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ABERTURA
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ABERTURA
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Iniciar esta história parecia tarefa fácil, pois é uma fascinante história. De luta. De sacrifícios. De lágrimas. De sorrisos. Chegadas e partidas. Nascimentos e lutos. Mas a história de um pai sempre é difícil de escrever pois é também a sua própria história. É a sua vida antes ainda dela existir. É difícil de conceber... Graças a Deus e à vontade do destino nosso pai está aqui vivo escrevendo sua própria história hoje conosco, com seus netos, com sua família. Levamos anos até conseguir – juntos - construir essas páginas que se tornam públicas agora. Ser filha ou filho de pessoas como Luis (e Djanira¹) não é fácil, ao mesmo tempo que é um orgulho, não é nada fácil! Tivemos que nos acostumar desde a infância até hoje a conviver com a ausência, por conta de suas “viagens militantes” e a “compartilhá-lo” com muitas pessoas que, como nós, o admiram.
Vivenciamos momentos de dor por mortes de pessoas queridas, que compartilharam histórias e lutas com Luis Tenderini. Perdas de pessoas que participaram da vida de meu pai em São Paulo e em Pernambuco. Que como ele contribuíram para construir a história política do país: João Francisco, Carlúcio! O que mais me comoveu nos momentos de adeus a eles (velórios, enterros e missas) foram exatamente os filhos ali presentes. Me solidarizei com eles. Vi seu sofrimento e compartilhei a emoção (dor e alegria) de ser filha de pessoas como seus pais, como meu pai, como minha mãe. Lembrei-me também de Peggy e de Chico e Arnaldo (nossos amigos de infância) quando sua mãe virou estrela no céu. Lembrei-me ainda de Lucas e Rafael, (filhos e) irmãos levados cedo, contrariando a “lei natural das coisas”... Hoje, sendo mãe, percebo ainda mais a importância de ser filho. E mais do que tudo, ao escrever a história de meu pai, vieram muitas lembranças de mainha, que faz doze anos também se encantou e virou estrela no céu. Reescrevo ainda esse texto, hoje, 19 de janeiro de 2022, com a perda de nosso tio Vital Nolasco, irmão de nossa mãe, comunista, grande guerreiro das causas das/ os trabalhadoras/es. Falando da ditadura militar e de sua primeira prisão, Luis² disse que quando foi preso em 1974 (em São Paulo), o militar do Dops começou a passar as fotos de várias pessoas perguntando quem ele conhecia e ele percebeu que de fato conhecia muita gente que estava sendo procurada! Depois de confirmar conhecer alguns deles
(principalmente os que ele sabia já estarem presos...), o militar virou-se para ele e em tom sarcástico disse: “italiano, tu tá fudido!” Começei a perceber a importância de meu pai quando fui entendendo e vendo quantas pessoas importantes ele conhecia! Pessoas aguerridas, envolvidas com a luta social, a luta por uma sociedade mais justa e igualitária. Gente ‘comum’ e diversa, como diversa é a sociedade, pessoas que aprendemos a querer bem mesmo muitas vezes distantes. Pessoas que de diferentes maneiras contribuíram e contribuem para diminuir as injustiças no mundo. Hoje vejo que tantas destas pessoas me conhecem sem eu nem conhecê-las, pois eu cresci no meio delas. Nós, filhas e filhos de Luis Tenderini e Djanira, crescemos nos encontros, passeatas, manifestações, na militância, enfim! Com outros filhos, crianças que como nós eram “levadas” por seus pais a viver uma vida coletiva, mais bela e humana, crescemos correndo, chorando, dançando, sorrindo, brincando, dormindo, participando da luta, vivendo a batalha por uma sociedade mais justa desde muito cedo. O destino quis assim, o destino quer assim.
por Helena Tenderini, janeiro de 2022
1 Este livro conta a história de meu pai, por isto falamos mais dele, mas nossa mãe, Djanira, está presente sempre conosco nestas páginas, mesmo quando não aparece. 2 Estranho falar seu nome, porque me acostumei – e isso muitas vezes é motivo de sorrisos entre os colegas de trabalho – a chamá-lo de “meu pai” ou então, como aqui no Nordeste do Brasil chamamos, “painho”)