Roberto Klotz
A bruxinha que queria ser fada
Ilustrações: André Cerino
FICHA TÉCNICA
Era uma vez uma bruxinha que não queria ser bruxa. Ela era novinha e não gostava de usar saia preta comprida, pesada e arrastando pelo chão. Achava aquela roupa feia, muito feia, fora de moda, coisa de bruxa! ― Mas Catuxa, minha filha, você é uma bruxa! ― Por mil trovões, eu não quero ser bruxa! ― Como assim não quer? É de família. Eu sou bruxa, sua avó é bruxa, sua bisavó é bruxa, sua tataravó é bruxa, sua tatatataravó é bruxa.
6
Então já tem bruxa demais e eu não quero ser bruxa de roupa preta e verruga no nariz. Eu quero ser fada. Já decidi, quero ser fada de roupa clarinha e nariz arrebitado. E tem mais ― viu, mamãe? ― todas as feiticeiras são velhas e eu não quero ficar velha com dez anos. Nem a tradição de trezentos anos foi argumento para mudar a vontade da pequena teimosa.
7
Além da roupa preta, Catuxa também não gostava da vassoura de piaçava. Dizia que vassoura era coisa que não se usava mais. Nos escritórios e casas de ricos usam-se aspiradores de pó. Seria muito mais elegante e moderno voar num aspirador de pó amarelo e dar rasantes por cima da cabeça das crianças malcriadas. ― Vruuuuuum!
8
Catuxa se parecia com uma bruxa, vestia-se como uma bruxa e resmungava como uma bruxa. Porque era uma bruxa resmungona. ― Eu odeio ser bruxa! Não quero mais ser bruxa. Quero ser fada. Quero ser uma linda fada. Bruxas são mal-humoradas, feias, azedas e se parecem com mariposas. Fadas têm humor, são bonitas, doces e se parecem com borboletas. Além de resmungar, a bruxinha, que já sabia ler e escrever, começou a procurar nos livros algum jeito de virar fada.
9
Revirou os livros de feitiçaria da mãe, fuçou nos escritos de encantos da tia, procurou no grande livro de bruxarias da vovó e não encontrou nada. Descobriu como fazer chover cobras, aprendeu a transformar gatinhos em bolas de futebol, encontrou como congelar pensamentos e mais algumas diabruras. Só não achou o meio de realizar seu sonho.
10
Todos os dias a infeliz Catuxa perguntava para as amiguinhas da escola, para a professora de magias e para quem estivesse por perto se alguém sabia o que deveria fazer para se transformar em fada. Um dia, bem cedinho, foi até a biblioteca da escola e procurou... e procurou... e procurou até a noite chegar, e também não encontrou o modo de virar fada.
11
A nossa amiguinha, além de resmungona, ficou tristonha. A mãe de Catuxa, que estava preocupada com ela, preparou seu doce preferido. ― Filhinha, querida, olha só, fiz este doce especialmente para você: filhotes de tartaruga com marrom glacê e raízes de barbatimão. Catuxa abriu um sorriso enorme, de orelha a orelha. Mamãe bruxa ficou muito satisfeita com a volta da alegria. O que ela não sabia é que a alegria era porque a filha encontrara no livro a receita que tanto buscava.
12
Receita para bruxa virar fada Pegar uma ovelha branquinha e pequenininha, acrescentar as cores do arco-íris, juntar uma vela acesa de bolo de aniversário, as asas de um anjo e um beijo de mãe. Misturar com açúcar a gosto, derramar uma lata de leite condensado e temperar com duas pitadas de cílios de antílope e duas colheres de alegria ralada. Cozinhar tudo por três horas e tomar um copo antes de dormir.
13
A aprendiz de feiticeira parou de resmungar e começou a cantar de felicidade. E ansiosa que era, decidiu fazer a receita na mesma hora. Foi para a cozinha e procurou os ingredientes nos armários. Logo encontrou uma lata de leite condensado, os cílios de antílope e a alegria ralada. Procurou um pouco mais e lá estava, atrás do calendário o açúcar agosto. Estava bem atrás do açúcar setembro. A nossa bruxinha, que era esperta, sabia que tempero ruim só podia dar comida ruim. E a comida gostosa, usa temperos gostosos. Então a receita para virar fada só poderia ter ingredientes bons. Mas como faria para botar uma ovelhinha branquinha no caldeirão?
14
15
Espertinha, ela procurou em toda volta, olhou para um lado, olhou para o outro lado, olhou para baixo e também olhou para cima e aí teve a ideia de pegar a sua vassoura, uma tesoura e um saco para então levantar num voo bem alto. Subiu, subiu e subiu até chegar nas nuvens. Ali, voou entre os algodões até achar uma nuvem que fosse igualzinha a uma ovelhinha. Recordou com a tesoura e colocou-a dentro do saco. Feliz com sua rapidez despejou a ovelha no caldeirão junto com o leite condensado, os cílios de antílope, a alegria ralada e fechou com a tampa. Catuxa releu a receita: tirar as asas de um anjo e acrescentar um beijo de mãe.
16
Mas a nossa bruxinha não queria cortar nenhuma asa de anjo. E aí ela pensou, pensou e pensou até que percebeu que já era meio-dia. Pegou novamente a sua vassoura e um bombom e saiu à procura de uma criança que estivesse almoçando. Não foi difícil encontrar um menino mal-educado mastigando com a boca aberta e os braços esparramados. Ela pousou do lado e disse: ― Menino, se você encolher os cotovelos e comer de boca fechada, você ganha este chocolate.
17
Na mesma hora o moleque juntou os braços ao corpo e acenou que sim com a cabeça, sem abrir a boca. A mãe do garoto agradeceu por ter acabado com as asinhas do seu anjinho e agradeceu com um beijo. Ah, para as mamães, até os pestinhas são anjinhos. A bruxa Catuxa voou de volta, feliz da vida, até a sua panelona, levantou a tampa com cuidado e acrescentou as asas de anjo e o beijo de mãe. Mas ainda faltavam as cores do arco-íris e uma vela acesa de aniversário. O sorriso de alegria virou tristeza só de pensar como seria se juntar com outras crianças, cantar o parabéns e bem na hora de a criança soprar, esticar o braço e roubar a vela. Seria muita maldade ― como pode uma bruxa que quer ser fada ― fazer uma malvadeza dessas?
18
19
Só que Catuxa, nós já sabemos, era esperta, e tinha boas ideias. E já sabia, pelo menos, como encontrar as cores do arco-íris. E lá se foi Catuxa, mais uma vez na sua vassoura. Ainda bem que não era um aspirador de pó, pois o fio elétrico não seria comprido o suficiente para chegar até a caverna da montanha iluminada. Lá na caverna a feiticeirinha escolheu um enorme cristal brilhante e depois voltou para casa. Pendurou o cristal entre o caldeirão e o sol de forma que as luzes multicoloridas pintassem a ovelhinha com as sete cores do arco-íris e rapidamente recolocou a tampa. ― Uau! Que legal! ― Só falta a vela do bolo de aniversário.
20
As instruções eram bem claras: a vela deveria ser retirada acesa do bolo de aniversário de uma criança na hora do parabéns. Catuxa sabia que não existia crueldade maior no mundo e pensou que ninguém seria tão mau a ponto de provocar o choro de uma criança no exato momento mais importante da vida. Isso não se faz.
21
Então Catuxa, que não era boba nem má, já sabia como conseguir a velinha. Foi para a cozinha, juntou leite, açúcar, chocolate e farinha, assou um bolo bem grande, bem grande mesmo. Acendeu uma vela em cima do bolo, pegou sua vassoura e voou à procura de alguma festinha de aniversário. ― Será que a nossa bruxinha vai estragar a festa de aniversário de algum menino ou de alguma menina? Não, Catuxa não é má. Ofereceu o bolo com a vela acesa em troca do outro bolo menor, deixando o menino supercontente. Assim conseguiu o que faltava para a desejada receita.
22
Voltou radiante, pôs a vela acesa na panela, finalmente acendeu o fogo e deixou cozinhar por três horas. Perto da hora de dormir, Catuxa tomou o primeiro gole, o segundo gole e, ao terceiro gole, apareceu a fada madrinha cercada de luzes coloridas. ― Muito bem, Catuxa, você passou no teste, temos certeza de que você não é má. Você é boa. Como prêmio vou transformá-la em fada ― encostou a mão na testa de Catuxa. ― Plim!
23
Debaixo de estrelas douradas, que piscavam mais que mil vagalumes, Catuxa se transformou em fadinha linda de vestido azul, saltos altos, asas de borboleta. A vassoura, que assistia Ă dona trocar o preto por azul, encolheu, encolheu, encolheu e se transformou em varinha de condĂŁo.
24
25
Roberto Klotz é um contador de histórias. Publicou os livros O monstro na caixa azul, para crianças, e Quase pisei!, Cara de crachá e Pepino e farofa, para adultos. Vovô Klotz adora ganhar prêmios literários e beijos lambuzados de chocolate.
André Cerino é artista plástico, artista gráfico, escultor, chargista, cartunista, caricaturista e ilustrador. Em 30 anos de arte, ilustrou vários livros infantis e conquistou prêmios nacionais e internacionais. Sua caneta preferida desenha alegria.