Tradução Sérgio Miguel José
Né le 20 Juillet 1925 Fort -de -France ( Martinique) Décès, 6 décembre 1961 ( à 36 ans) Bethesda ( Maryland) États-Unis Activité principale: philosophe, écrivant, sociologue,ethno-psychologue,penseur et psychiatre.
Frantz Omar Fanon
Para a revolução africana Escritos políticos
Décima parte Racismo e Cultura
Tradução Sérgio Miguel José
Orientação, revisão e correção da tradução Prof. João Artur Pugsley Grall
Design Teddy Tchogninou
PREFÁCIO O presente trabalho surgiu de forma despretensiosa, pelo simples fato de que o objetivo central dos meus estudos num primeiro momento, não era o de realizar a tradução especificamente do texto que vos apresento, mas sim o de realizar outras duas traduções intituladas, “ africanos e antilhanos” e “ A morte de Lumumba , o que fazer?” todos os três capítulos citados são do mesmo livro do escritor, poeta, psiquiatra, sociólogo, étnopsicólogo e pensador martinicano Frantz Omar Fanon, intitulado “ Pour la Révolution africaine, Écrits politiques ” . Desse livro tive a grata satisfação de poder traduzir do francês para o português para a minha pesquisa, não dois capítulos, mas três capítulos desse livro de Fanon que nos prende pela riqueza de detalhes e profundidade com a qual o escritor aborda vários temas, entre eles temos o capítulo sob o titulo “ Racismo e Cultura”. Todos estes textos foram utilizados após traduzidos como suporte teórico para “o meu trabalho” de conclusão do curso de licenciatura em letras francês pela Universidade Federal do Paraná, no ano de 2016, sob orientação do “ Me” em Linguística e coordenador do curso de letras da Universidade Federal do Paraná, professor João Arthur Pugsley Grahl. O texto de Fanon consegue nos apresentar de forma direta e objetiva, o que realmente significa o “Racismo cultural” e quais as suas principais características e consequências na atualidade. Mas sobretudo define e apresenta ao leitor numa linguagem prática e simples, os verdadeiros interesses por trás de toda essa política imperial de dominação, sobretudo cultural pelos quais passaram os povos africanos. Frantz Fanon nos apresenta um texto repleto de argumentos e pensamentos, que estão presentes no cotidiano e no imaginário de uma sociedade racializada, na qual essa construção racista do passado se deu através de uma variedade de ferramentas utilizadas pelo poder central baseado na Metrópole. Os instrumentos utilizados em nome de uma supremacia racial foram sempre os mais cruéis possíveis, em nome do Império num primeiro momento, e mais tarde, em nome de um Estado nação moderno e que se mostra também com instituições internas racistas. Os dois poderes do passado e do presente, sempre atuaram de forma implacável para subjulgar os povos ditos coloniais: Para isso as antigas metrópoles colônias, e os atuais estados modernos, não lançaram e não lançam mão de toda a estrutura disponível a seu serviço na manutenção das mais variadas formas de racismo institucionais, das quais podemos citar algumas das principais, tais como, a ciência, as leis, a justiça, a economia , e por fim a cultura eurocentrada. Meus sinceros agradecimentos aos patrocinadores, que tornaram possível a realização de mais essa obra, de grande interesse acadêmico e popular: Fundação Araucária e Núcleo de estudos afro-brasileiros ( NEAB / UFPR).
O tradutor
Racismo e Cultura A reflexão sobre o valor normativo de algumas culturas, decretado de forma unilateral nos chama a atenção.Um dos paradoxos facilmente encontrado é o choque em torno de definições egocêntricas e sociocentristas. Primeiramente afirma-se a existência de grupos humanos sem cultura; em seguida a existência de culturas hierarquizadas; e por fim, uma noção de relatividade cultural. Da negação global, ao reconhecimento singular e específico. É precisamente esta história fragmentada e sangrenta, que nos faz esboçar reações ao nível de uma antropologia cultural. Podemos dizer que existe algumas constelações de instituições, vivenciadas por determinados homens, no âmbito de geografias precisas, e que num dado momento, sofre assédio direto e brutal de esquemas culturais diferentes. O desenvolvimento técnico geralmente elevado, de um tal grupo social, parece autorizar a instalação da dominação organizada. A empresa de aculturação é o reflexo de um esforço gigantesco de subserviência econômica ou mesmo biológica. A doutrina da hierarquia cultural é portanto, uma modalidade de hierarquização sistematizada contínua, que se dá de modo implacável. A teoria moderna com ausência de integração cortical dos povos coloniais, é a vertente anatomofisiologica. A aparição do racismo não é fundamentalmente determinante, o racismo não é um todo, mas sim, o elemento mais visível, mais cotidiano de uma estrutura dada. Estudar as relações do racismo e da cultura, é se colocar em
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Racismo e Cultura questões de ação de maneira recíproca. Se a cultura é o conjunto de comportamentos motores e mentais, eles nascem no encontro do homem com a natureza e seu semelhante, deve-se dizer que o racismo é um elemento realmente cultural. Existe então as culturas com racismo, e as culturas sem racismo. Entretanto, esse elemento cultural rigoroso, não é enraizado. O racismo não pode esclerosar. Ele demorou algum tempo para renovarse, contextualizar-se, e mudar de fisionomia. Foi preciso subtemer -se ao destino do conjunto cultural que o informava. O racismo vulgar, primitivo e simplista, que se pretendia encontrar na biologia, e nas escrituras, se revelou insuficiente como base material da doutrina. É tedioso recordar os esforços empregados, ou mesmo empreendidos, tais como: Formas de comparação dos crânios, quantidade e configuração dos sulcos do cérebro, características das camadas da crosta celular, dimensões das vértebras, aspectos microscópicos da epiderme, etc... O primitivismo intelectual é emocional, e aparecia sempre como uma consequência banal, como um reconhecimento da sua existência. Tais declarações brutais e massivas, quase cederam lugar a argumentações mais conclusivas, mas aqui e ali surgiram algo que denominamos como ressurgências. É assim que a “fragilidade emocional do negro” a integração sub-cortical do árabe, e a culpabilidade quase genérica do judeu, aparecem como dados que podem ser encontrados em alguns escritos contemporâneos. A monografia de J. Carothers por exemplo, foi patrocinada pela OMS. (Organização Mundial da Saúde), a mesma foi totalmente baseada em
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Racismo e Cultura argumentos científicos obtidos a partir de uma lobotomia fisiológica do negro africano. Em todo caso, todas essas posições e sequelas, tendem à desaparecer. Esse racismo que se quer racional, individual, determinando o fenótipo e o genótipo, se transformou em racismo cultural. O objeto do racismo agora não é mais o homem individualmente, mas sim uma forma de existência. Estamos falando da mensagem do estilo cultural. Os “valores ocidentais” singularmente são chamados a participar de uma cruzada, o combate da “cruz contra o crescimento”. A equação morfológica não desapareceu completamente, mas os eventos dos últimos trinta anos acabaram agitando as convicções mais encapsuladas, do perturbador tabuleiro de xadrez reestruturado por um grande número de relações. A lembrança do nazismo, a miséria comum de homens diferentes, o assujeitamento de grupos sociais importantes, o surgimento de “colônias europeias”, a instituição de um regime colonial em plena Europa, a tomada de consciência dos trabalhadores dos países colonizadores e racistas, e a evolução das técnicas, mudou profundamente o aspecto do problema. Isso nos faz pesquisar o nível cultural, e as consequências desse racismo. O racismo que temos visto, é apenas um dos elementos de algo muito maior: é uma opressão sistemática de um povo. Como comporta- se um povo que oprime? Aqui, as constantes se reencontram. Assistimos então a destruição dos valores culturais e das modalidades
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Racismo e Cultura de existência. A linguagem, o vestuário,por fim, as técnicas são desvalorizadas. Como explicar e contabilizar esta constante? Os psicólogos que têm a tendência de explicar tudo, através do movimento da alma, afirmam terem encontrado este comportamento ao nível de contatos entre indivíduos específicos: criticam desde o uso de um simples chapéu original, a maneira de falar, e até mesmo o modo de andar... As referidas tentativas ignoraram voluntariamente o caráter incomparável da situação colonial. Na verdade as nações que empreenderam uma guerra colonial não se preocuparam em confrontar as demais culturas. A guerra é um gigantesco negócio comercial, e toda perspectiva deve ser reduzida a este dado. A servidão no sentido mais estrito da população nativa, é a primeira necessidade. Por isso é preciso quebrar os sistema de referência. A exploração, o roubo, a ofensa, e o assassinato objetivo, isso se multiplica acompanhado de uma mudança dos esquemas culturais, ou dos meios condicionantes desta pilhagem. O panorama social é desestruturado, os valores são desprezados, substituídos e esvaziados. As linhas de forças entraram em colapso, assim elas desmoronam e não mais se organizam. Diante de uma nova conjuntura imposta, nada se propõe ou afirma-se, mais uma vez o peso dos canhões e dos sabres ditam as regras. A viabilização do regime colonial não resultou na morte da cultura nativa. Mas a história mostra que o propósito era o de buscar e oferecer uma agonia continuada, do que o desaparecimento total da
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Racismo e Cultura cultura pré-existente. Esta cultura uma vez viva e aberta para o futuro, se fecha fixada no estatuto colonial, presa pelos grilhões da opressão. Ao mesmo tempo presente, mas mumificada, e testificando contra seus membros. Ela os define de fato e sem apelo. A mumificação cultural resulta em uma mumificação do pensamento individual. A apatia se universalizou, expondo os povos coloniais, isso é apenas uma consequência lógica desta operação. A crítica da inércia constantemente destinada ao “nativo” é o cúmulo da má-fé. Como se fosse possível a um homem, evoluir diferentemente do contexto de uma cultura que o reconhece e que decide assumir. E assim testemunhamos a implementação de organismos arcaicos, inertes, operando sob a supervisão do opressor, calcados caricaturalmente sobre instituições, outrora fecundas… Esses organismos traduzem aparentemente o respeito à tradição das especificidades, e da personalidade do povo assujeitado. Esse pseudo respeito, se identifica com um desprezo, com um sadismo mais elaborado. A característica de uma cultura é ser aberta, atravessada por linhas de forças espontâneas, generosas e fecundas. A designação de “homens fiéis” e responsáveis pela realização de determinados atos, é uma mistificação que não engana ninguém. Os povos Djemaas e Kabyles, nomeados pelas autoridades francesas não são reconhecidos como povos nativos, ou indígenas. São substituídos por outro Djemaa eleito democraticamente. Naturalmente que o segundo ditava na maior parte do tempo, a sua conduta para o primeiro. A preocupação constantemente afirmada é a de “respeitar a cultura das populações nativas”, mas isso não significa apoio aos valores incorporados pelos homens à essa cultura. Ao invés disso, essa
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Racismo e Cultura abordagem acabou alimentando um processo que consiste numa vontade de objetivar, de encapsular, mas sobretudo de aprisionar. Frases como “eu conheço”, e “eles são assim” traduzem esta objetivação máxima. Assim conheço os gestos e pensamentos que definem estes homens. O exotismo é uma das formas desta simplificação. Portanto nenhum confronto cultural pode existir. Existe de um lado uma cultura que reconhece as qualidades do dinamismo, da realização e da profundidade. Uma cultura em movimento, em perpétua renovação. Mais a frente encontramos características, curiosidades, coisas, mas jamais uma estrutura. Sendo assim, numa primeira fase a ocupação acontece, confirmando a sua enorme superioridade. O grupo social assujeitado militarmente, economicamente, é desumanizado por um método polidimensional. Não só com explorações, torturas, ataques e incursões no interior das suas regiões, mas também por um forte racismo, seguido de liquidações coletivas, e opressão racional em diferentes níveis, tudo isso para literalmente fazer do nativo, um objeto nas mãos da nação invasora. Este homem objeto, sem meios de subsistência e reação, sem razão de ser e viver, esse homem está agora despedaçado no íntimo da sua subsistência. O desejo de viver, de continuar é cada vez mais incerto, cada vez mais fantasmagórico. Esse é um estado humano que nos parece surgir como uma das fases do famoso complexo de culpa. Wright em seus primeiros romances, nos dá uma descrição muito detalhada sobre esse tema.
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Racismo e Cultura Porém aos poucos, a evolução das técnicas de produção e industrialização, acabam limitando ainda mais os países submissos, à uma existência e necessidade cada vez maior de funcionários, impondo-lhes dessa forma uma ocupação, para impor uma nova atitude, e uma nova filosofia de vida. A complexidade dos meios de produção e a evolução dos relatórios econômicos, resultam voluntariamente em ideologias que desequilibram o sistema do nativo. O racismo vulgar, em sua forma biológica, corresponde a um período de exploração brutal dos braços e das pernas destes homens. A perfeição dos meios de produção provoca inevitavelmente a camuflagem das técnicas da exploração do homem negro, ou seja, das formas de racismo utilizadas pelo europeu. Este é o resultado de uma ausência total de evolução do espírito, que por sua vez não permite ao racismo a perda de sua virulência. Nenhuma evolução anterior explica está obrigação do racismo de evoluir com a suas nuances. Em todos os lugares os homens libertaramse da letargia da opressão e do racismo que os havia condenado. No coração das “nações civilizadoras”, os trabalhadores descobriram enfim que a exploração do homem baseia-se em um sistema com diversos rostos, e nessa fase do racismo, é muito mais desafiador sair sem maquiagem. O racista cada vez mais se esconde. São eles os racistas que alegam sentir, adivinhar, e descobrir ao que se refere o ver e o julgar. O projeto do racista é então um projeto assombroso e desenvolvido para uma maldade consciente. A salvação só pode vir de um engajamento apaixonado de todos, como no encontro de algumas psicoses. Isso não é um demérito do professor Baruk que precisava ver a semiologia desses delírios apaixonados.
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Racismo e Cultura O racismo nunca é um elemento descoberto por acaso, ou por uma busca aleatória de dados culturais de um grupo. A configuração social juntamente com a cultura, são na essência as características da existência do racismo. Geralmente dizem que o racismo é um flagelo da humanidade, mas nós não estamos satisfeitos com uma frase dessa. Devemos buscar incansavelmente os efeitos do racismo em todos os níveis da sociabilidade. A importância da busca em desvendar o problema do racismo na literatura contemporânea estadounidense, é muito significativa. O negro no cinema, o negro e o folclore, o judeu e as histórias para as crianças, o judeu no bistrôt, são sempre temas inesgotáveis. Para voltar à América, o racismo viciou a cultura americana. Esta gangrena dialética é exacerbada, serviu para favorecer a consciência e a vontade de luta de milhões de negros e de judeus, atingidos por esse racismo. Esta fase apaixonada irracional e sem justificação, se apresenta com um rosto muito assustador. A circulação de vários grupos étnicos, a libertação em certas partes do mundo de homens anteriormente inferiorizados, tornaram o equilíbrio cada vez mais precário. Inesperadamente o grupo racista denunciou a aparição de um racismo entre os homens oprimidos. O “primitivismo intelectual” do período de exploração, deu lugar ao fanatismo medieval ainda mais pré- histórico do que o período de liberação. Em alguns momentos poderíamos pensar que o racismo desapareceu.
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Racismo e Cultura Essa impressão eufórica foi simplesmente a consequência da evolução das formas de exploração. Os psicólogos falam de um preconceito inconsciente, que torna supérflua a afirmação e denúncia cotidiana da existência de uma superioridade racial. Temos a necessidade de apelar à diferentes graus de adesão, como por exemplo: a cooperação dos nativos para modificar relações, fazendo uso de meios menos brutais, mais matizados e mais “cultos”. Não é raro o uso desse tipo de recurso que apareceu nessa fase da colonização, sendo esta uma das ferramentas de suma importância para a manipulação da realidade, essa farsa é vista como um sistema, como uma ideologia “democrática e humana”. O emprego comercial da servidão acabou numa destruição cultural gradual, dando lugar a uma mistificação verbal. O interesse dessa evolução é que o racismo seja tomado como um tema de meditação, como um assunto para se pensar, às vezes mesmo como uma técnica publicitária. Então é assim que o blues ou seja os azuis “reclamação dos escravos negros” é apresentado na admiração e no imaginário dos opressores. Um pouco da opressão estilizada que retorna à exploração e ao racismo. Sem opressão, e sem o racismo, sem blues. O fim do racismo seria uma a sentença da música negra... Como diria o célebre Tomynbee, o blues é uma resposta do escravo ao desafio da opressão. Atualmente para muitos homens, mesmo de cor, a música de Armstrong não tem qualquer significado real senão nesta perspectiva.
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Racismo e Cultura O racismo infla e desfigura o rosto da cultura que o pratica. A literatura, as artes plásticas, as canções, os provérbios, os hábitos e os padrões, pretendam fazer o julgamento, ou mesmo banalizá-lo, para restaurar o racismo. Isso significa dizer, que um grupo social, um país ou uma Civilização, não podem ser racistas inconscientemente. Estamos aqui para dizer uma vez mais, que o racismo não foi descoberto acidentalmente, ele não tem um elementos escondidos, o racismo é dissimulado. Não é exigido um esforço sobre-humano para colocá-lo em evidência. O racismo cega os olhos humanos, porque ele parece caracterizar precisamente uma exploração sem vergonha alguma, sem o mínimo de pudor por um grupo de homens, que conseguiram atingir um estado de desenvolvimento técnico dito “superior”. Isso tudo porque a opressão militar e econômica, torna possível legitimar o racismo. O hábito de considerar o racismo como disposição do espírito, como uma carga psicológica, deve ser abandonado definitivamente. Os homens,visados por esse racismo, ou seja, os grupos sociais assujeitados, explorados e substancializados, como eles se comportam? Quais são os seus mecanismos de defesa? Quais são as atitudes que descobriremos aqui ? Numa primeira fase, vimos a ocupação sendo totalmente legitimada, a dominação de outros povos foi corroborada pelos argumentos científicos, a “raça inferior” foi negada enquanto raça, porque nenhuma outra alternativa lhe foi deixada, o grupo social racializado
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Racismo e Cultura tenta imitar o opressor, e se racializar. A “raça inferior” nega-se enquanto raça diferente. Compartilha com a “raça superior” as convicções e as doutrinas relativas concebidas. Tendo assistido à liquidação desses sistemas de referência, e o colapso de seus esquemas culturais, só resta ao nativo reconhecer com a ocupação, que “Deus não está ao seu lado”. O opressor pela sua autoridade global, vem impor ao nativo as novas formas de ver singularmente um julgamento pejorativo a respeito de suas formas originais, de existir e ver o mundo. Esse evento comumente designado alienação, é muito importante. Facilmente encontrado nos textos oficiais sob o nome de assimilação. Mas essa assimilação, nunca é bem sucedida. Seja porque o opressor quantitativamente, ou qualitativamente, limita a evolução dos fenômenos inesperados e heterogêneos, que estão emergindo. O grupo inferiorizado tinha admitido a força do raciocínio, como sendo tão implacável quanto seus problemas procedentes diretamente de suas características raciais e culturais. Culpabilidade e inferioridade, são as consequências habituais desta dialética. O oprimido tenta fugir de um lado, proclamando a sua adesão total e incondicional aos novos modelos culturais, por outro lado, pronuncia uma condenação irreversível de seu próprio estilo de vida e de cultura. Um fenômeno pouco estudado aparece nesta fase [...] No entanto, a necessidade do opressor em alguns momentos de esconder totalmente as formas de exploração, não implica
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Racismo e Cultura no desaparecimento desta última. As relações econômicas mais elaboradas, menos grosseiras, exigem um revestimento cotidiano, no entanto, a alienação é apavorante e contínua. Tendo julgado, condenado, abandonado suas formas culturais, sua linguagem, sua alimentação, suas práticas sexuais, sua maneira de sentar, de repousar, de rir e até mesmo de se divertir. O oprimido com energia e tenacidade de um náufrago, se arremete sobre a cultura invasora. Toda essa situação acabou desenvolvendo nos oprimidos, seus conhecimentos técnicos, sobretudo no contato com máquinas de produção, cada vez mais sofisticadas e melhores. Entretanto no circuito dinâmico da produção industrial, encontram-se homens das regiões mais remotas, nas grandes concentrações populacionais das grandes capitais, no entanto, os locais de trabalho se mostraram verdadeiras cadeias (prisões) onde as equipes, e o tempo de produção, ou seja, o rendimento, deve ser medido, forçando os oprimidos a um constante e escandaloso tratamento desumano, alimentando para isso, o desprezo e o racismo. É nesse nível que se faz do racismo uma história de pessoas. “Existem alguns racistas incorrigíveis, que admitem em conjunto o que a população ama ouvir ... Com o tempo tudo isso desaparecerá. Esse país é o menos racista... Existe na ONU uma comissão encarregada de lutar contra o racismo.
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Racismo e Cultura Os filmes sobre racismo, os poemas sobre racismo, as mensagens sobre racismo...
1 [... Os intelectuais pesquisadores do grupo dominante estudaram cientificamente as sociedades dominadas, estudaram suas estéticas e seu universo ético. Nas universidades não era raro intelectuais colonizados que se viam revelando seu sistema cultural. Isso aconteceu muito no meio dos colonizadores, os cientistas estavam entusiasmados com os conceitos de pureza, ingenuidade, inocência aparente, vigilância e atenção dos intelectuais nativos, sob estes devem redobrar-se as atenções quanto ao conceito euro centrado em especial ].
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Racismo e Cultura As condenações espetaculares e inúteis contra o racismo, de nada valem. A realidade é que um país colonial é um país racista. Tanto na Inglaterra, quanto na Bélgica ou na França, apesar dos princípios democráticos afirmados por essas respectivas nações, nelas se encontram milhares de racistas, são eles que, contra o conjunto do país, tem a razão. Não é possível subjugar os homens de forma lógica sem inferiorizá-los. O racismo é apenas uma explicação emocional, afetiva e intelectual dessa forma de inferiorização. O racista, dentro de uma cultura alicerçada no racismo, é então um indivíduo normal. A adequação das relações econômicas e ideológicas, é perfeita. Obviamente a ideia que se faz desse homem, não é totalmente dependente de relações econômicas, ou seja, não devemos nos esquecer das relações históricas e geográficas, entre os homens e os grupos diferentes. Cada vez mais, é crescente o número de membros pertencentes a sociedades racistas, que tomam posição. Esses homens colocam suas vidas à serviço de um modelo de mundo, onde o racismo seria impossível. Mas esse recuo, essa abstração, esse engajamento solene, não está ao alcance de todos. Não podemos esperar sem perigo, que um homem seja contra os “preconceitos de seu grupo”. No entanto reitero, todos os grupos colonialistas são racistas. Ao mesmo tempo “aculturado” e sem cultura, o oprimido continua a lutar contra o racismo. Ele acha ilógico esta sequela. É inexplicável o que ele passou, sem motivo inexato. Seus conhecimentos, a apropriação de técnicas exatas e complicadas, e às vezes até mesmo
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Racismo e Cultura a sua superioridade intelectual, ele acaba não levando em conta o grande número de racistas, e termina qualificando o mundo racista de passional. Ele percebe que a atmosfera racista impregna todos os elementos da vida social. O sentimento de injustiça avassalador, muito vivo e presente na sociedade, o racismo-consequência é esquecido, e ataca-se apenas o racismo-causa. Campanhas de desintoxicação são feitas, e apela-se para os sensos mais sensíveis dos seres humanos, o amor, o respeito, e os valores humanos supremos... Na verdade, o racismo obedece uma lógica impecável, um país que vive, ou tira a sua subsistência, única e exclusivamente através da exploração de povos diferentes, e que inferioriza estes povos, nesse caso específico, o racismo aplicado a estes povos é visto e tido como normal. O racismo não é uma constante do espírito humano. Temos visto uma disposição inscrita em um sistema determinado. O racismo judaico não é diferente do racismo negro. Uma sociedade é racista ou não é. Não há graus de racismos. Não se deve dizer que tal país é racista, porque que não existem linchamentos ou campos de extermínio. A verdade é que tudo isso existe no horizonte. Essas virtualidades, estas latências circulam e são dinâmicas,mas sobretudo, são tomadas na vida diária das relações psicoafetivas e econômicas... Descobrindo a inutilidade de sua alienação e aprofundamento do seu escrutínio, o inferiorizado, após essa fase de deculturação, encontra suas posições originais. Esta cultura abandonada, deixada, rejeitada, desprezada e inferiorizada, se compromete com paixão. Existe uma intenção de
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Racismo e Cultura fato, de inferiorizar uma Verdade espontaneamente diagnosticada. Esta realidade psicológica desemboca na História e na Verdade. O inferiorizado encontra um estilo anteriormente desvalorizado, estamos testemunhando aqui, a uma cultura da cultura, uma tal caricatura da existência cultural, isso significaria que é necessário que uma cultura viva, mas que não se fragmente, ela não deve se colocar entre a lâmina fina e a placa. No entanto o oprimido fica extasiado a cada redescoberta. O êxtase e a alegria é permanente. Outrora tendo emigrado de sua cultura, o nativo explora agora a sua cultura com impetuosidade. Trata-se então, de um casamento contínuo. O antigo inferiorizado está agora em estado de graça. Mas não se sofre impunemente uma dominação. A cultura do povo assujeitado é esclerosada e agonizante. Nenhuma vida circula. Mas precisamente, a única vida existente é dissimulada. A população que normalmente assume aqui e lá, alguns pedaços de vida que se mantém significativas e dinâmicas às instituições, é uma população anônima. Em regime colonial são os tradicionalistas. O antigo emigrado pela ambiguidade repentina de seu comportamento, introduz o escândalo. Ao anonimato dos tradicionalistas, impõem-se um exibicionismo veementemente agressivo. O estado de graça e agressividade são duas constantes encontradas nessa fase. A agressividade acaba sendo o mecanismo passional que permite escapar da mordida do paradoxo.
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Racismo e Cultura O velho emigrado possui as técnicas precisas, porque seu nível de ação se encontra já dentro de relações complexas, estes reencontros revestem-se de um aspecto irracional. Existe um fosso, uma lacuna, um diferencial entre o desenvolvimento intelectual, a apropriação técnica, as modalidades de pensamento e as lógicas altamente diferenciadas, além é claro de uma base emocional “simples e pura”, etc... Reencontrando a tradição, vivendo-a como um mecanismo de defesa, como um símbolo de pureza, como salvação, o deculturado deixa a impressão de que a mediação se vinga, por se substancializarse. Existe um refluxo sobre posições arcaicas, sem relação com o desenvolvimento técnico é paradoxal. As instituições assim valorizadas, não correspondem mais aos métodos elaborados de ações já adquiridas. A cultura encapsulada, vegetativa, desde a dominação estrangeira é revalorizada. Não é repensada, ou retomada de forma dinâmica internamente. Ela é propagada. Esta valorização é autêntica, porém não é estruturada, muito menos verbalizada, ela abrange apenas as atitudes paradoxais. Neste momento, ela faz menção do caráter incorrigível dos inferiorizados. Os médicos árabes dormem pela terra, cospem não importa onde, etc… Os intelectuais negros consultam a feitiçaria antes de tomar alguma decisão, etc... Os intelectuais “colaboradores” buscam justificar sua nova atitude... Os costumes, as tradições, as crenças anteriormente refutadas e
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Racismo e Cultura passadas sob silêncio, agora são violentamente valorizadas e definidas. A tradição não é mais ironizada pelo grupo. O grupo não foge mais. Reencontra-se aqui o sentido do passado e do culto dos ancestrais... O passado, a partir daí é uma constelação de valores, e assim se identifica a Verdade. Essa descoberta e valorização de aparência quase absoluta, e objetivamente indefensável, e é de uma importância subjetiva incomparável. Ao sair de suas promessas (românticas) ou apaixonadas, o nativo terá decidido com conhecimento de causa, lutar contra todas essas formas de exploração e alienação do homem. Contudo o ocupante nesta época, multiplica os chamados à assimilação, e posteriormente a integração à comunidade. O corpo à corpo do nativo com sua cultura, é uma operação muito solene, muito abrupta para tolerar uma falha qualquer, nenhum neologismo pode mascarar a nova evidência. Mergulhar no abismo do passado, é condição e fonte de liberdade. O fim lógico dessa luta, é a liberdade total do território nacional. Para realizar esta libertação, o inferiorizado põem em jogo todos os seus recursos, todas as suas aquisições, todas as antigas e novas propriedades, além é claro daquelas derivadas da ocupação. A luta é de existência total e absoluta, porém não se percebe aparentemente o racismo. No momento de impor sua dominação para justificar a escravização, o opressor recorreu aos argumentos científicos como nunca antes. Um povo que empreende uma luta de libertação, raramente legitima
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Racismo e Cultura o racismo. Mesmo durante os períodos agudos de luta armada e insurrecional, não existe uma aceitação em massa das justificativas biológicas. A luta do inferiorizado se baseia num nível nitidamente mais humano. As perspectivas são radicalmente novas, no que diz respeito à oposição doravante clássica das lutas de conquista e de libertação. No curso da luta, a nação dominadora tenta reeditar os argumentos racistas, mais a elaboração do racismo se revela cada vez mais ineficaz. Fala-se de fanatismo e de atitudes primitivas diante da morte, mas mais uma vez, o mecanismo doravante não funciona. Os antigos imóveis, os laços constitucionais, as atitudes de sempre, os inferiorizados de sempre, se fortalecem e emergem fortes. O ocupante não compreende mais. O fim do racismo começa com uma súbita incompreensão. A cultura pasma e rígida do ocupante, agora liberada, se abre enfim, dando lugar à cultura do povo, tornando-se realmente uma cultura fraterna. As duas culturas podem se enfrentar, mas também podem enriquecer-se. Concluindo, a universalidade baseia-se na decisão de tomar conta do relativismo recíproco das culturas diferentes, desde que seja de uma vez por todas, excluído irreversivelmente o estatuto colonial.
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