de tecnologias e suas possíveis contribuições no processo de ensino de matemática. O mundo da informática gera interesse e curiosidade na maioria das pessoas, por isso os responsáveis pela educação devem sempre estar atentos às mudanças que estão acontecendo em nosso cotidiano. Mas, a utilização de recursos informatizados, como por exemplo, a internet, é um assunto polêmico no ambiente escolar, uma vez que muitos profissionais da educação não abrem as portas para as inovações no ensino. Um dos motivos seria não saber manusear esse recurso metodológico. Diante do estudo sobre as possíveis contribuições da tecnologia para a educação, entende-se que o blog utilizado na educação matemática vem edificar o processo de ensino-aprendizagem desta ciência, por ser uma ferramenta que não necessita de grandes conhecimentos na área de informática e tem uma interface de fácil acesso, possibilitando um espaço cada vez mais dinâmico e diversificado, que permite a todos a utilização de métodos, técnicas e ferramentas adequadas às necessidades da 66
comunidade local, pois entendemos que é necessário uma renovação na concepção de ensino e aprendizagem em matemática, respeitando cada cultura e realidade escolar.
8. REFERÊNCIAS ALLEVATO, Norma Suely Gomes. O Computador e a Aprendizagem Matemática: reflexões sob a perspectiva da Resolução de Problemas. Anais do I SERP, 2008. ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação Lúdica: Técnicas e Jogos Pedagógicos. Rio de Janeiro: Loyola, 2003. BARREIRA, Ana Isabel Botelho Machado. O Computador na Aula de Matemática: um estudo com alunos finalistas do curso de matemática e ciências de natureza. Porto: Universidade Portucalense, 2007. FREIRE, Paulo, Educação como prática da liberdade. Rio de janeiro: Editora Paz e terra, 1967. GATTI, B. A. Os agentes escolares e o computador no ensino. FDE - São Paulo: Revista de Educação e Informática, 1993. TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na Educação: novas ferramentas para o professor na atualidade. 7ª Ed. São Paulo: Érica, 2007. VALENTE, José Armando. Computadores e Conhecimento: repensando a educação. Campinas: Gráfica central da Unicamp, 1993. WISSMANN, Liane Dal Morim. Recursos tecnológicos. Revista do Professor, ano XVIII- nº71:Ed. CPORC, Porto Alegre, 2002.
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TRABALHANDO COM PROJETOS DIDÁTICOS INTERDISCIPLINARES NA CLASSE HOSPITALAR DO ESPAÇO ACOLHER Gilda Maria Maia Martins Saldanha1 Denise Corrêa Soares da Mota 2 Micheline Banhos de Oliveira3
Resumo O artigo tem como objetivo apresentar a organização do trabalho educacional desenvolvido pelos professores da Secretaria de Estado de Educação do Estado do ParáSEDUC, em uma classe hospitalar, na casa de apoio “Espaço Acolher”. Apresenta ações interdisciplinares por meio de projetos didáticos desenvolvidos com mulheres ribeirinhas vítimas de acidentes de motor na Amazônia durante o período em que realizam tratamento especializado na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará-FSCMPA. Foram três projetos pedagógicos interdisciplinares desenvolvidos durante todo o período letivo de 2016 que materializam o currículo, a saber: Imagens do Universo Amazônico; Águas na Amazônia: globalização, sustentabilidade e preservação e Chuvas Literárias. Os resultados mostram que os conteúdos curriculares foram mais bem apreendidos pelo fato de terem sido relacionados com as experiências de vida desses sujeitos. Também foi facilitado o processo de aprendizagem, a socialização, a comunicação e a interação com os colegas de grupo a partir do aprender a pensar e agir coletivamente. Palavras-chave: Classe Hospitalar. Escalpelamento. Interdisciplinaridade.
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SEDUC/PA Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Pará. Professora da Classe hospitalar do Espaço Acolher e Pedagoga da Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia do Estado do Pará. gmartinsal@hotmail.com 2 SEDUC/PA Especialização em Currículo. Graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará. Professor responsável pelo Espaço Acolher. E-mail: denisesoares20@gmail.com 3 SEDUC/PA Graduação em Bacharelado e Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal do Pará, especialista em Orientação Educacional pela Universidade Cândido Mendes e em Tecnologia em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, professora de Geografia e Informática Educativa da Classe Hospitalar do Espaço Acolher. E-mail: banhos.m@gmail.com
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Justificativa O Espaço Acolher é uma casa de apoio que assegura o atendimento humanizado às mulheres que sofreram escalpelamento acidental por motor de embarcações na Amazônia paraense necessitando a realização de tratamento especializado na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMPA). O escalpelamento é a retirada de maneira brusca do couro cabeludo causando sérias cicatrizes e mutilações na cabeça, rosto e pescoço na maioria das mulheres que sofrem o acidente. Encaminhadas a capital paraense são tratadas pela FSCMPA, que hoje se tornou referência no atendimento integral a esses pacientes oferecendo total assistência, da chegada até o retorno seguro aos seus municípios de origem. O Espaço Acolher está organizado em suas ações de forma a atender às diversas faixas etárias, desde crianças, adolescentes, jovens e pessoas idosas. Também promove ações de educação e saúde a partir da atuação de uma equipe multidisciplinar formada por profissionais de diversas áreas, como: assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, pedagogos, professores, e bolsistas da Universidade Estadual do Pará (UEPA) e demais profissionais de apoio. E para compor a integralidade na assistência, o Governo do Estado do Pará por meio da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) implantou no ano de 2011 a Classe Hospitalar no Espaço Acolher visando assegurar o direito à educação para os alunos ali atendidos durante o tratamento prolongado por inúmeras cirurgias reparadoras. Assim, a Classe Hospitalar do Espaço Acolher apresenta como proposta um trabalho estruturado, com atendimentos específicos, para cada nível de ensino. A organização do trabalho pedagógico está pautada em duas modalidades de planejamento: projetos didáticos e sequências didáticas. Paralelamente, são construídos cadernos pedagógicos individualizados para serem utilizados com sequências didáticas previamente selecionadas pelo professor. Na sequência didática o planejamento é centrado no professor, que monitora todo o processo, articulando as atividades com nível, sequência e aprofundamento dos conteúdos. Nas duas modalidades o objetivo maior é desenvolver a oralidade, leitura e escrita das alunas. Assim, as alunas do 1º e 2º ciclos (1º, 2º, 3º 4º e 5º anos) trabalham com cadernos pedagógicos individualizados, devidamente preparados de acordo com o nível de 69
aprendizagem de cada criança e baseado nos conteúdos curriculares de cada ciclo. Da mesma forma, materiais pedagógicos de apoio são construídos pelos próprios professores da classe hospitalar partindo das realidades regionais dos diversos municípios do Pará. Para os 3º e 4º ciclos (6º, 7º, 8º, 9º anos) os cadernos pedagógicos são interdisciplinares, confeccionados por áreas de conhecimentos. Na Educação de Jovens e Adultos – EJA, toda a dinâmica de trabalho é desenvolvida a partir da concepção teórica e metodológica freireana que se justifica pela realidade social das educandas: baixa escolarização, de classes populares, provenientes das comunidades rurais-ribeirinhas, com sofrimento físico e psíquico em consequência das sequelas do acidente. Dessa forma, traz para o processo educacional o olhar para a exclusão social e desenvolve uma pedagogia crítica, humanista e comprometida ética e politicamente com as classes populares. Todo o trabalho educativo tem a parceria da UEPA, por meio do Núcleo de Educação Paulo Freire (NEP), dando o suporte técnico no referencial teórico freireano. É baseado nessa organização curricular e metodológica que o presente texto pretende
apresentar
três
projetos
didáticos
interdisciplinares
que
compõem a
materialização do currículo na classe hospitalar do Espaço Acolher, a saber: Imagens do Universo Amazônico na Classe Hospitalar do Espaço Acolher; Águas na Amazônia: globalização, sustentabilidade e preservação; e Chuvas Literárias. Pensar o currículo para a Classe Hospitalar de alunas advindas de contextos ribeirinhos da Amazônia requer conhecer esse universo natural com seus saberes e culturas. Para Lima (2013, p.92-93), A produção literária a respeito da Amazônia tem mostrado que os povos que ocuparam essa região, desde seus tempos primitivos, são detentores de um universo cultural extremamente rico. Em suas práticas cotidianas profundamente ligadas à natureza, esses povos mobilizavam uma diversidade de saberes em relação às águas, à terra, à mata e outros.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), a extensão territorial do Pará é de aproximadamente 1.247.954,666 km², com 144 municípios, sendo que maior parte desses tem influência hidrográfica. Assim, para as populações ribeirinhas os rios e os barcos são os elos de socialização entre os indivíduos. A rua é o próprio rio, é ele que dá acesso à vida social e leva ao trabalho, a escola, a
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igreja, ao lazer, aos familiares e amigos. O rio é esse espaço de satisfação de necessidades materiais e de construção de simbologias de vida e cultura. Entendendo que as alunas do Espaço Acolher estudam temporariamente na classe hospitalar, na cidade de Belém do Pará, mas são oriundas das mais diversas comunidades e escolas ribeirinhas; a proposta educacional da Classe Hospitalar tem como princípio cultivar o sentido de pertencimento e territorialidade dessas educandas. Nesse sentido, o currículo da classe hospitalar do Acolher não se constitui em seleção de conteúdos tendo como foco o saber escolar, mas é compreendido como produção cultural, por estar inserido “na luta pelos diferentes significados que conferimos ao mundo” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 93). Para a realização das atividades curriculares rompe-se com o trabalho fragmentado do processo de produção de conhecimento partindo para um trabalho interdisciplinar. Na interdisciplinaridade, para Lück (2010, p.43), Busca-se estabelecer o sentido de unidade na diversidade, mediante uma visão de conjunto, que permita ao homem fazer sentido dos conhecimentos e das informações dissociados e até mesmo antagônicos que vem recebendo, de tal modo que possa reencontrar a identidade do saber na multiplicidade de conhecimentos.
Metodologia A classe hospitalar se propõe desenvolver ações pedagógicas utilizando os saberes e linguagens do universo ribeirinho amazônico partindo dos conhecimentos individuais e coletivos dos alunos residentes do Espaço Acolher, que cursam a educação básica. Atende mensalmente, uma faixa de trinta alunos que estão matriculados em diversas escolas de municípios do Estado do Pará. Durante o tratamento, que é longo e doloroso, recebem a escolarização por professores da SEDUC de forma individual e em grupo multisseriado. Desta forma, optou-se por trabalhar os conteúdos curriculares de forma integrada nas diversas áreas do conhecimento, a saber: a. Área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias: Língua Portuguesa, Redação, Literatura, Arte, Educação Física, Inglês e Espanhol. b. Área de Ciências Humanas e suas Tecnologias: História, Geografia e Vida Cidadã (Sociologia e Filosofia). 71
c. Área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias: Física, Química e Biologia. d. Área da Matemática e suas Tecnologias: Álgebra, Geometria, Gráfica e Tabelas. Assim, os projetos didáticos interdisciplinares foram organizados e acompanhados pela equipe de professores do Espaço Acolher e surgiram a partir de aulas dialogadas, previamente organizadas, levando em consideração as realidades e contextos dos alunos; e englobaram as diversas áreas do conhecimento. Os três projetos foram realizados durante o ano letivo de 2017, por meio de atividades individuais e coletivas; na sala de aula do Espaço e em ambientes externos ao da escola hospitalar. Dentre as atividades teóricas e práticas destacamos: roda de conversas, visitas monitoradas, oficinas de construção textual, oficinas de artes, exposição de cartazes, painéis e vernissages. Todas as ações com a participação dos alunos em todas as fases dos projetos. Paralelamente, vários conteúdos programáticos foram trabalhados de forma complementar aos projetos didáticos, em cadernos pedagógicos preparados pelos professores da Classe Hospitalar do Espaço Acolher, de acordo com cada nível de ensino e área de conhecimento. Para Brandão, Selva e Coutinho (2016, p.57) o projeto didático se caracteriza como um “Conjunto de atividades que trabalham com conhecimentos específicos, construídos a partir de um eixo de trabalho que se organizam ao redor de um problema para resolver um produto final que quer obter”. Partindo dessa premissa, se faz necessário considerar os saberes culturais e sociais das educandas do Espaço Acolher, atentando para as características geográficas da região amazônica, marcadas por grandes extensões de rios e considerar seus valores, costumes e tradições. Desta forma, foram estruturados e implementados os seguintes projetos pedagógicos interdisciplinares:
72
Projeto: “Imagens do Universo Amazônico na Classe Hospitalar do Espaço Acolher”. O objetivo do projeto foi investigar as diferentes culturas e linguagens das alunas ribeirinhas, interligando-as aos conteúdos curriculares. Utilizando para isso o recurso do universo das artes visuais (imagens) e plásticas. Para suporte técnico conta-se como o apoio da professora/fotógrafa Mary Anne Frazão, que é professora de filosofia e sociologia do Ensino Médio e Superior e participa missão humanitária da Estação de Pesquisa Ferreira Pena. A mesma autorizou a utilização de seu acervo de imagens do universo amazônico para todas as atividades propostas pelo projeto. Também com a parceria da professora de arte-educação atividades foram realizadas na sala de aula com releitura das imagens ribeirinhas e criação de novas representações por meio do fazer artístico. O projeto impulsionou o processo ensino aprendizagem dessas alunas, com a confecção de materiais pedagógicos que partiram dos saberes e fazeres desses sujeitos. Freire (2006) entende que a construção do conhecimento é contínua e envolve variáveis que vão além do cognitivo, como abrange o sensitivo, o motor, o estético, o intuitivo, o emocional, e outros aspectos. Portanto, a opção para se utilizar a arte visual e plástica nesse processo de construção do saber visa motivar a socialização das experiências desses alunos. A leitura das imagens fotográficas produz significado às informações que o aluno possui, enquanto que a releitura dessas obras, por meio das artes plásticas, propicia a recriação ou reconstrução dessas imagens num outro contexto, com novo sentido do objeto, interpretada e produzida pelo sujeito que contextualizou. Assim, “Ler uma obra seria, então, perceber, compreender, interpretar a trama de cores, texturas, volumes, formas, linhas que constituem uma imagem”. Perceber objetivamente os elementos presentes na imagem, sua temática, sua estrutura. (PILLAR, 1999, p.15). Da mesma forma, o aluno do Espaço Acolher ao realizar a leitura e releitura de imagens das localidades ribeirinhas, a partir das narrativas fotográficas da pesquisadora e fotógrafa Mary Anne Frazão, retratou a identidade cultural de sua localidade, tais como: a fauna, flora, os rios, os elementos arquitetônicos das cidades em que moram, costumes, crenças, dentre outros. Também a utilização da informática educativa, com a utilização dos softwares, nas práticas interdisciplinares tem facilitado todo esse processo. Todo esse saber cultural 73
serve de subsídios teóricos para a contextualização do conteúdo curricular e para referenciar resultados de pesquisas. Ações propostas: •
Aplicação do instrumental de Pesquisa Socioantropológica. A pesquisa
socioantropológica está sendo realizado em parceria com o Núcleo de Educação Popular Paulo Freire (NEP), da Universidade do Estado do Pará (UEPA). •
Roda de conversa com a fotógrafa Mary Anne Frazão. O objetivo da
atividade foi envolver os alunos com o mundo da fotografia. Também, promoveu a interação com a autora para conhecimento por parte dos alunos, das histórias relativas a cada imagem revelada. •
Visita monitorada ao Parque Ambiental do Utinga para estudo e fotografia do
ambiente natural. O Parque Ambiental do Utinga tem uma área de 1.340 hectares e é a maior área de conservação da natureza com proteção integral da Região Metropolitana de Belém. •
Produção textual a partir das imagens amazônicas. Esta ação objetivou
produzir textos que reflitam o universo das alunas por meio de imagens fotográficas. •
Oficina de artes plásticas a partir das imagens, com releitura das imagens
ribeirinhas e criação de novas representações por meio do fazer artístico. • •
Visita monitorada: Belém histórica e Parques Zoobotânicos. A organização de materiais pedagógicos interdisciplinares: Caderno
pedagógico ribeirinho-letramento e alfabetização, dicionário Amazônico e cadernos pedagógicos interdisciplinares por área de conhecimento. •
Vernissage com releituras das imagens produzidas pelos alunos do Espaço
Acolher.
Projeto: “Águas na Amazônia: globalização, sustentabilidade e preservação”. O objetivo do projeto é proporcionar às crianças, jovens e adultos atendidos pela classe hospitalar do Espaço Acolher um olhar global sobre as águas amazônicas, através de descobertas científicas e da ressignificação do imaginário, tendo em vista os conceitos de sustentabilidade e preservação. A água é o elemento que nos garante a sobrevivência e está presente em todos os momentos da existência dos seres vivos. Hoje além de satisfação biológica, a água fornece energia fazendo parte do conjunto das matérias-primas mais importantes da 74
atualidade. Desta forma as águas na Amazônia são globalizadas já que são fontes de geração de energia através da construção de hidrelétricas que favorecem a produção industrial. A sustentabilidade na Amazônia é uma das diretrizes para a preservação das águas na região e está diretamente relacionada às questões globais mais complexas, mediante as relações capitalistas de produção que intensificam a aceleração e o incalculável uso dos recursos hídricos. Porém, o universo das águas na Amazônia vai além das discussões sobre sustentabilidade, preservação e globalização. A água para as populações ribeirinhas está em todos os setores e é vista como significado de alimento, transporte, energia, moradia, além de mantenedora do ecossistema amazônico. Dentro desse contexto, o projeto curricular “Águas na Amazônia: globalização, sustentabilidade e preservação”, forneceu aprendizagens significativas aos alunos uma vez que a maioria desses sãos ribeirinhos e tem nessas águas o maior referencial de sobrevivência. O projeto apresentou três Unidades Contextualizadas: o significado de água; a água: contemporaneidade e uso; e o universo amazônico da água. Os objetivos operacionais para as Unidades Contextualizadas foram: •
Perceber conceitos globais de sustentabilidade e preservação voltados para o
espaço amazônico a partir do uso da água na região. •
Recriar o Ambiente (Cenário), como forma reproduzir em tempo e espaço,
para uma maior compreensão dos assuntos discutidos em classe. •
Observar a importância dos rios Nilo, Tigres, Eufrates e Amazonas e
compreendendo os fatores que influenciaram e os legados deixados das civilizações antigas para os dias atuais. •
Fomentar no aluno a investigação, imaginação e vivências, como forma de
instrumento de aprendizagem através da pesquisa, da produção de textos, pinturas, esculturas e instalações. •
Aproximar o aluno, da leitura textual com as imagens, vídeos, fotografias e
obras de arte. 75
•
Familiarizar as educandas com a linguagem poética, navegar na poesia para
que elas sintam prazer em ler, ouvir e criar poemas. •
Conhecer a Declaração Universal dos Direitos da água.
•
Confeccionar material sobre a água (Scrap /Mini telas).
•
Expor cartazes, painéis e varais.
•
Realizar roda de conversa para que as alunas expressem a visão que elas
têm sobre o termo água, depois serão analisados alguns conceitos inerentes a esse assunto, tendo como ponto de partida o cotidiano de cada uma delas. •
Discutir com os alunos os interesses de cada um no que se refere às
propostas a serem desenvolvidas a partir do tema (livros, vídeos, revistas, web, fotos, imagens e obras de arte). •
Organizar projetos individuais por aluno, de acordo com as propostas de
atividades. •
Socializar os projetos, com apresentação seus trabalhos em uma exposição
ambientada. •
Pesquisar utilizando a internet, sobre a distribuição da água no planeta Terra
e as formas de poluição e contaminação, para que possamos discutir conceitos de preservação. •
Visitar o Museu Emílio Goeldi e a Universidade Federal do Pará no Centro
de Geociências e Meteorologia para que as alunas conheçam as pesquisas acadêmicas realizadas a respeito da bacia hidrográfica da Amazônia e seus resultados para a população ribeirinha. •
Promover debates para sistematização do que aprenderam nas visitas a
academia através de um debate em sala de aula. •
Realização da Instalação: “Paisagens e Símbolos Culturais Amazônicos”
apresentado na 1ª Jornada Interestadual de Apoio à Educação do Escolar em Tratamento de Saúde, no dia 27/05/2016, na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). O objetivo da instalação foi apresentar os símbolos culturais e paisagens ribeirinhas representados em sombrinhas pelas alunas do Espaço Acolher. As pinturas foram idealizadas a partir de releituras das obras do artista plástico paraense Odair Mindello, que fizeram parte da exposição denominada Real Sociedade Amazônica, apresentando um rico 76
colorido e símbolos da cultura local. As sombrinhas foram utilizadas como suporte para pinturas por se tratar de um símbolo cultural conhecido - as constantes chuvas na Região. Para compor a Instalação sons como: de trovões, de motor de embarcações, da chuva, do canto de pássaros, dentre outros foram ouvidos. Também pequenos objetos símbolos da cultura local que puderam ser apreciados com o tato e olfato. Todo esse contexto convida as pessoas a refletir sobre o magnífico universo cultural da Região Amazônica. •
Realizar Instalação: “Águas juninas”: Construção de estandartes juninos
identificando o universo da fauna amazônica representando os animais de água doce. Esses foram feitos em desenhos e pinturas coloridas confeccionados pelas alunas da classe hospitalar do Espaço Acolher após pesquisa nas áreas de ciências da natureza, códigos e linguagens. Toda a pesquisa e processo de construção estão contemplando os componentes curriculares previstos na proposta triangular em Arte da: apreciação, contextualização e a produção artística de forma interdisciplinar com as outras áreas de conhecimento. O projeto também organizou a elaboração de uma ficha técnica contendo informações sobre os animais de água doce da região amazônica, apresentada juntamente com os respectivos estandartes. Projeto: “Chuvas Literárias” O objetivo do projeto foi familiarizar as alunas-pacientes com a linguagem literária para que sintam prazer em ler, ouvir e criar poemas e narrativas. Como objetivos operacionais: 1-Levar as alunas-pacientes a explorar e utilizar as diferentes formas de leitura para se expressar, interagir com os outros e ampliar seus conhecimentos; 2- Enriquecer o vocabulário, favorecendo a socialização; 3-Despertar e desenvolver o prazer da leitura. Todo o projeto fundamentou-se nos seguintes Componentes Curriculares: habilidades da norma culta: escrita e oral; atividades para o desenvolvimento da atenção, criatividade, imaginação, observação e a memória; interação com a linguagem escrita, poema em suas diversas formas e estudo dos gêneros textuais e sua importância para o cotidiano. 77
As ações se materializam por meio das seguintes atividades: •
Visita à feira do Livro.
•
Realização de estudos da Biografia e obra de autores: José de Alencar
(autor Nacional); José Antônio Neto (autor Paraense); Poeta Vinicius de Moraes e outros, por meio de rodas de conversas, pesquisas na internet e leitura de livros dos autores. •
Confecção de Livro literário em tecido.
•
Confecção de Almofadas poéticas;
•
Atividades orais e escritas de poemas, poesias, contos, advinhas, paródias,
cordel, sarau, lendas etc. •
Releitura das imagens de Mary Anne Frazão.
•
Rodas de leituras.
•
Apresentações musicais.
•
Dramatizações de fábulas.
•
Exploração de histórias em quadrinhos.
•
Pesquisas na internet.
•
Confecção de cartões poéticos.
•
Caixas dos poetas.
•
Criação do varal de poesias.
•
Confecção de painéis literários.
•
Reprodução da natureza com a arte do SCRAP BOOK. Todo esse trabalho teve como objetivo estabelecer relações entre as experiências
do leitor e os objetos de leitura, sejam imagens ou textos, tornando a leitura desses textos e o processo de ensino e aprendizagem envolvente e significativo.
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Resultados A experiencia da equipe da Secretaria de Educação do Pará, por meio da classe hospitalar, com alunas que sofreram escalpelamento vem se dando de forma interdisciplinar por áreas de conhecimento. Esse formato de prática de ensino tem contribuído para assegurar o direito a educação, cidadania e resgate da autoestima dos alunos atendidos. No que se refere ao currículo, as práticas pedagógicas evidenciam que o estabelecimento de relações entre as experiências dos alunos e os componentes curriculares tornam o processo de ensino e aprendizagem envolvente e significativo. Quanto ao fazer pedagógico do Espaço Acolher tem como princípio norteador o ato de reflexão dos alunos residentes sobre sua realidade enquanto moradores da região Amazônica, e como cidadãos da sociedade global. Assim, essas reflexões fundamentam os conteúdos curriculares do ensino fundamental, médio e da educação de jovens e adultos nesse espaço. As demais ações ali desenvolvidas têm como foco principal a utilização do recurso das artes visuais e plásticas pelos alunos, com o incentivo à produção, criação, idealizações do seu mundo interior (desejos, sonhos, referências) buscando externá-los por meio de produções artísticas como a pintura, colagem, desenho, dentre outros. Assim, as produções artísticas realizadas de forma coletiva proporcionam trocas de experiências mútuas que contribuem para o crescimento emocional e afetivo dos alunos, despertando nesses jovens o sentimento de pertencimento e o orgulho do modo de viver dessa gente. Entretanto, nas ações observadas no fazer docente percebeu-se que os saberes locais, em nada estão dissociados dos globais. Exemplo disso é a utilização de autores de referências tanto locais como nacionais. Da mesma forma, a utilização do computador com suas diversas mídias tem facilitado a aprendizagem e a aquisição de novos conhecimentos pelos alunos, isso porque as redes de comunicação estão cada vez mais disponíveis à população, e o acesso a informação mais democratizada, por meio das redes sociais, internet e demais meios de comunicação, mesmos com dificuldades de acesso em municípios mais longínquos da região amazônica.
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Como a avaliação de todo o processo educacional materiais didáticos interdisciplinares são reconstruídos ao final de cada período letivo a partir das realidades regionais, como: Caderno pedagógico ribeirinho-letramento e alfabetização, dicionário Amazônico e cadernos pedagógicos por área de conhecimento. Os resultados mostraram que os conteúdos curriculares foram mais bem apreendidos pelo fato de terem sido relacionados com as experiências de vida desses sujeitos. De igual maneira foi facilitado o processo de aprendizagem, a socialização, a comunicação e a interação com os colegas de grupo a partir do aprender a pensar e agir coletivamente.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi; SELVA, Ana Coêlho Vieira; COUTINHO, Marília de Lucena Coutinho. O trabalho com projetos didáticos: integrando a leitura e a produção de textos. In: SOUZA, Ivane Pedrosa de BABOSA, Maria Lúcia Ferreira de Figueiredo (orgs.). Práticas de Leitura no ensino fundamental. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. FREIRE, Paulo; Macedo, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra, 4ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Estados@ Pará. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=pa. Acesso em: 13 mar. 2015. LIMA, Natamias Lopes de. Saberes Culturais e modos de vida de ribeirinhos: a relação com o currículo em ação. In: ABREU, Waldir Ferreira de, OLIVEIRA, Damião Bezerra, SILVA e Érbio dos Santos (Orgs.). Educação Ribeirinha: saberes, vivências e formação no campo. 2ª Ed. GEPEIF-UFPA, Belém, 2013. LÜCK, Heloísa. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos teórico-metodológicos. 17. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez,2011. PILLAR, Analice Dutra. A educação do olhar do ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 1999.
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DADOS ESTATÍSTICOS NA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO DE DISTORÇÕES IDADE-SÉRIE COMO SUBSÍDIOS PARA INTERVENÇÕES EDUCIONAIS. Amerinei Ferreira da Silva1 Geriane Afonso de Mendonça2 Amari Goulart3
RESUMO O presente artigo tem por objetivo apresentar um olhar reflexivo a partir de diagnoses pautadas na correção do fenômeno da distorção idade-série, número que atualmente, ainda apresenta um valor considerado muito elevado no atual cenário educacional brasileiro, e que requer, por parte dos integrantes da equipe escolar, tanto do corpo docente como do corpo técnico-administrativo, iniciativas pedagógicas que tenham por objetivo melhorar a qualidade de ensino na instituição escolar, e consequentemente, a diminuição do alto índice de distorção. Neste artigo mostramos que, a partir da análise de dados estatísticos do desempenho escolar de uma Instituição de Ensino Fundamental, no Município de Moju, Estado do Pará, os membros da equipe escolar passaram a conhecer melhor o contexto da instituição em que atuavam. A partir da compreensão, conhecimento desta realidade e com o auxílio de reflexões realizadas por toda a comunidade escolar, tanto professores como técnico-administrativos, trabalhamos em cima das problemáticas encontradas na instituição e com o auxílio de intervenções pedagógicas, simultaneamente, com intervenções técnicas-administrativas, ambas articuladas democraticamente e em conjunto, usadas como subsídios visando à melhoria no processo de ensino-aprendizagem. Palavras-chave: Análise de dados estatísticos. Práticas pedagógicas. Qualidade de ensino. 1 – Introdução As pesquisas realizadas através das análises de dados estatísticos vêm se mostrando como ferramenta indispensável nas mais diferentes situações de pesquisa encontradas pelo homem, mostrando-se presente e contribuindo com o avanço das mais variadas ciências, como por exemplo, a Biologia, a Geografia, a Química, a Matemática, a História, etc.
1
Especialista em Educação Matemática para o Ensino Médio pela Universidade Federal do Pará. amerineiferreira@hotmail.com 2 Licenciada Plena em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará. geryafonso@hotmail.com 3 Doutor em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. moivre2@yahoo.com.br
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O que perpassa, concomitantemente, pela definição de Estatística defendida por Crespo (2002), onde diz que: “A Estatística é uma parte da matemática aplicada que fornece métodos para a coleta, organização, descrição, análise e interpretação de dados e para a utilização dos mesmos na tomada de decisões.” (CRESPO, 2002, p. 13).
Através da análise de dados estatísticos podemos tirar conclusões de determinados contextos porque, segundo Crespo (2002), a Estatística nos permite generalizações a partir dos dados obtidos em uma amostra, uma vez que: “... o objetivo último da Estatística é tirar conclusões sobre o todo (população) a partir de informações fornecidas por parte representativa do todo (amostra) [...] que tem por base a indução ou inferência, a tirarmos desses resultados conclusões e previsões.” (CRESPO, 2002, pag. 15).
As pesquisas desenvolvidas através de coletas e análises de dados estatísticos vêm recebendo uma grande relevância em pesquisas populacionais dentro das sociedades de massas, contribuindo como uma gama de possibilidades que nos auxilia a tirar várias conclusões quando analisamos os fatos em diferentes contextos sociais. Estudos advindos de dados estatísticos estão cada vez mais presentes em pesquisas eleitorais, que apresentam a proporção de intenção de voto para determinado candidato; em dados populacionais divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quando este órgão apresenta as informações de um bairro, de uma cidade ou de um estado; pela Secretaria de Saúde, quando esta divulga informações endêmicas populacionais; pela Secretaria de Educação, quando ela divulga o fluxo educacional dos alunos de um determinado município, etc. Os dados sobre o fluxo educacional de um município são gerados a partir da unificação dos fluxos escolares informados pelas escolas subordinadas à Secretaria de Educação desse município. Cada escola apresenta o seu fluxo através de dados estatísticos, onde são apresentados os números de alunos aprovados, reprovados e evadidos. O Fluxo escolar: “Trata-se da análise do comportamento da progressão dos alunos pertencentes a um corte, em determinado nível de ensino seriado, em relação à sua condição de promovido, repetente ou evadido. O aluno matriculado em determinada série no início do ano letivo t + 1. (1) Promovido – se, tendo sido aprovado na série anterior, matriculou-se em série posterior; (2) Repetente – matriculou-se na mesma série que cursou o ano anterior; e (3) Evadido – não se encontra matriculado em qualquer série do nível de ensino em 82
questão” (Glossário.http://portalgeo.rio.rj.gov.br/mlateral/glossario/T_Educacao .htm, acesso no dia 28/11/16).
Quando analisamos os dados desse fluxo, um dado importante a se verificar é a Distorção Idade-Série (DIS). A DIS tem por objetivo mostrar a defasagem etária em relação à série. Ela é constituída pelo número de estudantes que não estão matriculados na série considerada adequada a sua faixa etária. Tais estudantes são aqueles que não conseguiram acompanhar os objetivos e as diretrizes escolares e são representados principalmente, segundo Soares (2015), por alunos que passaram por diversas reprovações ou que ingressaram tardiamente no sistema escolar. Neste artigo, o nosso objetivo principal é apresentar uma experiência de gestão escolar vinculando o processo educacional à coleta de dados estatísticos, com a finalidade de realizar intervenções pedagógicas buscando a melhoria do processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, a diminuição do índice de distorção idadesérie de uma instituição de ensino. A nossa inquietação surgiu ao final do ano letivo de 2014, quando analisamos o rendimento final dos alunos da escola na qual trabalhamos. Nessa análise, fomos surpreendidos por dados não esperados pela equipe escolar. Tais resultados nos levaram a uma reflexão mais detalhada sobre desempenho dos alunos dessa Instituição de Ensino, a fim de verificarmos coletivamente, uma forma de acompanharmos mais efetivamente os resultados bimestrais e anuais da Instituição. A partir dos dados evidenciados, essa problemática foi discutida no planejamento ocorrido no início do ano de 2015, nele estabelecemos o objetivo de buscar alternativas pedagógicas que nos possibilitassem trabalhar, tendo como foco principal, o acompanhamento mais sistemático dos dados estatísticos escolares com o objetivo de termos melhores subsídios para beneficiar o desempenho pedagógico escolar e com isso, passarmos a ter um trabalho mais conectado com a secretaria da escola, a qual fornece os Dados Estatísticos concatenados ao Censo Escolar, vinculado à Secretaria Municipal de Educação.
83
No planejamento inicial de 2015, foram diagnosticados elevados índices de reprovação e evasão escolar, observamos que 17% dos alunos aprovados com dependência4, 23% reprovados e 5% evadidos. Nesse contexto questionou-se: “O que poderia ser feito para melhorar o processo de ensino-aprendizagem, com o objetivo de diminuir o índice de distorção idade-série, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Antônio de Oliveira Gordo”? Uma das contribuições dessa reflexão consiste em utilizar as análises de dados estatísticos como subsídios que possibilite a gestão escolar, um acompanhamento permanente acerca do trabalho pedagógico desenvolvido pela equipe docente. Tal acompanhamento possibilita a gestão escolar diagnosticar as dificuldades, propondo assim, intervenções pedagógicas que auxiliam os professores a repensarem as suas práticas docentes. Essa pesquisa mostra o resultado do acompanhamento realizado durante o período compreendido entre os anos de 2014–2015, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Antônio de Oliveira Gordo, localizada na Rua das Palmeiras, nº 185, Bairro: Pedreira 5, a qual possui em sua estrutura física: onze salas de aulas, uma sala de informática, uma biblioteca, uma sala de secretaria, uma sala de diretoria, uma sala da coordenação, uma sala dos professores com um banheiro interno, uma sala da rádio escola, uma lanchonete, copa e banheiros para os alunos. Atualmente, o corpo discente possui 668 alunos, distribuídos em vinte e duas turmas divididas entre o período matutino e vespertino. O corpo docente se apresenta contendo 34 professores. O corpo técnicoadministrativo é composto por uma Diretora, duas Vice-diretoras, três Coordenadores, uma Secretária e cinco Educadores de Secretaria. O corpo de Educadores de Apoio é composto por oito funcionários. Esta instituição atende alunos das séries finais do Ensino Fundamental da zona urbana do município de Moju, oriundos dos mais diferentes bairros do município, cujas famílias apresentam um percentual de 46% de pais separados e que, em sua maioria, possuem uma faixa de renda situada entre R$ 1.000,00 a R$ 1.500,00. A escola está subordinada à Secretaria Municipal de Educação e Desportos (SEMED), a qual, depois de 4
É o conjunto de alunos formados por aqueles que ficaram reprovados no máximo em duas disciplinas. Dessa forma, os mesmos passarão para o ano seguinte, porém deverão cursar no contraturno a(s) disciplina(s) que não conseguiram aprovação no ano anterior. 5
O bairro abrange o comércio local, o terminal rodoviário do município e a frente da cidade. Pode se considerar que as famílias localizadas ao redor da escola, são de classe média do município.
84
diagnósticos apresentados pelo censo escolar municipal, detectou um elevado índice de alunos em distorção idade-série, diagnóstico esse que possibilitou a elaboração do programa de correção de fluxo escolar do município de Moju. Com base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) 9.394/96, (BRASIL, 1996), no regimento do Conselho Estadual de Educação e no Regimento Escolar Municipal Unificado, a SEMED implantou no dia 26 de janeiro de 2012, um programa de correção de fluxo escolar na rede municipal de ensino denominado “PROGRAMA DE CORREÇÃO DE FLUXO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE MOJU” (PROSSEGUIR). Este programa foi criado, após diagnóstico do censo escolar onde se detectou no município de Moju-Pa, um índice considerado elevado de alunos defasados em relação à série que deveriam estar cursando. Por isso, a SEMED implantou o PROSSEGUIR, com o objetivo de diminuir esse índice. A meta deste programa era diminuir em 10% este índice até o final do ano letivo de 2012, e diminuir gradativamente nos anos seguintes, com a aplicação do Teste Reclassificatório para os alunos do Ensino Fundamental II, nas escolas da rede municipal de ensino. O Teste deve ser aplicado anualmente, ao final do primeiro bimestre, com base no conteúdo proposto nas disciplinas que compõem o currículo do Ensino Fundamental. As escolas devem fazer o levantamento da distorção idade-série, a aplicação do teste e todo o processo pedagógico envolvendo a reclassificação dos alunos com distorção para a série seguinte. Como a E. M. E. F. Antônio de Oliveira Gordo é vinculada ao município de Moju, ela teve que assumir em seu Projeto Político Pedagógico (P.P.P.) as normas deste programa, podendo assim se planejar e com isso estabelecer metas internas, para o processo de ensino-aprendizagem,
com
o
objetivo
de
melhorar
o
fluxo
educacional
e
consequentemente, o índice de distorção idade-série. 2 – METODOLOGIA No decorrer de um ano letivo, deparamo-nos com diferentes entraves que aparecem em novas pesquisas mostradas e convertidas em resultados através de dados estatísticos, podendo ser apresentados para os diferentes fins educacionais. Percebemos assim, que o educador deve estar atento aos mais diferentes paradigmas, por mais simples que aparentam ser, mas que podem se apresentar como obstáculos para a sua prática pedagógica. Não podendo evitar as “mutações” que essa prática pode vir a sofrer 85
para suprir tais problemáticas. De acordo com Freire (2014) “... na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. ”(Freire, 2014, p.40) Mostrando que “... na escola o aprendizado é um resultado desejável, é o próprio objetivo do processo escolar, a intervenção é um processo pedagógico privilegiado.” (Oliveira, 2004, p. 62) e o que nos permite dizer que “O único bom ensino, afirma Vygotsky, é aquele que se adianta ao desenvolvimento.” (Oliveira, 2004, p. 62) É dentro dessas perspectivas que nos propomos a analisar a evolução do desempenho educacional da escola através da análise de dados estatísticos, com o objetivo de propor intervenções pedagógicas no decorrer do ano letivo de 2015. Os dados utilizados foram fornecidos pela secretaria da escola. De posse destes dados organizamos e transcrevemos os resultados de cada bimestre e apresentamos em números percentuais, gráficos e tabelas, para que pudéssemos classificar e examinar as disciplinas críticas por turmas. Classificamos como disciplinas críticas aquelas com maior índice de notas vermelhas em uma turma por bimestre e aquelas que apresentam o maior índice de reprovações ao final do ano letivo, quando comparadas a outras disciplinas, e, classificamos como turmas críticas, aquelas que possuem o maior número de disciplinas críticas, quando comparadas com outras turmas, para que posteriormente fossem discutidas, democraticamente, junto ao corpo docente e administrativo escolar, quais as intervenções pedagógicas mais adequadas a serem tomadas. Fizemos também comparações entre os rendimentos finais dos anos letivos de 2012-2015, além de observações realizadas durante o decorrer do ano letivo de 2015, como: perfil socioeconômico dos novos alunos que entraram nos sextos anos, perfil socioeconômico de todos os alunos da escola, análises de notas nos exames de larga escala como, por exemplo, o Sistema Paraense de Avaliação Educacional (SisPAE). Além disso, analisamos a evolução da distorção idade-série dos alunos e outras averiguações que serviram como norteadoras para as diferentes práticas, com o objetivo de melhoria do processo de ensino-aprendizagem. De modo que, posteriormente, pudéssemos fazer intervenções pedagógicas democráticas junto ao corpo discente, buscando a melhoria do fluxo educacional através de uma reflexão da prática pedagógica visando a um ensino de melhor qualidade. 86
Para oferecer uma oportunidade de reflexão mais sólida à escola avaliada, o SisPAE propôs, em sua Jornada de Avaliação, que os resultados dos alunos sejam interpretados pedagogicamente por meio da distribuição desse público em quatro níveis da escala de proficiência: Avançado, Proficiente, Básico e Abaixo do Básico. Os alunos classificados em um nível acertam com alta probabilidade os itens alocados naquele nível e nos níveis inferiores, e erram com grande probabilidade os itens alocados nos níveis superiores. No nível “Abaixo do Básico” encontram-se os alunos com conhecimento aquém do esperado para determinada etapa de ensino, com atraso de pelo menos um ano no nível “Proficiente”. No “Básico,” o conhecimento é parcial e restrito, com defasagem de até seis meses. Já no nível “Proficiente”, o aluno demonstra avanços na habilidade leitora e na compreensão sólida dos conteúdos. O nível “Avançado” corresponde aos alunos que dominam completamente suas competências e ainda são capazes de solucionar questões que envolvem temas considerados complexos para a sua faixa etária. Com base nesses níveis de proficiência utilizados nas avaliações do SisPAE, são geradas médias para os desempenhos de cada escola, cada município e para o estado do Pará nas disciplinas de língua portuguesa e matemática, mais especificamente para os Oitavos e Nonos Anos. Esses resultados são extremamente relevantes para o trabalho de acompanhamento realizado nas escolas, pois possibilita avaliar e repensar estratégias pedagógicas, com o objetivo de otimizar à aprendizagem dos alunos. A partir do resultado obtido no ano de 2014 pela escola Antônio de Oliveira Gordo, nós nos propomos a mudar nossa prática e dar mais ênfase às intervenções pedagógicas nos mais diferentes sentidos, uma delas foi a elaboração de um teste de sondagem contendo dez questões de Língua Portuguesa e dez questões de Matemática, para que posteriormente, fossem diagnosticados e discutidos os resultados obtidos, a fim de diagnosticar o nível de conhecimento dos novos alunos matriculados na escola, com objetivo de, com base nos resultados, rediscutir a prioridade dos conteúdos a serem estudados pelos alunos. Outra estratégia adotada foi em relação às atividades que passaram a ser produzidas em sala de aula, ao invés de estabelecer a produção de atividades para serem realizadas em casa, uma vez que percebemos que grande parte dos alunos não as realizava. Além disso, foi proposto rediscutir o assunto de uma dada disciplina que gerou muitas notas vermelhas no teste bimestral, antes do lançamento da média final para a secretaria; reunir com os responsáveis dos alunos que estavam com muitas faltas ou que 87
já se caracterizavam como desistentes, evitando assim, possíveis evasões; usar um diário de registro por turma, para que os professores fizessem ocorrências quando necessárias; trabalhar as quatro operações matemáticas, paralelamente ao conteúdo; trabalhar a leitura e a escrita, paralelamente aos conteúdos de Língua Portuguesa, História, Geografia e Estudos Amazônicos; buscar parcerias com os pais, Conselho Tutelar e Secretaria Municipal de Educação para resolver problemas com os alunos indisciplinados ou com aqueles que apresentavam problemas particulares; trabalhar com o professor auxiliador para cada aluno com deficiência, direcionar o uso do projeto de libras e a disciplina de libras para alunos surdos ao projeto de estatística na escola e traçar metas maleáveis relacionadas com as respostas coletadas através dos perfis socioeconômicos.
3 - DADOS OBTIDOS 3.1 – Dados Coletados ao Final do Ano Letivo de 2014 No final do ano letivo de 2014 confirmamos um resultado considerado não favorável de: 55% dos alunos aprovados sem dependência, 17% dos alunos aprovados com dependência, 23% dos alunos reprovados e 5% de evasão. Das vinte e duas turmas da escola, doze foram classificadas como críticas, o que consideramos um número elevado, uma vez que, esperávamos uma ou duas turmas com esta classificação. Apresentando-se como a turma de desempenho mais negativo, a turma do “6º Ano 02” do turno da tarde, revelando um índice de reprovação (contabilizando somente os alunos que finalizaram o ano letivo) nas disciplinas de: 52% em Língua Portuguesa, 59% em Matemática, 55% em Ciências, 65% em História, 38% em Geografia, 10% em Artes, 69% em Educação Física, 48% em Língua Estrangeira e 28% em Estudos Amazônicos. O desempenho relacionado ao fluxo escolar dessa turma foi de: 15% de desistentes, 15% aprovados sem dependência, 17% aprovados com dependência e 53% reprovados. Tivemos outra turma em que a disciplina de Língua Portuguesa alcançou um índice de 83% de reprovação (contabilizando somente alunos que finalizaram o ano letivo e sendo o maior índice de reprovação por uma disciplina numa turma). Além disso, tivemos várias outras turmas com alto índice de reprovação nas mais variadas disciplinas. E, finalmente, observamos as disciplinas que mais reprovaram (contabilizando somente, os alunos que finalizaram o ano letivo): 29% de reprovados em Matemática, 25% em Língua Portuguesa, 22% em História, 20% em Estudos Amazônicos, 19% em 88
Ciências, 18% em Educação Física, 17% em Língua Estrangeira, 13% em Geografia e 6% Artes. Os resultados do SisPAE em Língua Portuguesa para os alunos dos Oitavos e Nonos Anos foram de 176,90 e 201,80, respectivamente. Na disciplina de Matemática os resultados foram de 181,10 e 214,10, respectivamente. Ambas as disciplinas ficaram abaixo das médias quando comparada ao município de Moju e ao estado, contabilizando apenas as escolas municipais de ensino fundamental maior. As médias em Matemática do Município de Moju, para os Oitavos e Nonos Anos foram de 185,80 e 214,60, respectivamente, e as médias estaduais, foram de 192,70 e 220,60, respectivamente. As médias em Língua Portuguesa do Município de Moju, para os Oitavos e Nonos Anos foram de 181,60 e 202,30, respectivamente, e as médias estaduais, foram de 188,60 e 205,20, respectivamente. 3.2 – Dados Coletados ao Final do Ano Letivo de 2015 No final do ano letivo de 2015, fomos contemplados por um desempenho extremamente significativo em relação ao ano de 2014, apresentando dados como: 83% dos alunos aprovados sem dependência, 9% dos alunos aprovados com dependência, 5% dos alunos reprovados e um índice de evasão de 3%. A turma de desempenho mais negativo, foi a turma “6º Ano 02” do turno da tarde, representando um índice de reprovação (contabilizando somente, os alunos que finalizaram o ano letivo) nas disciplinas de: 22% em Língua Portuguesa, 22% em Matemática, 17% em Ciências, 26% em História, 13% em Geografia, 13% em Artes, 22% em Educação Física, 22% em Língua Estrangeira e 9% em estudos amazônicos. O desempenho relacionado ao fluxo escolar dessa turma foi de: 0% de desistentes, 65% aprovados sem dependência, 9% aprovados com dependência e 26% reprovados. Tivemos outra turma em que a disciplina de Matemática alcançou um índice de 38% de reprovação (contabilizando somente alunos que finalizaram o ano letivo e sendo o maior índice de reprovação por uma disciplina numa turma) e várias outras turmas com baixo índice percentual de reprovação nas mais variadas disciplinas. E, finalmente, observamos as disciplinas que mais reprovaram (contabilizando somente, os alunos que finalizaram o ano letivo) em ordem decrescente percentual, em termos gerais, e obtivemos uma constatação diferente mostrada pelo ano letivo anterior, em que apareceu: 9% de reprovados em Matemática, 7% em Língua Portuguesa, 6% em 89
C.F.B., 5% em História, 3% em Geografia, 3% em Educação Física, 3% em estudos Amazônicos, 3% em Língua Estrangeira e 1% Artes. Os resultados do SisPAE em Língua Portuguesa para os alunos dos Oitavos e Nono Anos, foram de 193,20 e 213,90, respectivamente. Na disciplina de Matemática os resultados foram de 199,10 e 219,40, respectivamente. Nesse ano, obtivemos índices superiores ao Estadual e ao Municipal na disciplina de Matemática nos Oitavos e nos Nonos Anos, na disciplina de Língua Portuguesa obtivemos um índice superior ao municipal nos Oitavos Anos e superior ao Municipal e ao Estadual nos Nonos Anos, contabilizando apenas as escolas municipais. Sendo que as médias em Matemática do Município de Moju para os Oitavos e Nonos Anos foram de 192,10 e 210,60, respectivamente, e as médias estaduais, considerando apenas as escolas municipais, para os Oitavos e Nonos Anos foram de 198,90 e 217,40, respectivamente. As médias em Língua Portuguesa do Município de Moju para os Oitavos e Nonos Anos foram de 188,60 e 201,00, respectivamente, e as médias Estaduais, considerando apenas as escolas municipais para os Oitavos e Nonos Anos foram de 197,20 e 212,70, respectivamente. 4 – ANÁLISES DOS DADOS A partir dos resultados dos anos letivos de 2012 - 2015 da E. M. E. F. Antônio de Oliveira Gordo (Escola A. O. G.) obtemos o gráfico abaixo: Figura 1: Desempenho da Escola A. O. G. entre os Anos de 2012 - 2015 120% 100% 100% 100%100%
98% 98%
100%
95% 97%
83%
80%
70% 61% 55%
60% 40%
22% 15% 17% 9%
20%
23% 15%13% 5%
0% Matrículados
Aprovados sem Dependência
Ano Letivo de 2012
Aprovados com Dependência
Ano Letivo de 2013
2% 2% 5% 3%
Reprovados
Ano Letivo de 2014
Evasão
Matrícula Final
Ano Letivo de 2015
Fonte: Secretaria da Escola A. O. G.
Podemos observar que o ano letivo de 2015, é o ano de melhor desempenho relacionado ao fluxo escolar dentre os quatro anos citados, e, como a proposta deste 90
artigo está alicerçada em coletas de dados entre o período letivo de 2014 – 2015 nos fixaremos em comparações entre tal período. Nesse período, as diferenças positivas concernentes ao ano letivo de 2015 se fazem presente em: aprovados sem dependências com aumento de 28%, aprovados com dependências com redução de 8%, reprovados com redução de 18% e evasão com redução de 2%. Dentro dessa perspectiva procuramos apresentar a nossa proposta de trabalho, em que a redução do índice de reprovação evidencia um dos caminhos para o sucesso escolar, mostrando que “(...) A escola estaria desse modo tentando reparar um prejuízo causado por ela mesma e a reprovação seria, senão a principal, ao menos uma das grandes vilãs dessa história.” (Soares, 2015, p. 02). Outro dado favorável aparece quando comparamos graficamente a diferença entre os desempenhos das turmas críticas pertencentes aos anos letivos de 2014 e de 2015, testificamos novamente, a diferença positiva ao ano letivo de 2015.
80% 60% 40%
Figura 2: Comparação entre as turmas críticas da Escola A. O. G. entre os anos letivos 2014 e 2015 - Percentual referentes as notas vermelhas 52%
59%
55%
69%
65%
48% 38%
22%
22%
20%
17%
26%
22% 13% 10%13%
22%
28% 9%
0% Líng. Portuguesa
Matemática
C. F. B.
História
Geografia
Ano Letivo de 2014
Artes
Educ. Física
Líng. Estrangeira
Est. Amazônicos
Ano Letivo de 2015
Fonte: O autor
Dentre as turmas, classificadas como críticas, referentes aos anos letivos de 2014 e de 2015, a disciplina de Artes foi à única com menor índice de retenção em 2014, ela teve um aumento de 3% no índice de retenção em 2015. O restante das disciplinas apresentou um percentual consideravelmente positivo em relação a 2014, tivemos um aumento no índice de aprovação de 30% em Língua Portuguesa, 37% em Matemática, 38% em C. F. B., 39% em História, 25% em Geografia, 47% em Educação Física, 26% em Língua Estrangeira e 19% em Estudos Amazônicos. Isso nos mostra que diagnósticos realizados bimestralmente, nos possibilitam analisar, e com isso intervirmos para melhorar o desempenho, não só de uma disciplina,
91
mas de várias outras. Tentando evitar assim, um possível rendimento negativo ao final do ano letivo. Traçando um paralelo entre os dados relacionados ao fluxo escolar dessa turma, onde:
Figura 3: Comparacão entre as turmas críticas da Escola A. O. G. entre os anos letivos de 2014 e 2015 - Relacionado os dados referentes a Fluxo Educacional 80%
65% 53%
60% 40%
26% 15%
20%
17%
15%
9%
0%
0%
Desistentes
Aprovados sem Dependências Aprovados com Dependências
Ano Letivo de 2014
Reprovados
Ano Letivo de 2015
Fonte: O autor
Dentre os critérios citados, podemos destacar que todos apresentam resultados positivos em relação ao ano letivo de 2015. As diferenças positivas são em: Ausência de alunos desistentes em 2015 ante a 15% de alunos desistentes em 2014, aumento de 50% no índice de alunos de Aprovados sem Dependências, diminuição de 8% no índice de Aprovados com Dependências e diminuição de 27% no índice de Reprovados. Se formos considerar as disciplinas que mais reprovaram nos respectivos anos letivos e o percentual de notas vermelhas, teremos outros fatores positivos em relação ao ano letivo de 2015, como podemos observar no gráfico a baixo:
Figura 4: Comparação percentual das disciplinas que mais reprovaram na Escola A. O. G. entre os anos de 2014 e 2015 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%
29%
25% 19%
9%
Matemática
7% Líng. Portuguesa
6% C. F. B.
22%
5% História
Ano Letivo de 2014
20%
18%
3% Est. Amazônicos
17% 3%
Ed. Física
3% Líng. Estrangeira
13% 3% Geografia
6% 1% Artes
Ano Letivo de 2015
Fonte: O autor
Observamos no gráfico acima que todos os dados foram considerados positivos ao ano letivo de 2015, uma vez que todas as disciplinas apresentaram uma diminuição no índice de reprovação quando comparadas ao ano letivo de 2014. Isso se revela na 92
diminuição do índice de reprovação em: 20% em Matemática, 18% em Língua Portuguesa, 13% em C. F. B., 17% em História, 17% em Estudos Amazônicos, 15% em Educação Física, 14% em Língua Estrangeira, 10% em Geografia e 5% em Artes. Na avaliação do SisPAE, aparecem outras superações pertinentes ao ano letivo de 2015, relacionadas com as médias obtidas nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, aplicadas aos Oitavos e Nonos Anos. Traçamos novamente um paralelo entre os anos letivos de 2014 e o de 2015, e, confirmamos que nossa proposta de trabalho vem se mostrando eficiente devido à melhora do desempenho dos alunos nas avaliações externas. Os desempenhos em Língua Portuguesa dos Oitavos e Nonos anos na avaliação do SisPAE, no período de 2014 e 2015, foram considerados positivos, uma vez que, para o ano letivo de 2015, observamos diferenças positivas em relação ao ano de 2014: 16,30 para os oitavos anos e 12,10 para os nonos anos. Em relação ao desempenho dos alunos dos Oitavos e Nonos Anos em Matemática, também observamos uma diferença positiva em relação ao ano de 2014: 18,00 para os oitavos anos e 5,30 para os nonos anos. Em meio a essa “auditoria” apareceram resultados positivos à nossa proposta de trabalho, evidenciados através da análise de dados estatísticos para cada situação encontrada, mostrando melhorias ao ano letivo de 2015, quando comparado ao ano letivo de 2014, e, também, quando comparados aos resultados municipais e estaduais mostrados pela avaliação a nível estadual (SisPAE). A colaboração e o interesse dos alunos pelos estudos, também influencia muito e, positivamente para uma proposta trabalho dessa natureza, em colaboração com a qualidade do trabalho realizado pelo corpo docente. O exemplo do estudo de caso de distorção idade-série nos possibilitou buscar a melhoria educacional na E. M. E. F. Antônio de Oliveira Gordo, através de intervenções pedagógicas que sirvam como subsídios para que sejam diminuídos os índices de reprovação e evasão escolar. Sendo que: “Essa busca implica o compromisso de todo a escola com uma avaliação que extrapole o âmbito da sala de aula e se amplie para além dos estudantes. Nesse processo, todos avaliam e todos são avaliados. Todas as informações são consideradas, incluindo, não só as informações sobre o desempenho dos estudantes levantados pelo (s) professor (es) em sala de aula, mas também os resultados das avaliações externas e o trabalho desenvolvido pela escola e na escola.” (Soares, 2015, p. 16).
93
Soares (2015) nos instiga a uma prática avaliativa, democrática e conjunta, nos convidando a abandonar a perspectiva do processo educativo limitado apenas a sala de aula. Tal visão nos conduz a pensar em caminhos da melhoria da qualidade de ensino a partir de um trabalho conjunto. 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância do trabalho com a análise de dados estatísticos, coletando dados, gerando gráficos e observando os resultados obtidos, para utilizar estes resultados buscando a elaboração de metas de intervenções pedagógicas, nos revelou uma gama de opções para gerenciarmos melhorias dentro de uma perspectiva pedagógica, voltada aos números. Nossas análises e intervenções são observadas e executadas com cautelas especiais em que os números não devam disfarçar o lado negativo do processo de ensino-aprendizagem, cujo significado numérico deva mostrar e suprir as necessidades do processo da avaliação escolar, e, não aparecer como uma solução que mascara o lado avesso da proposta de trabalho. De modo que, trabalhar a estatística como ferramenta escolar, possa ter seu lado negativo quando se dá ênfase aos números pela quantidade, sem o significado real da qualidade do ensino. Nesse sentido, um dos exemplos do potencial mostrado em se operar dessa forma de trabalho, apresenta-se através do resultado positivo obtido na diminuição do contingente de alunos em distorção idade-série, usufruindo não só do programa de correção de idade-série proposto pela Secretaria Municipal de Educação, mas também do projeto de estatística em questão, desenvolvido nesta instituição de ensino, o qual contribui de modo significativo para o acompanhamento permanente do rendimento escolar dos alunos, assim como, na melhoria do trabalho pedagógico realizado junto aos docentes e nas melhoras obtidas em todos os processos de avaliação interno e externo realizado pelos discentes, gerando resultados positivos para escola. A confirmação, do exemplo citado, veio através da análise de dados que nos mostraram uma melhoria, porque no ano de 2012 tivemos um total de 30% de alunos em distorção idade-série em consequência ao ano letivo de 2011 ou de anos anteriores. Já para os anos seguintes como: em 2013 houve uma queda para 24%, em 2014 houve uma queda para 20%, em 2015 se manteve constante ao anterior com 20% e para o ano de 2016 houve uma queda para 13%. Sendo que esse dado de 7% foi a maior diferença entre os anos citados e em consequência ao ano de 2015, justamente o ano em que mudamos a nossa proposta de trabalho. 94
Uma das principais fontes para que essa proposta flua positivamente, está justamente no objetivo do corpo docente e da gestão escolar em querer abraçar a causa em melhorar, pois requer: saber dialogar harmonicamente sobre as críticas que podem advir no decorrer do processo, conscientização na mudança (quando necessária) da praxe de cada componente, conscientização sem constrangimentos em analisar os dados expostos em reuniões pedagógicas, gestão participativa, educadores de secretaria empenhados em fornecer os dados, coordenação atuante (contendo conhecimentos matemáticos, estatísticos e de informática para gerenciar os dados coletados), professores estimulados, educadores de apoio integrados diretamente ao processo educacional e..., resumidamente, um bom espírito de equipe.
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AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS SOBRE A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS NUM CURSO DE FÉRIAS EM BELÉM (PA) Ana Paula Guimarães Lameira1 Rouziclayde Castelo Barata2 Sônia Helena F. Costa3
Resumo: A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) é considerada uma metodologia pedagógica que busca a aprendizagem significativa através da busca da resolução de problemas inerentes ao cotidiano do aluno, valorizando seus conhecimentos prévios. No Curso de Férias realizado em Belém (Pa) para alunos do Ensino Médio e professores de Ciências tivemos a oportunidade de observar as manifestações de alguns professores com relação à ABP, metodologia utilizada no curso e desconhecida pelos professores participantes. Assim, buscamos nesse trabalho analisar as Representações Sociais (RS) desses professores de Ciências relacionadas à dinâmica do Curso de Férias, abordando suas concepções sobre a metodologia ABP e sua importância para a prática pedagógica na escola. Caracterizamos nossa pesquisa como qualitativa. A constituição dos dados foi realizada através de entrevistas com questionário semi-estruturado e áudio gravações para posterior análise das evocações citadas para identificarmos as Representações Sociais (RS) dos professores sobre a metodologia utilizada no curso (ABP). Assim, podemos observar que o Curso de Férias, através da ABP, causa impressões relevantes para a mudança de atitude na prática pedagógica docente em busca da qualidade do ensino e da aprendizagem. Palavras
chave:
Curso
de
Férias,
ABP,
Prática,
Formação
de
Professores,
Representações Sociais.
1
Secretaria Executiva de Educação (SEDUC/PA), Mestrado em Zoologia (MPEG-UFPA), anapaulagl13@hotmail.com Secretaria de Educação do estado do Pará, Mestrado em Educação em Ciências e Matemática (IEMCI-UFPA), rouziclayde@hotmail.com 3 Secretaria Executiva de Educação (SEDUC/PA), Mestrado em Ciências Veterinárias (UFPA), sonia.helena.costa@gmail.com 2
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INTRODUÇÃO As práticas pedagógicas em sala de aula não oportunizam o desenvolvimento pleno das habilidades cognitivas dos alunos (DRIVER, NEWTON e OSBORNE, 2000), pois para tal, há necessidade que ocorra alterações no modo como as aulas de ciências são conduzidas e estruturadas, as quais são geralmente dominadas por monólogos didáticos do professor (DUSCHL e OSBORNE, 2002). Segundo Andrade e Campos (2007), faz-se necessário desenvolver atividades que possibilitem ao aluno perceber a ligação que existe entre as ciências e as tecnologias vigentes na sua vida cotidiana, sem desprezar o referencial teórico que o ensino de ciência requer. De acordo com Henao & Stipcich (2008), há uma dicotomia entre o “aprender ciências” e o fazer Ciência, uma vez que esta implica em discutir, raciocinar, argumentar, criticar e justificar ideias e explicações. Nesse sentido, Valle e Motokane (2009) sugerem que as aulas deveriam ser planejadas de modo a instigar a participação ativa dos alunos para discutir problemas e desenvolver seus próprios argumentos e, para tal, a capacitação dos professores para mediar, conduzir e estimular a autonomia discente torna-se imprescindível. É nesse enfoque metodológico, que a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) facilita e motiva o processo de aprendizagem, uma vez que se baseia nas vivências do sujeito para a construção do conhecimento através da resolução de um problema, peça-chave para esse método (LOPES & COSTA, 1996; MALHEIRO, 2009) que vem se tornando aliado para professores do Ensino Fundamental, Médio e Superior (ANDRADE e CAMPOS, 2007). A proposta do Curso de Férias é divulgar e oportunizar a utilização do ABP para alunos e professores através de um problema real (LOPES e COSTA, 1996) proposto pelos participantes inscritos. Assim, o Curso de Férias objetiva dinamizar as aulas das disciplinas das Ciências Naturais através de atividades experimentais investigativas (MALHEIRO, 2009). O professor, então, poderá ser o facilitador do processo de ensino e de aprendizagem e deixar sua posição de fonte única de transmissão do conhecimento, orientando os alunos para que todos os passos da ABP sejam realizados, estimulando-os a refletir e a externar seus pensamentos através de questões apropriadas à sua realidade (HMELO-SILVER, 2004). Nessa perspectiva, o professor deve acompanhar o processo de construção do conhecimento pelo aluno propondo atividades que promovam a autonomia deste evidenciando, assim, que seu papel de facilitador da aprendizagem vai além do domínio dos conteúdos específicos. (ANDRADE e CAMPOS, 2007). No entanto, sabemos que a 98
formação inicial dos professores e a rotina docente nas escolas dificulta a prática de metodologias inovadoras que, muitas vezes, nem são de conhecimento do professor, como a ABP. Considerando esse contexto, buscamos nesse trabalho analisar as Representações Sociais (RS) dos professores de Ciências inscritos relacionadas à dinâmica do Curso de Férias, ou seja, suas compreensões sobre o que vem a ser a ABP e sua importância para a prática pedagógica na escola. A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) foi utilizada como método pedagógico do Curso de Férias e, ao observarmos o tradicional currículo pautado na compartimentalização dos conteúdos, podemos vislumbrar o sentido inovador da ABP que se depara frequentemente com dois obstáculos clássicos: a falta de integração das disciplinas e o papel autoritário do docente que incorporam a cada ano, em decorrência das emendas e programas aprovados pelos órgãos colegiados, mais conteúdos desconectados das demandas necessárias à formação dos sujeitos que irão atuar nos distintos setores da sociedade (ARAÚJO & SASTRE, 2009). Para Malheiro (2009), a ABP busca a inversão dos papeis no processo de ensino e de aprendizagem ao mesclar todos os fundamentos partindo do conhecido para o desconhecido, visando, assim, a assimilação do conhecimento cientifico (intrínseco à resolução do problema) e conferindo a autonomia dos discentes, a qual é imprescindível para a contextualização que se constrói na seleção de eventos cotidianos dos mesmos dando (re) significação a realidade vivida por eles. Nessa perspectiva, os conhecimentos prévios dos discentes devem ser considerados, pois o aprender resulta da articulação entre esses conhecimentos que os alunos já possuem (subsunçores) e os conteúdos apresentados, surgindo daí a possibilidade de produção de conhecimento, ou seja, de aprendizagem significativa (MOREIRA, 2006) para que os alunos possam utilizar os saberes nos vários ramos da sociedade de forma plena e eficaz. Além disso, a ABP explora o trabalho em grupo o que é importante para o sucesso dos alunos durante as atividades em sala de aula (VYGOTSKY, 1989) a partir do momento que são desafiados com um problema que os motiva a buscar soluções e para tal, aprendem os conceitos necessários à sua resolução (GANDRA, 2001) adquirindo aprendizagem através de uma nova experiência, nova aquisição e do reforço do aprendizado já existente. A metodologia da ABP é a base do Curso de Férias, evento que promove o contato de professores de Ciências e alunos com o método, valorizando as atividades experimentais investigativas para a resolução de problemas reais como ferramentas essenciais para a aprendizagem de Ciências (LOPES, 99
1994; CONCARI e GIORGI, 2000). O Curso de Férias é uma ação de grande importância para a formação de professores de Ciências na nossa região Amazônica (MALHEIRO, 2009), dando embasamento para várias pesquisas na área da Educação em Ciências (MALHEIRO (2005, 2009); NEVES (2013) e ARAÚJO (2014). Recentemente o Curso de Férias, a partir da temática “Experimentando Ciência: O Corpo Humano em Movimento” teve como enfoque a redescoberta investigativa e funcional do corpo humano através da ABP. O curso foi oferecido para professores de Ciências e alunos do ensino médio de escolas públicas de Belém (Pa). As Representações Sociais (RS) e o Curso de Férias na perspectiva da ABP As Representações Sociais (RS) são descritas nos trabalhos de Arruda (2000) sobre a Teoria de Gênero e Social onde cita que a origem das RS é da Sociologia de Durkhein que instigou, na década de 60, o interesse sobre os fenômenos da teoria do simbólico e suas explicações o que se acentuou na década de 80 com a teorização das RS por Serge Moscovici e, posteriormente, o aprofundamento de suas ideias por Denise Jodelet. Segundo Cortes Jr. et al (2009), as Representações Sociais são formas de conhecimento, socialmente elaboradas e partilhadas, com um objetivo prático: materializar o abstrato gerado no universo das ciências, da tecnologia e da profissões especializadas. Dessa forma, a identidade dos grupos se fortalece influenciando suas práticas e reconstituindo seu pensamento (MOSCOVICI, 2007). Assim, os grupos definem e interagem com representações, valores e sentidos.
Ocorrem, porém, variações e
diversidades das ideias coletivas da sociedade moderna, as quais caracterizam a heterogeneidade das RS, as quais são inerentes às mudanças ocorridas na sociedade, pois se todas as pessoas sofressem as mesmas influências sociais, não haveria tais mudanças (DUVEEN, 2007). Para Moscovici (2007), as representações “possuem vida própria”, interagindo entre si e se alterando progressivamente, surgindo e ressurgindo com novas aparências. Elas são criadas individualmente, mas se confirmam a partir da comunicação social, sendo reforçadas e compartilhadas pela tradição cultural constituindo uma realidade coletiva que reflete um conhecimento prévio. A investigação, o estudo e a reflexão sobre as representações sociais, que podem ser consideradas como um “saber prático”, têm contribuído para desenvolver outra postura frente à educação e ao aprender, considerando o desenvolvimento sócio-
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histórico-cultural (MOSCOVICI, 2003) corroborando, assim, com os objetivos do Curso de Férias que trata de investigar problemas reais através da ABP (MALHEIRO,2009).
METODOLOGIA O presente trabalho foi realizado a partir de um questionário semiestruturado a nove professores cursistas oriundos de escolas públicas estaduais, como EEEM MAGALHÃES BARATA (Belém- Pa) e EEEM CÔNEGO LEITÃO (Castanhal – Pa), participantes do Curso de Férias e que se dispuseram voluntariamente a participar. Realizamos também uma entrevista áudio gravada das evocações argumentativas dos sujeitos, o que caracteriza assim, o método qualitativo da pesquisa (BARDIN, 1994), pois o sentido polissêmico do discurso é visto como “palavra em ato”. A dinâmica do Curso de Férias ocorreu entre equipes formadas por cinco a sete participantes e seus respectivos monitores, os quais apoiam e orientam, sem nunca dar respostas prontas, o processo da busca da solução do problema enunciado pela equipe durante uma roda de conversa sobre o tema gerador ainda no primeiro dia do curso. Após a definição do problema, o grupo propõe um experimento investigativo para solucioná-lo e, assim, no decorrer da realização deste, várias hipóteses vão surgindo e sendo anotadas num “diário de bordo” para serem posteriormente discutidas e analisadas através de novos experimentos propostos pelo grupo. Diariamente, o coordenador do curso convoca todas as equipes para exporem seus trabalhos passo a passo, promovendo a integração dos participantes durante a socialização dos trabalhos desenvolvidos. Essa habilidade de comunicar os “como” e os “porquês” das ações experimentais utilizadas para a resolução do problema, melhora a habilidade de comunicação e, consequentemente, a capacidade cognitiva (DE PRO BUENO, 1998 apud MALHEIRO, 2009). Os recursos disponíveis para os cursistas eram peças anatômicas formolizadas ou modeladas, aparelhos específicos, como os de aferição de pressão arterial, força e glicose. A partir das entrevistas realizadas, foi extraído o Núcleo Central (NC) das RS, em torno do qual Abric (1994) afirma que se organizam os outros elementos que compõem as RS. Em seguida, detectamos e esquematizamos as propriedades das RS das evocações, que de acordo com Moliner (1996) são: Valor Simbólico (VS - símbolo dos objetos de representação), Poder Associativo (PA - termos polissêmicos), Saliência (S termos mais frequentes nos discursos dos sujeitos) e Conexidade (C - permite a conexão do Núcleo Central a vários termos), sendo as duas primeiras de caráter qualitativo e as 101
últimas de caráter quantitativo. As análises foram realizadas com minuciosa audição e transcrição das gravações e anotações das palavras mais frequentes evocadas pelos participantes tanto no questionário quanto nas áudiogravações, sendo posteriormente classificadas de acordo com a ordem de importância que foram citadas nos discursos. RESULTADOS E DISCUSSÕES Analisamos os dados coletados e pontuamos as palavras ou expressões mais frequentes citadas nas respostas de acordo com as propriedades das RS (Núcleo Central (NC), Conectores (C) e Saliências (S), assim como, o sentido polissêmico das mesmas (Poder Associativo – propriedade qualitativa das RS). Dessa maneira, de acordo com a hierarquia e o número de vezes que foram citadas obtivemos um fluxograma que reifica, assim, o universo metodológico da ABP e corrobora com as afirmações de Moscovici (2003, p.46 ): “As RS igualam toda ideia a uma imagem e toda imagem a uma ideia.”
Figura 1: Fluxograma das RS dos professores sobre o Curso de Férias
A partir dessa análise, o Curso de Férias foi considerado pelos professores um método pedagógico com enfoque prático, porém com uma dinâmica motivadora para a busca do conhecimento e “então assim, ele (o aluno) está aprendendo conteúdo (APRENDIZAGEM) em cima de uma prática e não naquela resposta pronta como a gente tá acostumado a fazer” (INOVAÇÃO) (P7) . Tais observações corroboram com as afirmações de Hodson (1993) e Wellington (1998 apud LEITE, 2001), pois durante as atividades realizadas, os cursistas desenvolviam suas capacidades cognitivas e afetivas, além de, concomitantemente, integrá-las às capacidades/habilidades que possuíam para criar e
executar experimentos compatíveis com as demandas requeridas na
problematização, pois “saímos do tradicional ‘eu falo você escuta’ ” (INOVAÇÃO). Na 102
nova prática metodológica, discutimos juntos com os alunos (INTERAÇÃO) para produzirmos as respostas das perguntas que surgirão na discussão do assunto. “Todos colaboram!”(AUTONOMIA)
(P7).
As
palavras/expressões
INOVAÇÃO,
BUSCAR
RESPOSTAS, CRIATIVIDADE e EQUIPE seguindo a hierarquia de evocações, foram consideradas conectores, pois fazem o link entre o Núcleo Central e as outras ideias relacionadas ao Curso de Férias refletidas nas palavras/expressões APRENDIZADO, MOTIVAÇÃO, MÉTODO CIENTÍFICO, INOVAÇÃO, AUTONOMIA e INTERAÇÃO. Tais observações ficaram bem evidenciadas nas respostas a uma pergunta específica sobre ABP, pois quase todas as palavras/expressões pontuadas como ideias reificadas de ABP (MALHEIRO, 2009) foram evocadas como mostra o quadro a seguir.
Tabela 1: Algumas evocações dos professores com base nas RS
De fato, a perspectiva do ensino com base na investigação (PRÁTICA) possibilita o aprimoramento do raciocínio (BUSCA DE RESPOSTAS) e das habilidades cognitivas dos alunos (APRENDIZADO), assim como a cooperação (INTERAÇÃO) entre eles, além de possibilitar que compreendam a natureza do trabalho científico (MÉTODO CIENTÍFICO) 103
(ZÔMPERO e LABURÚ, 2011).
Nesse sentido, a ABP possibilita a integração dos
participantes entre si, uma vez que a linguagem usada no processo de busca de informações é “pessoal” (AUTONOMIA), distinta daquela apresentada nos livros didáticos (INOVAÇÃO), tornando o processo de aprendizagem mais acessível (MOTIVAÇÃO), sendo esse o principal objetivo do Curso de Férias, segundo Malheiro (2009). CONSIDERAÇÕES FINAIS O Curso de Férias promove o contato dos professores com a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) tornando-se, nesse sentido, importante para sua divulgação nas escolas públicas. Além disso, podemos observar o impacto que essa metodologia causa na concepção de método pedagógico do grupo investigado nesse estudo. “Agora fiquei pensando: como vou planejar 2015?” (P5) Tal preocupação reflete as dificuldades dos professores enfrentadas nas escolas, principalmente com relação à carga horária e infraestrutura, além da formação dos mesmos que se caracteriza por valorizar o conteúdo, a fragmentação, o tradicional (BRITO e RAMOS, 2014).
Apesar disso, a ABP foi considerada uma metodologia
inovadora que promove a aprendizagem através da prática investigativa garantindo, assim, a tão almejada autonomia nos alunos que se constrói com a interatividade entre os participantes dos grupos formados e com a criatividade necessária para propor os experimentos. Assim, as RS dos professores participantes do Curso de Férias sobre a ABP tem um fluxo que se inicia com a prática e, perpassa por todos os objetivos desejados pela praxis docente: INTERAÇÃO, INOVAÇÃO, BUSCA DE RESPOSTAS, CRIATIVIDADE, AUTONOMIA E APRENDIZADO. Faz-se necessário, porém, o incentivo à formação continuada dos professores para que fiquem cada vez mais motivados a planejarem suas aulas de Ciências utilizando metodologias ativas no cotidiano escolar, ou seja, viabilizando o processo de construção do conhecimento e tornando-se realmente um facilitador do aprendizado através do “fazer ciência”. AGRADECIMENTOS Ao Grupo de Estudo, Pesquisa e Extensão FormAÇÃO de Professores de Ciências sob a coordenação do prof. Dr. João da Silva Malheiro e ao projeto OBEDUC/CAPES pelo apoio.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRIC, J. C. Les representátions sociales: aspects théoriques. In: J. C. Abric (Ed). Pratiques Sociales et Représentations. Paris. Press et Universitairies de France, 1994. ANASTASIOU, L. Da visão de ciência à organização curricular. In: ANASTASIOU, L.; PESSATE ALVES, L. (Org.). Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em sala. Joinville: UNIVILLE, 2004. ANDRADE, M. A. B. S.; CAMPOS, L. M. L. A Aprendizagem Baseada em Problemas no Ensino Médio: O Professor Como Tutor. In: VI ENPEC, Florianópolis, 2007. ARAÚJO & SASTRE. Aprendizagem baseada em problemas no ensino superior. São Paulo: Summus, 2009, 236 págs. ISBN: 978-85-323-0532-9. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal; Edições 70, LDA, 2009. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 20 dez. 1996. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 10 ago. 2006. BRITO, M. R. e RAMOS, M. N. C. Revista Ensaio | Belo Horizonte | v.16 | n. 01 | p. 31-47 | jan-abr | 2014. CORTES JUNIOR et al. As Representações Sociais de Química Ambiental. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA. Vol. 31 N° 1, fevereiro, 2009. GANDRA, P. A Aprendizagem da Física Baseada na Resolução de problemas. um estudo com alunos do 9º ano de escolaridade na área temática “Transportes e Segurança”. Em Dissertação de Mestrado (não publicada), Universidade do Minho, 2001. HMELO-SILVER, C. E. problem-based learning: what and how do students learn? Educational psychology review, vol. 16 n° 3, p. 235-266, 2004. HODSON, D. Re-thinking old ways: Towards a more critical approach to practical work in school science. School Science Review, v.22, p.85-142, 1993. LEITE, L. Contributos para uma utilização mais fundamentada do trabalho laboratorial no ensino das Ciências. In: CAETANO, H. V.; SANTOS, M. G. (orgs.). Cadernos Didácticos de Ciências 1. Lisboa: Departamento do Ensino Secundário, 2001. LOPES, B.; COSTA, N. Modelo de Enseñanza-Aprendizaje Centrado en la Resolución de Problemas: fundamentación, presentación e implicaciones educativas. Enseñanza de las Ciências, Barcelona, v.14, n.1, p.45-61, 1996. MALHEIRO, João Manoel da Silva. A Resolução de Problemas por Intermédio de Atividades Experimentais Investigativas Relacionadas à Biologia: uma análise das ações 105
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OS MITOS DE ORIGEM INDÍGENAS E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS Walmir Nogueira Moraes1 RESUMO: A presença do indígena na cultura brasileira tem estreita relação com o imaginário e permeia a construção da realidade social e religiosa. Na verdade, a imagem do “índio” ainda é muito emblemática no país, pois muitas etnias ainda dependem das florestas e rios e do imaginário para sua subsistência, já que a materialização mítica é o sobrenatural encontrado nas narrativas oriundas dessas culturas tradicionais. No entanto, essa riqueza literária não é aproveitada como mais um recurso no aspecto da leitura nos espaços da escola e no processo ensino-aprendizagem; pois ainda existe uma dicotomia na compreensão do mito presente nesses textos em relação aos mitos da antiguidade. Assim, este artigo busca juntar elementos do mito indígena, elencando a possibilidade do mito servir efetivamente como recurso pedagógico nos espaços escolares. Para isso, foram construídos argumentos a partir de quatro mitos da cultura indígena: Iara a rainha das águas; Vitória Régia, Mandioca - o pão indígena e O Curupira; a partir de uma análise comparativa. PALAVRAS-CHAVE: Narrativas. Cultura. Educação. Introdução O conhecimento mítico está presente em todas as culturas e influencia inconscientemente segmentos sociais, comunidades, povos e países. Esses saberes, por meio das narrativas, explicam fatos e mistérios da vida, eventos heroicos ou sobrenaturais, capazes, inclusive, de explicar a cosmogonia de povos e sociedades. As comunidades indígenas apresentam em seu patrimônio cultural, um conjunto riquíssimo de mitos. São, geralmente, histórias que envolvem narrativas da natureza e que buscam explicar suas origens, subsistência e perpetuação ao longo dos séculos por meio dos elementos mitificados vinculados à existência indígena; constituindo-se elemento de coesão social e em consequência, a preservação da identidade. Na Amazônia, os indígenas são ainda mais dependentes do imaginário que permeia cada indivíduo local, pelo fato de viverem nas florestas e rios e também dependerem, na maioria das vezes, da preservação do meio ambiente para sua própria subsistência e seus hábitos culturais, de modo que as narrativas orais míticas constituem-se em riquezas; transformando-se em registros marcantes, vivos e ricos em simbologias, elementos que aliam-se aos estudos do mitólogo Eliade (1989), que expressa: Os mitos dos “primitivos” ainda refletem um estado primordial. Trata-se, ademais, 1Mestre
em Comunicação, Linguagem e Cultura pela Universidade da Amazônia - UNAMA. Professor de Língua Portuguesa e pesquisador da Rede Estadual de Ensino. Cel.91988812238 E-mail: walmir.nogueira2007@gmail.com
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de sociedades onde os mitos ainda estão vivos, onde fundamentam e justificam todo o comportamento e toda a atividade do homem (ELIADE, 1989, p.10).
Observações pedagógicas a partir do universo escolar, indiciam que a leitura das narrativas míticas de origem indígena, muitas vezes, são vistas apenas como lendas, desconsiderando-se a essência do mito que envolve o texto; de certo que, essas narrativas míticas presentes no livro didático como leituras prescritivas destinadas às crianças, só agregam valores pedagógicos para o educando quando o texto relata ações fantásticas atribuídas aos heróis da antiguidade, da mitologia clássica. Dessa forma, não seria mais eficiente a pedagogia, se nas aulas de leitura as narrativas míticas de origem indígenas também fossem objetos de estudo e compreensão textual? E as aulas práticas de leitura não seriam mais eficientes se a compreensão do mito clássico partisse da realidade mítica indígena a qual permeia o imaginário do povo brasileiro? Diante disso, surge um questionamento: a mítica, presente nas narrativas de origem indígenas possui o mesmo valor pedagógico atribuído aos mitos clássicos? Entendemos que as respostas para esses simples questionamentos resultariam em ações pedagógicas que permitiriam aos nossos estudantes uma compreensão e distinção entre as lendas e os mitos, entendendo que estes são sobretudo, narrativas de acontecimentos passados e que de alguma forma contribuíram para a formação de uma sociedade ou de uma cultura. Dessa forma, os mitos indígenas são histórias fabulosas que independente do tempo ou espaço, agregam valores literários, sociais e culturais, tanto quanto a mitologia clássica. Porém, esse entendimento não é regra nos espaços escolares, pois é perceptível nas atitudes do aluno, que há um julgamento de valores e olhar diferenciado entre os mitos clássicos e os indígenas, talvez uma questão que seja estimulada até pela forma como as publicações míticas dos indígenas são apresentadas nos livros didáticos. Diante disso, objetivamos levantar argumentos de aplicabilidade à compreensão e leitura, a partir de uma análise comparativa, a fim de identificar traços elementares dos mitos da antiguidade presentes nos mitos de origem indígena; atendo-se principalmente aos mitos cosmogônicos. Dessa forma, demonstrar que o estudo do mito indígena abre uma possibilidade como recurso importante no processo de ensino-aprendizagem. A análise comparativa perpassará por quatro mitos de origem indígena, integrantes da cultura nacional: Iara a rainha das águas, Vitória Régia, Mandioca - o pão indígena, e o Curupira; estreitando uma relação com os conceitos do mito e inferências presentes nos estudos de CAMPBELL (1991), ROCHA (1988) e ELIADE (1989); com 108
ênfase às funções pedagógicas do mito, apresentadas por CAMPBELL (1991). Panorama atual dos povos indígenas no Brasil – contexto geopolítico Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, atualmente a população indígena do Brasil é de 896,9 mil, com 305 etnias e 274 idiomas. Do total da população declarada indígena, 36,2% vivem em área urbana e 63,8% na área rural. As terras indígenas representam 12,5% do território brasileiro, sendo a reserva yanomami do Amazonas e de Roraima a de maior população 25,7 mil indígenas. Entre as etnias indígenas a Tikúna é a maior, com 6,8% da população indígena. Segundo o IBGE, dessa população de indivíduo indígena, 52,9% não possuem "rendimento". A etnia Tenetehara que corresponde aos Tembé (Pará) e Guajajara (Maranhão) possuem uma população de 24.428 indígenas (fonte: IBGE, Censo Demográfico 1991/2010). Esses dados estatísticos servem para uma reflexão da atual população indígena em relação ao passado, já que existem registros de que a população indígena no País do século XVI estava entre 02 a 04 milhões de pessoas distribuídos por mais de 1000 povos diferentes (AZEVEDO, 2010). A terminologia "índio" é consequência de um equívoco histórico dos primeiros colonizadores que chegaram às Américas e que entendiam estar na Índia, por vários fatores de ordem geográfica. Da mesma forma, o termo silvícola (que nasce ou vive na selva), foi erroneamente muito utilizado até bem pouco tempo, visto que não é o fato de viver ou nascer na selva que caracteriza uma pessoa indígena. No entanto, o uso contínuo da palavra "índio" atualmente é aceito e substitui o termo indivíduo indígena (Povos Indígenas no Brasil, 2010).
O que é Mito? Genericamente, sabemos que mito é o relato de uma história verdadeira. No entanto, seria muito reducionista definir um conceito pronto e acabado pelo fato dessa significação possuir uma conotação muito profunda e complexa. A palavra Mito tem seu registro na literatura como oriunda do grego Mythos, que deriva de dois verbos mytheyo (contar, narrar) e do verbo mytheo (conversar, designar, nomear). Nessa concepção, desde a antiguidade a busca pelo conhecimento é uma característica própria do homem e a espécie humana sempre procurou explicações da sua existência, sendo que a narrativa foi eficiente para fundamentar o inexplicável por gerações a respeito de temáticas relacionadas à religião e aos mitos. 109
Assim, ao pensar o que são mitos ou mitologias, surge automaticamente na mente, imagens ilustrativas de seres com poderes fantásticos presentes nas grandes obras mitológicas da antiguidade. Essa reação é natural, pois essa ideia vem sendo construída e veiculada ao longo dos tempos e está internalizada no imaginário de grande parte das sociedades, o que faz do mito um instigante e emblemático objeto de estudo. Vejamos as concepções de grandes pesquisadores do mito: CAMPBELL (1991), entre as várias definições, registra o seguinte entendimento sobre o mito: Aquilo que os seres humanos tem em comum se revela nos mitos. Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos. Precisamos tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir o que somos (CAMPBELL, 1991, p.5).
Uma concepção social do mito pode ser concebida a partir da definição de ROCHA (1988), conforme descreve: O Mito é uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de se refletir sobre a existência, o cosmos, as situações de “estar no mundo” ou as relações sociais (ROCHA, 1988, p.5).
ELIADE (1989) apresenta uma síntese da importância do tempo e cosmogonia do mito em relação à narrativa: O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento (ELIADE, 1989, p.11).
O que revelam os mitos. CAMPBELL (1991) defende que o mito possui quatro funções: a função mística é a que denota o espanto diante do mistério. A segunda função é a dimensão cosmológica, que mesmo sob o olhar da ciência, o mistério também se manifesta. A terceira função é a sociológica, a que determina a ordem social e aqui os mitos variam de lugar para lugar, determinando comportamentos sociais. Segundo o autor, é uma função que está desatualizada. A quarta função do mito corresponde à pedagógica; quando os mitos ensinam a viver sobre quaisquer circunstâncias. Dessa forma, a cosmogonia mítica é elemento indispensável para se efetivar uma correspondência entre os mitos populares e o mito clássico por meio de analogias. Nesse aspecto, torna-se necessário destacar alguns conceitos dos autores abaixo: 110
Para ROCHA (1988), o mito é a possibilidade de compreensão do mundo através da cosmogonia, da psicanálise e da verdade, pois em muitos povos, as cosmogonias ainda servem de referenciais que explicam lutas e relações entre homens e forças sobrenaturais que justificam o que não se quer saber ou o que pertence ao psicológico. O que existe de comum é a possibilidade de o mito ser sempre objeto de interpretação. ELIADE (1989) externa como o mito pode ser compreendido acerca dos conhecimentos, ritos religiosos e as origens dos deuses e dos mundos, vejamos: Em suma, esses mitos do fim do mundo, implicando claramente a recriação de um novo Universo, exprimem a mesma ideia arcaica e extremamente difundida da “degradação” progressiva do Cosmos, requerendo sua destruição e sua recriação periódicas (ELIADE, 1989, p.58).
Diante do vasto universo de alcance da temática mítica, delimitaremos nossos esforços à aplicabilidade da função pedagógica do mito, apresentada em CAMPBELL (1991); que resumidamente pode ser assim apresentada: questionado sobre de onde os adolescentes, que nascem na Rua 125, com a Broadway 2 podem vivenciar o mito, o estudioso tece uma crítica aos Estados Unidos das Américas e explica:
Eles os fabricam por sua conta. Por isso é que temos grafites por toda a cidade. Esses adolescentes têm suas próprias gangues, suas próprias iniciações, sua própria moralidade. Estão fazendo o melhor que podem. Mas são perigosos, porque suas leis não são as mesmas da cidade. Eles não foram iniciados na nossa sociedade (CAMPBELL, 1991, p.9).
E reitera que o alto grau de violência é motivado pela ausência do Ethos3 na América. O autor entende que hoje temos um mundo desmitologizado e como consequência, os estudantes estão ávidos por mitologia, mas a escola não oferece essa possibilidade de conhecimento, ignora o excitamento que o assunto provoca entre os estudantes, conforme citação:
O que estamos aprendendo em nossas escolas não é sabedoria de vida. Estamos aprendendo tecnologias, estamos acumulando informações. Há uma curiosa relutância de parte da administração universitária em indicar os valores de vida de seus assuntos (CAMPBELL, 1991, p.10).
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O centro do Harlem, zona de alto índice de deliquência. (N.do T.) Do grego, “uso”, “costume”. (N. do T.)
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As Narrativas de origem indígena Uiara (Yara ou Iara) - a rainha das águas A jovem Tupi Uiara era a mais formosa mulher das tribos que habitavam ao longo do Rio Amazonas. Por sua doçura, todos os animais e plantas a amavam. Mantinha-se, entretanto, indiferente aos muitos admiradores da tribo. Em uma tarde de verão, após o Sol se pôr, Uiara permanecia no banho, quando foi surpreendida por um grupo de homens estranhos. Sem condições de fugir, a jovem foi agarrada e amordaçada. Acabou por desmaiar, sendo violentada e atirada ao rio. O espírito das águas transformou o corpo de Uiara em um ser duplo. Continuaria humana da cintura para cima, tornando-se peixe no restante. Uiara passou a ser uma sereia, cujo canto atrai os homens de maneira irresistível. Ao verem a linda criatura, eles se aproximam e são arrastados para as profundezas, de onde nunca mais voltarão. (WHAN, 2012).
O mito da Iara é uma analogia às sereias, narrativa no modelo helênico, que descreve uma bela mulher de uma voz melodiosa cujo canto é capaz de enfeitiçar. Essa narrativa destaca a capacidade compensatória do mito. Quando a jovem índia, formosa e amada por todos, sofre a violência provocada pela representação do mal, entra em cena o sobrenatural, “o espírito das águas”. A transformação da jovem em um ser híbrido, mulher com a cauda de peixe, é a compensação pela tragédia ocorrida. Essa personificação aparece entrelaçada ao poder representado pelo canto mágico que enfeitiça os homens que o escutam, tornando-se assim, o condão punitivo da narrativa. Nos mitos da antiguidade há uma correlação bem ilustrativa a essa narrativa, é o mito da sereia, descrito pelos antigos navegadores cujo conteúdo literário é de amplo conhecimento mundial. Outro mito da antiguidade que perpassa uma correlação muito próxima à narrativa da Iara é o mito da origem do fogo, quando Prometeu roubou o fogo do Olimpo para entregá-lo aos mortais ocasionando ganhos e castigos. Na narrativa indígena, a água vem ser o elemento mítico que permite a cosmogonia que acontece, compensação permitida pelo “espírito das águas”; a criação de um novo ser. Vitória - régia Maraí era uma jovem e bela índia, que amava muito a natureza e tinha o hábito de contemplar chegada da Lua e das estrelas. Nasceu nela, então, um forte desejo de se tornar uma estrela. Perguntou ao pai como surgiam aqueles pontinhos brilhantes no céu e, com grande alegria, soube que Jacy, a Lua, ouvia os desejos das moças e, ao se esconder atrás das montanhas, transformava-as em estrelas. Muitos dias se passaram sem que a jovem realizasse seu sonho. Maraí resolveu, então, aguardar a chegada da Lua junto aos peixes do lago. Assim que ela apareceu, Maraí, encantada com sua imagem refletida na água, foi sendo atraída para dentro do lago, de onde nunca mais voltou. A pedido dos peixes, pássaros e outros animais, Maraí não foi levada para o céu. Jacy transformou-a em uma bela
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planta aquática, que recebeu o nome de vitória-régia (ou mumuru), a estrela dos lagos. (WHAN, 2012).
O fascínio do homem pelos astros tem registro milenar e em muitas civilizações antigas foram o fundamentos do conhecimento. Os indígenas também construíram uma realidade em relação aos astros e como comunidades tradicionais, suas atividades de subsistência se relacionam diretamente ao processo cósmico, tanto para os que habitam o litoral cujo efeito das marés tem relação direta à pesca, quanto aos da Amazônia que, muitas vezes, dependem da caça; e a lua e as estrelas indiciam os melhores momentos para a prática de caçar animais silvestres. No mito da Vitória Régia, o elemento água constitui a cosmogênese das narrativas, um condutor comum, pois é o elemento que produz vida, bem como pode retirá-la, evidenciando a presença de vários elementos míticos que constroem essa narrativa: o fascínio pelos astros, lua e estrelas, os corpos celestes, o amor e o sacrifício. A história permite visualizar a relação que ocorre por meio do sacrifício de um ser para que haja o início de uma vida completamente diferente, a imersão à morte, para uma nova vida. O amor inacessível entre uma jovem e a lua, uma construção mítica que pode ser compreendida a partir de CAMPBELL (1989) que atribui ao mito o poder de explicar o significado de um sacrifício de uma entidade visível em nome de um deus transcendente. Então, essa narrativa pode ser assim sintetizada: destaca-se a presença da água, elemento primordial e mais materializável da cosmogonia, a relação do sacrifício pela morte que atribui sobrenaturalidade aos seres, ação exclusiva da manifestação do criador, do senhor do domínio e da justiça em que Jacy, a lua, adquire os poderes de Zeus, agindo por meio do “espírito das águas”. Mandioca - o pão indígena Mara era uma jovem índia, filha de um cacique, que vivia sonhando com o amor e um casamento feliz. Certa noite, Mara adormeceu na rede e teve um sonho estranho. Um jovem loiro e belo descia da Lua e dizia que a amava. O jovem, depois de lhe haver conquistado o coração, desapareceu de seus sonhos como por encanto. Passado algum tempo, a filha do cacique, embora virgem, percebeu que esperava um filho. Para surpresa de todos, Mara deu à luz uma linda menina, de pele muito alva e cabelos tão loiros quanto a luz do luar. Deram-lhe o nome de Mandi (ou Maní) e na tribo ela era adorada como uma divindade. Pouco tempo depois, a menina adoeceu e acabou falecendo, deixando todos amargurados. Mara sepultou a filha em sua oca, por não querer separar-se dela. Desconsolada, chorava todos os dias, de joelhos diante do local, deixando cair leite de seus seios na sepultura. Talvez assim sua filha voltasse à vida, pensava. Até que um dia surgiu uma fenda na terra de onde brotou um arbusto. A mãe se surpreendeu. Talvez o corpo da filha desejasse dali sair. Resolveu então remover a terra,
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encontrando apenas raízes muito brancas, como Mandi (Maní), que, ao serem raspadas, exalavam um aroma agradável. Todos entenderam que criança havia vindo a Terra para ter seu corpo transformado no principal alimento indígena. O novo alimento recebeu o nome de Mandioca, pois Mandi (Maní) fora sepultada na oca. (WHAN, 2012).
Essa narrativa popular basicamente explica a subsistência humana no contexto indígena, já que a mandioca tem papel fundamental até os dias de hoje na alimentação de vários povos. Traçando um paralelo analítico com os mitos antigos, vislumbra-se uma rica representatividade da mitologia mundial. Sob o aspecto da cosmogonia, segundo (ELIADE,1989, p. 25) “toda história mítica que relata a origem de alguma coisa pressupõe a cosmogonia”, sustentando que essa afirmação justifica uma aparição de um novo elemento, animal ou instituição, “uma situação nova”, nesse caso, a origem da mandioca. A riqueza mítica que entrelaça essa narrativa revela traços da mitologia de origem egípcia,
característica
encontrada
na
deusa
Ísis,
a
provedora
das
mulheres
desamparadas e da produção agrícola na antiguidade, em que “Osíris era cultuado como o deus do sol, fonte do calor, da vida e da fecundidade, além de que, também era considerado como deus do Nilo que anualmente visitava sua esposa, Isis (a Terra), por meio de uma inundação” (BULFINCH, 2002, p. 344). Literaturas antigas registram uma divindade ligada à agricultura, a mulher dá à luz, assim como da terra se originam as plantas. Segundo CAMPBELL (1991), a mãe terra, conhecida também por deusa, “é a figura mítica dominante no mundo agrário da antiga Mesopotâmia, do Egito e dos primitivos sistemas de plantio”. Na narrativa apresentada, a mandioca, que é um produto agrícola, tem sua origem na terra, no caso produto de uma metamorfose de uma mítica semente, a criança. O mito da mandioca pode ser associado à difusão de outros mitos de sociedades que se desenvolveram por meio da atividade da agricultura, pelo ato de fertilizar o solo, plantar, cultivar plantas alimentícias. A tessitura do texto revela uma origem, traduzida no benefício do alimento básico da tribo, o que justifica a seguinte citação: “Existe um outro tema, no qual o homem é concebido como tendo vindo, não do alto, mas do útero da terra mãe” (CAMPBELL,1991, p.56).
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O Curupira Trata-se de um ser do tamanho de uma criança de seis ou sete anos, peludo como o bicho preguiça, de unhas compridas e afiadas, com o calcanhar para frente e os dedos dos pés para trás, que anda nu pela floresta. Ele toma conta da mata e dos animais e mora nos buracos das árvores que tem raízes gigantescas, muito comuns na Floresta Amazônica. O curupira ajuda os caçadores e os pescadores que lhe oferecem cachaça, fósforo e fumo. Esta oferta é para que o indivíduo tenha fartura nas caçadas, pescarias e roçados. As pessoas que não têm devoção pelo curupira sentem medo, enjôo e náuseas a quilômetros de distância dele. Com essas pessoas, ele brinca fazendo com se percam na mata. Para se livrar do curupira deve-se cortar uma vara, fazer uma cruz e colocar em um rolo de cipó tumbuí, bem apertado. Ele vê esse objeto e procura desmanchar o enrolado. Enquanto fica entretido em desmanchar o enrolado, a pessoa tem tempo para fugir. (WHAN, 2012).
Para os indígenas tembé (Tenetehara), habitantes do Rio Gurupi- PA, o mito do Curupira se apresenta com uma particularidade diferente de muitos relatos, pois além de proteger os animais e a floresta, o Curupira ajuda os indígenas que coletam o óleo de copaíba, produto tradicionalmente comercializado por aquelas comunidades, indicando com o assovio onde estão as árvores produtivas (fonte do autor)4. Há depoimentos também de nativos que dizem ocorrer manifestações do Curupira durante as caçadas de inverno (período chuvoso), tempo em que escasseiam os alimentos, a criatura mágica facilita que os animais silvestres sejam capturados, tornandose assim, um “parceiro da tribo tembé”. Em contrapartida, os indígenas oferecem penas, esteiras, cobertores e fumo como presentes para deleite do ser mítico. O fumo, como oferta ao Curupira é um elemento comum em muitas variações de narrativas que se tem registro (Fonte do autor)5. De qualquer maneira esse mito interfere nos povos habitantes da floresta, protegendo a mata e os animais. O Curupira para o povo Tembé é uma “história verdadeira”, ação do mito em conformidade com a realidade apresentada por (ELIADE,1989, p.14) "se tornou redentor de seu povo, livrando-o de monstros, salvando-o da fome e de outras calamidades e realizando outras façanhas nobres e salutares". As histórias do ente Curupira aproximam-se muito da teoria naturalista. No caso da relação desse ente com os Tembé (Tenetehara), percebemos uma cumplicidade e respeito, fato que de certa forma se contrapõe às narrativas mais comuns em que o mito é apresentado como um ser punitivo aos que desrespeitam a natureza. Com os Tembé o Curupira apresenta uma relação de reciprocidade, como registra esse estudioso:
4 5
Walmir N. Moraes é pesquisador do mito do Curupira na tribo Tembé - aldeia Tekohaw, Rio Gurupi-PA. Id.
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Parte da ideia de que nos momentos primitivos, “na aurora” da humanidade, os fenômenos naturais marcavam fortemente os interesses deste homem “primitivo” dada a sua fragilidade rente ao espetáculo, ao quadro, destas forças em ação (ROCHA, 1988, p.28).
Narrativas diversas sobre o Curupira, muitas vezes, apresentam a personificação desse ser da floresta com outras descrições, quando ocorre o processo de metamorfose entre o mito do Curupira e o porco do mato ou com o Caapora. Essas narrativas estão relacionadas com o espaço da floresta e, no contexto geral, com o meio ambiente. Uma relação muito intensa com as sociedades que subsistem da caça e do extrativismo da floresta. O poder do Curupira transcende o senso comum e a racionalidade humana, diferindo muito quanto à mensagem que transmite. O texto do Curupira retrata a busca do “acordo com o mistério” o qual origina o poder. Ele é o próprio poder, o domínio representado pelos deuses da antiguidade, revestido no mistério de um ser protetor das florestas brasileiras. Considerações Finais Os valores dos mitos são extremamente importantes na constituição da cultura e para as crianças e os jovens, certamente, ganham uma conotação diferenciada em relação ao sentido da vida e experiência. A compreensão dos mitos proporciona ao sujeito visualizar a realidade social construída por meio da interferência mítica à cultura e à tradição que envolve cada sociedade. Os mitos de origem indígena proporcionam uma atmosfera que possibilita uma analogia próxima às narrativas cosmogônicas da antiguidade, ratificando a afirmação de CAMPBELL (1991) em que essas histórias acolhem o mesmo tema universal. Dessa forma, é possível evidenciar indícios de que essas narrativas são vertentes da cosmogonia dos diversos mitos clássicos, pois esses textos estudados estão em conformidade com a definição de mito apresentada pelos autores que embasam este trabalho e possuem semelhança com possíveis revelações que os mitos da antiguidade possam atribuir; e apresentam a explicação para uma origem ou a coisificação daquilo que não se pode explicar. Diante disso, o uso dessas narrativas populares míticas só ampliaria a validação dos valores sociais às crianças e jovens; valorizando os heróis desses textos de origem popular, revelando-os como seres revestidos dos mesmos poderes sobrenaturais atribuídos aos heróis da antiguidade, da mitologia clássica, respeitando-se as 116
especificidades culturais, os diferentes conjuntos de valores, crenças, o tempo histórico e a organização social dos povos. Os mitos da cultura indígena poderiam ser concebidos com a mesma ressonância didática e o mesmo valor cultural atribuído aos mitos clássicos se fossem estudados com a intensidade de sua essência, pois, pedagogicamente, a eficiência mítica traduz uma compreensão que pode ser um recurso que venha produzir reflexões atenuantes quanto à situações reais de discriminação social, religiosa ou de orientação sexual, já que filosoficamente a compreensão mítica possibilita ao aluno quebrar paradigmas pela percepção de compreender e conhecer a essência da alma humana, aprendendo a administrar diferenças e a intolerância. As narrativas míticas avaliadas apresentam a explicação da origem, do heroísmo, da proteção e da religiosidade. É a revelação do mito em seu conteúdo. Assim, deveriam ser aproveitadas com mais ênfase nos espaços de nossas bibliotecas e em todas as atividades pedagógicas realizadas nas escolas brasileiras e não somente, como um gênero de conteúdo que é lido, estudado, mas sem o aprofundamento pedagógico que a temática oferece. Estudar o mito como recurso pedagógico é uma forma prazerosa e criativa de aprender nas aulas de língua portuguesa, história, geografia, literatura, filosofia e sociologia; desde que ocorra a interação analítica das narrativas míticas populares e os mitos da antiguidade, prática que exige um pouco mais de aprofundamento teórico por parte do educador. Diante dessa concepção, para aproximar o universo mítico e a pedagogia, o recurso da tecnologia seria elemento eficaz como complemento metodológico, com a exibição de filmes, jogos de games ou apresentação de documentários sobre mitologia, adequando esses recursos às aulas de literatura, leitura, sociologia ou outras disciplinas, com extensão ao debate e à produção textual; metodologias simples capazes de tornar o processo de leitura mais criativo e eficiente em que a materialização do pensamento e do imaginário conceituariam naturalmente o mito, relacionando-o ao mundo ou à realidade do aluno.
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em:
PERSPECTIVAS DA TRADUÇÃO DE TEXTOS MATEMÁTICOS NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Luciano Augusto da Silva Melo1
RESUMO O presente texto aborda, inicialmente, aspectos da tradução de textos a partir de discursos teóricos e práticas literárias, assinalados por autores como Paul Ricoeur, Walter Benjamin e Schleiermacher. Não obstante, o nosso objetivo se pauta na tradução de textos matemáticos, com ênfase nos estudos e pesquisas realizadas na pós-graduação, no intuito apresentar as perspectivas de investigação adotadas pelos pesquisadores. Para tanto, fizemos um levantamento referencial acerca das produções científicas brasileiras nos últimos quinze anos, em bancos de teses institucionais virtuais, a exemplo da CAPES e da BDTD. Metodologicamente, procedemos a análise e síntese deste material, para identificar objetos de investigação sustentados pelos pesquisadores, bem como, suas perspectivas epistemológicas. A título de conclusão detectamos que a tradução de textos matemáticos é um campo de investigação científica recente e restrito ao contexto da Educação Matemática. Das pesquisas analisadas, algumas apenas tangenciaram ou trataram de forma implícita a temática da tradução apesar de tê-las anunciado. Por outro lado, há investigações que a trataram de forma efetiva e profunda, condizente com o que foi proposto. Por fim, ressaltamos que a tradução de textos matemáticos, visa também, o ensino da matemática na Educação Básica. Palavras-chave: Tradução. Matemática. Linguagem. Ensino. Pesquisa. Educação. Introdução A tradição da tradução de textos é uma vertente bem conhecida, principalmente no âmbito dos estudos e pesquisas de obras literárias. A tarefa do tradutor no sentido lato quase sempre se pauta em aproximar o leitor do autor, no intuito de que as publicações em língua estrangeira possam sempre possível garantir a fidelidade das palavras e expressões contidas em poemas, peças teatrais, textos religiosos, na área do direito, da literatura e da linguística de forma mais intensa. Acrescemos a este contexto algumas perspectivas da tradução de textos matemáticos no âmbito da pós-graduação, a partir das investigações de obras como o Discurso do Método cartesiano e Os Elementos de Euclides, que se destinaram ao desenvolvimento matemática e da ciência, bem como às
1
Professor de Matemática luciano.melo10@gmail.com
da
SEDUC-PA. Mestre
em Educação Matemática
pelo PPGECM/UFPA.
119
suas aplicabilidades na educação relacionadas ao ensino e a aprendizagem, objetivo principal do presente texto. Não
obstante,
fizemos
alguns
comentários
sobre
as
contribuições
de
Schleiermacher (2007), Walter Benjamim (2008) e Paul Ricoeur (2012), em função dos quadros de referência da tradução por eles apresentados no âmbito literário. Veremos que sob diferentes aspectos a posição destes autores diverge quanto aos propósitos da tradução, seja em função das circunstâncias ou de características específicas no que tange às teorias e práticas tradutórias, o trabalho realizado por tradutores linguistas ou por tradutores especialistas é foco comunidade acadêmico-científica, à luz da tradução literal ou da tradução pelo sentido do texto. No âmbito da tradução de textos científicos, faremos alusão há algumas pesquisas realizadas na pós-graduação, acerca destas publicações no período de 2007 a 2015 no Brasil, por meio de um levantamento bibliográfico sobre a temática. Nesse sentido, detectamos que as pesquisas mais recentes abordam a tradução de textos matemáticos por diferentes eixos, a exemplo da materialidade histórica dos tabletes de argila na mesopotâmia realizada por Gonçalves (2011), bem como, nas discussões da matemática pelo viés da linguagem conforme as pesquisas de Galelli (2012); Silveira (2014). Por fim, procuramos evidenciar neste artigo, certas nuances acerca da tradução, cuja ênfase se pauta no arcabouço teórico do ponto de vista analítico-discursivo, com foco no ensino da matemática, devido ao teor técnico com ênfase no ponto de vista docente acerca do ensino de matemática. Metodologicamente, analisamos textos de natureza científica no intuito de saber se houve mudanças paradigmáticas no contexto da ciência e da educação ao longo do período analisado. As tessituras, que empregamos na construção do texto, não preveem, portanto, uma metodologia constituída a partir de etapas, procedimentos, lócus e sujeitos investigados, no sentido quantitativo ou qualitativo limitados no tempo e no espaço aos moldes de uma pesquisa empírica. Nossas discussões são de caráter teórico-analítico, pautadas em argumentos filosóficos no contexto da matemática como linguagem, o que não nos furta de mencionar atividades que dizem respeito a professores e alunos como parte do universo educacional. A título de conclusão, podemos afirmar que, nos últimos quinze anos, foram encontrados apenas quatro trabalhos sobre tradução de textos matemáticos em termos de pós-graduação no Brasil dos quais temos conhecimento, que resultaram em: pesquisas que mencionaram a temática da tradução, mas, tangenciaram as discussões 120
ou trataram-na de forma implícita, ainda que o objeto de estudo estivesse presente nos textos. Por outro lado, há pesquisas em que a tradução foi analisada de forma profunda, apresentando desfechos condizentes com as hipóteses levantadas no decorrer dos discursos, configurando-se, portanto, como atividades efetivas de tradução e sobre a tradução.
1 Um breve escorço sobre a tradução
Ao analisarmos o contexto amplo da tradução de textos na literatura científica em pesquisas realizadas na pós-graduação brasileira, nos deparamos com discursos e teorias da tradução em estilos e linhas de investigação distintas, em especial, no que diz respeito à tradução de uma língua para outra, ou seja, na tradução de peças e obras literárias que vão de Shakespeare à dramaturgia de Oscar Wilde. Neste bojo, os textos matemáticos que contam a História da Matemática possuem um grande volume de obras traduzidas ao longo da história das civilizações antigas, que se fundem aos primórdios da história da humanidade.
Sabemos que em se tratando de tradução de textos
literários/científicos, não podemos deixar de levar em conta diferentes aspectos, como o período em que estas obras/textos foram escritas, os locais, as culturas envolvidas, os sujeitos e principalmente a figura do tradutor. Assim, as tarefas de tradução realizadas pelos tradutores/intérpretes são quase sempre colocadas à prova, seja pelo público leitor ou mesmo pelos teóricos da tradução, cujo debate se dá em torno da busca por uma tradução perfeita ou pela impossibilidade de traduzir, que de forma mais intensa povoam o universo das práticas tradutórias. Entenda-se estas práticas, como atividades realizadas pelos tradutores no que se refere à tradução, principalmente de uma língua para outra. As pesquisas no que diz respeito à tradução de textos literários, poemas, peças teatrais e outras obras, se intensificaram no Brasil em termos de pesquisa a partir de 1952 com a publicação do primeiro livro sobre tradução de Paulo Rónai denominado Escola de Tradutores (FROTA, 2007). A autora fez um extenso levantamento de dados e informações sobre as produções tradutórias até por volta de 2005, constituindo-se como uma espécie de manual de consultas acerca do que foi publicado em termos de tradução. Neste período, Frota revela que as pesquisas voltadas à pós-graduação se avolumaram na década final do século XX, com o lançamento dos Cadernos de Tradução em 1996 pela universidade de Santa Catarina, que se juntou na época, à revista Traduterm única 121
especializada em tradução no Brasil desde 1994. Frota (2007, p. 148) ressalta que “na década de 90 houve um verdadeiro boom de trabalhos e pesquisas” envolvendo publicações de livros, coletâneas, periódicos teses e dissertações, bem como, os registros que constavam em anais de eventos nacionais e internacionais sobre tradução. Os estudos de tradução foram caracterizados inicialmente por uma grande diversidade de temas que operavam no Brasil como atividade intrinsecamente ligada à tradução de uma língua para outra, levando em conta diferenças culturais, períodos históricos e subjetividades, reitera Frota (2007). Nesse sentido, as práticas tradutórias mencionadas no parágrafo anterior, passaram pela filosofia, literatura, antropologia, psicologia, etnografia dentre uma grande diversidade de temas. Juntaram-se ao escopo da tradução, outras atividades como interpretação e terminologia que antes eram consideradas áreas em separado. Destacamos que os principais eixos da tradução mapeados por esta autora foram: tradução literária, tradução técnica, terminologia, interpretação, discurso, pós-estruturalismo, mídia e corpora (FROTA, 2007). Diante do exposto na pesquisa realizada por Frota, podemos anunciar de forma preliminar que até o ano de 2005, nenhum trabalho de tradução no que tange a tradução de textos matemáticos foi identificado no Brasil. Para tal, nossa busca, se deu sobre os principais meios de consulta e divulgação de pesquisas envolvendo: bibliotecas virtuais e bancos de teses como o portal CAPES, a plataforma SCIELO, a biblioteca digital de teses e dissertações (BDTD). Consultamos ainda, os principais repositórios que hospedam pesquisas nos bancos de teses a exemplo da Universidade de Campinas-SP, bem como, revistas eletrônicas em busca de artigos científicos sobre os eixos: educação, matemática e tradução. Ricoeur (2012) ao defender o ponto de vista de que a tradução perfeita é teoricamente impossível ao afirmar que a incompreensão sob determinados aspectos é de direito, o autor lança desta forma aos tradutores a pecha de esquizofrênicos bilingues. Ao mergulhar nesta empreitada, portanto, os tradutores com suas diferentes visões de mundo procuram representadas por meio de recortes linguísticos relações humanas em que o intérprete de uma língua que não sua, procura expressões em si mesmo para compreender relações com o mundo. Nesse sentido, Ricoeur chama atenção, de que é justamente pelo fato dos homens falarem línguas distintas que a tradução existe, mas, isso não se deve apenas a esta condição.
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[...] há um segundo fato que não deve encobrir o primeiro, o da diversidade das línguas: o fato igualmente considerável de que sempre se traduziu; antes dos intérpretes profissionais, houve viajantes, mercadores, embaixadores, espiões, ou seja, muitos bilíngues poliglotas! (RICOEUR, 2012 p. 35)
Nesse sentido, a tarefa de traduzir sempre é perseguida por um desejo de tradução que possa ser mais condizente possível, na tentativa de passar uma expressão de uma língua para outra. Ricoeur (2012) adverte que o desejo de traduzir se esvai diante de expressões ou frases, nas quais buscamos um suposto equivalente, e ressalta que a felicidade de uma tradução perfeita é apenas momentânea, fadada, portanto, ao abandono. Schleiermacher (2007) apresenta inúmeras considerações sobre os diferentes métodos de traduzir, atribuindo ao intérprete e ao tradutor genuíno tarefas distintas. O intérprete seria alguém com intenções comerciais, descrições jornalísticas ou de viagens comuns feitas por guias turísticos, já o tradutor seria aquele que trata de textos artísticos, literários e científicos como Walter Benjamin e Antoine Berman. A interpretação passa a ser também um dos pontos em que Schleiermacher atribui à dupla atividades dos intérpretes e tradutores, ao afirmar que o tradutor possui papel mais relevante no campo da literatura, das artes e das ciências, onde sua arte é o seu todo, seu universo. Já o dever do intérprete seria mais voltado à prática da conversação e da oralidade. Schleiermacher assinala que interpretação destoa da tradução, pois, em qualquer lugar o discurso da tradução nem sempre se dá no intuito de fazerem valer objetos sensíveis, visíveis e externos. Walter Benjamin (2008) afirma que a tradução se configura por meio de uma lei da traduzibilidade. Isso não significa que o autor tenha definido uma essência tradutória, pois, a traduzibilidade se manifesta no intuito de que a tradução em relação ao original seja uma boa tradução, proporcionando uma estreita relação entre o leitor e o tradutor. Historicamente Benjamin, reporta-se acerca pervivência do leitor, ou seja, o autor retrata o fato de que o leitor entra em contato com obras que não fizeram ou fazem parte do seu tempo presente, a exemplo da obra milenar Os Elementos, traduzida para o português por Irineu Bicudo (2009). Ao traduzir o texto original do grego, Bicudo adverte que é preciso determinação para acompanhar as provas matemáticas do livro, uma vez que o grego é uma língua sintética e o português uma língua analítica. “É fácil dar-se conta do grau de afastamento das suas sintaxes, por isso permanecemos o mais possível ligados ao 123
original, prevenimos o leitor estranhar algumas vezes o resultado alcançado” (BICUDO, 2009, p. 21). Na busca de manter a fidelidade na tradução, ao valorizar a língua fonte, Bicudo aproxima-se do discurso de Walter Benjamim (2008). Bicudo reitera, que em relação aos Elementos euclidianos, foi preciso traduzir palavra por palavra e expressão por expressão no sentido literal. No entanto, a prática da tradução não é unânime entre autores/tradutores, eles divergem principalmente acerca da tradução literal, optam em muitos casos por dar sentido à tradução pelo que foi dito no texto, levando em conta o contexto (SILVEIRA, 2014). A tradução mencionada por esta autora, refere-se a textos literários e científicos no intuito de apontar as perspectivas de diversos autores como a fidelidade da tradução e a intraduzibilidade discutidas por Ricoeur (2011), a valorização da língua fonte e liberdade de traduzir defendidas por Walter Benjamin (2008) e a tradução radical de Willard Quine (2008) que se pauta na tradução de fresas e não de palavras contidas nos textos, cuja a falta de conexões entre frases provocariam obstáculos na tradução. Silveira, procura portanto, mostrar aproximações e ou distinções entre o ponto de vista destes autores, para caracterizar o seu ponto de vista acerca da tradução de textos matemáticos, no âmbito da Educação Matemática. Gadamer (2009) trata a linguagem como um meio em que se realizam acordos entre interlocutores e o entendimento sobre a coisa em questão, nisso encerra-se a compreensão como propósito da gramática e retórica à luz da hermenêutica, assinala o autor. Gadamer não deixa claro o que vem a ser o termo coisa no contexto da hermenêutica, ao que parece o enfoque do autor visa questões de compreensão acerca da conversação. Nesse sentido, ele afirma que a linguagem tem as suas formas de expressão, que não se pautam ou se encerram em deslocar-se para o interior do outro de modo imediato em busca de verdades, ou seja, não devemos reproduzir nossas vivências, devemos entrar em acordos sobre suas aplicações. A perspectiva da tradução gadameriana se dá, portanto, por meio de translações e interpretações para que haja uma conversão entre duas línguas, assim, interpretação e tradução consistem em uma mesma ação por meio de uma fusão, ou seja, toda tradução é uma interpretação. O sentido sobre o que foi dito deve, portanto, ser mantido, para que haja a consumação da tradução (GADAMER, 2009). No entanto, Oliveira (2013) apresenta ressalvas quanto ao que foi dito por Gadamer, ao firmar que tradução e interpretação ocorrem distintamente. Esta relação permite que a tarefa do tradutor seja condição de possibilidade para que o texto 124
traduzido seja compreendido pelo leitor. Oliveira adverte, a compreensão é consequência das outras duas atividades, tradução e interpretação, juntas se entrelaçam, é o tradutor quem as conecta no texto. Partilhamos de ideias semelhantes com o que foi dito por Oliveira (2013), mas, em relação à textos matemáticos pelo viés da linguagem, nosso objetivo, portanto, vai ao encontro da Educação Matemática numa perspectiva wittgensteiniana. Permitimo-nos, portanto, lançar a hipótese: tradução e interpretação não se encontram no mesmo patamar, uma pode ocorrer independentemente da outra nos domínios da matemática, ainda que possa haver semelhanças e proximidades entre ambas em determinados contextos e aplicações. Os textos matemáticos, contém em sua estrutura uma sintaxe governada por palavras e simbologias, que se destinam a elaboração de conceitos e definições, por meio de uma axiomática própria, que funciona como uma espécie de cálculo gramatical. Assim, conforme Silveira (2014) chamamos atenção para a tradução de textos matemáticos em função do sentido das palavras, na passagem da linguagem natural para a linguagem matemática. A tradução literal por sua vez, tem para nós importância complementar, no intuito de que, sozinha, é de natureza técnica e profissional, seja no campo linguístico ou em relação à textos matemáticos científicos. Quanto a isso, Wittgenstein afirmou nas Investigações Filosóficas (2009), que o sentido está no uso das palavras em determinado contexto e que a tradução pode ser vista como um jogo de linguagem2.
2 Tradução de textos matemáticos: sobre obras e pesquisas
Chamamos atenção para o fato de que apesar do período recente 2007 a 2015 em que os trabalhos aqui mencionados foram publicados, algumas obras neles contidas, são seculares como Os Elementos que datam do século III a. C aproximadamente. Tais obras, mesmo com todo esse tempo de existência ainda permanecem atuais pela relevância de seus conteúdos, que foram traduzidos de uma língua para outra ao longo do tempo. Os domínios destas pesquisas, vão desde a Educação Básica até suas aplicabilidades na 2
Expressão primitiva cunhada por Wittgenstein nas investigações filosóficas, cujos conceito está ligado a um contexto de ações em que uma palavra pode ter significado. Assim, o filósofo considera no aforismo 23 desta obra, uma variedade destes jogos dentre as quais: ordenar e agir segundo ordens; descrever objetos pela sua aparência ou medida; inventar uma história; apresentar resultados de um experimento por meio de uma tabela; resolver tarefas de cálculo; traduzir de uma língua para outra, etc.
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constituição de outras epistemologias, como as geometrias não-euclidianas estudadas pelos matemáticos Gauss, Saccheri, Lambert, Riemann, Lobachevsky e Bolyai (EVES, 1997). Setti (2009) desenvolveu em sua pesquisa aspectos relacionais entre a linguagem computacional e o raciocínio matemático a partir de um estudo de caso com aproximadamente setenta e cinco alunos da graduação em ciência da computação em uma universidade. A autora procurou detectar dificuldades de compreensão nos estudos de algoritmos, devidas inicialmente a não compreensão do raciocínio matemático. A hipótese central deste estudo se deu a partir da suposição de que tais dificuldades se devem à existência de obstáculos epistemológicos na aprendizagem. Nesse sentido, Setti reportou-se a três linguagens envolvidas no processo de ensino de algoritmos na graduação: a linguagem natural, a matemática e a de programação no âmbito da informática. Após realizar uma extensa revisão bibliográfica sobre o assunto a autora apresentou a seguinte questão de pesquisa: a dificuldade dos alunos está na elaboração do raciocínio matemático ou, posteriormente, na conversão deste raciocínio para o correspondente computacional? Esta indagação levou a seguinte hipótese: a passagem de um tipo de representação semiótica a saber, a linguagem natural para outro, a linguagem algorítmica comporta um obstáculo à aprendizagem de algoritmos (SETTI, 2009). Na fase metodológica do estudo realizado por Setti, as provas aplicadas aos alunos da graduação foram usadas como instrumentos de análises, que constaram na parte das discussões e resultados, com ênfase nos obstáculos epistemológicos propostos por Gaston Bachelard (1938). No âmbito da computação Setti, mencionou a tese de Church-Turing e sua importância acerca dos algoritmos computacionais como objeto principal de sua investigação. De forma relevante, a pesquisa desenvolvida apresentou uma categoria de análise chamada de registros de representação computacional amparada na Teoria dos Registros de Representação Semiótica (1995) de Raymond Duval, estabelecendo critérios e sequências computacionais para fundamentar suas conjeturas sua perspectiva epistemológicas, a partir de modelos de fluxogramas para executar algoritmos computacionais. Por fim, a autora chega à conclusão de que há indícios de obstáculos epistemológicos
no
aprendizado
computacional,
mas,
opta
por
não
os
classificar/identificar, deixando estas análises para pesquisas futuras. Setti (2009) destaca que o fenômeno de não-congruência apontado na teoria de Raymond Duval, pode ser 126
considerado um obstáculo epistemológico, juntamente com as linguagens natural e matemática em relação à aprendizagem. Conforme as análises realizadas pela autora, não foi possível concluir que o sucesso dos alunos na construção de algoritmos estaria diretamente vinculado ao raciocínio matemático, pois, mesmo aqueles que saíram bem em matemática não necessariamente, apresentaram resultado satisfatório em linguagem de programação (SETTI, 2009). Ressaltamos que o título da pesquisa anuncia que as diferenças entre as linguagens matemática e computacional juntamente com a linguagem natural se configurariam como obstáculos epistemológicos, também, devido à problemas de tradução, mas, não conseguimos perceber esta relação de forma direta, a tradução ficou, portanto, apenas subentendida no texto. Tomaremos agora a análise de três outras pesquisas, nas quais identificamos de fato a presença da tradução nos textos matemáticos no contexto do ensino. Para tanto, fizemos um levantamento da temática da tradução levando em conta as palavras: tradução, matemática e linguagem. Nossa busca, retornou de forma surpreendente apenas três pesquisas, até então, publicadas no sentido stricto, que serão elencadas a seguir. Galelli (2012) deixa a entender que um de seus objetivos é mostrar que ao traduzir um texto matemático formal, aspectos como estilo, beleza, elegância, estética e contextos históricos são ignorados. Por outro lado, as teorias de tradução adotam como estratégias evidenciar aspectos culturais e sociais que sofrem influências, ainda que implícitas, das tarefas do tradutor, ou seja, o tradutor se detém nas traduções de textos de uma língua para outra, quase sempre com ênfase na forma e na precisão. Estes fatos resultariam, portanto, na instauração de um paradigma tradutório, ou seja, em função de posturas distintas acerca do que se deve traduzir, ora se privilegia a tradução literal ora na tradução pelo contexto. Destacamos, portanto, como questão fundamental no universo da investigação realizada por Galelli (2012) os seguintes questionamentos, de forma sintética, sutilmente reformulados: porque não há uma atenção à tradução interna nos domínios da matemática? Que razões há para este distanciamento? Há possibilidade de que um texto matemático possa ser analisado no campo teórico da tradução, tal qual se procede em relação a outros textos? Em seguida o autor declara que o foco de sua pesquisa está nos textos matemáticos e nas suas traduções. Desta feita, percebemos que
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são levados em conta dois aspectos: um que versa sobre a tradução e outro que está presente na tradução de modo específico. Galelli adverte que os textos matemáticos traduzidos precisam ser vistos como uma forma de literatura com características próprias, pois, não há um quadro de referência voltado para as traduções de textos matemáticos. Oliveira (2013) apresenta o que chamou de quadros de referência para a tradução literária, ampliando o espectro de suas discussões para o contexto dos jogos de linguagem wittgensteinianos. Neste bojo, segue um dos nossos objetivos de pesquisa3, cujos primeiros indícios foram apresentados no III dia de GeoGebra Iberoamericano realizado na PUC de São Paulo, cuja temática avança na constituição de uma tese com propósitos de semelhante natureza acerca da tradução de textos matemáticos (MELO, 2015). Notadamente por se tratar de um texto que envolve tradução e matemática, Galelli (2012) dedica boa parte de suas discussões acerca da linguagem, considerando-a como elemento preponderante na constituição de textos matemáticos. Com o mesmo objetivo, Silveira (2014) defende que a matemática prescinde da linguagem natural, que junto com outros signos, objetiva a compreensão de conceitos e regras no ensino e na aprendizagem da matemática. A interpretação dos símbolos está diretamente condicionada a essa relação. Os símbolos e os sinais não contêm, isoladamente, o conceito matemático por trás daquela recodificação, i.e.: Para ilustrarmos essa relação, tomamos como exemplo a sentença: para todo a e b pertencentes ao conjunto dos números reais, a soma de a com b também pertence ao conjunto dos números reais. Esta mesma sentença pode ser sintetizada com os símbolos matemáticos em: ∀ a, b ϵ R, ⇒ a+b ϵ R (GALELLI, 2012, p. 42-43).
Com base nestes exemplos, o autor afirma que há problemas de interpretação consequentemente de tradução relacionados à compreensão de símbolos/conceitos matemáticos em função de suas aplicações arbitrárias no contexto linguístico. Galelli reitera que, a leitura do símbolo ∀, não é feita como a letra A invertida, e sim como uma sentença ou expressão que em língua portuguesa quer dizer para todo ou qualquer que seja, e isso vale para outros símbolos com o mesmo propósito. Por exemplo, a palavra derivada em relação ao ensino do cálculo, é usada tanto para designar uma operação relacionada ao estudo de funções quanto para mencionar o objeto matemático derivada, 3
Resumo apresentado nos anais do evento realizado em 2015 e publicado na revista eletrônica do Instituto GeoGebra Internacional de São Paulo, sob o título: Ensino e aprendizagem de conceitos algébrico-geométricos com auxílio do GeoGebra. Ver referências.
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mas, este uso não tem qualquer relação com a palavra derivada em relação ao vocabulário cotidiano da linguagem natural. No início das Investigações Filosóficas (2009) Wittgenstein, combate o ponto de vista referencial da linguagem na concepção agostiniana na obra Confissões. Vejamos no excerto a seguir o que diz Wittgenstein.
Poderíamos dizer que Santo Agostinho descreve um sistema de comunicação; só que nem tudo que chamamos de linguagem é esse sistema. E isto precisa ser dito em certos casos, ou se levanta a questão: “Esta exposição é útil ou inútil?”. A resposta: é útil, mas somente para este domínio estritamente circunscrito, não para a totalidade que você pretendia expor (WITTGENSTEIN, 2009, §3 p.16).
Para Agostinho, a linguagem poderia ser entendida como imagem da essência humana, ou seja, as palavras denominam objetos, as sentenças proferidas seriam então, o liame de nossas denominações. Claramente, Wittgenstein se contrapõe à concepção de que o significado das palavras estaria atrelado a objetos, tal etiquetas ficam penduradas à roupas, indicando tão somente o seu tamanho nas gôndolas de uma loja. É nesse sentido, que a frase anel algébrico não possui qualquer conexão com a língua portuguesa a ponto de induzir que esta expressão possua uma equivalência com a noção de circularidade (GALELLI, 2012). Há, portanto, que levarmos em consideração o que foi dito por Wittgenstein nas Investigações Filosóficas (2009) acerca da linguagem, ao mudar o contexto em que as palavras estão inseridas, muda-se o conceito! Ou seja, o sentido de uma palavra ou expressão em determinado contexto, está no uso que damos às expressões ou sentenças da linguagem matemática, em nosso caso, sobre a tradução de textos matemáticos. Vejamos que apesar de não ter mencionado Wittgenstein em sua pesquisa, parece haver uma verossimilhança com o que foi explicitado acerca do uso das palavras por Galelli. As discussões de Galelli são finalizadas com as seguintes reflexões a título de contribuição, “devemos considerar que a tradução é um espeço sui generis e promove automaticamente a asserção: a matemática deve também ser um espaço sui generis” (Galelli, 2012, p. 113). Em especial, este estudo evidenciou que há uma dependência da matemática para com a linguagem, que em vários níveis é negligenciada não só no campo da tradução, isso também ocorre no contexto do ensino e da aprendizagem, se faz necessário, portanto, considerar este fato relevante a bem do conhecimento e da produção científica. 129
Gonçalves (2011) realizou pelo menos duas pesquisas na perspectiva da historiografia da matemática sobre a materialidade de documentos/textos presentes em tabletes de argila acerca da escrita cuneiforme, que envolvem também, perspectivas da arqueologia e da antropologia em seus estudos. Foram identificados nos tabletes de argila, registros numéricos e problemas, cujas traduções revelaram traços de atividades e tarefas cotidianas locais, principalmente ligadas ao mundo do trabalho e comércio na região da mesopotâmia. Dentre os diversos tipos de tabletes encontrados nas escavações, alguns versavam sobre problemas ligados à matemática, nos quais constavam expressões e logogramas suméricos datados aproximadamente de 1600 a 2000 a. C. A seguir, podemos visualizar na figura 1, certas notações simbólicas que aparecem nos tabletes de argila e também em monumentos de pedra.
Figura 1: Obverso e verso do tablete IM54478 (Baquir, 1951)
Fonte: Gonçalves (2011, p. 4)
A escrita encontrada nestes materiais, foi feita em acádio normalizado ressalta Gonçalves (2011). Não só as terminologias foram identificadas pelos historiadores, mas, sintaxes como, encontros vocálicos e consonantais envolvendo duplas consoantes. Ou seja, as expressões e palavras traduzidas do idioma acádio, já apresentavam supostamente em sua composição, indícios de uma possível constituição gramatical na linguagem dos sumérios. Notamos na figura 1, que as cunhas usadas para imprimir informações nos tabletes de argila, assemelham-se à sistemas numéricos destinados a operações matemáticas. O autor, procura deixar claro que as traduções, nestes casos, adequam-se mais a traduções literais, que apesar de serem mais difíceis de interpretar, podiam transmitir um pouco mais dos modos de vida e consequentemente dos conceitos que estriam por trás destas escritas (GONÇALVES, 2011). 130
O autor assinala em sua pesquisa, que os estudos para além da tradução, receberam auxílio de outras atividades classificadas em quatro estágios: passagem do tablete para a cópia, transcrição, transliteração e tradução, que seriam atividades distintas, mas, interdependentes o que nos possibilitaria ler e entender atualmente o que fora escrito à época pelos escribas. Na figura 2, a seguir, encontra-se, por exemplo uma interpretação moderna (ilustração abstraída do original) em um trecho dos tabletes de argila, composto de três figuras que tratava de operações de adição, álgebra e geometria, equivalentes ao que ocorreria durante a resolução de uma equação do 2º grau, envolvendo medidas de superfícies planas.
Figura 2: Tablete IM52301 (Baquir, 1951)
Fonte: Gonçalves (2011, p. 6)
Com base nos processos tradutórios descritos por Gonçalves (2011), podemos dizer que exemplos como estes, receberam um tratamento linguístico, didático, metodológico e pedagógico, até culminar em nossas escolas, tendo em vista os modelos educacionais vigentes. Assim, as traduções e interpretações de textos matemáticos preserva em suas bases, contribuições históricas de inúmeras civilizações, que nos auxiliam na constituição de novas epistemologias e produções científicas. Vale ressaltar que assim, como os tabletes de argila, outros registros como papiros e desenhos em outros materiais, foram produzidos por diferentes civilizações na história da humanidade e da matemática, a exemplo dos incas, egípcios e maias. Não obstante, tais textos uma vez traduzidos, certamente trouxeram contribuições aos estudos da matemática como linguagem, uma vez que suas transcrições, posteriormente foram transpostas para os livros como conhecemos atualmente. É desta forma, que as informações contidas naqueles documentos, podem atualmente, ser interpretadas e utilizadas como problemas envolvendo perímetros e área no ensino de geometria recentemente. Talvez, textos como 131
os que foram encontrados nos tabletes de argila da mesopotâmia, tenham servido como uma das referências para a constituição de outros textos matemáticos a exemplo dos Elementos euclidianos o do Discurso do Método cartesiano. Destarte, outros paradigmas geométricos foram estabelecidos no âmbito da matemática, com a criação das geometrias não-euclidianas, chamadas de hiperbólica e esférica no século XIX. Silveira (2014) atentou para a perspectiva da tradução de textos matemáticos com ênfase na linguagem, que ainda não havia sido abordada no contexto da pesquisa em Educação Matemática. Podemos dizer a autora foi a precursora na vertente que estuda a linguagem matemática com enfoque na filosofia wittgensteiniana no Brasil. Os estudos sobre
a
linguagem matemática
desenvolvidos por Silveira, abordam aspectos
pedagógicos da tradução de textos matemáticos acerca dos conceitos de jogo de linguagem, seguir regras e ver como associados ao ensino e aprendizagem da matemática escolar. Sobretudo as pesquisas realizadas pela autora, se pautam na filosofia de Ludwig Wittgenstein com ênfase na obra Investigações Filosóficas (2009). Assim, permitimo-nos dizer por exemplo, que o conceito primitivo jogo de linguagem assemelha-se aos conceitos primitivos euclidianos de ponto, reta e plano, mas, suas abordagens diferem em termos de aplicação, o primeiro no âmbito da linguagem e o segundo no campo axiomático da matemática. Não obstante, tais conceitos se dão nos domínios da matemática como linguagem, seguem regras e normas como na gramática, que possui uma sintaxe específica, cujas expressões, sentenças e demonstrações são governadas por cálculos e normas da matemática. Dentre os muitos aforismos presentes na obra de Wittgenstein 4 (2009) a tradução de uma língua para outra é considerada como um jogo de linguagem. Entendase, portanto, que as discussões wittgensteinianas acerca da linguagem matemática, são trazidas por nós por meio de estudos e pesquisas no contexto da Educação Matemática. A tradução de textos por ter conexões com procedimentos linguísticos, pode ser entendida, portanto, na matemática escolar a partir de problemas na interpretação de conceitos pelos alunos, pois, a linguagem matemática é codificada (SILVEIRA, 2014). A autora afirma que a tradução auxilia os alunos na interpretação de conceitos e simbologias da matemática, com as quais, os alunos não possuem familiaridade. Ou seja, a linguagem formal e normativa da matemática pertence aos domínios da profissão 4
Ludwig Wittgenstein (1889-1951) foi um matemático austríaco e doutor em filosofia, aluno de Bertrand Russel e contemporâneo de Gotlob Freg, dentre outros célebres matemáticos ingleses como Ramsey e Moore professores de Cambridge. Wittgenstein em 1930 tornou-se “Fellow” no Trinitty College.
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docente, logo não faz parte da forma de vida dos alunos, como as demais palavras e expressões da linguagem cotidiana. Conforme Silveira (2014) faz-se necessário, passar os textos escolares da linguagem matemática para a linguagem natural, este seria o principal objetivo da tradução de textos matemáticos no ensino e da aprendizagem na matemática. De posse das alusões feitas por Wittgenstein acerca da linguagem, Silveira reitera que não existe um método sistemático para traduzir, e que traduzir de uma linguagem para outra consiste na realização de um jogo de linguagem. A autora chama atenção para o fato de que a linguagem matemática não possui oralidade, ou seja, a comunicação do leitor com o texto é virtual. Nesse sentido, podemos dizer que o jogo de linguagem se dá entre professores e alunos na sala de aula, onde os conceitos matemáticos são traduzidos e interpretados no decorrer das atividades escolares. Consequentemente, é o uso de palavras e expressões, mediante o seguimento de regras e formas de vida na perspectiva wittgensteiniana, que permitem aos professores dar sentido aos conteúdos explicados no contexto da matemática escolar. Os conceitos5, seguir regras e formas de vida são amplamente discutidos nas Investigações Filosóficas (2009). Encerramos este breve escorço acerca da tradução de textos matemáticos destacando algumas reflexões da pesquisa realizada por Silveira acerca da linguagem matemática numa perspectiva wittgensteiniana, a saber: a linguagem do texto matemático é objetiva e busca apenas um sentido, em contraposição à língua portuguesa utilizada pelos professores e alunos em sala ade aula que é polissêmica. Ainda que possamos separar a objetividade matemática da subjetividade dos professores/alunos, ambas caminham juntas e contribuem/convergem para a produção de conhecimentos; a análise do mecanismo de tradução na demonstração de um texto matemático (expressão, conceito, teorema), trabalha com a sintaxe e o formalismo convencional da matemática a partir de regras que não podem ser modificadas; os professores de matemática devem atentar, também, para possíveis problemas de ordem linguística no ensino, já que não se estabelece entre eles e os alunos um jogo de linguagem, mas, o jogo de linguagem insere o alunos em um jogo já estabelecido, cujas proposições seguem normas científicas (SILVEIRA, 2014).
5
Seguir regras para Wittgenstein (2009) significa fazer uma comunicação, dar uma ordem, faz parte de hábitos e usos institucionais, aforismo 199. Forma de vida para Wittgenstein equivale a representar uma linguagem, conforme o aforismo 19 da mesma obra.
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Ressaltamos, portanto, que a tradução e a interpretação auxiliam os professores e alunos no contexto do ensino e da aprendizagem de conceitos matemáticos. Ao dar sentido ao uso das palavras no texto matemático, o professor, procura mostrar na sala de aula, que para além da explicação e da visualização no ensino de geometria, que a altura do apótema da base de uma pirâmide quadrangular, não possui a mesma medida da altura da face lateral deste objeto. Ora, aqui trata-se da palavra “altura” que possui a mesma sintaxe na língua portuguesa, mas, possui significado diferente na matemática. É no funcionamento da linguagem que mostramos seu uso! Ou seja, as palavras e expressões usadas por nós precisam fazer sentido no contexto em que estão inseridas, é na sala de aula principalmente que os conceitos matemáticos precisam ser compreendidos, posteriormente, vem suas aplicações na realidade, mas, isso nem sempre é possível. Esta é uma construção, portanto, que se dá nos domínios da linguagem, tanto sobre a constituição do conceito de altura na matemática, quanto das palavras: apótema, base, medida e pirâmide quadrangular. O jogo de linguagem se estabelece quando os conceitos da linguagem natural se entrelaçam com os conceitos matemáticos no ensino e na aprendizagem, também, por meio da tradução.
Considerações Finais
Procuramos destacar neste texto, que há diferentes compreensões acerca da temática da tradução, principalmente no que tange aos discursos literários, onde se concentra o maior volume de traduções de uma língua para outra. De modo específico, abordamos a vertente da tradução de textos matemáticos, perfazendo alguns caminhos que passaram pelas contribuições teóricas da tradução, tendo em vista os paradigmas histórico-epistemológicos no contexto das práticas pedagógicas educacionais voltadas ao ensino da matemática. Nossa busca, portanto, se deu a partir do levantamento de referenciais bibliográficos encontrados no sentido stricto, sobre textos e produções de natureza acadêmica, cuja abordagem ancorou-se prioritariamente na matemática enquanto linguagem. Conforme assinalamos, encontramos recentemente apenas quatro pesquisas com estas características, das quais, três reportaram-se diretamente ao contexto da tradução. Nesse sentido, nosso objetivo foi alcançado, pois, nossa análise mostrou que, por ser recente esta linha de investigação, parece ocorrer principalmente no âmbito da 134
Educação Matemática. De modo mais restrito, a tradução de textos matemáticos tem sido investigada na perspectiva da filosofia wittgensteiniana, com ênfase nos jogos de linguagem. Nossa investigação, segue esta vertente no contexto científico, tendo em vista a constituição de uma tese já em andamento. Desta feita, encerramos esta análise, com as seguintes reflexões: ao que parece a tradução de textos matemáticos não comporta em seus domínios as práticas tradutórias do linguista ou do matemático em separado, esta prática consistiria em diferentes jogos de linguagem, ora primariam pela clareza da ortografia, sintaxe e gramática, ora privilegiariam o rigor e normatividade da matemática, ocasionando obstáculos no ensino e na aprendizagem da matemática; as traduções de textos matemáticos sejam no sentido literal ou pelo contexto, não impedem a utilização destes detalhes e de suas aplicabilidades na educação e no campo da ciência; tradução e interpretação podem auxiliar professores e alunos no contexto educacional, tendo em vista a compreensão e elucidação
dos aspectos formais da
linguagem matemática
numa
perspectiva
wittgensteiniana. Por fim, ressaltamos que a contextualização de conceitos em relação ao contexto é um ponto pacífico do ponto de vista pedagógico. Mas, alterar regras matemáticas por meio de acordos tácitos e ilações extraídas hegemonicamente de práticas cotidianas, pode levar a equívocos do ponto de vista científico na educação. Nesse sentido, cabe ressaltar, estaríamos falando de outro jogo de linguagem, que não o da linguagem matemática no contexto da Educação Matemática.
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O TRABALHO COM FÁBULAS NO ENSINO FUNDAMENTAL: CONTRIBUIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA LEITURA NO 6º ANO Teodomiro Pinto Sanches Neto1
RESUMO A leitura, as práticas e as competências leitoras têm ocupado espaço considerável na educação, tornando-se condições essenciais para a plena cidadania. Busca-se nesse artigo refletir sobre a importância da leitura e dos gêneros textuais na formação de alunos-leitores. Dentre os vários gêneros de discursos, atribui-se ênfase a utilização da fábula como gênero que assume a condição de instrumento didático de ensino. O gênero fábula agrega tanto a análise interpretativa quanto a contemplativa, pois são histórias envolventes, que pela sua característica fica muito próximo da realidade a qual a sociedade vivencia historicamente. As reflexões baseiam-se na teoria do dialogismo de Bakhtin, 2003 e nos estudos de Nelly Coelho, 2000, Paulo Freire, 1998, Cagliari, 2000 e outros estudiosos. Palavras-chave: Leitura, Gênero fábula, dialogismo, fábula e discurso.
INTRODUÇÃO É notável a importância da leitura nos dias atuais. Como prática social, ela cumpre funções que estabelecem relações sociais, identitárias, econômicas e de poder para o sujeito. Na escola, o primeiro lugar onde o indivíduo exercita essa prática de forma metodológica, a atividade de compreensão de leitura tem sido vista como um divisor de águas no entendimento dos diversos gêneros discursivos. Bakhtin (BAKHTIN, 2003, p.279), ao definir os gêneros de discurso como "tipos relativamente estáveis de enunciados", elaborados pelas diferentes esferas de utilização da língua, considera três elementos "básicos" que configuram um gênero discursivo: conteúdo temático, estilo e forma composicional. Ressalta que todas as atividades humanas estão relacionadas à utilização da língua e que temos uma diversidade de gêneros que se afiguram incalculáveis. Também observa que toda essa atividade se concretiza. [...] “em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou outra esfera da atividade humana” (BAKHTIN, 2003, p.279). Buscamos, neste artigo, refletir sobre a contribuição das fábulas na formação de alunosleitores do Ensino Fundamental, em seu poder de estimular e suscitar o imaginário, de aumentar a 1
Graduado em Arte, Letras e Pedagogia, Especialização em Gestão Escolar, Gestão Pública e Tecnologias Educacionais, Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura.
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capacidade crítica e instigar a curiosidade do aluno, além de assumir a condição de instrumento didático no ensino de língua portuguesa. Nas três últimas décadas, as mudanças ocorridas no ensino de língua e as contribuições de teóricos e estudiosos da linguagem culminaram com a publicação de um documento oficial que orientou as bases curriculares dessa disciplina: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A partir da publicação dos PCN começou a seguinte indagação sobre o papel do ensino nas escolas brasileiras: qual o objetivo do ensino na atualidade? A discussão sobre o ensino não deixa de fora a Língua Portuguesa. Nos PCN, a língua materna é orientada por fatores de caráter social, "externo" à própria disciplina, como por exemplo, a presença na escola de uma clientela diferente daquela que veio frequentando os bancos escolares até as década de 60 e 70. Na década de 80, a questão social passa a fazer parte das discussões educacionais. Evasão, repetência, analfabetismo fomentam uma discussão dos profissionais envolvidos com a educação voltada para o enfrentamento dos problemas sociais, cuja vertente dialético-marxista enfoca as contradições da escola democrática, seu desejo de transformação e de superação em busca da emancipação das camadas populares da sociedade. Por outro lado, o ensino de língua portuguesa passa a ser repensado por razões internas, inerentes ao desenvolvimento de novos paradigmas no campo das ciências e da linguagem, que orientam a discussão a partir de conhecimentos, principalmente, sobre o objeto de ensino em língua portuguesa; sobre como se ensina e como se aprende; sobre linguagem e língua. A intenção é valorizar o conhecimento que o aluno traz para a escola, construindo, dessa maneira, uma interação da linguagem como mediadora do conhecimento dos sujeitos envolvidos no ensino aprendizagem. Há uma necessidade de ensinar a partir da diversidade textual circulante no ambiente escolar. Temos ainda questões importantes e que são alvo de intensa discussão por educadores e estudiosos da linguagem, como: o interesse do aluno, a excessiva escolarização das atividades de leitura e de escrita, artificialidade e fragmentação dos trabalhos, a visão de língua como sistema fixo e imutável de regras, o uso do texto como pretexto para o ensino da Gramática e para a inculcação de valores morais, a excessiva valorização da Gramática normativa e das regras de exceção, o preconceito contra as formas de oralidade e contra as variedades não padrão, o ensino descontextualizado da metalinguagem, apoiado em fragmentos linguísticos e frases soltas. A finalidade do ensino de língua portuguesa, segundo o referido documento, deixa de ser exclusivamente o desenvolvimento de habilidades de leitura e de produção ou o domínio da língua 138
escrita padrão, para passar a ser o domínio da competência textual além dos limites escolares, na solução dos problemas da vida, como no acesso aos bens culturais e a participação plena no mundo. Em Bakhtin (2003) temos que: os gêneros do discurso resultam em formas-padrão “relativamente estáveis” de um enunciado, determinadas sócio-historicamente, nos comunicamos, falamos e escrevemos, através de gêneros do discurso. Os sujeitos têm um infindável repertório de gêneros e, muitas vezes, nem se dão conta disso. Até na conversa mais informal, o discurso é moldado pelo gênero em uso. Tais gêneros nos são dados, quase da mesma forma com que nos é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até começarmos o estudo da gramática. (BAKHTIN, 2003, p. 282).
O trabalho com a Língua Portuguesa objetiva a expansão das várias possibilidades do uso da linguagem em qualquer forma de realização, por isso quando se fala de gêneros textuais há referência direta aos textos orais ou escritos concretizados em eventos comunicativos. o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc. (...) toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante (BAKHTIN, 2003, p. 271).
Desse modo, os gêneros textuais funcionam como componentes culturais e históricos, que ordenam e estabilizam nossas relações na sociedade ao tratar dos três fatores constituintes do enunciado: conteúdo temático, construção composicional e estilo do enunciado; menciona o tratamento exaustivo do objeto, o querer dizer do locutor e assinala o terceiro: os gêneros do discurso como o principal fator constituinte do mesmo. Para o autor, o querer dizer de cada locutor se efetua, principalmente, pela escolha de um gênero do discurso. Essa escolha é determinada em função da especificidade de um dado campo discursivo, com contexto definido, bem como o tema e parceiros da interação. A leitura é, nessa perspectiva, um precioso meio de se instigar a prática da reflexão no aluno, sujeito-leitor que atua na realidade que o circunda. E é a partir da reflexão dos textos lidos que o aluno-leitor constrói também seus valores e crenças, conseguindo distinguir e se posicionar perante a sociedade. Acreditamos que no momento do trabalho com a leitura é que são lançados os alicerces para a produção de bons textos, pois o contato com diversos gêneros vai ampliar o universo de possibilidade do leitor, permitindo formação de escritores competentes. Para tanto, a exploração dos 139
gêneros literários em todas as etapas do processo educacional se faz necessário e deve funcionar como atrativo para outros gêneros. Por isso, a importância da leitura na alfabetização da criança e nas séries iniciais do ensino fundamental é de suma importância. Ademais, ela está envolvida em todos os atos de construção do aprendizado e da comunicação humana. O gênero fábula como instrumento de leitura de alunos do ensino fundamental vem ao encontro desse anseio e seu diferencial em relação aos demais gêneros é justamente a contextualização do aluno, pois, como morador da Amazônia, há um hibridismo do fantástico atravessado em sua história de vida. Por isso mesmo, para a leitura do gênero fábula e posterior compreensão textual, não se impõem regras e modelos, mas sim, representação por meio de desenhos, músicas, teatros, poesias, jogos e brincadeiras. Dessa forma, o gênero fábula será de suma importância para a leitura e compreensão da criança, que é justamente o que preconiza os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. O gênero fábula cumpre uma tarefa importante no entendimento histórico, social e cultural do aluno-leitor. Nos remete à memória e história de um mundo fantástico ao qual o aluno se identifica, se transporta para a história, envolvendo-se com a leitura, tendo sua aprendizagem facilitada. Nessa perspectiva, é responsável pela interação do espaço onde a criança está inserida com histórias de outros espaços pelo mundo a fora. Assim, a Amazônia, com todo seu potencial fantástico, com mitos, lendas e histórias que as crianças ao nascerem já tomam conhecimento, tornam-se agentes facilitadores para iniciação e interação às diversas leituras de fábulas e outras mais complexas. Ao trabalhar com fábulas, a escola possibilita um leitor mais crítico e reflexivo com sua memória, com habilidades de leitura, compreensão e interpretação que vão para além da sala de aula, podendo ser utilizado para o desenvolvimento de diferentes atividades pedagógicas, facilitando habilidades, competências e fazendo interação com outros tipos de gêneros textuais. O gênero fábula é de caráter narrativo e, por isso, é excelente para trabalhar desde a alfabetização até o ensino fundamental maior, pois sua composição traz conteúdo temático, estilo de linguagem e interação comunicativa. Com narrativas diretas e fáceis de compreender, tornam-se excelentes para audição, contação de histórias, desenvolvimento da escrita e representação teatral.
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Trabalhar os gêneros textuais em sala de aula é uma excelente oportunidade de se lidar com a língua nos seus mais diversos usos do cotidiano. Se a comunicação se realiza por intermédio dos textos, deve-se possibilitar aos estudantes textos de maneira adequada a cada situação de interação comunicativa.” (FIORIN, 2003, p 367).
Nesse sentido, a prática de ensino dos gêneros textuais facilita a compreensão, comunicação e aprendizagem para a produção textual. Portanto, o trabalho com gênero textual fábula objetiva formar comportamentos leitores e escritores que podem ser acionados em outras situações e esferas comunicativas. A leitura não é a fala da escrita, mas um processo próprio que pressupõe um amadurecimento de habilidades linguísticas em partes diferentes das que ocorrem na produção da fala espontânea. Uma leitura em voz alta, além de levar em conta o que se deve fazer para dizer algo em termos de produção sonora da fala. Um dos embaraços que a criança encontra quando está aprendendo a ler reside no ajustamento do processo da fala para leitura, por isso a importância da socialização da criança em brincar e falar coletivamente é importante, pois são atos que irão facilitar a produção da leitura. (CAGLIARI, 2000, p 161).
Partindo do pressuposto que a leitura é um fenômeno complexo e, por sua heterogeneidade, deve ser estudada numa perspectiva interdisciplinar, integrando as diferentes ciências da linguagem e da comunicação. A partir desses construtores teóricos, pretendemos, portanto, problematizar o objeto deste estudo que é a reflexão da leitura de fábulas no ambiente escolar.
DESENVOLVIMENTO Gênero textual como interação dialógica A linguagem permeia toda a vida social, exercendo um papel central na formação sociopolítica e nos sistemas ideológicos. Entre as categorias centrais na obra bakhtiniana estão as noções de linguagem, interação, dialogismo e ideologia. Principalmente na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (BAKHTIN, 1997), a posição bakhtiniana é clara ao rebater a noção de língua sustentada no objetivismo ou no subjetivismo. A linguagem é de natureza socioideológica e tudo “que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo” (BAKHTIN, 1997, p. 31). A ideologia é um reflexo das estruturas sociais e entre linguagem e sociedade existem relações dinâmicas e complexas que se materializam nos discursos ou, melhor, nos gêneros do discurso.
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Bakhtin não aceita a língua como simples código nem a primazia do sujeito como indivíduo, pois, argumenta, sempre falamos ou escrevemos para alguém em alguma circunstância social mais ampla, de caráter comunicativo. Em oposição ao objetivismo abstrato, ele defende explicitamente que “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN, 1997, p. 95,) e observa que um dos equívocos mais pontuais desse objetivismo é separar a língua de seu conteúdo ideológico. Atualmente, na sociedade letrada em que vivemos, saber ler, escrever e ter conhecimento dos diversos gêneros textuais consiste em ter competências fundamentais não somente para a vida profissional, mas também, ao entendimento e convívio social numa sociedade híbrida como a nossa. A capacidade de ler de modo crítico tornou-se indispensável, transformando-se em um exercício essencial à realização de diversas atividades cotidianas: desde as mais simples, como pegar um ônibus, ler um panfleto de propaganda, cozinhar usando livros de receitas, até as mais complexas como usar as novas tecnologias e a leitura de um texto científico, jurídico ou literário. Desde que começou a ser praticada, a leitura tem sido associada à escrita em suas mais diversas formas e ocorrências. Em meados do século XVI, com o surgimento e o advento da imprensa, a partir de Gutenberg, o livro se tornou a principal fonte de textos escritos. Mas, naquele momento, a habilidade da leitura não estava disponível para quem quisesse desenvolvê-la, pois estava acessível somente a uma pequena parcela da sociedade. Entre os séculos XVI e XIX, as práticas de leitura estiveram condicionadas às práticas escolares, às opções religiosas e ao crescente ritmo de industrialização. O século XIX conhece um aumento no volume dos modelos de leitura em virtude do crescimento geral da alfabetização e do uso da cultura impressa por novas classes de leitores (as mulheres, as crianças, os operários). Já no século XX, com o processo de democratização da escola no Brasil, a partir da década de 60, a alfabetização passou a ser vista como o ensino das primeiras letras, no entanto ainda deixava parte considerável da população à margem, marginalizando os que não tinham acesso. Nessas condições, podemos dizer que em uma sociedade como a nossa, na qual o acesso à leitura é ao mesmo tempo tão valorizado e escasso, pois, parte da população não o faz de maneira eficiente, a disseminação dessa prática de forma ampla e adequada no ambiente escolar torna-se fundamental para o exercício da cidadania. Tornando-se também um importante instrumento de poder, pois cria espaço para que o cidadão tenha vez e voz, seja um sujeito que interaja na realidade em que vive.
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Em nossa cultura grafocêntrica, o acesso à leitura é considerado como intrinsecamente bom. Atribui-se à leitura um valor positivo absoluto: ela traria benefícios óbvios e indiscutíveis ao indivíduo e à sociedade – forma de lazer e de prazer, de aquisição de conhecimentos e de enriquecimento cultural, de ampliação das condições de convívio social e de interação. (SOARES, 1999, p.19)
Como vemos, a leitura abre um mundo de possibilidades. Isso mostra que a leitura não é uma ação com fim em si mesma, mas uma capacidade, através da qual compreendemos os diversos aspectos que estão ao nosso redor. Para tanto, ler aparece como um instrumento potencializador no entendimento do lócus social que estamos inseridos. O domínio da leitura remete à interação em outras atividades, que dela dependem, fazendo com que o sujeito torne-se um cidadão dialógico. Isso acontece porque quem domina a competência leitora é capaz de compreender e analisar o que leu, caso contrário, apenas decodificará o código escrito, já que compreender é estabelecer relações semânticas, ou melhor, é construir sentidos.
Assim, o leitor tem o papel de construtor do significado do texto lido. É o leitor quem atribui, a partir de uma série de pistas deixadas pelo autor, sentido ao que lê, sendo por isso que se pode dizer que a leitura de um mesmo texto nunca é única, já que dependerá de quem a faz, em diferentes momentos de sua vida. (SOLÉ, 1998, p.22)
A leitura é um processo de interação entre leitor e o texto; nesse processo, tenta-se satisfazer os objetivos que guiam sua leitura, considerando que a leitura é o meio para se chegar a um determinado fim. Sob essa perspectiva, podemos afirmar que não apenas o que está registrado em papel é lido, mas, de modo mais amplo, todos os aspectos que auxiliam na compreensão podem ser considerados como prática de leitura: um gesto, uma expressão, uma imagem, um símbolo. Nessa concepção, leitura engloba não somente o conhecimento verbal (escrito e oral), mas também o conhecimento de mundo, de modo geral, por meio de desenhos, símbolos, imagens, etc. Podemos dizer, então, que a aprendizagem da leitura tem início bem antes do contato com o texto escrito na escola. Conforme Paulo Freire (1988, p. 11): “a leitura do mundo precede a leitura da palavra” e mais do que isso, ela vai além dele, pois a atividade da leitura se realiza a partir do diálogo entre leitor e objeto lido. Seguindo essa linha de pensamento, KOCH, 2002 entende que o texto é “o próprio lugar da interação” e sua compreensão deixa de ser entendida como simples captação de uma representação mental ou como a decodificação de mensagem resultante de uma codificação de um “emissor” para se tornar uma compreensão contextual. 143
Um pouco de história: origem e caracterização do gênero fábula Onde e quando começou o gênero fábula é bastante discutível. Na literatura são citadas como lugares prováveis, a Índia e a Grécia. No entanto, vários autores colocam que o gênero fábula aconteceu em diversos países ao mesmo tempo, como uma realização intelectual do cotidiano vivido por diversos povos. Fábula vem do Latim fari que significa falar e do grego phaó, que é o mesmo que dizer, contar algo. COELHO (2000) a define como a narrativa de uma situação vivida por animais que alude a uma situação humana e tem por objetivo transmitir certa moralidade.
Fábula é uma narração alegórica, quase sempre em versos, cujos personagens são, geralmente, animais, e que encerra em uma lição de caráter mitológico, ficção, mentira, enredo de poemas, romance ou drama. Contém afirmações de fatos imaginários sem intenção deliberada de enganar, mas, sim, de promover uma crença na realidade dos acontecimentos. (COELHO, 2000, p. 178).
Ao que parece, a fábula é uma narração em prosa e destinada a dar relevo a uma ideia abstrata, permitindo, dessa forma, apresentar de forma agradável uma verdade que, de outra forma, se tornaria árida ou muito difícil de ser assimilada. Por isso, o ensino moral, que é o fim e o meio, devem entrar na composição de uma fábula, numa justa proporção. As mais antigas fábulas foram enunciadas por Hesíodo (700 a.C) e Archilochos (650 a.C). Segundo alguns autores, o escravo frígio Esopo (550 a.C) teria sido o primeiro a colecionar e a divulgar as fábulas de origem indiana e grega. Por isso, seu nome ficou inseparável da história da fábula, além de outros fatos tais como numerosos poetas de fábulas que, frequentemente, recorrem às fábulas de Esopo. Assim, os animais nas fábulas tornam-se exemplos para o ser humano. Cada bicho simboliza algum aspecto ou qualidade do homem como por exemplo: o leão representa a força; a raposa a astúcia; a formiga o trabalho. Na antiguidade, as lendas serviam para narrar os feitos de grandes homens, heróis ou povos inteiros, bem como histórias que explicavam o nascimento de cidades e nações. Na idade Média, as lendas se transformam numa forma de contar a vida dos santos do cristianismo. As virtudes e boas ações destas personalidades eram narradas de modo que o ouvinte conhecesse o comportamento exemplar do santo e viesse a tomá-lo como modelo. Na Itália, do século XIII, Jacopo de Varezze, reuniu uma coletânea de biografia de santos num volume intitulado 144
“Legenda Áurea”, que serviria de inspiração para os padres formularem seus sermões, o que mais tarde, ficariam conhecidas como fábulas. Muitos escritores recriaram velhas fábulas, dando-lhe novos finais ou novos significados. O mais famoso deles é o francês Jean de La Fontaine (1621 – 1695). Ele foi um dos maiores divulgadores dos textos de Esopo, recriando essas fábulas com o objetivo de educar o homem de sua época, embora seja claro, tradicionalmente as fábulas tenham sido tomadas como instrumento de ensino de jovens e crianças para disciplinar os homens e mulheres. É por estas razões que Platão, tendo banido Homero da sua República, ofereceu a Esopo uma posição muito honrosa. Ele deseja que as crianças sorvam estas fábulas como leite; recomenda às amas que lhas ensinam, pois só de tenra idade nos podemos habitar à sabedoria e à virtude. (ALLÈAU, 1989, p. 137)
Segundo o autor, quanto mais cedo as crianças tiverem contato e conhecimento sobre as fábulas, provavelmente, elas crescerão sabias e desenvolverão virtudes em suas vidas por meio dos ensinamentos transmitidos pela moral contida nessas narrativas ou para uma reflexão da realidade. As características típicas das fábulas de Esopo são: clara construção, explícita compreensão das cenas, agradável tom da fala, desenvolvimento espirituoso para cada fase elementar em que o homem, ainda muito íntimo dos animais e das plantas, pode transitar entre todas as criaturas. As fábulas de Esopo foram transformadas em versos por Babrios; Fedro (50 d.C) fortaleceu o ensino dos seus elementos e, mais tarde, Avianus (400 d.C) traduziu em versos latinos. Finalmente, sua glorificação veio na forma de prosa. Desde Fedro (I d.C), o vocábulo fábula já tinha uma conotação de especialização no seu enredo, na sua contação. A finalidade didáticomoral e o significado de símbolos instrutivos dão unicidade apropriada à fábula para cunhar sermões e colecionar exemplos de homens decentes. No século XVI, a fábula serviu como instrumento de luta político-religioso contra a igreja católica. Lutero utilizou as fábulas para evidenciar sua posição, concepção e moral diante da igreja católica, mostrava a fábula sob a forma de prosa sucinta, com narrações claras e objetivas. A fábula trabalha com a tríade tradição, ironia e realidade, sempre envolve questões sociais, morais, éticas, humor picante, sátiras e, muitas vezes, anônimas. Dessa maneira, no período moderno ganhou as ruas e fábricas, pois foi inserida no meio de comunicação de massa, ganhando uma nova roupagem sem perder sua estrutura basilar identitária. A fábula, tal como a parábola, procura ilustrar uma verdade universal, geral, com uma narrativa concreta e particular e, tal como ela, é dependente da justaposição entre a narração exemplar e o seu comentário, (embrionário no caso da fábula, motivado, por vezes, por relações bastantes tênues; bastante desenvolvido no caso da parábola). Contrariamente à parábola e à alegoria, a narrativa essencial da fábula
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é auto-suficiente, sem nenhuma necessidade de interpretação completiva (ALLÈAU, 1989, p. 336)
A autora explica que a parábola e a fábula apresentam características de interpretação para a vida humana, ilustrando situações condizentes com as vivencias pessoas e sociais, econômicas e outras. O gênero fábula como instrumento pedagógico A inserção de distintos gêneros textuais na escola decorre do papel que exerce na preparação dos alunos para a vida social e cultural. O gênero fábula pode ser desenvolvido com diferentes atividades e em várias disciplinas. Não se pode esquecer que diferentes formas e modelos de composição fabular entram na escola. No entanto, as formas diferentes servem para uma melhor interação professor e aluno e dessa maneira, servem como orientação e referência para se produzir outras fábulas. Mas, é importante salientar que tal referência deva estar incluída no plano de curso/aula do professor, pois o gênero deve servir como instrumento pedagógico voltado para consecução de objetivos e propósito de ensino. Não se usa o gênero fábula como se usa o gênero carta, pois o propósito é completamente diferente. A fábula não é só informação, é um instrumento pedagógico de reflexão, interação, compreensão e produção. Por isso, o ato de trabalhar fábula objetivamente é formar comportamentos leitores e escritores que podem ser acionados em outras situações e esferas comunicativas.
Cabe ao professor criar condições para que o aluno não seja um leitor ingênuo, mas que seja crítico e reaja aos diversos textos com que se depare e entenda que por trás deles há um sujeito, uma história, uma ideologia e valores particulares e próprios da comunidade em que está inserido. (FIORIN 1999, p. 397).
A leitura e o trabalho com variados textos vão propiciar no futuro um leitor crítico e conhecedor de seus valores sociais. Os textos, as palavras, as letras de um determinado contexto facilitará a compreensão de mundo e formará um cidadão consciente. [...] gêneros discursivos ou textuais são responsáveis pela seleção de textos a serem trabalhados como unidade de ensino. Todo texto pertence a um gênero que é um instrumento pedagógico para o ensino-aprendizagem de produção e compreensão oral e escrito. (FIORIN, 1999, p. 57).
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A leitura é uma atividade muito importante para o desenvolvimento da reflexão e proporciona o exercício da crítica. Por esse motivo, o professor deve estimular o ato de leitura não como um momento em sala de aula, mas como uma relação para a vida, visto que a criança interage com o narrativo desde o nascimento, primeiro ela escuta histórias e depois ela produz seu próprio discurso narrativo oral. A escola que opta por trabalhar com narrativas no Ensino Fundamental está aproximando a criança de seu mundo fantástico e o gênero fábula é o que mais se aproxima da experiência vivenciada pela criança. A fantasia é parte integrante fundamental do ser e estar no mundo para ela. Segundo Cardoso (2007), a criança, ao ter contato desde cedo com as narrativas aprende a produzir suas próprias histórias orais ou escritas. Diante disso, a escola de nível fundamental deve trabalhar gênero que facilite a criação do mundo imaginário da criança. A leitura é fundamental para o desenvolvimento intelectual do ser humano, uma leitura de qualidade representa a oportunidade de ampliar a consciência, a visão de mundo. Representa uma ferramenta eficaz no processo de ensino aprendizagem. O contato com o livro nos possibilita sonhar, viajar, encantar, voar e ter manifestações puramente saudáveis. No século XX, o consumo e a produção de livros aumentaram consideravelmente, sem dúvida a palavra escrita é considerada uma das mais importantes heranças culturais da humanidade. A palavra escrita dominou os tempos e o livro colaborou para a universalização do conhecimento. A importância dos livros assume uma oportunidade ímpar na promoção da leitura. O livro é um mecanismo através do qual se encontra a possibilidade de desenvolver senso crítico, enriquecer o vocabulário. Ler não é receber, ler é trocar ideias, conceitos, culturas e respeito. Ler é recriar, dialogar, enunciar com o diferente. Por isso, compreender o espaço que estamos inseridos é o primeiro passo para se ter uma leitura ampla. Paulo Freire chama a atenção para o assunto:
Por isso mesmo colocar ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária. (FREIRE, 1998, p. 31).
Por isso, a infância torna-se terreno fértil para formação de leitores, no entanto deve-se respeitar o lugar de onde essa criança vem e dessa maneira, professor/escola fazer mediação possível para que essa criança encontre o encantamento pela historias orais e escritas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao realizar trabalho de leitura, interpretação e compreensão textual com alunos do ensino fundamental sempre será um desafio dentro de uma estrutura de ensino pautado ainda na leitura fragmentada. No entanto, o gênero fábula aparece como um facilitador nesse meio fragmentado, pois caminha em diversas direções de entendimento. Nesse sentido, o gênero fábula por ser um texto curto apresentando linguagem popular de fácil compreensão torna-se palatável pelos alunos, onde podem ter atividades relacionadas com a ética, moral, hábitos culturais, vivência cotidiana. Em vista disso, o aluno e a sua vivência cultural passam a compor o gênero fábula. Portanto, todos os aspectos de leitura, escrita, compreensão, interpretação e análise podem ser feitos com o gênero fábula, além do mais tais histórias preenchem o imaginário da criança. Por ser narrativas curtas, tornam-se leituras rápidas em sala de aula o que facilita o entendimento de outros gêneros. Em suma, o gênero fábula traz em seu aspecto de leitura e compreensão curiosidade, imaginação, profundidade, amizade, compreensão do outro, usura, costumes e hábitos de sociedades antigas, por isso mesmo ótimo gênero de descobertas para a criança e adolescentes do ensino fundamental.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLÉAU, A. A Fábula como forma de contação de estória. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1989 BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução. Paulo Bezerra. 4 Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261-306. BRASIL. MEC. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
Curriculares
Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999. CAGLIARI, L. C. Alfabetizando sem o Bá-Bé-Bi-Bó-Bu. São Paulo: Editora Scipione, 2000. CARDOSO, L. As Narrativas curtas nas Sociedades Modernas. Coletânea de Estudos Literários. Brasília: Iluminuras, 2007. COELHO, N.N. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. 7ª Edição. São Paulo: moderna, 2000. FREIRE, P. A Importância do ato de ler – 22 Edição. São Paulo: Cortez, 1988 FIORIN, J. L; SAVIOLI, F. P. Lições de texto: leitura e redação. 4ª edição. São Paulo: Ática, 1999. FIORIN, J,L. Os Gêneros do discursos. Introdução ao Pensamento de Bakhtin. São Paulo. SP. Ática, 2003. KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. SOARES, M. Letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto alegre: Artes médicas, 1998.
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O PROGRAMA DO LIVRO DIDÁTICO (PNLD) NO CONTEXTO EDUCACIONAL DA AMAZÔNIA: O CASO DO MUNICÍPIO DE MARACANÃ NO ESTADO DO PARÁ Wilson da Silva Rezende1
RESUMO O livro didático ainda é um dos recursos mais utilizados por alunos e professores em sala de aula, sobretudo na Amazônia, onde grande parte das escolas ainda não dispõe de espaços pedagógicos de apoio como bibliotecas, laboratório de informática, laboratório de ciências, etc. O processo de gestão desse recurso têm gerado críticas por parte de profissionais da educação (professores e coordenadores) e até pais destituindo a grande importância que o mesmo representa para o processo de ensino e aprendizagem. O objetivo deste trabalho é analisar o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) no contexto regional amazônico, em especial a do município de Maracanã situado no nordeste do Estado do Pará, discutindo as deficiências de gestão no processo de distribuição e uso dos livros didáticos. Para isso, foi utilizado a pesquisa bibliográfica para fundamentar a base teórica e a entrevista informal com diretores de escola, professores e profissionais da secretaria municipal de educação a partir de uma análise qualitativa dos dados obtidos. Com esse procedimento foi diagnosticado algumas inconsistências na política do PNLD, principalmente na logística de escolha e distribuição, o que levou a proposição de medidas que podem minimizar as problemáticas relacionadas ao livro didático no lócus pesquisado. A intenção também é despertar no leitor uma maior atenção com relação à política do programa do livro didático na escola levando a criação de medidas que possam assegurar a boa utilidade desse recurso ainda indispensável para a cultura educativa. Ao final do estudo, nota-se a importância de se reavaliar a política do livro didático no município de Maracanã como forma de garantir a disponibilidade deste recurso para alunos e professores com pontualidade e responsabilidade respeitando os critérios de seleção. PALAVRAS-CHAVE: Livro Didático. Política Pública. Plano Nacional do Livro Didático.
INTRODUÇÃO O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) faz parte da política educacional implementada pelo Estado brasileiro na perspectiva de suprir uma demanda de caráter obrigatório, expressa no artigo 208 da Constituição Federal de 1988 que garante o atendimento ao educando no Ensino Fundamental, por meio de programas suplementares de material didático, transporte, alimentação e também, assistência à saúde. Dentre as políticas públicas do FNDE para a melhoria da educação brasileira, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem se mostrado indispensável no contexto da escola pública, contribuindo decisivamente para o processo de ensino-aprendizagem. 1
Pedagogo e Licenciado Pleno em Geografia com Especialização em Gestão Hídrica e Ambiental; Especialista em Educação da Escola Estadual de Ensino Médio Presidente Kennedy - SEDUC/PA; E-mail: will3sr@yahoo.com.br
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Os planos de curso são realizados com base nos conteúdos dos livros didáticos, constituindo, muitas vezes, a principal fonte para a elaboração das aulas dos professores. Por meio do PNLD, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) envia às escolas públicas da educação básica e às entidades parceiras do Programa Brasil Alfabetizado materiais didáticos escolhidos segundo critérios técnicos e pedagógicos. Essa iniciativa acontece com duas ações específicas: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), (BRASIL, 2013). O Caderno de Estudos do Curso Competências Básicas do Programa Nacional de Formação Continuada a Distância nas Ações do FNDE (Formação pela Escola) resume bem como funciona o Programa:
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) distribui livros didáticos, dicionários e obras complementares às escolas públicas do ensino fundamental e médio, inclusive ao segmento da educação de jovens e adultos e da educação do campo. Neste contexto, as escolas federais e as redes de ensino municipais, estaduais e distritais precisam solicitar a remessa de livros por meio de um termo de adesão, assinado pelo prefeito, pelo secretário de educação do estado ou pelo diretor da escola federal. Este termo deve ser enviado ao FNDE, junto com a cópia da carteira de identidade dos signatários. Uma vez formalizada a adesão ao PNLD, sua vigência será válida por prazo indeterminado ou até que seja solicitado o seu cancelamento (BRASIL, 2013, p.91)
O Caderno de Estudo também esclarece algumas normas que precisam ser cumpridas para o sucesso do programa.
É muito importante que os alunos e seus pais estejam conscientes da importância de conservar esses livros, para que, no final do ano letivo eles sejam devolvidos em condições de uso por outros estudantes. Assim, os recursos públicos são utilizados com mais responsabilidade, permitindo que mais brasileiros se beneficiem dos livros didáticos empregados nas escolas públicas, (BRASIL, 2013, p.92).
Com relação ao Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), o principal objetivo é incentivar os alunos e professores da educação básica a ler. Para isso, (...) o programa distribui acervos de literatura nacional e estrangeira, englobando histórias em quadrinhos e romances, contos, crônicas e poemas. Também fornece revistas especializadas em educação às bibliotecas das escolas como complemento à formação de docentes e demais profissionais da área. Os professores recebem, ainda, as obras de apoio pedagógico para orientálos no processo de ensino-aprendizagem (Brasil, 2013, p.92).
A novidade no PNLD e no PNBE é que em ambos os programas existem também publicações disponíveis em outros formatos, conforme necessidades apontadas no Censo Escolar, como Braille, para alunos cegos; Caracteres ampliados, para estudantes com 151
deficiência visual; Libras, para pessoas com deficiência auditiva; e Mecdaisy2 para pessoas com deficiência visual e motora. O presente trabalho tem como objetivo analisar o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) no contexto regional da Amazônia, em especial a do município de Maracanã, situado no nordeste do Estado do Pará, procurando identificar as deficiência de gestão no processo de distribuição e uso dos livros didáticos. Para esse fim, foi utilizado a pesquisa bibliográfica para fundamentar a base teórica, tendo como principal fonte o Caderno de Estudo do Curso Competências Básicas – Formação pela Escola do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a entrevista informal com diretores de escola, professores e profissionais da secretaria municipal de educação dentro de uma análise qualitativa dos dados obtidos. Como justificado acima, tanto o PNLD como o PNBE representam uma ação importantíssima no que se refere a investimentos materiais para a educação pública. No entanto, para compreendermos como esses programas chegaram a ser prioridade dentro das políticas públicas nacionais é preciso fazer um rápido retrospecto do PNLD ao longo da história da educação brasileira. O PNLD NO CONTEXTO HISTÓRICO-EDUCACIONAL BRASILEIRO O Estado brasileiro inicia a política do livro didático com a criação do Instituto Nacional do Livro (INL) em 1929. Esse órgão passa a tratar especificamente o livro didático como material necessário e indispensável para subsidiar as atividades pedagógicas na sala de aula. Desde já pensava-se em facilitar a produção e a distribuição de livros didáticos para todos os alunos da rede pública de ensino. Com a formação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública 3 em 1930, o livro didático adquire status parecido com o atual, considerado de uso exclusivo do aluno e do professor e deveria conter os programas curriculares para o Ensino Básico.
Em 1938 foi criada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) que tinha como responsabilidade examinar, avaliar e julgar os livros didáticos, concedendo ou não 2
O MECDaisy é um software desenvolvido pela UFRJ que permite a leitura/audição de livros no formato Daisy. O formato Daisy – Digital Accessible Information System – é um padrão de digitalização de documentos utilizado para a produção de livros acessíveis (Sousa, 2012). 3 Atualmente existem o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Saúde (MS), separadamente.
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autorização para o seu uso nas escolas. A avaliação era feita para verificar se os livros seguiam os programas oficiais de ensino, que priorizavam na época, os aspectos políticoideológicos, derivados da política nacionalista do Estado Novo, (Mantovani, 2009). Em virtude de sua inoperância e de sua ineficiência o projeto da CNLD não teve muito êxito. Alguns aspectos desse insucesso da CNLD estavam relacionados à concentração do poder pela Comissão, ao risco de censura e às acusações de especulação comercial e a manipulação política em relação ao órgão. Apesar das críticas, a CNLD continuou operando até 1960 quando, durante o regime militar, foi criado a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED), fruto da parceria do governo brasileiro (MEC) com o governo americano (USAID) 4. A COLTED foi alvo de severas críticas, uma delas voltada para parceria Brasil-Estados Unidos que, segundo alguns estudiosos, trazia o controle americano para dentro das escolas brasileiras através dos livros didáticos. Com o fim da COLTED, o Programa Nacional do Livro Didático passa novamente para a responsabilidade do INL, que criou o PLIDEF (Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental). A partir do decreto lei nº 77.107/76, as atribuições do PLIDEF passaram para o FENAME (Fundação Nacional do Material Escolar), que tinha entre suas competências definir as diretrizes para a produção de material escolar e didático e assegurar sua distribuição em todo território nacional. No início dos anos 1980, o governo brasileiro transfere a gerência do PLIDEF para a Fundação de Assistência ao estudante (FAE) com a finalidade de solucionar os impedimentos do Livro Didático naquela ocasião. Contudo, velhos problemas continuaram a dificultar as ações do PNLD, como a distribuição dos livros fora do prazo previsto e os lobbies de empresas e editoras fornecedoras de materiais didáticos. Em 1996 a FAE é extinta, ficando a cargo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – autarquia federal, vinculada ao MEC, criada em 1986 – a execução do PNLD, com recursos oriundos principalmente do Salário-Educação.
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Departamento de Educação dos Estados Unidos.
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O PNLD NO CONTEXTO ATUAL O atual Programa Nacional do Livro Didático foi instituído pelo decreto nº 91.542 de 19 de agosto de 1985 com objetivo principal de adquirir e distribuir de forma universal e gratuita livros didáticos para todos os alunos das escolas públicas do ensino fundamental. Aos poucos o programa foi ampliado e hoje se desdobra em outros segmentos como o PNLEM (Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio) e o PNLA (Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos). O Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio iniciou-se em 2004 pela Resolução nº 38 do FNDE e visa a universalização de livros para o ensino médio. Já o PNLA (Programa Nacional do Livro Didático para Alfabetização de Jovens e Adultos) foi criado pela Resolução do FNDE nº 18, de 24 de abril de 2007, visando a distribuição, a título de doação, de obras didáticas às entidades parceiras, com vistas à alfabetização e à escolarização de pessoas com idade de 15 anos ou mais. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é um dos maiores programas de distribuição gratuita de material didático do mundo.
Alguns números sobre o programa
são impressionantes. Em 2014 o PNLD distribuiu em torno de 163 milhões de livros, visando atender aproximadamente 37 milhões de alunos, beneficiando cerca de 140 mil escolas públicas. O PNLD atende as escolas da rede pública de ensino do fundamental e médio, constantes no censo escolar.
O programa contempla as disciplinas de Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, além de Língua Estrangeira: Inglês ou Espanhol5. Apesar da importância e da grandiosidade do PNLD no atual contexto educacional brasileiro, o programa enfrenta vários problemas de caráter técnico e pedagógico. Mantovani (2009) aborda problemas como o atraso na edição e distribuição do guia de escolha e dos livros para as escolas, a ocorrência de descompasso em relação a quantidade de livros que chegam na escola, além da falta de correspondência entre o livro pedido e o efetivamente recebido. Há também algumas dificuldades enfrentadas pelas editoras que pretendem ter suas obras inscritas no PNLD, enumeradas pela autora: 1. Prazo escasso entre a
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Os livros que atendem as disciplinas da parte obrigatória da Grade Curricular Nacional são considerados REUTILIZÁVEIS, em média por três anos. Já os livros de Língua Estrangeira são categorizados como CONSUMÍVEIS.
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publicação do edital e a data final da entrega dos livros para analise; 2. A impossibilidade de acertos de pequenos problemas técnicos levantados durante a triagem; e 3. A inexistência de direito de defesa por parte dos autores e editores em relação ao resultado das avaliações, (Mantovani,2009). As problemáticas apresentadas acima requerem medidas concretas e viáveis, a nível federal e regional, que possam garantir qualidade e transparência no PNLD. Dessa forma, dentro de uma abordagem mais próxima da realidade local, pretende-se dar continuidade a discussão do PNLD a partir do levantamento realizado em campo.
RESULTADOS E DISCUSSÕES: AS AÇÕES DO FNDE NO CONTEXTO LOCAL E O PNLD O município de Maracanã está localizado na Mesorregião do Nordeste Paraense na Microrregião do Salgado. A sede municipal tem as seguintes coordenadas geográficas: 00º 46’ 03” latitude Sul e 47º 27’ 12” de longitude Oeste. O Município possui uma extensão territorial de 781 km2, fazendo limite ao Norte com o Oceano Atlântico, a leste com os municípios de Salinópolis, Santarém Novo e São João de Pirabas, ao Sul com o município de Igarapé-Açu e a Oeste com os municípios de Marapanim e Magalhães Barata. Para compreender como funciona o PNLD no município de Maracanã foi realizada uma entrevista informal com profissionais da equipe técnica pedagógica da Secretaria Municipal de Educação - SEMED, professores da rede pública de ensino e diretores de escola6. Como resultado da conversa com técnicos da SEMED, tomou-se conhecimento que a realidade local não é diferente de outros municípios paraenses. Maracanã gerencia a educação com os recursos provenientes do FNDE/MEC e, além do PNLD, outros programas são executados em âmbito local: ❖ O Plano de Ações Articuladas (PAR), que é o processo de planejamento da gestão da política de educação que os municípios, os estados e o Distrito Federal devem implementar em um período de quatro anos; (Brasil, 2013) ❖ O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que tem como objetivos
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Ao todo foram consultados 17 profissionais da educação, sendo 2 técnicos da SEMED – Maracanã, 5 diretores de escola e 10 professores do ensino fundamental de cinco unidades de ensino diferentes (2 por escola).
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contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial e da aprendizagem, promover a melhoria do rendimento escolar e, ainda, a formação de práticas alimentares saudáveis nos alunos das escolas públicas; (BRASIL, 2013) ❖ O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) o qual visa transferir recursos financeiros automaticamente, uma vez por ano, para escolas públicas da educação básica e escolas privadas de educação especial ou similares, mantidas por entidades sem fins lucrativos; (Brasil, 2013) ❖ O Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE) que foi instituído pela Lei nº 10.880/2004 e tem por finalidade garantir a oferta de transporte escolar aos alunos matriculados na educação básica pública, residentes exclusivamente em área rural, de modo a garantir-lhes o acesso e a permanência na escola. (Brasil, 2013) Esses programas são orientados e geridos pela equipe técnica pedagógica da Secretaria Municipal de Educação – SEMED de Maracanã tendo departamentos específicos para tratar de cada um. O PNLD, por sua vez, está ligado a Diretoria de Ensino na parte de seleção e escolha e, ao setor de Recursos Materiais quando se trata da distribuição. A entrevista com professores e diretores de escola foi baseada em quatro (4) questões semiabertas de caráter subjetivo: 1. Qual a importância do Livro didático para o processo educativo? Como é realizada a escolha do livro didático na escola? 3. Que problemas a escola enfrenta com relação ao livro didático? e, 4. Que soluções você propõe para melhorar o processo de escolha e distribuição do livro didático no seu município? Considerando o número de amostragem pequeno, prima-se por fazer uma abordagem qualitativa sobre os resultados obtidos. Assim, foi possível verificar que 90% dos entrevistados reconhecem o livro didático como essencial para conduzir o trabalho pedagógico do professor, principalmente, na elaboração das aulas, quando se fala da importância desse recurso. As respostas foram unânimes também quando os entrevistados foram interrogados acerca da escolha do livro didático. Segundo os docentes e gestores, no período de seleção, somente alguns professores são chamados junto a secretaria para participar do processo. Vários exemplares já estão determinados para escolha sob a justificativa de já serem analisados e aprovados por parte dos técnicos da SEMED. Esse 156
modelo de seleção de livros tira a autonomia do professor de escolher o livro mais próximo da realidade de seus alunos, o que poderia facilitar sua contextualização no processo de ensino aprendizagem. Com relação ao questionamento sobre os problemas que a escola enfrenta referentes ao PNLD, observou-se algumas situações consistentes que foram identificadas e enumeradas da seguinte forma: ❖ Livros descontextualizados da realidade amazônica, principalmente, no que se refere ao estudo da Língua Portuguesa e da geografia; ❖ Processo de escolha ineficiente, pois, na maioria das vezes, os livros que são pedidos não os mesmos enviados e entregues nas escolas; ❖ Falta de controle no processo de distribuição. Quando não há número de livros compatíveis com a quantidade de alunos, muitos livros são deteriorados por falta de uso; ❖ Dificuldade no transporte dos livros para os estabelecimentos de ensino,
principalmente, na zona rural. Muitos diretores ou professores responsáveis são obrigados a pagar frete para levar os livros para a escola. Em outros casos, muitas escolas recebem os livros didáticos depois do início das aulas ou quase durante a metade do ano letivo. As sugestões apontadas pelos entrevistados para melhorar o processo de escolha e distribuição do livro didático na escola estão inseridas nas considerações finais alinhadas às conclusões gerais do trabalho como recomendações para o aprimoramento do PNLD no contexto local.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O livro didático como material impresso, estruturado, destinado ou adequado a ser utilizado no processo de ensino e aprendizagem ou formação tem sido vítima de frequentes críticas e elogios dentro do sistema educacional brasileiro. Particularmente sobre o PNLD executado no município de Maracanã/PA como política pública, pode-se notar que está um pouco longe de ser um programa de referência no contexto educacional local. Os problemas apresentados acima não são de difíceis soluções e não requerem altos investimentos, por isso apontamos algumas sugestões que podem contribuir com a melhoria do PNLD e da educação no município. 157
Assim, propõe-se: ❖ A criação de uma comissão especial, com representação por escola para analisar e propor uma seletiva prévia para o processo de escolha do livro didático no município; ❖ A realização de cursos de formação sobre a escolha e o uso do livro didático para os professores da rede de ensino municipal; ❖ A fiscalização do processo de escolha do livro didático, garantindo que os livros selecionados pelos professores sejam os mesmos a serem entregues na escola; ❖ O acompanhamento do processo de distribuição dos livros didáticos de acordo com a necessidade e o número de alunos da escola; ❖ A criação de políticas de reuso ou de reciclagem para os livros que deixam de ser utilizados pelos alunos ou pela escola; e ❖ O fornecimento de transporte de qualidade para conduzir os livros didáticos para as escolas da zona rural em perfeitas condições sem honorários aos professores responsáveis. Propõe-se aqui não uma solução, mas possíveis caminhos para dar mais qualidade ao processo de escolha e de uso de um material indispensável para o desenvolvimento de uma educação mais eficiente e democrática. Afinal, o livro didático é um importante instrumento de formação tanto para o aluno como para o professor, possibilitando a construção de uma sociedade mais letrada e informada.
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REFERÊNCIA BRASIL. Constituição Federal de 1988. www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao. Acessado em 13/03/2017. BRASIL. Decreto Lei nº 77.107/76. www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/19701979/decreto-77107-4-fevereiro-1976-425615-publicacaooriginal-1. Acessado em 12/2016. BRASIL. Decreto nº 91.542 de 19 de agosto de 1985. www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-77107-4-fevereiro-1976-425615publicacaooriginal-1. Acessado em 12/2016. BRASIL. Resolução nº 38/2004 do FNDE.www.fnde.gov.br/componente/4228-resolução, de 23-de-agosto-de-2004 BRASIL. Resolução do FNDE nº 18, de 24 de abril de 2007. www.fnde.gov.br/fnde/legislacao/resolucoes/item/3139-resolução-cd-fnde-18-de-24-deabril-de-2007. Acessado em 12/2016 BRASIL. Caderno de Estudos do Curso Competências Básicas / Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. 4a ed., atual. - Brasília: FNDE, 2013. MANTOVANI, Katia Paulilo. O Programa Nacional do Livro Didático – PNLD: Impactos na Qualidade do Ensino Público. USP. São Paulo, 2009 – Dissertação de Mestrado. OLIVEIRA, Luciano de. Programa Nacional do Livro Didático (PNLD): Aspectos Históricos e Políticos. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA, 2010. HÖFLING, Eloisa de Mattos. Notas para Discussão quanto à Implementação de Programas de Governo: Em foco o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Revista Educação & Sociedade, ano XXI, nº 70, Abril/2000. SOUSA, Milena. O que é o MECDaisy e como funciona? Tecnologias na Educação. Novembro, 2012. Disponível em: http://libereductec.blogspot.com.br/2012/11/o-que-e-omecdaisy-e-como-funciona.html Acesso: 17/10/2016
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