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REVISTA DO MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA

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ficha técnica PROPRIEDADE Movimento da Escola Moderna REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO Rua do Açúcar, 22-B 1950–008 Lisboa Tel. 218 680 359 e-mail: mem@mail.telepac.pt DIRECTOR Sérgio Niza COORDENAÇÃO Francisco Marcelino Pereira Filomena Serralha REDACÇÃO Clara Felgueiras Graça Vilhena Inácia Santana Ivone Niza Joaquim Segura Júlia Soares Júlio Pires Manuela Castro Neves Pascal Paulus DESIGN GRÁFICO Fernando Felgueiras PAGINAÇÃO Jorge Belo

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IMPRESSÃO Estúdio Gráfico 21 – Artes Gráficas, Lda.

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Tiragem: 2000 Exemplares Periodicidade: 3 números por ano Depósito Legal 107 975/81 Os artigos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os trabalhos publicados na ESCOLA MODERNA podem, em princípio, ser transcritos noutras publicações desde que se indique a sua origem e autoria. No entanto, é preciso um pedido de autorização para cada caso.

sumário 3 Editorial 6 O Diário de Turma na vida de um grupo de Jardim de Infância 21 A escrita para aprender matemática 43 Numa sala de aula: o modelo do MEM e a Educação para a Paz 52 O contexto organizativo do trabalho autónomo e o desenvolvimento da produção escrita em Inglês

Sérgio Niza Aurora Sofia R. Garcia

Inácia Santana Eunice Ribeiro Margarida Belchior

Júlio Pires


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Editorial

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omemoramos este ano o primeiro centenário da implantação da República. Aproveito para me interrogar convosco sobre a ausência ou o fracasso de uma educação para a cidadania democrática nas nossas escolas, reconhecendo a sua necessária urgência para sustentar a república e a democracia. Se não é alheia a esta situação toda a história republicana, o que é certo é que todos somos responsáveis, como cidadãos, pela indiferença sobre tão determinante acontecimento. Limitar-me-ei aqui a abordar os problemas que nos convocam para a história da 1.ª República. Retomarei, mais tarde, a República a partir de 74. Começarei por recordar o primeiro dilema, que decorre duma questão fundacional da cultura republicana, o da promoção de uma humanidade racional ou, no dizer de Fernando Gil, “ser adulto significa, nesta óptica, aprender a diferir a satisfação imediata das funções, saber esperar e recusar a urgência”, o que os republicanos portugueses estranhamente designaram por uma educação viril, confundindo o homem com a virtude e o esforço. Na perspectiva de Gil, “o contrato tácito, a partilha de responsabilidades entre a sociedade civil das famílias e a escola, Estado, enunciava-se singelamente: a sociedade civil entregava ao Estado crianças e adolescentes capazes de atenção e interesse pelos conteúdos escolares; cabia à escola assegurar a aprendizagem”. Tratava-se principalmente, de assegurar a instrução pública.

Em matéria de educação, o ideal das luzes apropriou-se com acentuação exemplar, a partir de Rousseau, dos valores religiosos judaico-cristãos, procedendo à sua laicização, através de uma manipulação ortopédica, como “via infalível para atingir a liberdade”. “A dimensão declaradamente ética da educação” (Gil, p. 161) não se dirige apenas ao cidadão da República, mas ao ser humano. A instrução para a cidadania assente na necessidade do exercício moral, que é a educação cívica, por mais neutralizado que se apresente, como uma moral laica, desde a proposta de Condorcet em 1792, conflitua inevitavelmente com a educação toda, como aconteceu no trânsito para a república liberal democrática de 1910 e tal como continua a acontecer na de 1974. No decreto referencial de Março de 1911 para a reorganização dos serviços de instrução primária, podemos encontrar o essencial do ideário programático para a educação republicana nas escolas: o desenvolvimento do carácter pelo exercício permanente da vontade. Porque “Portugal precisa de fazer cidadãos […] pela emancipação definitiva de todos os falsos dogmas […] para que o seu espírito floresça na autonomia regrada que é a força da civilização”. Neste preâmbulo do decreto introduz-se o problema que após a guerra de 14-18 virá alimentar algumas polémicas lançadas por intelectuais da Seara Nova, e especialmente por António Sérgio. O problema é o método da administração moral ou cívica. E cito de novo o decreto:

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“Mas a escola primária não se ministra apenas pela educação pelo facto de [nela] se facultar a sua base essencial: a instrução. Ministrase também educação directamente e nas suas consequências e resultados, fornecendo à criança pela prelecção, pelo conselho e pelo exemplo, as noções morais do carácter.” Ora uma tal educação directa é ainda, para este programa de reforma para todo “o português da geração que começa” (a ideia refundadora da nação pelos republicanos), um programa de instrução moral catequético com os métodos em tudo idênticos aos da influência jesuítica a que os governantes queriam subtrair as crianças portuguesas: “A república libertou a criança portuguesa subtraindo-a à influência jesuítica” – diz-se. Nesse laboratório de educação infantil, a escola primária, um órgão do Estado, no dizer de Condorcet, é “o lugar para formar a alma da pátria republicana”. Com efeito, à suspensão do endoutrinamento moral dos jesuítas (como metáfora da Igreja Católica Romana), contrapôs a República uma sacralização outra e pelos mesmos meios pedagógicos, sem que a esperada expansão da instrução pública se verificasse a tempo das expectativas alimentadas. Tais problemas e outros desaires acumulados fizeram eclodir nos iluminados anos 20 um longo debate sobre a inércia da instrução pública, como tudo, tardia e ineficaz para a sustentação da República. Entre a implantação da República e os anos 20, interrompido o esforço desastroso da participação portuguesa na guerra de 14-18, a acção do partido republicano no governo “será para a educação popular como para muitas outras coisas, uma enorme decepção, decepção essa que foi, ao que tudo indica, vivida de uma forma bastante intensa, devido em parte às expectativas criadas pela própria propaganda republicana anterior ao 5 de Outubro”, sigo António Candeias. Nas cidades os operários, pela mobilização anarquista dos seus sindicatos, veio, entrando

em clara ruptura com as promessas educativas da República, e tarde demais, em 1925, no Congresso de Santarém da Confederação Geral do Trabalho, tomar posição sobre: a) a rejeição do modelo educação estatal oficial, b) sobre a definição do que deve ser a escola do futuro; e sobre c) as directrizes práticas e organizativas tendo em vista uma rede de escolas alternativas à rede escolar estatal (Candeias, p. 130) É neste contexto que se poderá compreender a acção missionante e algo quichotesca de alguns intelectuais da heterogénea Seara Nova, equivocamente coligados nos anos finais da República, “contra a finança e os partidos”. Distingo, pela finalidade que me proponho, o trabalho doutrinador de António Sérgio ao longo de toda a Primeira República, pedagogista e crítico, como se definiu, pelo contributo de teorização educativa que nos deixou, com referência especial neste momento para o seu texto sobre Educação Cívica, de 1915, preocupado, como confessa, “pelos problemas para que nos atirou a República”. É certo que se trata de um programa de formação moral para realização do exercício da cidadania a partir da escola – um programa de demopedia. Informado pela acção pedagógica mais avançada que se debatia no Instituto Jean Jacques Rousseau, de Genève, que frequentou com a sua mulher, entre 1914 e 1916, lugar de encontro e cruzamento de famosos psicólogos e pedagogos e dos melhores ensaios pedagógicos que a Liga Internacional para a Educação Nova coordenava. Pensa António Nóvoa que o seu ideário pedagógico se constrói neste verdadeiro epicentro da Educação Nova. As “escolas de ensaio” que concebeu inspiradas nesse tempo de estudo em Genève, pensava-as ele assentes em princípios sócio-pedagógicos, na expressão do meu mestre e seu discípulo Rui Grácio, (1.) que fariam delas uma espécie de pré-figuração típica e depurada do município democrático (educação cívica): (2.) comunidades regidas pelo autogoverno e pelo


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trabalho produtivo em cooperação, e suscitadoras da autonomia do aluno. “A heteronomia [explicava Sérgio] pode ser um processo de domesticação de bichos; mas só na autonomia – e pela autonomia - se realiza uma verdadeira educação para homens”. (Ens. VII) Todo o projecto de regeneração social em que investe é investindo a educação como única “alavanca” para transformação das mentalidades e do país: “os acontecimentos políticos e sociais do meu país despertaram em mim o interesse pelas questões sociais e históricas; as minhas reflexões conduziram-me a desvalorizar as soluções da política dos partidos ou clientelas […] e a reconhecer o valor dos factores educativos”, escreve aos trinta e dois anos, na autobiografia destinada ao Instituto Rousseau. Os temas centrais do seu “apostolado cívico” são o papel do trabalho na formação da humanidade e o da autonomia como acesso à construção da liberdade. Assume o trabalho como orientação fundadora da educação e da vida social: “o trabalho como alicerce, como programa e como meio: o trabalho como instrumento de todo o progresso de consciência”. (Educação Profissional, 1916) Concebe a autonomia como estruturante da formação sob três condições determinadas: a) A autonomia e a educação cívica aprendem-se praticando e não através de qualquer ensino e disciplina. b) A acção em prol da autonomia deve “exercer-se não só no ambiente escolar, pelas actividades profissionais, e pela instituição do self-government (autogoverno) como mostrei na Educação Cívica, mas também na sociedade exterior”. (1917) c) Na escola, como na sociedade, “não pode a autonomia ser-nos presenteada pelos gover-

nantes; tem que ser conquistada pelos governados, pacientemente, todos os dias”. (1917) Compreende-se a distância existente entre a ideologia do decreto refundacional da instrução pública de 1911 e as propostas de Sérgio correspondentes à sua estadia em Genève: educação cívica, considerações histórico-pedagógicas e educação profissional. Enquadravam-se nesse entusiasmo mobilizador da Europa e das Américas, que construíam uma Escola Nova para os filhos da burguesia numa escola exemplar e dispendiosa. Só as escolas sindicais urbanas e alternativas puderam aspirar aos seus métodos, passageiramente. As escolas populares usaram alguns meios seus e de forma ainda mais exígua. As propostas de António Sérgio representam para a história da cultura da educação em Portugal o que a Reforma Camoesas representou como o mais avançado nível de políticas de educação. Trata-se, porém, de excepcionais documentos de pensamento e de orientação política do que poderia ter sido. Um amargo incumprimento de nós. A Escola Nova em Portugal é mais o fim de um período da história da educação, do que o começo de uma nova era. Retiro a afirmação do título de um subcapítulo da tese de António Nóvoa, O tempo dos professores, que nos ajuda a compreender primeiro: como a Educação Nova entre nós é um fenómeno urbano, contrariamente aos preceitos do “programa mínimo da Escola Nova tipo”, que as situava em propriedades rústicas, constituindo confortáveis falanstérios para a educação. Segundo, que os portugueses da Educação Nova são “pedagogistas” e “pedagogos” em vez de “educadores” e “práticos” do ensino. Os tempos mudaram mas a socialização democrática continua por construir. E o empenho pela coisa-pública poderá existir sem cidadania democrática?

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Pessoa colectiva de utilidade pública Membro Honorário da Ordem da Instrução Pública

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