7ª edição - novembro/2008
Os desertos verdes chegaram A implementação das florestas de eucalipto é questão que merece ser debatida e analisada
O governo gaúcho mostra-se favorável à instalação de empresas florestais e de possíveis fábricas de celulose aqui no Estado, nos próximos anos. A população parece dividida sobre o assunto, mas não foi consultada ou devidamente informada sobre esse tema.
Mariana Silveira
Jornal Laboratório Especializado em Meio Ambiente - Jornalismo/Unifra
Embora seja dever do Estado inteirar a sociedade sobre determinados assuntos, também pertence ao cidadão o direito de cobrar esclarecimentos e emitir opinião.
Páginas 4 a 10
Manifestações: “Eu não como eucalipto, e você?” e “Fora multinacionais da celulose”.
Mudanças climáticas assustam
A dúvida: pode a água acabar?
Energias limpas proliferam
Animais soltos preocupam
Como explicar variações extremas de temperaturas, aquecimento global e a influência da água no clima.
A sociedade discute a escassez dos recursos hídricos e a sua utilização nas grandes e pequenas plantações?
Bons exemplos para economizar energia e poluir menos o meio ambiente são os biocombustíveis.
O que fazer e a quem recorrer quando você encontra cães e gatos abandonados nas ruas.
Páginas 2 e 3
Páginas 11, 12 e 13
Páginas 14 e 15
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MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Deu a louca no tempo
Você pode ligar a televisão a qualquer momento. Abrir as páginas de um jornal ou de uma revista. Qualquer jornal ou revista. Ou abrir um site de notícias na internet. É muito provável que você se depare com uma matéria de fundo ambiental. Mesmo que o meio ambiente não seja o foco da matéria, certamente ela tem alguma ligação com esta temática. É uma característica de nossos dias. Os problemas ambientais agravaram-se a tal ponto que hoje é corrente entre os especialistas que, se mantidos os padrões de consumo atuais, precisaríamos de vários planetas para dar conta de atender às demandas da humanidade. Tratar de problemas do meio ambiente, ou propor ações de sustentabilidade, mostrar o que vem sendo feito para diminuir o caos ou alertar para possíveis conseqüências de comportamentos inadequados tornou-se uma responsabilidade diária da imprensa. Responsabilidade que deve permear, hoje, todo fazer jornalístico. Não se trata mais de discurso. “Ou mudamos, ou morremos”, lembra Leonardo Boff. Como todo debate ecológico, a silvicultura de árvores exóticas necessita de acompanhamento no desenrolar de seus capítulos. Embora muita pesquisa seja feita nessa área, muito pouco dessa informação circula até chegar ao público e à sociedade. É por isso que se faz necessário entender o processo para, em seguida, através da conscientização, se posicionar. Esse cuidado é ainda mais importante quando se trata de situações que envolvem questões políticas, ideológicas e o interesse público. Refletir sobre como estão sendo tratadas situações como a plantação de monoculturas em nosso Estado, sobre as mudanças climáticas, sobre o uso da água ou, até mesmo, como são tratados os animais, faz parte da agenda da disciplina de Jornalismo Especializado I, que coloca à sua disposição mais um número do JornalEco. Boa leitura e boa reflexão!
Expediente JornalEco – 7ª edição Jornal experimental desenvolvido na disciplina de Jornalismo Especializado I do curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano Reitora: profª Irani Rupolo Diretora de Área: profª Sibila Rocha Coordenação do Curso de Comunicação Social – Jornalismo: profª Rosana Zucolo Professora orientadora: jorn. Aurea Evelise Fonseca – Mtb 5048 Diagramação: prof. Iuri Lammel Marques e acadêmicos Carolina Moro da Silva, Jacques Costa Ortiz, Osvaldo Henriques Maia, Potira Souto e Vanessa Barbieri Moro. Edição de Fotografia: profª Laura Fabrício (Laboratório de Fotografia e Memória) e acadêmicos Daiane Köhler, Gabriela Perufo, Laura Torres, Liliane Fracari, Maiara Bersch, Mariana Silveira, Pricila Lameira. Textos: acadêmicos Alexandre Poerschke, Andria Lizana Lampert, Daiane Paim Kohler, Diego Tombesi Diniz, Ediane Alves dos Santos, Juliano Pires da Rosa, Liliane Fracari, Mariana da Silva Silveira, Neli Fabiane Mombelli, Paula dos Santos de Menezes, Pricila Lameira dos Santos. Impressão: Gráfica Gazeta do Sul Tiragem: 1.000 exemplares - distribuição gratuita Novembro 2008
Ian Britton, www.freefoto.com
Editorial
Se a humanidade continuar poluindo haverá aquecimento, sim, dizem os pesquisadores
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uem já não reclamou da temperatura e ‘soltou’ a célebre exclamação “mas que tempo louco!”? Talvez seja isso o que se pode dizer de Santa Maria neste ano. A cidade apresentou grandes variações térmicas num único dia. Um exemplo foi no dia 4 de agosto, quando a mínima registrada foi de 2,9 °C e máxima de 21 °C. Uma variação de 18,1 °C, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Mas a que se devem essas peripécias do tempo? Elas podem ser atribuídas às variações climáticas que ocorrem normalmente no planeta, de forma mais lenta, perceptíveis em anos de observação, ou àquelas causadas pelo homem, chamadas de antropogênicas, de impacto um pouco mais imediato. Entre as antropogênicas está o chamado aquecimento global. Segundo pesquisadores, o globo teve uma alta de 0,6 graus na sua temperatura média. Esse aquecimento é causado principalmente pela elevação na emissão de gases estufa, como o gás carbônico e o metano, lançados pelas atividades humanas. A professora da Universi-
dade Federal de Santa Maria e doutora em Meteorologia, Simone Ferraz, diz que se tem notado um aquecimento nos últimos anos, mas que isso é devido, em parte, pelas mudanças climáticas e pelo planeta estar na fase quente da chamada oscilação decadal do Pacífico (PDO, sigla em inglês). Essa oscilação mostra a variabilidade da temperatura da superfície do Oceano Pacífico a partir de escalas temporais de 20 a 30 anos. Isso porque o oceano é o maior do planeta e possui grande influência sobre o clima na Terra. O gráfico ao lado mostra a variação da temperatura desde 1860 a 2004. O que se pode concluir é que houve um aquecimento a partir a década de 20 até meados da década de 40 e, depois, a partir do final da década de 70 até 2004. Isso significa que estamos numa fase quente. A pesquisadora ressalta que o que se espera daqui para frente é que o planeta entre
numa fase fria. “Vai haver um pouco mais de resfriamento, mas junto com isso continua o aquecimento global. Então não vai ser tão frio quanto era há 30 anos.” Ainda podemos incluir nos fatores que mudaram bruscamente a temperatura fenômenos como o La Niña. “No ano passado havia o efeito La Niña, mas esse fenômeno parou de atuar no início desse ano. Agora não estamos sob efeito de nenhum fenômeno. Então o que se dá é a ocorrência de mais frentes frias, por isso essas mudanças bruscas de temperatura”, esclarece Simone. Ela ainda ressalta que toda vez que uma massa de ar quente vinda da Argentina chega ao Estado, atrás vem uma massa de ar frio. Essa movimentação de massas de ar explica a alta incidência de chuva em Santa Maria. “Então isso não tem a ver com mudanças climáticas. São coisas que acontecem normalmente”, frisa a meteorologista.
Santa Maria apresentou variações de quase 20ºC em apenas um dia
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nio, CFC e vapor d’água. O aumento da temperatura ocorre porque a radiação solar que incide na Terra, ao bater na superfície e voltar para o espaço, se perde na atmosfera por não conseguir atravessar os gases estufa, voltando a incidir na superfície terrestre. O doutor em Climatologia e professor da Unifra, Galileo Adeli Buriol, ressalta que devido a isso “há um ganho energético pequeno, mas que acontece todos os anos na atmosfera e que causa um pequeno aquecimento”. O professor lembra que há quem diga que o aquecimento é normal, pois existem ciclos na natureza. Buriol chama a atenção para a continuação desse fenômeno. “Se ele continuar, vai trazer muitas conseqüências, algumas benéficas e outras maléficas. Por exemplo, haverá muito mais pragas; as plantas terão um maior crescimento no inverno e depois com as geadas tardias isso terá um efeito negativo; árvores frutíferas que precisam de frio, como pereiras, pessegueiros, amoreiras, macieiras, vão ser prejudicadas, pois não terão mais frio suficiente. Entretanto, poderemos trazer para o sul culturas que são cultivadas em São Paulo e Paraná”, exemplifica. Ele lembra que ainda existirão outros fatores, que não só os agrícolas.
Preservar a água é garantia de vida na Terra
Mas o que é esse tal de aquecimento global? O aquecimento se dá pelo aumento da emissão de poluentes como dióxido de carbono, metano, monóxido de carbono, dióxido de nitrogê-
Para evitar que tudo isso ocorra é preciso que a humanidade tome medidas de prevenção. O professor Galileo ressalta a importância de diminuir o consumo de energias que emitem compostos poluentes como o petróleo e o carvão. “Também devemos usar menos fertilizante nitrogenado e utilizar energias renováveis, como a solar, a eólica e a biomassa (etanol, álcool). Isso faz com que poluamos menos”. Outra medida preventiva é aprimorar o manejo dos solos, não degradando; das florestas, não desmatando; e das águas, procurando formas de fazer com que ela infiltre no solo, sem desperdiçá-la. O geógrafo e professor de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, José Bueno Conti, argumenta em seu artigo Considerações sobre as mudanças climáticas globais, publicado na Revista do Departamento de Geografia da USP em 2005, que “o planeta não está caminhando para o colapso, em curto prazo, e ainda não dispomos de infor-
Ian Britton, www.freefoto.com
Porém isso não significa que não estão ocorrendo mudanças climáticas. A professora comenta que isso pode ser percebido pelo aumento do nível do mar e pelas temperaturas mínimas não estarem tão intensas. “Mas isso são coisas pequenas, nada de muito gritante, ainda”. Por isso, Simone ressalta a importância de se ter consciência ambiental, afinal, se a humanidade continuar poluindo, degradando o meio-ambiente, haverá aquecimento, sim. De acordo com modelos utilizados pela meteorologia, a estimativa é de que, se nada mudar quanto à preservação da natureza, o sul deverá aquecer mais. “A previsão é de que a temperatura aumente 6 graus. Mas não dá para confiar cegamente, porque fazer uma previsão para uma semana é algo confiável, mas fazer para daqui a 30 anos é bem diferente. Muita coisa pode acontecer. Se de repente todo mundo resolver reciclar, cuidar do meioambiente, tudo irá mudar.”, elucida a pesquisadora.
Vincent McMorrow-Purcell, www.freefoto.com
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
É preciso diminuir o consumo de energias poluentes mações seguras para previsões muito distantes”. Essa questão da mudança climática precisa ser avaliada de forma minuciosa para ver até que ponto ela é um ciclo normal da natureza e até que ponto ela é resulta-
do da influência humana. Mas é claro que não se pode deixar de lado a responsabilidade de preservar o meio ambiente, pois, como sempre, o futuro está em nossas mãos. Neli Mombelli
Como a água pode influenciar na temperatura Maiara Bersch
Pesquisadores opinam Laura Torres
Professor Afrânio explica como a infiltração da água pode influenciar a temperatura Professora Simone alerta para possível aquecimento de 6 graus na região Sul Gabriela Perufo
Professor Galileo salienta a importância de utilizar os recursos naturais
O ciclo das águas também desempenha seu papel no que se refere à mudança de temperatura. O professor da Unifra, Afrânio Almir Righes, PhD em Engenharia de Água e Solo, comenta que um fator até então não mencionado sobre esse assunto é a difusão térmica do solo em função da água. Exemplificando: na beira da praia tem-se a areia seca e a areia úmida. Na areia seca a radiação do sol bate e aquece a superfície, podendo atingir temperaturas de 60 °C. Já próximo ao mar, a camada de areia mais úmida, que tem mais água, faz com que o calor se difunda para dentro do solo. “Então há um balanço térmico diferente. No caso da areia seca a temperatura fica concentrada em cima e o calor tende a voltar para a atmosfera. Logo, quando se tem mais umida-
de no solo, a tendência é manter o equilíbrio da temperatura”, argumenta ele. Essa difusão é causada pela ação do homem por não manejar de forma correta os recursos hídricos. Para que a variabilidade térmica diminua é necessário aumentar a quantia de água na superfície da Terra. Righes ressalta que “para fazer isso, tem de se usar técnicas que atrasem o movimento da água. Ela precisa infiltrar e correr por dentro da terra, o que fará com que ela demore a chegar aos rios, prolongando o tempo de vazão. Assim, em épocas mais secas, será possível ter água”. O professor ressalta que a água é um regulador térmico para compensar o aumento da temperatura no ambiente. Por esses e outros motivos, preservar a água é garantia de vida na Terra.
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monoculturas
Silvicultura: um quebra-cabeça real O que cada peça representa no tabuleiro gaúcho?
a banca de revistas de uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, parte dos jornais locais anunciam a chegada de mais uma empresa de reflorestamento na região. Esse tipo de notícia tem se tornado cada vez mais rotineiro no sul e na fronteira-oeste do estado, áreas de interesse de grandes empresas de celulose e papel. Segundo a Sociedade Brasileira de Silvicultura (SBS), o patrimônio florestal brasileiro é composto por cerca de 500 milhões de hectares de florestas naturais, 5,74 milhões de florestas plantadas - equivalendo a 0,67% da área –, sendo que o restante do território corresponde às áreas urbanas e a atividades como pecuária e agricultura. As chamadas empresas de ‘reflorestamento’, são as responsáveis pela porcentagem de florestas plantadas existentes no Brasil. Trata-se de uma indústria de fabricação de matéria-prima para ser utilizada em diversos ramos, como produção de madeira (móveis, postes, moirões, estacas, compensado, etc), óleos essenciais (produtos de limpeza, gêneros alimentícios, perfumes e remédios) e, principalmente, para celulose e, posteriormente, papel. O setor é composto por 220 empresas localizadas em 45 municípios, de 16 estados bra-
sileiros. Em 2006, de forma direta, as atividades de silvicultura empregaram cerca de 110 mil pessoas. Conforme a Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf), Minas Gerais lidera o ranking dos estados com maior concentração de florestas, apresentando mais de 1 milhão de hectares já introduzidos. O Rio Grande do Sul é o sexto colocado na lista, tendo 365.623 hectares destinados à silvicultura. As espécies mais utilizadas para plantio no Brasil são a acácia-negra, o pinus e o eucalipto. Entre elas, o eucalipto é a mais empregada, uma vez que se adequou bem ao clima e ao solo local, apresentando uma excelente produtividade e uma grande versatilidade industrial. O Rio Grande do Sul tem se mostrado um foco para implementação dessas monoculturas, especialmente a do eucalipto, uma vez que nessa região a cadeia florestal articula-se com facilidade ao pampa uruguaio e argentino, formando nessa área da América do Sul, um pólo florestal. Além da evidente vantagem geográfica, o Estado tem uma boa infraestrutura de estradas, portos, telecomunicações e terrenos favoráveis, permitindo a mecanização de todo o processo. A região escolhida para os investimentos na área da silvi-
O pampa gaúcho foi um dos focos escolhidos para acolher a eucaliptocultura
Por que utilizar o eucalipto? • Espécie originária da Austrália que possui mais de 600 subespécies, permitindo adaptações a condições diversas de solo e clima; • Clima favorável do Brasil para cultura do eucalipto; • O eucalipto para celulose pode ser colhido em 7 anos, quando atinge cerca de 30 metros de altura e é capaz de produzir 3 fardos de papel por árvore; • É uma árvore bastante versátil e com inúmeras aplicações; • Fibra com características únicas, que garantem a produção de papéis de alta opacidade, maciez e boa absorção - qualidades ideais para a produção de papéis sanitários (absorventes), de imprimir e escrever; • É a árvore que produz o maior volume de madeira por unidade de superfície, em ciclo curto (30 a 40 metros cúbicos de madeira por hectare ao ano).
RODOLFO ROLIM DALLA COSTA
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Texto e fotos: Mariana Silveira
cultura envolve, principalmente, os municípios de Alegrete, Cacequi, Macambará, Manuel Viana, São Gabriel, Rosário do Sul, Santiago, São Francisco de Assis e Unistalda. Economicamente, o mercado mundial de madeira e celulose está em expansão, sendo que no Brasil a procura é maior do que a oferta existente, favorecendo o crescimento do setor. O consumo anual no país é de cerca de 125 milhões de m³, sendo que 1 hectare produz de 30 a 40 m³ de madeira. Comparando a extensão de florestas plantadas, com o rendimento médio de cada hectare e a demanda de madeira existente, percebe-se que num período de 7 anos se produz 172 milhões de m³, quantia que atende a demanda de um único ano. No rastro da implementação das monoculturas de eucalipto, há mais incoerências do que certezas. As opiniões se dividem claramente em dois grupos: o primeiro, formado pelas empresas de celulose e papel, pelo governo entusiasmado com o possível crescimento econômico, por pesquisadores, e parte da população que vê as florestas de eucaliptos como esperança de dias melhores. Em oposição, ecologistas, pesquisadores universitários, produtores rurais e outros segmentos sociais visualizam na monocultura para exportação uma forma de retrocesso e uma atividade de grande impacto ambiental.
O peso do fator ambiental
Qualquer monocultura, seja do gênero que for, vai contra as leis da natureza, que trabalha sob os princípios da biodiversidade, e que dela depende para manter o equilíbrio ecológico de um ecos s is tema. Porém, segundo organizações de defesa do meio ambiente, para que se possa sustentar os altos índices de consumo da sociedade, não é mais possível se pensar no heterogêneo, e sim em grandes extensões territoriais produzindo um único recurso natural. As florestas de eucalipto, além de se constituírem como uma monocultura, por suas características biológicas, não permitem que coexistam outras espécies na mesma área de plantio. Isso ocorre porque para desenvolver sua biomassa tão rapidamente, essa planta necessita de grande quantidade de nutrientes, água e de sol para realizar a fotossíntese. Nessa disputa por sobrevivência, nenhuma outra espécie vegetal consegue se manter. Por não ser uma árvore frutífera, e por não pertencer à região, são poucos os animais silvestres que optam por essas florestas como habitat.
Por se tratar de uma cultura perene, implantada em larga escala e em curto prazo, as florestas de eucalipto provocam diversos impactos ambientais. Pensando nisso, as empresas responsáveis por essas práticas elaboram estudos de impacto e análises de sustentabilidade. Por determinação de órgãos de fiscalização ambiental, dentro dessas plantações são mantidas Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, além de corredores ecológicos para a circulação dos animais e espaçamentos adequados entre as árvores e córregos, rios, nascentes, agrupamentos rochosos, cemitérios, sítios arqueológicos e comunidades quilombolas e indígenas. “Temos fotos feitas por satélites de toda a região, então quando a gente vai fazer o planejamento de uma fazenda, se faz um mapeamento, observando as áreas que devem ser preservadas. Depois disso é que se vai a campo fazer o mapa de plantio”, explica Sabrina Bicca, coordenadora de responsabilidade social de uma das empresas de celulose localizadas em Rosário do Sul.
Florestas de eucalipto impedem a coexistência de espécies nativas
Animais silvestres não optam por essas florestas como habitat
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monoculturas O questionamento que se mantém é se todos esses cuidados são efetivados em termos práticos e se são suficientes para amenizar todas as mudanças sofridas pelos ecossistemas. O bioma predominante no Rio Grande do Sul é o pampa, composto basicamente por gramíneas, plantas rasteiras e algumas árvores e arbustos encontrados próximos a cursos d’água. Diferente do que se pode imaginar, esse bioma é muito rico biologicamente, sendo constituído por cerca de três mil espécies de plantas, 385 espécies de aves e 90 de mamíferos, segundo levantamentos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porém, toda essa biodiversidade e a própria composição dos campos gaúchos pode estar ameaçada. Mesmo seguindo todas as normas do plano de Zoneamento Ambiental expedido pelo governo do Estado, as florestas de eucalipto, onde forem implementadas, reduzirão o habitat de várias espécies da fauna e da flora da região, que terão que se readaptar. Só que toda adequação representa a sobrevivência de alguma espécie em detrimento de outra. “Dentro desses blocos de eucalipto há uma grande diminuição da biodiversidade. As
espécies serão obrigadas a migrar para outras áreas e é nesse ponto que se cria o desequilíbrio. Poderá haver áreas com excessos de população, o que gera competição por território e alimentos”, esclarece Marco Antônio Tirelli, funcionário da Fepam e coordenador do Balcão Ambiental Único da Região da Campanha e FronteiraOeste. O solo e os recursos hídricos compõem mais uma preocupação em termos ambientais, uma vez que o bioma pampa em seu estado natural, não possui grandes extensões florestais. Além disso, o eucalipto é uma espécie exótica, proveniente da Austrália, e por melhor que seja sua adaptação em território brasileiro, ela não faz parte de seus ecossistemas naturais. Em pequenas quantidades, conhecidas como capões, os eucaliptos são plantados no Rio Grande do Sul há várias gerações, com o intuito de servir de abrigo para o gado, produzir madeira para lenha e funcionar como quebra-ventos. O grande problema são os blocos de plantações, que além de extensos e uniformes são formados por árvores idênticas, através do processo de clonagem. Para cada região, se elege uma árvore mãe, escolhida
Biodiversidade dos campos gaúchos pode estar ameaçada
Poucas árvores nativas, como estes pinheiros, mantem-se em meio ao crescimento da floresta de eucaliptos
pelos critérios de adaptação e produção acelerada, que serve de modelo para toda a floresta. “Os processos de clonagem não são aconselhados em grandes escalas como estão sendo utilizados aqui”, adverte o professor Althen Teixeira, do Instituto de Biologia da Universidade Federal de Pelotas. A monocultura está se instalando onde, anteriormente, se plantava soja. A dúvida é: entre as duas culturas, qual representa menos impactos ao meio ambiente? As respostas não são unânimes, há os que acreditam que a perenidade da cultura do eucalipto é o que a torna degradante em termos ecológicos, não possibilitando a rotação de outras culturas. Já uma lavoura como a da soja, a cada seis meses é substituída por outra, normalmente por pastagem, diversificando os ciclos.
Plantados em pequenas quantidades, não prejudicam o meio ambiente Por outro lado, o extenso ciclo de produtividade do eucalipto pode ser mais benéfico ao solo, utilizando menos nutrientes e água do que a soja, por exemplo, que fecha um período fértil a cada ano, necessitando de grande quantidade de
insumos para se desenvolver, além das periódicas aplicações de praguicidas. O eucalipto utiliza-se desses produtos apenas nos dois primeiros anos do ciclo, poupando o solo por mais tempo. Quando se fala em gastos de água e eucaliptos, a primeira associação leva ao fato do eucalipto utilizar grandes quantidades de água para se d e s e n v o l v e r. Esse raciocínio está ligado às crenças de nossos antepassados que diziam que o eucalipto é uma planta que seca os solos. Segundo o agrônomo Milton Cabrera Paz, outras culturas utilizam ainda mais água do que essas florestas. “Esse mito existe porque o eucalipto cresce muito rápido, a biomassa se desenvolve de forma acelerada. Só que ele gasta menos água, por exemplo, do que a soja, porque toda a cultura anual (soja, milho, arroz), demanda muita água e nutrientes para desenvolver todo o ciclo”. Os tocos, parte do tronco das árvores que ficam ligados à terra, constituem outra preocupação citada por ambientalistas e produtores rurais. Depois de completar o ciclo de 7 anos necessário para a celulose, ao cortar-se a árvore, há duas alternativas: utiliza-se as linhas
do meio para plantio esperando que os tocos apodreçam naturalmente ou se emprega um produto químico para uma decomposição mais rápida. O grande problema é quando, depois de encerrado o ciclo, não se deseja mais manter a floresta naquela área. Neste caso, o apodrecimento natural inutiliza a terra por vários anos, e o químico, embora haja rapidamente, agride o solo de tal forma que ele se mantém infértil por um período mínimo de 2 meses. Outra solução é o processo mecânico de destocagem, que arranca os tocos por inteiro da terra. Porém, além de apresentar um alto custo, esse método causa diversos impactos ao solo. A coordenadora de responsabilidade social de uma empresa de celulose, Sabrina Bicca, acredita que o manuseio dos tocos de árvores novas é simples e que a população mantém em mente o modelo de corte de árvores de grande porte, existentes há muitos anos na região. “As pessoas têm a visão do corte dos tocos das árvores de 20, 30 anos que se tinha aqui, e realmente elas apresentam um cerne grande, o que é bem diferente dos eucaliptos de 7 anos que apodrecem bem mais rápido”.
O eucalipto cresce muito rápido, por isso precisa de muita água
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monoculturas
Outra polêmica em torno dessa questão é que os produtores rurais da região não têm por costume respeitar as leis ambientais, principalmente aquelas que dizem respeito às distâncias necessárias entre as lavouras e córregos, rios, nascentes e florestas ciliares. “Aqui no estado tu vê lavouras até à beira das sangas, em áreas de erosão ou de Reserva Legal. Qualquer uma dessas grandes empresas de celulose trabalha com projetos ambientais que são realmente respeitados. Tem fazendas na região que 50% da área é intocada, agora procure um agricultor que mantenha metade de sua propriedade para a preservação da biodiversidade, não se acha!”, explica João Luiz Nunes Teixeira, gerente de unidade de uma empresa prestadora de serviço, responsável pelo plantio de eucaliptos. Enquanto alguns agricultores plantam em áreas que precisam ser respeitadas dentro da ótica ambiental, muitos pecuaristas gaúchos aproveitam de forma imprópria suas terras, mantendo grandes áreas com pouca produtividade, problema proveniente da pecuária extensiva e pouco manejada. “Quando aparece uma empresa grande, com a meta de plantar 10 mil eucaliptos por ano, as pessoas se apavoram, imaginam que só vai haver floresta. E esquecem que tem regiões na fronteira,
por exemplo, que têm áreas enormes que não são aproveitadas ou que apresentam um rendimento muito baixo”, completa Teixeira. A meta das empresas florestais, visando um maior aproveitamento da terra, é aliar a prática da silvicultura a outras culturas como a pecuária, a apicultura e a agricultura de plantas rasteiras. Essa atividade, caracterizada como agrossilvopastoril, já está sendo realizada no município de Rosário do Sul, em que a cultura do eucalipto divide espaço com a apicultura e a pecuária. As culturas introduzidas na plantação principal mantêmse nos espaçamentos entre um eucalipto e outro e são interrompidas quando as árvores completam dois anos, uma vez que seu desenvolvimento não permite mais a entrada de luz entre os espaçamentos. Essa ressalva não se aplica à apicultura, que tem nas florestas de eucalipto uma boa fonte de produção de mel de alta qualidade. “A apicultura nas áreas de florestamento se dá apenas pelo lado social, porque a criação de abelhas não traz benefícios diretos para a plantação industrial de eucaliptos”, expõe o apicultor José Eduardo Guedes Pacheco, responsável pelo manejo das abelhas nas terras compradas para o plantio em Rosário do Sul.
Muitos produtores não respeitam as leis ambientais vigentes
É possível aproveitar melhor as terras com outras culturas
Criação de abelhas em área de florestamento é viável durante o ciclo da eucaliptocultura
Na raiz do negócio Os fatores sócio-econômicos também estão ligados ao cultivo industrial de eucaliptos. Ao vender suas terras para as empresas de celulose, pequenos e médios agricultores e pecuaristas migram para as cidades, muitas vezes sem garantias de emprego e renda. Por outro lado, essas empresas também geram novas vagas no mercado de trabalho, só que as oportunidades limitam-se às épocas de plantio e colheita, tendo um vazio de cerca de 5 anos entre uma atividade e outra. A princípio, esse tempo para
Exportações brasileiras de celulose e papel por região e por destino Celulose
Papel
procura por mão-de-obra não é percebido nas cidades onde as empresas estão se instalando, uma vez que durante muitos anos seguidos há implementação de bosques, para se criar uma base florestal grande o bastante para atender a demanda de uma possível fábrica de celulose. É o caso do metalúrgico Otaviano Soares Antunes, que tem percebido um aumento no número de empregos depois da chegada das empresas de reflorestamento no município de Rosário do Sul, onde reside. A metalúrgica em que trabalha foi escolhida para prestar serviço a uma das empresas que fazem o plantio das árvores. “Acho que vai trazer desenvolvimento para nossa cidade, que está precisando muito. Eu sou formado em técnico em contabilidade, mas trabalho numa metalúrgica por pura falta de opção, acredito que deve ser incentivada a vinda de empresas pra cá, pois não adianta somente preservar o meio ambiente se a população passa necessidades”. Parte da euforia da população gaúcha com a monocultura do eucalipto se deve ao fato da economia da região sul e da fronteira-oeste do Estado estar
estagnada, com um crescimento inferior ao restante do Rio Grande do Sul, o que se reflete na qualidade de vida da população. “Essas empresas podem representar a solução para a nossa região. Por que nós, que temos a maior extensão de terras, os maiores mananciais de água e um potencial enorme, não o utilizamos adequadamente?”, questiona o assessor de agronomia do município de Rosário do Sul, Milton Cabrera Paz. Pelo aspecto econômico, há os que vêem as plantações comerciais de eucalipto como um retrocesso à economia do país, remetendo ao Brasil colônia, em que se exportava apenas matériaprima para ser manufaturada em outros países e revendida, posteriormente, a preços altos no país de origem. O caminho seguido pela madeira gaúcha será o mesmo, ainda que se instalem fábricas de celulose na região. O papel não será fabricado no Brasil. “Nós somos contra ao projeto exploratório para essa região que, sim, gera desemprego. Esse é um projeto Brasil colônia, exploração e exportação de matéria-prima, que depois nos é revendida a preços absurdos”, enfatiza o professor Althen Teixeira, da UFPel.
“É um projeto Brasil colônia, exploração e exportação de matéria-prima”
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Pequenos agricultores vão sendo cercados e se obrigam a vender as terras
Morando com o inimigo
Os homens do campo, personagens mais atingidos pela vinda das empresas de celulose para a região sul, dividem opiniões. Os atrativos econômicos e a desvalorização da terra, parecem ser justificativa suficiente para desfazer-se das propriedades ou efetuar uma parceria com a indústria florestal. Existem dois perfis básicos para os vendedores de campo: os proprietários que já não vêem na terra meio de sustento ou de melhores expectativas; e aqueles que se desvincularam da tradição cultural gaúcha do manejo com a terra, questão fortemente atrelada à saída dos descendentes de agricultores e pecuaristas das zonas rurais em busca de ensino especializado. Já os que optam pelo fomento, ou seja, pelo arrendamento de terras para a silvicultura, o fazem prioritariamente por questões relacionadas à rentabilidade, uma vez que essa prática se mostra muito mais lucrativa do que as principais atividades exercidas no Estado. O cálculo para se chegar ao preço médio do hectare de área arrendada para silvicultura funciona partindo-se do ponto de que o parceiro recebe o equivalente a 45% da produtividade, sendo que o restante pertence à empresa locatária, que arca com todos os custos, contratempos e mão-de-obra
da floresta. A estimativa de produtividade por medida agrária equivale a 280m3/ha, sendo que 126 m3/ha (45% do volume total) competem ao arrendatário. O preço definido para a madeira equivale a 10 (dez) quilogramas do preço médio do boi vivo, por metro cúbico de madeira em pé. A fonte do preço médio do Kg do boi vivo utilizada nessas negociações é o caderno Campo e Lavoura do jornal Zero Hora. No interior do Rio Grande do Sul, 1 hectare de soja rende entre 30 a 35 sacas, sendo que cada saca tem o valor bruto médio de R$ 35,00. Levando-se em conta que o rendimento líquido (desconta-se gastos com maquinário, mãode-obra, sementes, agrotóxicos, tratamento da terra, adubos, etc) fica em torno de 6 a 9 sacas por hectare plantado, o lucro total é de aproximadamente R$ 315,00 por hectare. Logo, o valor obtido na mesma área de terra pelo arrendamento destinado à plantação de eucalipto rende em média R$ 424,80 (na data da realização do cálculo o Kg do boi vivo equivalia a R$ 2,36) ao ano, sem que o produtor se envolva com a produção. Entre os proprietários que aderiram ao fomento flores-
“Estão todos plantando eucaliptos, alguém tem que resistir!”
tal em São Gabriel, está José Israel Silveira que, em 2005, implementou numa área de 60 hectares uma floresta de eucaliptos de forma autônoma, com finalidades diversificadas como celulose, fabricação de postes e madeira para móveis. Com o crescimento da procura de terras na região, Silveira se interessou em manter uma parceria comercial com uma grande empresa florestal, firmando contrato que estipula que cerca de 1/3 de sua área será cedido para o plantio de eucaliptos. “O intuito é deixar a floresta para os netos, por ser um cultivo de longo prazo e com um bom rendimento por hectare”, esclarece Joaquim Altair Silveira, representante legal do arrendatário.
Por outro lado, Joaquim, também produtor rural, diz não pensar em implementar a prática da silvicultura em suas terras. Embora ele ressalte que economicamente valeria a pena, prefere investir em culturas menos permanentes. “Essa é uma preocupação minha a longo prazo, analisando as questões ambientais, porque não se sabe o que vai acontecer, como realmente ocorre o destoque, por exemplo”. A opinião dele é endossada por Eduardo Ferrari Silveira, único entre os seus cinco filhos que continua envolvido com atividades relacionadas à agricultura e à pecuária. “Em volta da nossa fazenda está todo mundo plantando eucaliptos, alguém tem que resistir! Em segundo
A silvicultura vem ocupando o lugar das lavouras de soja
plano, dentro de um projeto sustentável eu até implantaria uma floresta, mas utilizando no máximo 10% da área”, planeja. O ditado popular que diz que a corda sempre tende a arrebentar na direção do lado mais fraco parece verdadeiro quando inserido nas práticas da silvicultura. Os capatazes e trabalhadores rurais mostram-se receosos quanto à substituição das atividades tão bem conhecidas por eles, pela monocultura de árvores exóticas. E já visualizam seu futuro, caso as fazendas em que trabalham forem convertidas em matéria-prima para a indústria do papel. “Eu não gosto muito, mas dizem que dá muito mais lucro do que a pecuária e a agricultura. Se o meu patrão resolver plantar na propriedade inteira, eu vô fazer o quê? Ficar sentado vendo eucalipto crescer?”, indaga o trabalhador rural de uma fazenda, onde já estão substituindo as práticas de pecuária e agricultura pela silvicultura. Em zonas rurais que não apresentam latifúndios, os pequenos proprietários estão sofrendo pressão por parte das empresas florestais, que vão comprando curtas extensões de terra, próximas uma das outras, induzindo até os que não querem vender suas áreas, a fazê-lo. “Quanto mais terra as empresas compram, mais vão circulando o pequeno produtor, que não vai ter saída, tu te vê sozinho. Tu vai sendo cercado, cercado, até que se obriga a vender as próprias terras”, conta Delmar Teixeira, pequeno proprietário da região de São Sepé.
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MONOCULTURAS
(I)legamente verde Em setembro de 2004, com a demanda cada vez maior de áreas para plantio, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam) e a Fundação Zoobotânica (FZB), começaram a desenvolver um plano de Zoneamento Ambiental para a região, com o objetivo de estabelecer diretrizes para o licenciamento da atividade de silvicultura. Sua criação foi justificada através do potencial de impacto ambiental do plantio extensivo de florestas exóticas e da obrigatoriedade de haver um licenciamento ambiental para essas atividades, estabelecido pela Resolução 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O objetivo específico do plano de Zoneamento Ambiental era definir regras para a prática da silvicultura, considerando unidades de paisagem separadamente. A primeira etapa do processo foi o mapeamento das Unidades de Paisagem Natural (UPN) do Rio Grande do Sul, estabelecidas através de características naturais semelhantes, como geomorfologia (relevo), vegetação e solo. Depois de agrupadas, as UPNs passariam ser utilizadas como áreas específicas de gestão ambiental. Após esse processo, foi feito um estudo de caracterização ambiental, social e econômica de cada UPN, já que essas peculiaridades são determinantes para definir as restrições utilizadas na implementação de projetos de florestamento. Entre as características analisadas destacam-se: observação de espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção, unidades de conser-
vação, grau de utilização atual da terra, percentual já utilizado para silvicultura, potencial de favorecimento à expansão de espécies exóticas, disponibilidade de recursos hídricos, localização de corredores biológicos, áreas de importância paleontológica, áreas com potencial de turismo ecológico e rural, entre outros aspectos. O projeto ambiental previa áreas de conservação, corredores ecológicos, distâncias apropriadas para plantio a partir de banhados, lagoas, várzeas, matas ciliares, comunidades indígenas e quilombolas, sítios arqueológicos, cemitérios e morros testemunhos. Além de uma capacidade apropriada para plantio em cada unidade de paisagem. Porém, o plano de zoneamento não foi aprovado pelo governo do Estado, que sistematizou uma série de restrições publicadas num parecer expedido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Consema e Câmara Técnica Permanente de Biodiversidade e Política Florestal, em março de 2008. Essa medida foi tomada uma vez que o Zoneamento Ambiental para Silvicultura restringia de forma muito ampla as atividades das indústrias de celulose. “O zoneamento não foi aceito porque realmente era muito restritivo e nenhuma empresa ia comprar uma propriedade para utilizar 20, 25% da área”, lamenta o fiscal da Fepam, Marco Antônio Tirelli. Esse tipo de decisão governamental faz parte do modelo capitalista da sociedade atual, em que o lucro vem à frente de uma série de outras questões fundamentais. As regiões sul e
O jogo de estratégia do real Tramita na Assembléia Legislativa um Projeto de Lei proposto pelo deputado estadual Nelson Härter, que tem por objetivo introduzir alterações na Lei n° 11.520, de 03 de agosto de 2000, que institui o Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. As mudanças sugeridas dizem respeito aos empreendimentos da atividade de silvicultura determinando que o somatório de áreas próprias superiores a mil hectares deverá ter seus licenciamentos ambientais realizados nos termos da legislação vigente, ou seja, através do plano de zoneamento que foi alterado pelo governo do Estado. Determina ainda que diante da complexidade técnica da implementação de um novo
zoneamento, o prazo para finalização será prorrogado até 31 de dezembro de 2011. “Se isso for aprovado, nós não poderemos fazer mais nada, a não ser esperar sentados até o final de 2011, quando todas as empresas florestais interessadas em vir para a região já estarão instaladas”, opina Cássio Rabuske, integrante do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MoGDEMA). Como justificativa para a aprovação de seu Projeto de Lei, o deputado estadual Nelson Härter cita o Zoneamento Ambiental elaborado pela Fepam como fator de inviabilidade para as empresas de celulose, assim como os projetos de industrialização a partir de matéria-prima florestal.
fronteira-oeste do estado estão muito aquém economicamente se comparadas à metade norte, em função da base econômica ser proveniente de pecuária extensiva e da agricultura. Nesse aspecto, a monoeucaliptocultura se mostra como sinônimo de desenvolvimento. “No último processo eleitoral, a atual governadora recebeu apoio dessas empresas papeleiras. Lógico que agora o compromisso dela é com essas empresas e não com o povo. A Fepam produziu um estudo de impacto ambiental que arbitrariamente se passou por cima. Por que isso não interessa ao governo? Porque limita o lucro”, declara o professor Althen Teixeira. Os municípios gaúchos parecem depender apenas do Zoneamento Ambiental Estadual, uma vez que em sua maioria não possuem leis próprias que estabeleçam regras para a silvicultura. “Nós não temos zoneamento próprio, não temos leis municipais que disciplinem que tal área pode ser usada, dentro do município nós não podemos impor restrição nenhuma”, relata o assessor de agronomia do município de Rosário do Sul, Milton Cabrera Paz.
Pampa gaúcho: de celeiro agrícola e pecuário a produ
Plano de Zoneamento Ambiental Proposta Inicial
Proposta aprovada
“Não serão admitidas plantações florestais nas áreas de ocorrência de pau-ferro e butiazais, em função de sua indicação para o Sistema Estadual de Unidades de Conservação.”
“As áreas de ocorrência de pau-ferro e butiazais, que representam ecossistemas diferenciados e relevantes, serão protegidas por uma faixa em seu entorno, com largura definida em projeto técnico.”
“Em áreas de exposição de ocorrências arqueológicas e palentológicas, deverá ser protegida uma faixa mínima de 100m ao longo da área dos sítios identificados.”
“Deverá ser protegida uma faixa no entorno de áreas de ocorrência de sítios arqueológicos e palentológicos, cuja dimensão será definida conforme parecer de arqueólogo / paleontólogo, com largura mínima de 50 m.”
“Deverá ser mantida uma faixa de proteção dos afloramentos rochosos. Esta faixa deverá ser suficiente para evitar o sombreamento e garantir a conectividade destes ambientes.”
“Deverá ser mantida distância dos afloramentos rochosos com área suficiente para preservar as espécies da flora características do ambiente.”
“No caso de utilização de espécies invasoras (ex: pinus) as plantações florestais deverão ser concentradas em uma única área, com controle de dispersão, ou seguir manejo específico.”
“No caso da utilização de espécies com potencial invasor (ex: pinus sp.) recomendase que, sempre que possível, as plantações florestais sejam concentradas em uma única área, para minimizar o risco de dispersão.”
“Não plantar em áreas de reprodução do gavião cinza”
“Em áreas identificadas como habitat do gavião cinza os plantios florestais deverão ser dispostos visando garantir a conservação da espécie, considerando suas necessidades de habitat, de alimentação e de reprodução.”
“Onde há risco de déficit hídrico e for comprovada a disponibilidade hídrica, o plantio será admitido em somente 50% da porção de terra, mantidos corredores ecológicos”
“Restrição excluída.”
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MONOCULTURAS
Sinal verde para a preservação
utor de matéria-prima em série para o mercado externo
São poucas as pessoas que refletem sobre a demanda de recursos naturais para obtenção de produtos adquiridos de forma impulsiva. “A natureza levou milhares de anos para produzir toda essa diversidade e nós, hoje em dia, caminhamos para a simplificação do nosso universo, do nosso planeta, implantando essas monoculturas e dizimando nossos recursos naturais. Precisamos buscar caminhos alternativos para modificar essa mentalidade, porque o homem moderno vive em função do lucro ao máximo, não importa se as outras gerações no futuro continuarão a vida, o que importa é o lucro”, explica Maria Aparecida Dellinghausen Motta, formada em Filosofia pela UFSM e ex-professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Maria Aparecida, natural de São Sepé, também faz parte de alguns projetos da ONG Ecolaje (Ação Lajeado do Moinho), fundada na cidade, em 2007, com o intuito de desenvolver um trabalho socioambiental, valorizando o contato homemnatureza, além da constante preocupação com aspectos culturais e históricos do município. Com mais de 70 sócio-fundadores, a ONG realiza atividades relacionadas ao meio ambiente,
contando com parcerias provenientes de todo o estado. O consumo consciente é a chave para se alcançar a sustentabilidade. Segundo o Relatório Brundtland, documento elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, publicado em 1987, desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz os aspectos essenciais presentes na sociedade, sem comprometer as gerações futuras de suprirem suas próprias necessidades. Esse conceito mostra-se quase utópico no contexto em que nos encontramos, onde se alimenta um ciclo vicioso dentro da era do desperdício e que prega o lucro acima de todas as coisas. “Primeiro cada um de nós precisa começar a repensar o que consome, o respeito ao outro e à natureza. Isso que estamos vivendo é o campeonato da inecessidade. A crise é importante, porque sem crise não há inversão, e sem inversão não há mudança”, finaliza Maria Aparecida. Para que um empreendimento seja sustentável ele precisa respeitar quatro requisitos básicos: ser ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente aceito. Trata-se de uma equação difícil de se equilibrar, uma vez que a questão
econômica é predominante entre as preocupações. “Se só se pensar na questão ambiental, não se faz absolutamente nada, porque qualquer coisa causa algum impacto”, acredita o agrônomo Milton Cabrera Paz. A monocultura do eucalipto trabalha de forma abrangente os quatro eixos da sustentalidade, já que exerce práticas diretamente associadas com as questões ambientais, demandando mão-deobra e de uma pseudo-aceitação pública. Porém, tudo isso visando um único objetivo, o lucro. E é neste ponto que a essência da sustentabilidade não é respeitada. Para que qualquer prática seja sustentável é necessário que exista um equilíbrio entre esses quatro pilares básicos. “Essa exploração precisa ter um limite: será que a água e os nutrientes do solo vão durar para a vida toda? Será que se pensa nas gerações futuras? O horizonte de percepção é muito curto. Hoje tu não podes constituir uma visão de mundo a partir do ser humano, mas o contrário, o ser humano tem que construir isso a partir da natureza, senão, ele não consegue se enxergar como fazendo parte de uma unidade. Quando isso acontece, ele se sente superior a tudo”, conclui o professor Wilton Trapp.
Cidadãos: os reis depostos Cidadão: indivíduo que desfruta de direitos civis e políticos de um Estado. Democracia: forma de governo na qual o poder emana do povo. Como se sabe, o Brasil constitui um governo democrata, em que ao nascer o indivíduo já recebe o título de cidadão, usufruindo de direitos e deveres. Pois bem, um dos direitos previstos na Constituição Federal diz respeito à possibilidade de opinar sobre decisões e medidas tomadas pelo Estado dentro do território nacional. O governo gaúcho mostra-se favorável à instalação das empresas florestais no Estado, assim como das possíveis fábricas de celulose que se estabelecerão aqui nos próximos anos. A população, por sua vez, parece dividida quanto ao assunto, mas não foi consultada ou devidamente informada sobre esse tema. Embora seja dever do Estado inteirar a sociedade sobre determinados assuntos, também pertence ao cidadão o direito de cobrar esclarecimentos e emitir opinião. Muitas vezes, o limite de algumas ações cabe aos indivíduos e não aos governantes, e isso se aplica à questão dos eucaliptos. O ideal seria que a sociedade impusesse limites, afinal, é ela que terá que conviver com os benefícios e os prejuízos da prática dessa cultura. “Claro que nós precisamos de investimentos na região, mas é pre-
ciso também esclarecer o povo sobre o que está acontecendo, e ouvir opiniões”, acredita a estudante Fabiana Marques, 19 anos. Segundo ela, a implementação das florestas de eucalipto é uma questão que merece ser debatida e analisada, e que precisa ser vista de uma ótica muito mais abrangente do que apenas do ponto de vista financeiro.
“Eu me pergunto: o que não está sendo publicado?” As empresas florestais têm feito seu papel de informar, pelo menos em partes. Técnicos e pesquisadores vem apresentando palestras sobre a monocultura do eucalipto em escolas, prefeituras, órgãos relacionados ao meio ambiente e outros espaços. Porém, os esclarecimentos e debates acontecem depois que essas empresas já estão instaladas, apenas com o intuito de demonstrar uma preocupação com a comunidade daquela região. Deve-se também levar em conta que as indústrias de celulose ressaltam apenas aquilo que as favorece. Muitas vezes, seus estudos de impacto ambiental se restringem a alguns
aspectos, em negligência de outros. A figura da Universidade e de seus professores, às vezes, faz parte desse processo. Embora as grandes empresas tenham recursos e técnicos específicos para as diversas pesquisas necessárias, precisam da figura acadêmica para legitimar a seriedade de suas ações. “Essa produção de ciência que se destina a pesquisar de acordo com o interesse de quem paga e não para a sociedade como um todo é uma verdadeira monocultura acadêmica. Uma pesquisa social tem como objetivo mostrar os dois lados da moeda e não estabelecer questões focadas, onde ficamos com um ponto restrito de pesquisa”, relata o professor aposentado do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria, Wilton Orlando Trapp. Além dos estudos serem focados em determinados aspectos, segundo o professor Althen Teixeira, nos contratos de pesquisa entre a Universidade Federal de Pelotas e as grandes corporações florestais existe uma cláusula em que consta como dever da Universidade manter absoluto sigilo sobre os trabalhos realizados e seus resultados. Fora isso, as pesquisas podem ou não ser publicadas. “Eu me pergunto: o que não está sendo publicado? O que está escondido atrás desse tipo de contrato?”, questiona Teixeira.
Diversidade, sustentabilidade e cidadania: conceitos que precisam criar raízes, crescer e florescer
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monoculturas
Contracultura ecológica: saídas possíveis O Brasil possui uma das maiores biodiversidades do mundo, com outras possibilidades de crescimento que estão além do cultivo de qualquer monocultura. Pelo menos é o que acredita o professor Paulo Brack, do departamento de Botânica da UFRGS e membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente. “O Brasil virou as costas para as próprias potencialidades, o que é uma pena, porque é um país tão rico em biodiversidade que muitas das nossas espécies são alvo de biopirataria”. Enquanto não se exploram de modo adequado as potencialidades ofertadas pela diversidade de espécies existentes em território nacional, valorizando-as, é importante procurar um limite para a implementação de qualquer cultura que vá de encontro à heterogeneidade ambiental. “Nós não podemos proibir nada, tem que haver um limite aceitável para a plantação, não podemos ser tão extremistas. Qual seria o limite ideal?”. O questionamento do produtor rural Valmir João Juliane parece difícil de responder. O que se sabe é que todos os exageros são impactantes. No caso das monoculturas, especialmente a do eucalipto, o ideal seria diluir as plantações na paisagem. Os amplos focos de implementação deveriam ser substituídos por florestas de exígua extensão intercaladas com outras culturas, como pecuária, hortifrutigranjeiro, lavouras de soja, milho e arroz, entre outras possibilidades. “Devemos impor uma nova regra, porque não há um limite de plantio, e precisa se evitar que haja uma concentração numa determinada área, um foco de centralização. Se nós tivéssemos 10% de cada propriedade plantada com eucalipto, teríamos impactos ambientais mínimos. O problema são os grandes blocos que realmente causam um vazio ambiental naquela área, reduzindo drasticamente a biodiversidade. Lógico que são feitos grandes
blocos, porque o foco das empresas é econômico”, explica Marco Antônio Tirelli, fiscal da Fepam. Outra alternativa para reduzir os impactos causados pelas plantações de eucalipto, é o desenvolvimento de políticas públicas que tragam possibilidades reais, principalmente aos pequenos e médios produtores rurais, de fazerem investimentos múltiplos e inovadores em suas propriedades. Na Secretaria de Agricultura de Rosário do Sul, uma das cidades foco da monocultura de eucalipto, já existem iniciativas no sentido de trazer novas possibilidades aos agricultores e pecuaristas, na tentativa de que eles não vendam suas terras. A administração municipal não se opõe à produção de eucalipto, mas tem como preocupação prioritária um possível êxodo no sentido zona rural – centro urbano. “O nosso grande interesse é fomentar e consolidar a pequena propriedade rural, é fazer com que o cara que esteja no campo, se mantenha lá, que tenha diversidade de produção e não se incline a vender suas terras para a implementação dessas monoculturas”, explica o funcionário da Secretaria de Agricultura e membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente, Renato Quinis. Além do incentivo aos pequenos agricultores, outras alternativas podem ocupar o lugar da silvicultura em solo gaúcho. Investimentos no setor de turismo, introdução de novas culturas agrícolas - inclusive a produção de grãos como mamona e girassol para a fabricação do biodiesel -, manejo adequado do gado e exploração dos recursos naturais da região - como as plantas endêmicas vítimas de biopiratiria - e que apresentam alto valor no mercado externo são alguns caminhos que podem ser tomados em oposição ao sistema de plantio de monoculturas.
Grandes blocos de eucaliptos causam vazios ambientais
“Devemos impor nova regra. Não há um limite de plantio”
A monocultura de eucaliptos e suas contradições Argumentos a favor
Argumentos contra
* As raízes das árvores favorecem o escoamento e a infiltração da água; * Apresenta grande evapotranspiração, ou seja, através da transpiração devolve ao ciclo hidrológico boa parte da água que consome; * Controle estomático: reduz o consumo de água nas estações mais secas;
* A padronização no tamanho das raízes dificulta a infiltração da água, diferente da mata nativa que apresenta diversas dimensões de raízes, facilitando a chegada da água nos lençóis freáticos; * A alta concentração de árvores por hectare causa um esgotamento hídrico do solo, levando a um desequilíbrio no ciclo;
As florestas de eucalipto armazenam cerca de 12 toneladas de gás carbônico (principal responsável pelo aquecimento global) por hectare ao ano. As empresas florestais vendem os créditos de carbono.
Após a colheita, galhos, cascas e folhas são deixados no solo, já que retém boa parte dos insumos utilizados pela planta. No processo de decomposição parte do CO² armazenado pelas árvores é devolvido à atmosfera.
Criação de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, mantendo corredores ecológicos na medida do possível.
Drástica diminuição da biodiversidade nas áreas plantadas e isolamento das espécies nativas quando há interrupção nos corredores ecológicos.
Atividade agrossilvopastoril: prática da silvicultura aliada à produção agrícola ou pecuária.
Só podem ser desenvolvidas até o segundo ano do plantio das florestas, após esse período, o tamanho das árvores e o sombreamento impossibilitam qualquer outra cultura.
Podem ser plantadas em áreas de erosão e em terras já esgotadas.
Também causam esgotamento do solo, em função da alta produtividade por medida agrária (1100 a 1300 árvores por hectare).
Reduz o nativas.
Além de áreas utilizadas para agricultura e pecuária, as plantações ocupam áreas de campo, bioma nativo do Rio Grande do Sul.
desmatamento
das
florestas
Práticas de cultivo mínimo: * Aumento do período de rotação da cultura, favorecendo a ciclagem de nutrientes e de água; * Diminuição do número de estradas, através do planejamento da malha viária;
* A competição por luz, água e nutrientes impede o desenvolvimento de outras espécies; * A alta perenidade da plantação inviabiliza a rotação com outras culturas, que ajudam a conservar o solo;
Proteção de ecossistemas de importância cultural, histórica e ambiental.
As transformações nas atividades típicas do campo afetam a cultura gaúcha e a paisagem característica do pampa.
* Criação de grande número de empregos diretos e indiretos; * Contribuição de 3,5 % no PIB nacional, equivalente a 37,3 milhões de dólares; Prosperidade econômica e social.
Os empregos só existem nos períodos de plantio e colheita. À medida que as plantações forem padronizadas, haverá um vácuo entre uma oferta de emprego e outra. * Vazios populacionais; * Grande concentração de terra, capital e renda.
As potencialidades gaúchas transpassam o estreito caminho das monoculturas florestais
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MONOCULTURAS / ÁGUA
Uma clareira na floresta O
As monoculturas consomem água demais?
tema meio ambiente gera, por si só, muita controvérsia e divergência. Esse conflito impede a formulação de conceitos que possuam unanimidade tanto entre seus princípios básicos, quanto na aceitação por pesquisadores e ambientalistas. Ao se falar em monoculturas, a primeira idéia é a de ameaça à biodiversidade local, esgotamento dos solos e escassez dos recursos hídricos. E, quando o assunto passa a envolver árvores exóticas, esse julgamento se torna ainda mais ferrenho. Por outro lado, o debate ambiental tem relação direta com elementos da política, o que acaba interferindo em uma reflexão mais esclarecedora sobre o tema. Entre essas interferências estão a relação entre incentivos dados pelo governo e pelas multinacionais, a autonomia da fiscalização pelo Estado e a correta aplicação da legislação, entre outras. Deixado o cenário político como um capítulo à parte, e focando apenas na questão ambiental, a polêmica ainda permanece nas entrelinhas. Enquanto os defensores da silvicultura de árvores exóticas apresentam dados atualizados sobre os impactos reais e a sustentabilidade da cultura, do outro lado os críticos enfatizam a relação entre a produção das empresas e o mercado exterior, as agressões à natureza e os impactos ambientais, e a incompatibilidade do cultivo com o bioma pampa. Entretanto, dois fatores reforçam a escolha de quem decide aderir às silviculturas exóticas. O primeiro é a utilização
mariana silveira
de informações adquiridas junto a órgãos e instituições de pesquisas reconhecidas, geralmente vinculadas ao meio acadêmico, o que, pretensamente, atribui confiabilidade aos resultados. O segundo é a flexibilidade das leis que regulamentam o setor que, ao não delimitar normas e punições, permite que as empresas atuem sem parâmetros legais que orientem suas práticas. E a discussão não pára por aí. Dentro do tema silvicultura exótica, cada recurso natural tem em torno de si questões a serem respondidas e outras desmistificadas. O ciclo das águas A água é o eixo mais conturbado quando relacionada à plantação das monoculturas os chamados desertos verdes. Por isso, ao se falar em recursos hídricos, algumas informações que parecem ser de domínio público são sempre bem recebidas quando ressaltadas. Essa repetição também atua como forma de conscientização, ao alertar para a necessidade de preservar a água e de buscar a educação ambiental. O mundo tem uma extensão de 1.304.068.250 km3 de água, dos quais 97,5% são formados por oceanos de água salgada. Os outros 2,5% representam a quantidade de água doce que pode ser consumível pelo homem (ver quadro abaixo). Desse total de 2,5% de água doce disponível, também chamada de água atmosférica ou de superfície, apenas 0,4% é de fácil acesso ao homem (ver gráfico).
O homem consome a água de maneira incorreta
A água é um recurso natural cada vez mais raro e disputado Um reflexo dessa escassez e distribuição desigual da água são as guerras travadas em algumas partes do mundo, como Israel, Ásia e África, onde o estopim é o represamento e desvios de rios e nascentes, responsáveis pelo abastecimento dos países cortados por seus cursos ou afluentes. Segundo dados da revista Atualidades, da editora Abril, a Organização das Nações Unidas (ONU) prevê que o acesso às fontes hídricas vão ser o principal motivo de guerras no mundo até 2030. Outra
Água doce é de difícil acesso De toda a água do mundo, apenas 2,5% pode ser consumida pelo homem. Porém, apenas parte dessa quantidade está acessível ou pode ser explorada: • 68,7% encontram-se congeladas nas geleiras; • 30,1% são águas subterrâneas; • 0,8% é formada pelo permafrost (camada de subsolo encontrada na tundra [vegetação típica de regiões polares ou seus arredores, Groenlândia, Noruega, Alasca, Canadá, Sibéria, Suécia] congelada); • 0,4% é o total de água ao alcance do homem. Fonte: Revista Atualidades 2009. Editora Abril
previsão, da União Européia, afirma que a escassez de água fará cerca de 100 milhões de refugiados ambientais nos próximos 20 anos. “A previsão é de que em 2025 a água já seja motivo de conflito como hoje acontece com o petróleo, por isso existe a necessidade de reduzir o consumo em 1/3”, explica Afrânio Almir Righes, professor do curso de Engenharia Ambiental e diretor da área de Ciências Naturais e Tecnológicas do Centro Universitário Franciscano (Unifra).
O professor, que há 36 anos trabalha com recursos hídricos, alerta que atualmente o homem consome a água de maneira incorreta e que, embora o volume de água se mantenha o mesmo durante os anos, a população mundial continua crescendo, fazendo com que esse volume diminua gradativamente. Segundo ele, primeiro deve ser consumida a água que se encontra na superfície para, em seguida, haver a utilização das fontes subterrâneas, e que a inversão dessas etapas pode comprometer as reservas para o futuro.
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MONOCULTURAS / ÁGUA
Righes justifica que os recursos encontrados na superfície são mais acessíveis e fáceis de serem repostos, enquanto os subterrâneos, como o aqüífero Guarani, têm uma reposição mais lenta e complicada. Também de acordo com dados apresentados pelo professor da Unifra, o aqüífero diminui em 70 km por ano, conseqüência do crescente consumo e da baixa reposição. Como possibilidade de preservação das fontes subterrâneas, ele apresenta a captação das chuvas, que possui uma tecnologia financeiramente viável, a criação de canais e comportas em rios, pois grande parte de seus volumes se perde ao migrar para o mar. Além dessas, alternativas como a energia eólica e os agrocombustiveis também se mostram boas opções para manter a qualidade da água e evitar o desperdício. “É necessário encontrar uma solução para o problema, e não para remediar”, afirma Righes. Nesse contexto, surge o questionamento de que as florestas de eucaliptos estariam secando fontes próximas e pondo em risco os mananciais subterrâneos. Outra questão que se apresenta seria a diminuição das chuvas. Righes, porém, diz que a chuva obedece a um ciclo constante e mantém sempre o mesmo volume de água circulando no processo físico de evaporação, de precipitação e de evapotranspiração das plantas. Eduardo Pagel Floriano, doutor em Manejo Florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), completa que, enquanto uma floresta de eucalipto consome cerca de 700 milímetros de chuva por ano, no Estado, o volume de chuvas fica entre 1300 e 1200 milímetros, garantindo que a escassez de água não é uma ameaça. De acordo com dados das empresas florestadoras, tanto as raízes dos eucaliptos, quanto as de outras espécies cultivadas, permanecem distantes dos lençóis freáticos, consumindo a água concentrada nas camadas superficiais do solo. As informações também esclarecem que tanto as espécies exóticas, quanto as nativas consomem a mes-
ma quantidade de água, e que a diferença está na conversão desse consumo em madeira. “As árvores (eucaliptos) geralmente são mais eficientes tanto no uso de nutrientes quanto da água, transformando pequenas quantidades em grande volume de crescimento”, completa Floriano. Um cálculo apresentado por uma das empresas que se instalou no Estado mostra que o eucalipto consome aproximadamente 430 litros de água para produzir 1 kg de madeira, enquanto uma árvore nativa utiliza 1300 para produzir a mesma quantidade do produto. Outro argumento que embasa esses dados são as informações retiradas de uma pesquisa realizada pelos professores do curso de Engenharia Ambiental da Unifra. Ela mostra que o índice de 1700 mm de chuva anual não tem diminuído no decorrer dos anos. E que na região da campanha gaúcha, onde acontece o cultivo dos eucaliptos, o índice de chuvas é de 1300 mm por ano, enquanto o consumo da árvore não passa de 700 mm. Eduardo Floriano também destaca que, pelo fato do Estado não ter uma estação seca, sobra água para evaporar e infiltrar, repondo, assim, os mananciais do aqüífero. Tese semelhante é defendida por Afrânio Righes. Ele explica que ao ser feito o corte das árvores, as raízes dos eucaliptos são deixadas no solo, o que permite a continuidade do processo de infiltração de água e reposição das reservas subterrâneas.
Consumo da água A indústria da monocultura justifica a sua atividade. Um cálculo apresentado por uma das empresas que se instalou no Estado mostra que o eucalipto consome aproximadamente 430 litros de água para produzir 1 kg de madeira, enquanto uma árvore nativa utiliza 1300 para produzir a mesma quantidade do produto.
Litro de água utilizada por quilo de produto
Mau uso da água compromete as reservas para o futuro
As florestas de eucaliptos estariam secando mananciais?
Bovino 15000 Frango 3500 Arroz 1900 Eucalipto 430
0
6000
10000
16000
20000
Fonte: Revista Superinteressante, Set/2007. Dados apresentados em palestra proferida por Afrânio Almir Righes, da UNIFRA.
Consumo de Água no Brasil Doméstico 08%
Agricultura 69% Industrial 23%
Industrial 23%
Doméstico 08%
Agricultura 69%
Fonte: Revista Atualidades, 2009. Dados apresentados em palestra proferida por Afrânio Almir Righes, da UNIFRA.
Com os pés no chão Seguidamente, diversas possibilidades são apresentadas como problemas ou prejuízos causados pelas monoculturas exóticas. A primeira delas diz respeito ao fato dessas árvores secarem as fontes próximas a lagos e rios ou de suas raízes ameaçarem o aqüífero Guarani. Segundo Righes e Floriano, pesquisas científicas e estatísticas de serviços e órgãos responsáveis pelo clima mostram que os mananciais não correm riscos diante da quantidade de precipitação
que acontece no Estado, que atua como a principal fonte de irrigação da monocultura. Gráficos de uma das empresas mostram que a profundidade dos lençóis freáticos é de aproximadamente 20 metros, enquanto as raízes dos eucaliptos adentram o solo no máximo 2,5 metros. Por outro lado, é através das raízes e da infiltração que a rocha, em contato com a água, se transforma em solo e aumenta a capacidade de absorção do solo. Quando a quantidade de
chuva é maior que esse índice, como no caso de solos danificados, acontece o escoamento do excesso, que enche rios e leva para o mar toda a água que poderia ser reaproveitada. Nesses casos é aconselhado que o cultivo das árvores também seja feito em encostas e coxilhas, pois só a mata ciliar não aumenta a infiltração, porque está localizada em várzeas, onde o solo é argiloso e o nível de penetração da água nesses locais é muito baixo. Floriano complementa afir-
mando que “devido ao porte das árvores, qualquer floresta, seja ela plantada ou natural, protege mais o solo do que ervas e arbustos”. Entretanto, ele também alerta para o risco das estradas florestais que, “se não forem bem construídas e conservadas, viram canais de drenagem que sofrem erosão em sulco, formando voçorocas”, que podem se tornar os maiores problemas relacionados à degradação nessas áreas. Juliano Pires
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ÁGUA
Estado é um dos mais irrigados por chuvas no país Agricultura consome 69% da água captada
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água é um recurso natural essencial para os seres vivos, sejam eles animais ou vegetais. É um meio de vida e de reprodução de bens de consumo de produtos agrícolas. Em todo o mundo, a agricultura consome cerca de 69% da água captada, sendo 23% utilizada na indústria e 8% destinada ao consumo doméstico. Um dos fenômenos naturais meteorológicos, que consiste na precipitação de água sobre a superfície da terra, é a chuva. A chuva é o resultado do ciclo da água aquecida pelo sol que se transforma em vapor. Este vapor se mistura com o ar, formando nuvens carregadas de água que, com o peso, não consegue sustentar-se no ar e acaba voltando como chuva. Das regiões geográficas do globo, bem regadas por chuvas, o sul do Brasil é a segunda que apresenta distribuição mais uniforme, só perde para o estado do Amazonas. A irrigação, quando utilizada de forma complementar à chuva, principalmente nas regiões onde o total de precipitação natural permite o desenvolvimento e a produção das culturas, proporciona melhor aproveitamento, aumentando a eficiência do uso da água aplicada pela chuva. A complementação da demanda hídrica da cultura pela irrigação, nos momentos corretos, proporciona o aproveitamento
da água da chuva de modo a resultar em produção efetiva. Caso contrário, a presença da precipitação pluviométrica durante quase todo o ciclo da planta não seria uma garantia de ocorrência da produção final, da forma desejada, se faltasse água em momentos críticos do ciclo vegetativo. O sul aposta na diversificação das plantações. Segundo estudiosos, as mudanças climáticas - tanto o frio quanto o calor e variações de temperatura - influenciam o desenvolvimento de lavouras. Essas mudanças são vistas em todo o mundo. Além das lavouras de soja ou milho, as hortaliças também preocupam pesquisadores, porque quando ocorre ressecamento do solo, também são muito atingidas. Ondas de calor e frio apresentam redução de rendimento. O estresse hídrico apresenta tendência de diminuição no potencial produtivo. Na produção de hortaliças, os agricultores tentam manter uma produção familiar e constante. Aderem ao cultivo de repolho, beterraba, brócolis, couve-flor e cenouras, como a agricultura Ana Maria Stefano, 55 anos, que desde os 9 trabalha e conhece bem todo o preparo da terra e o desenvolvimento do plantio. Ela procura utilizar bem o espaço de dois hectares, no Passo da Ferreira, distrito de Boca do Monte, onde mora.
fotos liliane fracari
As mudanças climáticas influenciam o desenvolvimento de lavouras
Hortaliças bem desenvolvidas e com qualidade natural
A agricultora gosta do que faz e não se importa com o sol quente Ana Maria planta, também, mandioca e milho, que vende para supermercados da cidade. “O cuidado tem de ser diário, não dá pra descuidar, às vezes chamamos um agrônomo do sindicato para analisar o solo ou alguma praga”, diz dona Ana Maria, que já perdeu muitas plantações quando o clima muda repentinamente. “Muita ou pouca chuva são os maiores problemas”. “Quando não chove, o solo fica seco e muita chuva fica úmido, comprometendo a produtividade e crescimento do plantio, quando vêm ventos muitos fortes com chuva, já perdeu toda a lavoura. Um trabalho todo destruído por um clima e chuva irregulares, o bom é se viesse uma chuva por semana. E quando não vem temos de irrigar e colocar adubo natural para ajudar a umedecer e manter o solo fértil. Em determinadas épocas as chuvas têm uma irregularidade de 20 a 30 dias, e é muito tempo, infelizmente não da pra esperar só pela chuva”, afirma a agricultora. O engenheiro agrícola Lauro Tambara Pes, de 26 anos, explica as mudanças climáticas que interferem na agricultura,
provocadas pelo aquecimento global. “É um impacto mundial que provoca mudança na agricultura brasileira, mudança suficiente para ter um prejuízo de 7 bilhões de reais em 2020”. A tendência para o plantio de hortaliças, no futuro, é usar estufa no inverno, explica o engenheiro. Neste processo, o aquecimento ajuda no desenvolvimento sem agredí-las, mantendo-as mais seguras da agressão poluidora do meio ambiente natural. E, no verão, a tendência é o uso do sombrito, que é uma proteção do calor excessivo, que pode evitar
o ressecamento do solo e o retardo do desenvolvimento das hortaliças. “E, provavelmente, quem não aderir a esse método pode perder seu plantio”, diz . Tambara explica também que o aquecimento da temperatura no sul poderá trazer benefícios para plantações como o café, algo que não pode se plantar no sul, pelo frio que ocorre hoje.
Lauro trabalha há três anos com o cuidado da terra
Dona Ana tem uma rotina cansativa mas compensadora
Liliane Fracari Fonte de consulta: livro “Curso de Gestão Ambiental” – Arlindo Philippi Jr., Marcelo de Andrade Romero e Gilda Collet Bruna
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ENERGIAS RENOVÁVEIS
A força da biomassa na região A
palavra energia vem do grego “energueia”, que significa “forças em ação”. Isto quer dizer que qualquer tipo de força e de ação ou movimento está relacionado com a idéia de energia. A biomassa está entre as principais fontes primárias de energia, é aquela armazenada pelas plantas verdes, onde estão incluídos os alimentos, a lenha, o carvão vegetal, o álcool carburante e os resíduos agrícolas e florestais. Em países como a Holanda, os biocombustíveis já respondem por 80% da energia consumida nas usinas de cimento. Na Alemanha, a proporção é de 70%”. A importância da produção autônoma da eletricidade e a busca de alternativas para a redução dos impactos ambientais fez com que a Universidade Federal de Santa Maria, a Doeler Alimentos Ltda, de São Pedro do Sul, e a PTZ Fontes Alternativas de Energia, de Porto Alegre, implantassem um projeto demonstrativo de produção de energia elétrica: a unidade de geração termoelétrica que opera a partir de resíduos agrícolas, especificamente casca de arroz, no município de São Pedro do Sul, região centro do Estado. Este projeto representa um avanço, já que a micro central termoelétrica foi implantada na metade sul, região mais atrasada em relação ao resto do Estado, mas que é a maior produtora de arroz do Brasil. Segundo Ricardo Pretz, que representa a PTZ, “a situação econômica atual da região é favorável à instalação de centrais termelétricas alimentadas com biomassa vegetal. Equipamentos como turbinas a vapor, de condensação a vácuo, e grandes geradores elétricos com painéis de automação, começaram a ser fabricados no país, com qualidade muito próxima aos importados. A indústria nacional encontra-se preparada para a demanda de ciclos de turbinas a vapor. A região sul do Brasil, por exemplo, também tem um bom potencial em fontes de biomassa e apresenta uma grande vantagem: ela está disponível nos locais onde mais se precisa”, diz Pretz. Exemplo disso é o município de São Pedro do Sul, que processa algo em torno de 480 mil sacas de arroz, segundo consulta do IRGA no ano de 2006, constituindo-se um pólo regional da indústria arrozeira, com um excesso de material
arquivo
Micro Central Termoelétrica movida a casca de arroz economiza eletricidade da rede e reduz poluição residual (biomassa). O estudo desenvolvido pela UFSM avaliou viabilidade econômica e ambiental para uma central termoelétrica de pequena escala, que utiliza resíduo de casca de arroz para produção de energia. O sistema modular que foi utilizado em São Pedro é constituído por uma turbina a vapor suportada por um chassi, que serve de reservatório de óleo lubrificante, formando um conjunto chamado de Micro Central Termoelétrica (MCT). No ano de 2005, fo-
ram processadas aproximadamente 6.540 toneladas de casca de arroz pela unidade onde foi instalada a MCT. O custo para compra e instalação do sistema modular foi de R$ 380 mil. A rentabilidade do projeto foi proveitosa, pois atendeu completamente o consumo de energia da empresa fora do período de safra, explicam os responsáveis pelo projeto. O processo de geração de energia na MCT em São Pedro do Sul segue o ciclo Rankine, no qual é utilizado o calor proveniente da com-
Na Europa, os biocombustíveis geram a maior parte da energia das usinas
Casca de arroz: tem gente que não aproveita No estudo “Aproveitamento de Biomassa residual em engenho de arroz para geração de energia em uma micro central termelétrica”, de Cindi de Oliveira Gehlen, Flávio Dias Mayer, Roger Gallon, Seimur Tiago Serafini, Weslei Monteiro Ambrós e Ronaldo Hofmann, desenvolvido pela UFSM, calcula-se que são depositadas em aterros, somente em São Pedro do Sul, 6.000 toneladas de casca de arroz por ano, o que implica em gasto com transporte para que os resíduos sejam depositados no solo, onde levam um período de aproximadamente 5 anos para se decompor. Na maioria dos engenhos de arroz, quase todo esse material vai direto para as lavouras e fundo dos rios, prejudicando o meio ambiente, além de ser um ato criminoso.
bustão para geração de vapor em uma caldeira, acumulando energia térmica em forma de calor que aciona uma turbina a vapor acoplada a um gerador elétrico. Este ciclo produz energia térmica e elétrica a partir do mesmo combustível. A MCT instalada em São Pedro do Sul substitui parcialmente a eletricidade consumida pela empresa. A geração térmica a partir de combustíveis como o gás natural e, especificamente na região sul, o carvão mineral, contribui para a redução das emissões de gases do efeito estufa. Calculando a redução na emissão de gases de efeito estufa pelo fato de a Doeler Alimentos não mais utilizar toda a eletricidade proveniente da rede, ela deixa de emitir 312,31 toneladas equivalentes de CO² por ano. Este cálculo foi feito a partir dos fatores de emissão disponibilizados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. Deve-se somar a isso a redução das emissões de gás metano pela decomposição da casca de arroz que, uma vez consumida na caldeira, não será depositada em aterros. O resultado final obtido é de uma redução de 6.003,01 toneladas
equivalentes de CO². Portanto, somando-se as duas parcelas, chegamos a um total anual promovido pelo funcionamento da MCT de 6.315,32 toneladas equivalentes de CO². Falando ainda sobre questões ambientais, deve-se considerar a grande produção de cinzas (18% do peso total de casca), proveniente da queima da casca de arroz, que se torna poluidora quando é descartada no meio ambiente. Devido a problemas técnicos na caldeira, a MCT não atendeu o fornecimento de energia esperado após a sua instalação, alguns fatores como a potência alcançada e a eficiência elétrica líquida fugiram da expectativa inicial. Os 196 kWh gerados pela MCT não foram suficientes para abastecer o consumo total do engenho (180 kW), pois os equipamentos da central de geração de energia elétrica (bombas, insufladores de ar, exaustor de gases, etc.) consumiam 40 kWh para o seu funcionamento. Em junho de 2007, a empresa Doeler Alimentos substituiu todos os equipamentos defasados do seu engenho por outros mais modernos e mais eficientes. Assim, tornou-se possível o abastecimento total do engenho pela MCT, apesar dela estar operando abaixo de sua capacidade nominal. “Os valores de viabilidade econômica obtidos são extremamente interessantes do ponto de vista do investidor, principalmente quando se considera a entrada de recursos provenientes da comercialização de créditos de carbono. O valor do investimento inicial de R$ 312.959,00 não abrange todos os custos envolvidos na instalação de uma MCT. A empresa Doeler Alimentos já dispunha de uma caldeira e, devido a limitações no orçamento do projeto, ela foi escolhida para a instalação da MCT”, ressalta Flávio Mayer, estudante de mestrado em Engenharia de Processos na UFSM.
Tecnologia limpa evita a emissão de toneladas de CO²
Alexandre Poerschke Mais informações sobre este estudo e implantação você encontra nos sites: - www.ptz.com.br - www.ufsm.br/cenergia
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ENERGIAS RENOVÁVEIS
Tecnologia a favor do meio ambiente
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esde sua origem, o homem sempre buscou maneiras de garantir sua sobrevivência e suas necessidades transformaram-se em fontes de evolução. Assim foi com os meios de transporte. A procura por instrumentos que ajudassem na locomoção de bens de consumo, alimentos e indivíduos para lugares longínquos acarretaram o surgimento destes meios. Com a modernidade, os veículos automotores tornaram-se indispensáveis pela sua praticidade e conforto. Porém, a contemporaneidade não trouxe apenas benefícios. Além de poluentes e causadores de sérios desequilíbrios ambientais, os combustíveis fósseis são finitos e as reservas existentes tendem a terminar. Para tentar reverter este quadro a tecnologia desempenha um papel fundamental, a busca de alternativas que revertam este contexto. Os biocombustíveis, neste sentido, tornaram-se a esperança de mudar esta realidade. Os biocombustíveis são materiais biológicos renováveis, provenientes de produtos agrícolas que, quando em combustão, têm a capacidade de gerar energia. O biodiesel, o etanol, a biomassa e o gás natural veicular (GNV) são exemplos de energia limpa, ou seja, não poluente (veja o quadro). Alguns motoristas já estão aderindo ao novo combustível.
“Optei pelo GNV devido à sua economia. É muito mais vantajoso que a gasolina. Estou satisfeito com a troca”, relata o técnico em radiologia, Leonardo Cichy, que possui um veículo convertido ao GNV há dois anos. O GNV tem importante papel na redução dos níveis de poluição atmosférica, pois não possui impurezas e desaparece imediatamente quando vaza, além de produzir uma chama limpa que, quando queima, produz menos poluentes. E, ao contrário do que se pensa, o GNV não resseca o motor. O que pode ocorrer é o ressecamento das peças que fazem contato com o combustível líquido (gasolina). Para evitar que isto aconteça, precisa-se de uma boa manutenção como qualquer outro carro movido a outros combustíveis. Do ponto de vista econômico, o investimento inicial será de R$ 1.500,00 a R$ 2.300,00 preço equivalente à instalação do kit gás. Todo veículo convertido para o GNV deve, pela lei, ter seus documentos modificados. No novo certificado irá constar o combustível original e também a sigla GNV. “A perda de potência do motor convertido para GNV é de 10%, inclusive pela colocação de um pouco mais de peso no veículo. Um cilindro médio para GNV pesa em torno de 70 kg. Por outro lado, a economia do GNV compensa.
Daiane Kohler
Exemplos de energia limpa: biodiesel, etanol, biomassa e gás natural veicular
Alguns motoristas já aderiram ao novo combustível
Leonardo está satisfeito com o desempenho e economia apresentados pelo carro convertido a GNV “Para ter uma noção, um carro a gasolina tem um consumo médio de 7 km por litro na cidade, ao preço de R$ 2,40. Então, o custo em 100 km rodados é de R$ 33. Enquanto um carro movido a GNV faz 10 km/m³ na cidade, ao preço médio de R$ 1, 40. Em um total de 100 km rodados, o custo será de R$ 14,00”, afirma o engenheiro mecânico, Horácio Figur, de Porto Alegre. Por outro lado, determinados aspectos devem ser analisados com maior atenção. A produção de biocombustíveis vem reduzindo a produção de alimentos. Muitos produtores preferem investir no plantio de determinados produtos para
transformar em biocombustível, na busca de maiores lucros. Outro ponto que deve ser analisado é o desmatamento de imensas áreas para o cultivo de um único produto, o que pode gerar sérios danos ambientais. Segundo o engenheiro agrônomo e professor da Unifra, Afrânio Almir Righes, a falta de rotatividade de culturas em uma exploração agrícola gera danos e, neste caso, o agricultor poderia dividir sua área de plantio em diferentes talhões e fazer a rotação de culturas. “Qualquer tipo de monocultura causa desequilíbrios. Portanto, seja qual for a opção de cultivo, o ideal seria manter a mata virgem com sua diver-
sidade atingindo um clímax de equilíbrio. Entretanto, a produção de grãos e alimentos não pode parar, o homem depende deles para sua sobrevivência. O que precisamos fazer é minimizar os impactos ambientais provocados pelas ações antrópicas em cada atividade empreendida”, completa Righes. Os transportes continuam tendo um importante papel na sociedade moderna, porém suas estruturas estão sendo repensadas. Tecnologia associada à preservação do meio ambiente parece ser o caminho eficaz para o futuro. A vida no planeta agradece. Daiane Paim Kohler
Conheça alguns biocombustíveis: Biodiesel
Combustível biodegradável alternativo ao diesel de petróleo. Criado a partir de fontes renováveis de energia, livre de enxofre em sua composição. Originado, basicamente, de álcool e óleo vegetal ou gordura animal e, por possuir queima limpa, gera menos poluentes do que o diesel de petróleo.
Etanol
Álcool incolor, volátil, inflamável e solúvel em água, derivado da cana-de-açúcar, do milho, da uva, da beterraba ou outros cereais, produzido através da fermentação da sacarose. Contém cerca de 35% de oxigênio em sua composição e sua queima resulta em calor, sem presença de fuligem. Devido a isso, a emissão de dióxido de carbono é muito baixa.
Biomassa
Fonte de energia limpa, renovável, disponível em grande quantidade e derivada de materiais orgânicos. A cana-de-açúcar, restos de madeira, casca de arroz, estrume de gado, óleo vegetal e lixo urbano são exemplos de biomassa. Vantagens do uso da biomassa: energia limpa e renovável; causa menor corrosão de equipamentos; os resíduos emitidos pela sua queima não interferem no efeito estufa; reduz a dependência do petróleo; diminui o lixo industrial.
GNV
Gás natural veicular - combustível alternativo para veículos. Não possui impurezas, desaparece imediatamente quando vaza, produz uma chama limpa que, quando queima, produz menos poluentes. Por ser substituto da gasolina e do álcool hidratado, o GNV tem como vantagem a economia - o preço de comercialização é menor. Fonte: http://www.polobio.esalq.usp.br/biocombustiveis.html
Jornal Laboratório Especializado em Meio Ambiente - Jornalismo/Unifra
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7ª edição - novembro/2008
Cães e gatos de rua também são problemas ambientais
ma moradora de Santa Maria leva seu animal para fazer as necessidades na calçada. - Você não recolhe as fezes do cachorrinho? - Não, responde ela. Vira as costas e, depois de um tempo, chuta o cocô para a rua. Engraçado, talvez, mas é a realidade de Santa Maria. Outra cena, na mesma rua, é impressionante. Aproximadamente 11 gatos reviram o lixo dos moradores. Mais adiante, ração espalhada pelas calçadas. É visto que os animais não têm donos, na cidade isso é muito comum. E a responsabilidade, é de quem?
Os gatos e cachorros de rua enfrentam todos os dias uma saga para sobreviverem. Além do frio e dos maus tratos por parte das pessoas, esses animais sofrem com o perigo de atropelamentos, que constituem um dos maiores índices de mortalidade entre eles. Muitos animais são comprados e, quando não agradam seus donos, ou crescem demais, são jogados fora e passam a viver como sem-tetos, perambulando pelas ruas. Em Santa Maria, ver cães e gatos abandonados andando pelo centro e por toda a cidade é uma cena comum. Mas estes animais são responsabilidade de quem? Existem diversos órgãos ambientais na cidade, como IBAMA, Secretaria Municipal de Proteção Ambiental, 2º Batalhão Ambiental da Brigada Militar, entre outros, mas nenhum possui um local específico destinado ao abrigo de animais abandonados. Segundo o engenheiro Tarso Isaia, chefe do escritório regional do IBAMA, não existe nenhum Centro de Zoonoses em Santa
pricila lameira
Maria, que seria o local próprio para abrigo dos animais de rua. “Em outras cidades, existem programas do governo, como centros de zoonoses, que praticam o recolhimento desses animais abandonados. A partir disso, eles são tratados e encaminhados para adoção e quem adota assina um termo se responsabilizando pelo animal. Em Santa Maria podemos ver centenas de animais abandonados por toda a cidade, pois não há controle”, afirma Tarso. O recolhimento
De acordo com a Secretaria Municipal de Proteção Ambiental, o município é responsável pelo recolhimento desses animais, mas não existe um local para isso. “O órgão responsável não é a Secretaria de Proteção Ambiental, deveria ser na parte de fiscalização do patrimônio, mas nada é feito”, comenta um funcionário da Secretaria. Existe ainda em Santa Maria o Clube dos Amigos dos Animais, uma entidade sem fins lucrativos, formada por profissionais de diferentes áreas, que alerta para a conscientização da posse responsável. O clube não faz recolhimento, pois considera que esta ação incentiva o abandono. Todo o trabalho é voluntário e não recebe verbas. A opção é trabalhar a raiz do problema, que é falta de informação sobre as responsabilidades que comportam a aquisição de um animal de estimação e a procriação desenfreada. Como muitos animais se perdem, para colaborar na procura de um animal perdido ou encontrado, o Clube Amigos dos Animais está à disposição na Feira do Vira Lata que é realizada na praça dos Bombeiros, aos domingos, das 10h30min às 12h, onde ocorre a adoção
Em Santa Maria, não há local destinado ao abrigo de animais abandonados
Tem punição contra maus tratos? A Lei n° 9.605, de Crimes Ambientais, de 12 de fevereiro de 1998, é clara. De acordo com o artigo 32, praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, é crime contra o meio ambiente. A lei prevê detenção de três meses a um ano, além de multa. Também é crime e incorre nas mesmas penas realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Um exemplo de descaso é este cão abandonado no centro da cidade de animais encontrados nas ruas. Para sorte de alguns animais, há pessoas que, quando podem, recolhem os cães e gatos de rua, tratando suas doenças e auxiliando na adoção. Uma dessas pessoas é Myrian Santos, que adotou em sua casa diversos animais de rua para encaminhar para adoção e auxilia os feridos em atropelamento. “Ficava com pena deles passando fome e frio na rua, sem ter um lugar pra dormir. A maioria dos cães estava com algum problema, como sarnas, machucados, ossos quebrados, pulgas e carrapatos. Em nossa cidade não tem nenhum órgão que ajude, que auxilie ou recolha os animais. Já socorri muitos animais de rua que foram atropelados em frente à minha casa. Já estou com lotação esgotada”, explica Myrian.
Sites e comunidades da internet que discutem esse problema: ARCA Brasil www.arcabrasil.org.br Clube Amigos dos Animais www.clubeamigodosanimais.com.br Protetores dos animais: www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=148673 Contra maus tratos aos animais: www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=1141664 Violência com animais é crime: www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=21589119
Um centro de zoonoses onde os animais são recolhidos e encaminhados para adoção, poderia resolver alguns problemas desses animais, além de evitar que eles ficassem pelas ruas correndo perigo no trânsito. Os cães e gatos de rua são vítimas constantes de atropelamento em Santa Maria. E, na maioria das vezes, quem atropela não presta socorro, como comenta Myrian: “As pessoas que atropelam animais nas ruas, não têm a menor noção da gravidade em que os animais ficam após o atropelamento, isso quando sobrevivem. A maioria chega ao hospital veterinário com fraturas na bacia, pernas e braços quebrados, vários não sobreviveram a caminho do hospital. Os cães se arrastam e gritam de dor, enquanto as pessoas simplesmente seguem seus caminhos sem nem se importar com o que acabaram de fazer. Muitos não conseguem nem sair do meio da rua, e são atropelados novamente. Deveria haver uma maior conscientização das autoridades, fazendo com que as pessoas pelo menos refletissem sobre o assunto.” Segundo Tarso, o centro de zoonoses de Santa Maria ficou apenas no papel, não foi aprovado. Enquanto não houver conscientização e posse responsável, muitos animais vão continuar a perambular pelas ruas, embaixo de chuva ou sol e correndo risco de vida. Pricila Lameira e Andria Lampert