REVISTA
Arquitetura e Urbanismo
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Sumário
Ficha Técnica................................................................................................................................... 3 Carta ao Leitor ................................................................................................................................. 4 “Era um rabisco e pulsava” .............................................................................................................. 5 Lúcio Costa ...................................................................................................................................... 6 Oscar Niemeyer ............................................................................................................................... 8 Catedral e Pampulha ..................................................................................................................... 10 Joaquim Cardozo ........................................................................................................................... 12 Marianne Peretti............................................................................................................................. 13 Comunismo de Niemeyer contra a Ditadura .................................................................................. 14 Entrevista ....................................................................................................................................... 15 Planejamento utópico .................................................................................................................... 17 Valor Cultural ................................................................................................................................. 18 Fontes ............................................................................................................................................ 19
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Ficha Técnica Repórter: Thamiris Zanetti; Pesquisadores: Anne Schichvarger, Natasha Wichan, Nicolas Fratelli, Tainah Bueno e Thamiris Zanetti; Redatores: Anne Schichvarger, Natasha Wichan, Nicolas Fratelli, Tainah Bueno e Thamiris Zanetti; Fotógrafos: Anne Schichvarger, Natasha Wichan, Tainah Bueno e Thamiris Zanetti; Designer: Tainah Bueno; Colaboradores: Adelia Antunes, Caetano Nucci e Haroldo Bueno; Orientador: José Bento Ferreira; Componentes: Anne Schichvarger, Natasha Wichan, Nicolas Fratelli, Tainah Bueno e Thamiris Zanetti; Instituição: Colégio Pentágono
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Carta ao Leitor A inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, foi a concretização de uma utopia. Erguer uma capital modernista no meio do cerrado, a centenas de quilômetros dos grandes centros urbanos, exigiu uma visão de mundo ampla, corajosa e ousada. Meio século depois, poucos se lembram das razões, das emoções e das poderosas forças, a favor e contra, desencadeadas pela construção de Brasília. Em seu favor havia o argumento de que a capital do país, que era o Rio de
Janeiro, ficava exposta a invasões estrangeiras. A ideia era parar com o êxodo rural em direção ao sudeste e levar progresso para a região central, que precisava se desenvolver. Ser contrário à aventura do presidente Juscelino Kubitschek era fácil. A mudança quebraria os cofres do país e traria a inflação, dizia-se. Quebrou mesmo. A inflação veio. O Brasil de hoje venceu a inflação e a desordem financeira.
Construção do Congresso Nacional
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“Era um rabisco e pulsava” No dia 11 de março de 1957, cinco jovens arquitetos brasileiros, entre eles Oscar Niemeyer, reuniram-se com os membros do júri que escolheria o projeto para a construção de Brasília. “Uma hora antes, Niemeyer, Sir William Holford, André Sive, Stamo Papadaki e eu fomos jantar rapidamente no restaurante Albamar. O clima era de desolação. Lamentávamos que os trabalhos até então entregues não estivessem à altura do plano urbanístico de uma grande capital", disse o arquiteto e crítico de arte Flávio Aquino para a revista Manchete. A chegada do projeto do plano urbanístico de Brasília, desenhado e projetado pelo arquiteto Lúcio Costa, impôs novo ânimo ao grupo de arquitetos responsáveis pela construção da cidade. Nas palavras de Aquino: "Então nos aproximamos das pranchas. (...) Ficamos desiludidos. Niemeyer sentou-se num caixote, a cabeça entre as mãos. Mas o presidente da comissão julgadora, Sir William Holford, começou a estudar as pranchas e, de repente, exclamou, entusiasmado: ‟Mas esta é a maior contribuição urbanística do século XX!‟”. Era apenas o começo de uma longa e demorada jornada em busca da cidade perfeita que logo se tornaria a capital do Brasil. O poeta Carlos Drummond de Andrade tivera reação semelhante, descrita numa de suas crônicas. "Peguei da folha e tive entre os dedos nada menos que a cidade
de Brasília, inexistente e completa” escreveu Drummond. "Era um rabisco e pulsava." O principal legado de Lúcio Costa, um rabisco que pulsava, hoje está em um Caricatura de Lucio Costa conjunto de seis gavetas de aço de um arquivo que dorme num contêiner, no qual foi instalado um duto de ar condicionado e duas partituras de Dorival Caymmi (1914-2008) e Tom Jobim (19271994). Lúcio Costa, o urbanista, ajudou a definir o Brasil, por meio do relatório que antecede Brasília, tanto quanto Caymmi e Jobim fizeram com a música. Só não teve o mesmo renome por humildade. Numa carta escrita à revista americana Time, em maio de 1960, ele retrucava reportagem que, para tratar do caos e das brigas políticas na inauguração de Brasília, destacara a ausência do inventor nas festividades. Escreveu Lúcio: "Senhores, acompanhei e aprovei o desenvolvimento do projeto de Brasília a partir do escritório da Novacap, no Rio, e acredito que a execução da ideia original se mostrou melhor do que o esperado. Não vou até lá por dois motivos: em primeiro lugar, porque desejo deixar todo o crédito de expressão arquitetônica e da construção propriamente dita da cidade para Niemeyer e Israel Pinheiro; em segundo lugar, porque minha mulher, Leleta, que morrera em 1954, teria adorado estar lá, e prefiro compartilhar com ela a impossibilidade de fazê-lo".
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Caricatura de Carlos Drummond de Andrade
Lúcio Costa Lúcio Marçal Ferreira Ribeiro Lima Costa nasceu na França, em 1902.
do Plano Piloto de Brasília, um dos maiores realizados por ele.
Em 1917, ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, concluindo, em 1924, o curso de arquitetura e pintura.
Lúcio Costa Croqui do Plano Piloto, feito por Lúcio
Após a Revolução de 1930, foi convidado para trabalhar como assessor de obras do Itamaraty e foi nomeado diretor da Escola Nacional de Belas Artes, com o objetivo de implantar um curso de arquitetura moderna, enfrentando oposição do corpo docente, contrário ao movimento moderno que ele encabeçava. Em 1937, foi nomeado diretor da divisão de estudos e tombamentos do Sphan (Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e abandonou seu escritório profissional. Em 1939, projetou, em parceria com Oscar Niemeyer, o Pavilhão do Brasil, na Feira Mundial de Nova Iorque. O edifício reuniu as curvas de Niemeyer e a arquitetura de Lúcio Costa, dentro dos preceitos modernistas. Em 1957, foi o escolhido para projetar urbanisticamente a nova capital brasileira e ficou conhecido mundialmente pelo projeto
Logo após Brasília ser inaugurada, o arquiteto recebeu inúmeras premiações e homenagens fora do país. Passados apenas 27 anos da sua construção, Brasília ganhou o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, pela UNESCO. A famosa frase, “Brasília, cidade que inventei”, mostra a percepção do próprio urbanista sobre o simbolismo maior e coletivo da nova capital, bem como seu prestigio sobre o sonho materializado. Em pouco tempo, Brasília ganhou asas. A cidade tornou-se tão atrativa que nem Lúcio Costa conseguiu prever o crescimento desordenado da população do Distrito Federal, hoje estimada em mais de 2,5 milhões de habitantes, tendo sido planejada para 500 mil. Publicou diversos livros que marcaram o ensino da arquitetura no Brasil, e em seus últimos anos de vida dedicou-se a projetos 6
residenciais e à preparação da obra autobiográfica “Registro de uma vivência”, publicada em 1995. A arquitetura moderna brasileira ganhou notoriedade internacional graças às ideias trazidas por Lúcio Costa e executadas por Niemeyer, que foi quem lhe deu visibilidade. Lúcio Costa faleceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de junho de 1998, aos 96 anos.
hoje sabemos que foram fundamentais para o Brasil e para a história mundial. É como se o seu pensamento estivesse um pouco mais à frente, sempre pronto para trazer inovações que significariam um grandioso legado. Lucio Costa foi um intelectual com um quilate diferenciado, que representou o DNA de nossa arquitetura", afirma Hugo Massaki Segawa, professor do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP).
"Ele soube reconhecer pessoas que
Lúcio Costa e Oscar Niemeyer
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Oscar Niemeyer Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares Filho nasceu no Rio de Janeiro, em 1907. Casou-se em 1928, com Anita Baldo. Recém-casado, decidiu concluir os estudos, ingressando na Escola Nacional de Belas Artes, onde se formou em Arquitetura e em Engenharia. Idealista, fez um estágio no escritório do urbanista Lúcio Costa, onde sentiu os ares da renovação e a possibilidade de praticar uma nova arquitetura, já que os padrões da época não lhe agradavam. Participou da equipe de elaboração do projeto do novo edifício do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, marco da arquitetura moderna. Oscar Niemeyer
Em 1940, Niemeyer foi convidado por Juscelino Kubitschek, para fazer o projeto do conjunto arquitetônico da Pampulha, que registrou as curvas do seu estilo inconfundível. Juscelino, satisfeito com a obra da Pampulha, chamou Niemeyer para construir a nova capital. Os desafios, no entanto, eram incomparáveis: a escala era muito maior e havia pouco prazo para projetar um grande número de obras com funções diferentes. Era necessário criar uma sociedade jovem, ousada, dinâmica e democrática. Em poucos anos, Niemeyer já era reconhecido como um dos maiores arquitetos de sua geração. É impossível disassociar Oscar Niemeyer de Brasília. O Plano Piloto, realizado a partir do projeto de Lúcio Costa, valoriza particularmente a arquitetura de Niemeyer. Provavelmente, nenhuma cidade
na história teve um arquiteto "oficial" com tantas realizações e tanto poder. Em 1958, tendo sido nomeado arquiteto-chefe da nova capital, Niemeyer mudou-se para Brasília, onde residiu até 1960, vivendo o que seria então o seu maior desafio, pois teve somente alguns meses para estruturar a capital de um país, a ser inaugurada ainda naquele mandato presidencial. A justiça social, quase uma ideia fixa, está presente em todo o seu trabalho. O próprio Niemeyer traduziu essa condição: "Quando me pedem um prédio público, procuro fazer diferente, criar surpresa, porque sei que os pobres poderão, ao menos, passar e ter um momento de prazer ao ver uma coisa nova". Impregnados de um conteúdo sempre político, grandes monumentos revelam mais 8
um talento do arquiteto. Entre eles a Mão, localizada na Praça Cívica do Memorial da América Latina, São Paulo. Deixou sua marca também na literatura: „Minha experiência em Brasília‟ (1961).
Niemeyer faleceu em 5 de dezembro de 2012.
Viúvo desde 2004, casou-se novamente em 2006, aos 99 anos, com sua secretária, Vera Lúcia Cabreira.
Charge irônica sobre o arquiteto Oscar Niemeyer
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Catedral e Pampulha
Caricatura de Oscar Niemeyer
O conjunto arquitetônico da Pampulha, projetado por Oscar Niemeyer, surge de uma encomenda do então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, para a modernização da cidade.
A catedral de Brasília tem elementos típicos da arquitetura de Niemeyer: concreto armado aparente, simplicidade, curvas harmoniosas, ousadia estrutural e formas arrojadas. O acesso ao interior da igreja é feito por uma rampa. Entrando na igreja, o visitante depara-se com o contraste entre o túnel escuro e o interior da catedral cheia de luminosidade que entra pelos vitrais. Olhando para cima vemos três grandes esculturas de anjos suspensas por finos cabos de aço, que nos dão a impressão de estarem voando.
Uma característica apresentada na Pampulha é alternância de volumes planos e curvos e de jogos de luz e sombra. As superfícies envidraçadas e as finas colunas que sustentam a marquise são outros elementos que dotam de leveza o conjunto.
Catedral de Brasília
Igreja da Pampulha
O conjunto da Pampulha tornou-se um marco da arquitetura moderna no Brasil e no mundo. Entretanto, uma série de dificuldades acaba por redefinir o projeto: a proibição do jogo faz com que o cassino se transformasse em Museu de Belas Artes e a capela, nada convencional em sua concepção, custa a ser aceita pela Igreja e permanece durante muitos anos sem uso.
A estrutura da catedral é feita com 16 colunas curvas que afinam na base, dando a impressão que tocam de leve o chão. O conjunto de colunas forma um feixe que sugere mãos elevadas ao alto, em súplica, ou uma coroa de espinhos. A acústica da igreja é outro ponto de destaque: encostando-se na lateral curva das paredes é possível que uma pessoa posicionada metros à frente escute tudo o que se diz com bastante clareza.
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O próprio Niemeyer define sua obra em seu poema „Autodefinição’:
“Na folha branca de papel faço meu risco, Retas e curvas entrelaçadas, E prossigo atento e tudo arrisco Na procura das formas desejadas. São templos e palácios soltos pelo ar, Pássaros alados, o que você quiser. Mas se os olhar um pouco devagar, Encontrará, em todos, os encantos da mulher. Deixo de lado o sonho que sonhava. A miséria do mundo me revolta. Quero pouco, muito pouco, quase nada. A arquitetura que faço não importa. O que eu quero é a pobreza superada, A vida mais feliz, a pátria mais amada.”
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Joaquim Cardozo Joaquim Maria Moreira Cardozo nasceu em Recife, em 1897. Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1940 quando tornou-se calculista das obras de Oscar Niemeyer. Foi responsável pelo cálculo estrutural de muitas obras representativas da arquitetura moderna brasileira. Para viabilizar as obras ousou na maneira de calcular e quebrou regras de engenharia, como a que estabelecia o uso de no máximo 6% de barras de ferro nas estruturas de concreto. Na trama das colunas do Palácio da Alvorada, Joaquim Cardoso colocou 20% de ferro e conseguiu o efeito de as colunas parecerem tocar no chão. Foi intuindo e reinventando a maneira de calcular que o engenheiro possibilitou que os prédios adquirissem a beleza idealizada. "Mas, ao contrário do que estabelece o senso comum, a engenharia só avança
quando rompe as normas", por isso, muitas vezes, é preciso desafiá-las, afirma o engenheiro Yopanan Rebello, estudioso da obra de Cardozo. Até hoje não se sabe de que maneira Cardozo fazia os cálculos. "Ele intuía as estruturas e somente depois as calculava", afirma Rebello. No caso de Cardozo, imaginação e engenharia andavam juntas. "As estruturas planejadas pelos arquitetos modernos são verdadeiras poesias", dizia. Em fevereiro de 1971, o Pavilhão da Gameleira, uma obra desenhada por Niemeyer e calculada por Cardozo, desabou, provocando a morte de 68 operários. Em 1974, Cardozo foi inicialmente condenado a dois anos e dez meses de prisão. Um recurso de apelação o absolveu. Cardozo morreu em 4 de novembro de 1978, aos 81 anos.
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Joaquim Cardozo
Marianne Peretti "Marianne Peretti, Tive afinal o prazer, depois de tanto tempo, de conhecer pessoalmente a artista que soube tão bem „dar a luz‟ ao interior da Catedral de Brasília, problema difícil que somente uma alma como a sua e um saber como o seu seriam capazes de resolver. Em nome da cidade, o inventor dela agradece a você” – Lucio Costa
Marianne Peretti
“Marianne Peretti é uma artista de excepcional talento. Os vitrais maravilhosos que criou para a Catedral de Brasília são comparáveis pelo seu valor e esforço físico às monumentais obras da renascença. Sua preocupação invariável é inventar coisas novas, influir com seu trabalho no campo das artes plásticas.” – Oscar Niemeyer Vitrais da Catedral de Brasília
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Comunismo de Niemeyer contra a Ditadura Niemeyer foi um grande arquiteto, idealista e nunca escondeu suas convicções políticas. Dedicou-se a dois projetos de vida: à arquitetura e ao ideal comunista. Responsável por arrojados projetos arquitetônicos, nunca negou suas posições ideológicas de esquerda. Brasília explicita nitidamente os grandes conflitos que a sociedade brasileira tem de enfrentar, resume o esforço de criar um mundo novo por meio de uma arquitetura igualitária. Porém o plano falhou. A capital, projetada para ser igualitária e manter o equilíbrio dos Três Poderes, sofreu um golpe militar. Entristecido pelo fracasso de suas ideias, Niemeyer conclui que não adianta expressar seu idealismo projetando uma sociedade igualitária, se não houver uma mudança social em primeiro lugar.
Praça dos Três
Poderes
Membro do Partido Comunista, Oscar Niemeyer era amigo de diversos dirigentes do bloco socialista, entre eles Fidel Castro. Tal situação constrangia o regime militar. A importância e respeito internacional lhe pouparam da prisão, mas não das perseguições e dificuldades de exercer suas atividades profissionais e políticas no país. Tais dificuldades fizeram com que Niemeyer se exilasse em Paris. A convivência do arquiteto com o regime militar oscilava entre diplomacia profissional e críticas pesadas em artigo contra os militares. Estabelecido na Europa, o arquiteto desenvolveu obras para clientes em diferentes cantos do mundo, deixando sua marca em países como Argélia, Itália e Portugal, antes de retornar ao Brasil, no início dos anos 1980.
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Entrevista Revista Olhe: Desde quando você mora em Brasília? Caetano Nucci Neto: Moro em Brasília há 23 anos. Conheci a cidade por conta do trabalho, e algumas coisas chamavam minha atenção em comparação com São Paulo, a cidade onde eu morava. Fui logo sentindo o que gostava em Brasília, exatamente pelo que eu percebia que não gostava em São Paulo. O céu azul do planalto, os finais de tarde exuberantes, quase o ano inteiro, muito seco é verdade, mas um espetacular visual permanente. Manhãs de diamante, como costumo dizer, horizonte sem fim, um certo silêncio e um ritmo urbano condizente com meu desconforto com velocidade, qualquer tipo de velocidade. Enfim, assim dito, não preciso falar de São Paulo. Nessa altura eu já estava embriagado com Brasília. RO - Você acha vantajoso morar em uma cidade planejada? CNN: Depende. Sob uma ótica simples e rasa, uma cidade nova e funcional, criada para ser a capital do país, onde se perde pouco tempo no trânsito, onde a poluição não chega a ser um problema, e ainda por cima é bonita, já é por si só uma vantagem em comparação com cidades mais antigas, poluídas, que nunca tiveram um plano diretor, pelo menos mantido, são super povoadas e crescem ao sabor de políticas duvidosas e especulação imobiliária.
Caetano Nucci Neto
Sob um ponto de vista mais crítico podemos pensar que uma cidade não vive só do visual que oferece, da inteligência de seu traçado urbano e da racionalidade de seu desenho. Quer dizer, o selo “cidade planejada” não é garantia de vantagem para as pessoas se outros itens não estiverem agregados, como transporte público, por exemplo. Uma cidade não pode ser só do automóvel, pois milhares de pessoas dependem do transporte público, do ônibus e do metrô. Esse fator também teria de ser uma vantagem em Brasília, mas não é. Passeando pela cidade, com olhar clínico, podemos perceber inúmeras situações que contradizem a ideia que uma cidade planejada carrega. E aqui estamos falando de linhas de metrô acessando bairros mais distantes e ofertando qualidade de vida para aqueles que não usam o automóvel, qualidade dos transportes, limpeza pública, manutenção de parques, estacionamento e até da educação dos habitantes, para não mencionar outros itens. Vale lembrar também que, apesar de planejada, a cidade sofre o assédio constante da 15
especulação imobiliária, que, indiferente aos parâmetros originais, pressiona os governos visando ocupar áreas preservadas, quase sempre ganhando. RO: Qual a principal vantagem e a principal desvantagem em morar em uma cidade planejada? CNN: Em resumo, pode-se dizer que há vantagens sim, de alguma maneira, em se viver numa cidade planejada. Não há desvantagem por si só. RO: Existem grandes diferenças entre Brasília e as cidades satélite? Se sim, quais são essas diferenças? CNN: As cidades satélites não foram planejadas. Logicamente, padecem de todos os problemas das cidades brasileiras em geral. Grande parte da população dessas cidades trabalha no Plano Piloto e enfrenta grande dificuldade de locomoção, principalmente o tempo gasto de casa para o trabalho e vice e versa, o que é típico das cidades do país. RO: Você acha que de certa forma o governo deixa as cidades satélites "de lado", já que há diferenças claras entre Brasília e as cidades satélite? CNN: A ideia do Plano Piloto como uma “ilha da fantasia” privilegiada, cercada de cidades abandonadas
chamadas satélites, tem alguma coisa de verdade, mas não é absoluta. No Plano estão a sede do governo federal e um exército de funcionários públicos federais, sem falar nos funcionários públicos estaduais, uma classe que tem bons salários e reforça a ideia da “ilha da fantasia”. Na verdade, a cidade acaba ganhando alguns privilégios sim. Mas as cidades satélites aos poucos vão ganhando vida própria e, apesar de não gozarem dos benefícios do plano piloto, aos poucos se desenvolvem. RO: Você acha que o trânsito de Brasília é algo que foi além do que estava planejado, ou seja, que nunca é possível planejar tudo em uma cidade e que seu desenvolvimento pode ser considerado utópico? CNN: Inevitavelmente, o padrão da população do Plano Piloto trouxe o automóvel, um dos maiores índices per capita no Brasil. Muito automóvel é igual a trânsito mais lento e dificuldades de estacionamento. A cidade já ultrapassou em muito as previsões originais de Lúcio Costa. Junto com o automóvel vem a poluição, e junto com superpopulação vem especulação imobiliária, e assim Brasília vai ganhando uma cara de cidade brasileira “normal”, ano após ano, deixando para trás a visão idílica de uma cidade especial, que poderia ser.
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Planejamento utópico A desigualdade existente entre Brasília e as cidades-satélites é absurda, se pensarmos que a capital foi planejada e que seus bairros residenciais foram feitos de forma parecida para dar a impressão de igualdade, hoje claramente inexistente.
parte dos políticos. Por Brasília sediar a base política do país, é inaceitável que tamanhas diferenças sejam encontradas, já que em discursos é comum ouvir que os políticos ajudaram os pobres, para que houvesse igualdade. Que irônico!
Brasília, ao sair de sua condição de projeto e passar à situação de cidade, desenvolveu contradições que toda metrópole apresenta, já que construir uma cidade planejada é algo utópico, uma vez não ser possível controlar seu crescimento. Desde que os candangos, que se dirigiram à Brasília para a construção da cidade, foram chegando, já se definia quem seriam as pessoas que ocupariam locais periféricos.
O fato de essa cidade apresentar a maior renda per capita mais alta do Brasil, segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica, Aplicada), revela que apenas o Plano Piloto possui tal renda, enquanto que nas cidades-satélites as condições de vida são diferentes.
As cidades-satélites, diferentemente de Brasília, não foram planejadas e, portanto, apresentam, em relação ao Plano Piloto, diferenças claras e até óbvias, como pobreza, desorganização e abandono por
É inacreditável e inaceitável que a distribuição de renda em uma cidade com planejamento e que sedia as instituições políticas do país seja tão mal organizada e que cidades tão próximas do Plano Piloto, como “Samambaia”, encontrem-se abandonadas pelo governo.
Cidade-Satélite de Samambaia
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Plano Piloto de Brasília
Valor Cultural Com certeza Brasília mudou os rumos da arquitetura brasileira, e até mesmo a notoriedade que essa arquitetura teria em todo o mundo. Niemeyer mostrou em apenas alguns riscos a harmonia e a beleza que aqueles prédios teriam, e durante todos estes anos eles parecem ficar cada vez mais imponentes. A modernidade do concreto com o vidro e as formas sensuais dos prédios inspiradas nas curvas femininas são marcas fortes
da arquitetura de Brasília, uma cidade belíssima e Patrimônio Cultural da Humanidade. “A arquitetura não interessa, a vida que interessa”, dizia Niemeyer e, por isso, sonhava com a cidade humanizada, redonda, cheia de curvas para adoçar as mazelas que nos esperam a cada esquina.
Esboço do Congresso Nacional
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Fontes http://www.infoescola.com/historia-do-brasil/construcao-de-brasilia/ http://abduzeedo.com.br/historia-de-arquitetura-50-anos-de-brasilia http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=qWNx_PFttRo#! http://veja.abril.com.br/especiais/brasilia/ http://www.infoescola.com/biografias/lucio-costa/ http://www.brasil.gov.br/brasilia/conteudo/historia/1957/lucio-costa http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.125/3629 http://www.iau.usp.br/revista_risco/Risco2-pdf/art1_risco2.pdf http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&vie w=article&id=388&Itemid=1 http://www.brasil.gov.br/brasilia/conteudo/historia/1956/joaquim-cardozo http://radames.manosso.nom.br/arquitetura/templos/catedral-de-brasilia/ http://escuderobrito.wix.com/estrutura-do-poder#!introduo/c112b http://www.marianneperetti.com.br/ Revista Arquitetura & Construção – Edição nº 308 -Especial – Editora Abril SA Livro “Oscar Niemeyer e o modernismo de formas livres no Brasil” – Autor: David Underwood – Tradução de BetinaBischof
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