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Da rapidez destes tempos em que vivemos

Daniel Cartucho

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A notícia foi dada em Novembro de 2021. A Google Artes e Cultura com peritos do Museu Belvedere da Áustria, usando inteligência artificial, conseguem reconstruir a cor naquela pintura de Klimt que fora capa do Algarve Médico do número de abril de 2020.

De facto, debaixo dos nossos olhos com a aceleração a muitos níveis destes tempos em que atualmente vivemos, a realidade ganha outros contornos, outras tonalidades e podemos apreciar a imagem anterior da capa agora na sua versão colorida.

Esta pintura intitulada “Medicina”, que desencadeara muita polémica pela nudez representada no princípio do século XX, foi destruída em maio de 1945, quando as forças SS alemãs em retirada incendiaram o castelo onde a pintura estava para evitar que cesta caísse em outras mãos. Dela existiam alguns esboços preparatórios, algumas fotografias e apenas uma fotografia da totalidade tirada pouco antes de esta ser destruída.

Este trabalho de “repintura” foi feito por um algoritmo criado por especialistas de ambas as instituições após um trabalho exaustivo de pesquisa de cores. O robot não colore manualmente as pinturas, faz uma análise estatística estilística das obras de arte de Klimt existentes e aprende a reproduzir imitando o estilo daquela que seria a coloração. Assim, com as referências cromáticas que o algoritmo havia gerado, os especialistas inseriram cuidadosamente as cores na pintura apresentado como resultado a figura que se vê na página ao lado, parte na proposta agora assinalada e parte no registo inicial a preto e branco.

Quando optamos por esta pintura, Medicina, para capa do Algarve Médico estávamos no início da pandemia covid-19 e aquele rio da vida na sua representação a preto e branco da pintura de Klimt foi a imagem que tomámos como referencia para aqueles dias. Como então dissemos, aquela pintura impressiona não só pela sua beleza, mas também pela precisão que poderemos ver como metáfora da presente realidade. Numa coluna de figuras nuas no lado direito da pintura, representa-se o rio da vida. Ao lado dela uma jovem nua como que flutua no espaço, com um bebé recém-nascido aos pés, representando a vida. Um esqueleto representa a morte, naquele que é o rio da vida. O único elo entre a mulher flutuante e o rio de corpos são dois braços - o da mulher de frente e o do homem de dorso - o que poderá representar uma coneção com os dois sentidos, ida e vinda, entre estes dois elementos da pintura. Com a figura de Hygeia, filha do deus da medicina, na base da pintura, concluíamos que se transmitia uma unidade ambígua de vida e morte, sem nada que celebrasse o papel da medicina ou da ciência na cura. Era onde nos encontrávamos então, com o desconhecimento acerca do vírus e do poder - que não tínhamos - para o frenar. Socorríamo-nos, então, do estabelecido remotamente: isolamento e quarentena.

E neste tempo absolutamente acelerado, nesta voracidade da rapidez com que o tempo passa, como não ver mais uma vez - neste ganhar de cor da imagem - a metáfora perfeita da nossa existência actual?

A realidade não esteve parada nestes meses. No decorrer destes quase dois anos entre capas do Algarve Médico, agora ao tomar cor, a pintura ganha a possibilidade de outras leituras, como que metáfora do entretanto criado pela medicina, das armas contra esta patologia que tem na vacinação uma das suas expressões mais relevantes.

Afinal a Medicina foi absolutamente importante para a fase onde estamos. Fase em que a pandemia permanece, mas sem a intrusão hospitalar e a mortalidade nas proporções que atingiu nas primeiras vagas.

Hygeia, pormenor da pintura Medicina, Gustav Klimt,1901. Pintura destruída quando as SS alemãs em retirada incendiaram o castelo para evitar que caísse nas mãos do inimigo2. O que resta são esboços e algumas fotografias, como a da capa deste Algarve Médico.

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