O monstro na caixa azul

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Roberto Klotz

O monstro na caixa azul

Ilustrações: André Cerino



O monstro na caixa azul Roberto Klotz


Ficha tĂŠcnica



Era noite. Todas as crianças da idade de Tico já estavam deitadas nas suas camas, mas ele não saía da frente da televisão. Viu desenho do Homem-Aranha, viu desenhos do Mickey e até do Pequeno Príncipe. Tudo pela vigésima vez. Mas nada de ir para a cama. – Tico, vá dormir! – insistia a mãe. Os olhinhos de Tico já estavam fechados. Papai levou-o no colo para o quarto. No dia seguinte, a mesma história. – Tico, vá dormir! Ele fazia força para manter os olhos abertos enquanto a TV mostrava o desenho de outro super-herói. Mamãe cutucou-o e levou-o pela mão até o quarto. Fez um carinho na testa, beijou-o e desejou-lhe boa-noite. Sempre era a mesma coisa. Não havia jeito de fazê-lo ir para a cama. Nenhum pedido, nenhuma bronca resolvia. A mãe tentava de tudo. Fazendo beicinho, respondia que não.

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Tico só se deitava quando levado, arrastado ou carregado. Jamais sozinho. – Eu não quero ir para a cama! – Até o seu irmão mais velho já foi para o quarto – argumentava a mãe. – Eu não quero car sozinho. Ele já está dormindo. O menino adormecia no sofá. Encostado no pai ou aconchegado à mãe, mas não ia para a cama. Ele era muito doce, mas quando implicava com alguma coisa nada o fazia mudar ou ceder. O irmão o chamava de burro teimoso.

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Algumas semanas se passaram e o dindo veio para assistir a um jogo de futebol pela televisão. Já era muito tarde quando o jogo começou. Tico cochilava esparramado no sofá. Mesmo assim deixaram que casse só mais um pouquinho. De repente, o dindo e o pai gritaram goooool acordando-o do sonho. Deu um sorriso bocejante. – Você quer ver um jogo de futebol no estádio? – perguntou o tio. – Agora? – Não, querido. No domingo a seleção vai jogar aqui na cidade e podemos ir juntos. Que tal? – Uêba! Deixa, pai? O pai acenou que sim. – Vai ser um programa de homem. Só tenho dois ingressos. Só você e eu. O menino aconchegou-se perto do tio e voltou a dormir. No domingo, os dois foram ao estádio de camisa amarela. Na entrada falaram com a Lu, coleguinha da mesma sala. Os dois adoram jogar bola no mesmo time. Foi um encontro rápido. Num sorriso banguela se despediram. Cada um foi para seu lugar. Tico viu cantarem o hino nacional em pé. O jogo começou e só no nalzinho do primeiro tempo o camisa 10 marcou um gol para o Brasil. No intervalo, compraram pipoca e dois copões de refrigerantes.

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– Dindo, você disse que a gente ia fazer um programa de homens, não foi? – Sim...? – Será que você pode me ajudar? – O que está pegando? – A mãe não tá aqui, a dinda não está aqui e nem o meu irmão que implica comigo. Detesto quando riem de mim. Me ajuda a tirar o lobo que ca em baixo da minha cama? O tio balança a cabeça que sim, abraçando o menino.

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O jogo recomeça. Tico parecia estar mais leve, mais à vontade. Gritou e pulou muito quando o 10 driblou o goleiro e marcou um golaço. O estádio levantou, berrando alegria. Ele voltou feliz para casa. Contou para o pai, para a mãe e para o irmão como era o estádio, como era o gramado e como foi o segundo gol. Parecia um papagaio de tanto falar. Lanchou, tomou banho, implorou para colocar novamente a mesma camisa amarela e foi dormir sorridente na sua cama.

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O irmão mais velho ainda provocou: – Lobo mau adora camisa amarela. Passados alguns dias, o dindo tocou a campainha com uma caixa de papelão azul debaixo do braço. Era uma caixa estranha. Com as palavras vermelhas MONSTER e DANGER impressas em todos os lados.

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– O que é isso? – perguntou o menino curioso, ao lado do irmão. – Vou contar. Sentem aí. Lá na Inglaterra, um país bem longe daqui, existem muitos castelos mal assombrados com fantasmas, vampiros e monstros. Pedi a um rei que me mandasse um monstro especial. Um que comesse lobos. Lá na Inglaterra existem lobos, aqui não, mas por via das dúvidas...

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– Isso aqui – apontando para a palavra vermelha – é o nome dele? – Não, não é. Danger em inglês quer dizer perigo e Monster é monstro. É um aviso que dentro da embalagem tem um monstro e que pode ser perigoso. – Tô com medo, tio – disse o menorzinho. – Não precisa. Eu li as instruções. Basta seguir com atenção.

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Ele não consegue sair de dentro sozinho. Tome. Segure a caixa. – Como é levinha. – Esse monstro é seu amigo. Você deve deixar a caixa perto da cama. Veja esses dois furinhos. Ele respira o ar do quarto puxando o lobo para dento dele. Em um ou dois dias o lobo mau desaparece para sempre. – E o que eu faço com este monstro?

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– Daqui a dez dias você vai pedir ao seu irmão para abri-la para ver o que tem dentro. Naquela noite, Tico sentiu-se protegido pelo conteúdo da caixa. Sentia-se maior e mais forte que o irmão. Apagou a luz para dormir, mas o irmão acendeu de novo. Não tirava os olhos do pacote azul. Tico dormiu tranquilo naquela e nas outras noites, enquanto a curiosidade e o medo do irmão aumentavam.

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O irmão deixou de provocar com o lobo mau. Ele estava assustado e com medo do monstro da caixa azul. Conforme anoitecia, o monstro cava mais terrível na cabeça do irmão mais velho. Na quinta noite, o irmão mais velho já imaginava o monstro com rabo, coberto de escamas, orelhas pontudas, chifres azuis e a boca maior que a de dois jacarés.

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Na décima noite, ele não via, nem ouvia, mas no pensamento o monstro, de tão grande, já nem cabia dentro da caixa, soltava fumaça pelos buraquinhos de respirar e rugia mais que cem leões. Por sorte, o tio apareceu em casa para resolver a questão do monstro.

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Explicou que o pior monstro que existia na face da terra era o que botava medo nos outros. Era o que provocava o mais fraco todos os dias. O dindo ofereceu a tesoura para o irm茫o mais velho abrir o pacote. Ele levou um susto enorme quando viu a pr贸pria cara no espelho do fundo da caixa.

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Roberto Klotz é um contador de histórias. Publicou para crianças os livros A bruxinha que queria ser fada e para adultos Quase pisei!, Cara de crachá e Pepino e farofa. Vovô Klotz adora ganhar prêmios literários e beijos lambuzados de chocolate.

André Cerino é artista plástico, artista gráfico, escultor, chargista, cartunista, caricaturista e ilustrador. Em 30 anos de arte ilustrou vários livros infantis e conquistou prêmios nacionais e internacionais. Sua caneta preferida desenha alegria.




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