MA.NI.FES.TO CONTRA A RACIONALIDADE

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MANIFESTO C O N T R A A

RACIO-

NALIDADE


m a n i festo? Karl Marx had one. The Unibomber had one. When Thomas

Jefferson wrote the Declaration of Independence in 1776, he drafted the manifesto that launched the American Revolution. Graphic design would not exist as we know it today if F. T. Marinetti hadn’t published his manifestos and instigated Futurism. By Ellen and Julia Lupton, Manifesto Mania

inventing the idea of art as a branded public enterprise, Marinetti compelled many poets, painters and designers after him to state their principles in compact, incendiary speech.

A manifesto is a short document that “manifests� or makes public a set of ideas and goals. A manifesto is passionate, personal and vivid. Such calls to action went out of fashion during the mid-20th century, replaced by more businesslike, professionally oriented statements of purpose and principle. But at the turn of the new century, just as at the turn of the old one, manifestos came back.

In the past few years, dozens of manifestos have been published in books and on blogs and websites about how to live, design and do business in sustainable ways.


?

What is it about the MANIFESTO that stirs us so? Defined as a “public declaration of principles or intentions”, manifestos have been penned for centuries to decry injustice or to define truth, to denounce authority or to restore faith — even to rethink purpose and reassess value. In practice, modern manifesto seems mostly to combine idealistic wishlist with ideosyncratic value judgements.

(...) the manifesto, in its purest incarnation, is still largely considered a powerful purveyor of ideology; by conjecture, it is also a provocative social stimulant for self-appointed activists. Activism itself can be a potent motive for putting pen to paper, and it is likely that the modernday activist’s tactical advantage lies in mastering the art of suchpointedly dogmatic prose. It is precisely this imperlousness, this preachiness that sets it apart from everything else we read(...).

Jessica Helfand, Me, the undersigned


Um manifesto constituiu-se como um apelo à interrogação, à auto-reflexão sobre as crenças, os ideais e os valores que nos definem e distinguem num contexto socio-cultural de crise e incerteza. Um manifesto poderá ainda assumir as mais diversas formas de expressão, sendo um objecto de intervenção crítica, transversal a diferentes áreas, artísticas ou outras, em diferentes contextos históricos e movimentações socio-culturais e políticas. MA.NI.FES.TO-ME, E1 Março 2011



O design está habituado aos manifestos. Faz parte da profissão de designer a atenção ao que nos rodeia, ao que se passa não só dentro da profissão como na sociedade em que nos inserimos. E faz parte de ser designer ter noção

“s te

de que se é cidadão, e apontar ao maior e melhor, sempre. O manifesto é portanto uma arma importante, enquanto o rastilho que acende vontades e incendeia acções.

A história do design [gráfico] contruiu-se e fez-se também de manifestos, de acções e de vontades. Os manifestos

Em Portugal também os há. Os manifestos. E nenhum mais

iniciaram movimentos (FUTURISMO, DE STIJL), definiram

forte que o MANIFESTO ANTI-DANTAS, de 1916, escrito

métodos de aprendizagem e prática (BAUHAUS), investiram

por Almada Negreiros quando este se incluía no grupo de

contra conceitos globais que deterioram não apenas a

artistas mais creativa e original que o país já conheceu: a

profissão como a sociedade (FIRST THINGS FIRST),

geração de ORFEU.

decretaram os princípios e métodos de profissionais, empresas, até ao comum cidadão (INCOMPLETE

ORFEU era uma revista satírica que pretendia agitar as

MANIFESTO FOR GROWTH, MANIFESTO #12, THINGS I

fundações de uma sociedade anafada e empoeirada,

HAVE LEARNED), anteciparam o futuro, criticaram acções

assente numa burguesia pomposa e conservadora

ou intenções, apontaram utopias, foram inspiradores, inúteis

ordenando um povo empobrecido por métodos cínicos e

ou simplesmente estúpidos.

insustentáveis. Os artistas que se uniram para a constituir serviram-se dos processos futuristas decretados anos antes

O excesso de manifestos, de design ou não, e a verdadeira

por Filippo Marinetti no seu MANIFESTO FUTURISTA,

significância dos mesmos, não lhes retira o poder ou a

assimilando-os às suas próprias poesias, ilustrações,

influência. O manifesto foi e será o início da revolução e o

composições, de forma descrita como “abominável e

percursor da mudança.

provocante” pela mesma burguesia que pretendiam atingir.


ser descontené ser homem Fernando Pessoa

Mas a paixão pela vida, O MANIFESTO ANTI-DANTAS é escrito precisamente contra uma das maiores figuras deste sistema, e um

a explosão sentimental e sensacional,

dos maiores e mais ferozes críticos dos vanguardistas

o arrojo e a ousadia,

modernistas, Júlio Dantas, mas que tem como alvo também todos os Dantas que houver por aí. Assumindo uma forma lírica, satírica e no entanto precisa, Almada Negreiros ataca

o nunca se satisfazerem,

veementemente as atitutes retrógradas e anafadas da sociedade e da cultura portuguesas. A chave do seu manifesto?

A conhecida geração de ORFEU acabou decomposta lentamente, consumida pelos cortes de apoio e sustento,

MORTE AO DANTAS!

o romantismo não morreram,

pela morte de membro após membro, pela destruição da obra de alguns artistas.

jamais morrerão.


Hoje, como ontem, o colapso do mundo ocidental e dos mercados de valores, a sociedade capitalista, a mentalidade consumista, os desequilíbrios extremos por razões sociais e/ou económicas, as manifestações e revoluções populares — por tudo isto e por muito, muito mais, exigem-se novos processos, novas mentalidades, novas formas de ser e conviver, e talvez, acima de tudo,

novas formas de viver.

Hoje, como ontem, como pretendiam os membros de ORFEU, como pretende JOÃO GOMES DE ALMEIDA, abalamos as fundações gastas de uma sociedade moribunda, em busca de princípios que a governem em direcção a uma vida e a vivências melhores.


O MANIFESTO CONTRA A RACIONALIDADE nasce do nada das montanhas, do silêncio ensurdecedor onde nada ouvimos senão a nós mesmo pensar, e ironicamente em nada pensamos. É este o ambiente mais propício à percepção de que o ruído nos silencia, ou seja, que a nossa vida é “abafada” pela sociedade actual, pelas “obrgações” que nos impinge, pelo modo de viver e pela forma como nos faz pensar.

Na era da informação, em que partilhamos cada opinião e vontade, torna-se difícil filtrar o que pode ser realmente influente e certo. Como este manifesto, que pretende ir à raiz de como encaramos a vida, e do que pretendemos retirar da nossa existência, abalando os pressupostos em que nos fazem acreditar desde pequenos. Fazer-nos pensar, deixando de pensar.

Em sete pontos, o autor faz-nos ver como a racionalidade “mata” a nossa forma de viver e de experimentar, a nossa creatividade, a paixão, e tudo o que devíamos valorizar, em função de um conformismo asfixiante que acaba por consumir tudo o resto que faz parte das nossas vidas.


crescer,

licenciar-me,

procurar

emprego,

encontrar

namorada,

comprar

uma

hos e depois ter netos e talvez bisnetos, construir uma carreira, reformar-me, con

crescer,

licenciar-me,

procurar

emprego,

encontrar

namorada,

comprar

uma

hos e depois ter netos e talvez bisnetos, construir uma carreira, reformar-me, con

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emprego,

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uma


casa

e

pagá-la

durante

os

proximos

50

anos,

casar

e

ter

fi-

nseguir fazer o caminho entre a sala e a casa-de-banho sem me mijar, morrer. casa

e

pagá-la

durante

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50

anos,

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casa

e

pagá-la

durante

os

proximos

50

anos,

casar

e

ter

fi-


Proletários mortos à fome por

todo o lado, burgueses anafados

com unhas castanhas de davidoff,

clérigos presos aos dogmas da santís-

sima trindade, nobreza falida que prega

poesia nos salões a tresandarem a mofo,

ouvi-me.


Que acabem os paninhos quentes no amor, Que acabem os meios-termos, Que acabem as hesitações em dar o primeiro beijo, Que acabem os cafezinhos, Que acabem os ciúmes, Que acabem as

o

discussões, Que acabem as futilidades, Que acabem os complexos,

amor

Que acabem os elementos externos, Que acabem as confusões.

é o tudo ou nada.


a amizade é a água tónica a fervilhar num copo com gelo cheio de gin. O gelo por si apenas sara as feridas, o gin é áspero de mais para ser bebido sozinho e a água tónica por si só é apenas aparência, trata-se da bebida dos ex-alcoólicos que queriam era estar a beber gin tónico.

Vamos pegar nos telefones e ligar, ligar aquele ami-

go que não vemos há uma eternidade, praticamente há dois dias, e dizer o quanto gostamos de o ter como amigo. Vamos desatar a chorar em cada ombro, vamos a correr marcar um copo com cada um dos amigos e tirar fotografias!

f a mília


crianças

As crianças são o futuro, o amanhã.

Tretas.

As crian-

ças são o hoje, são o presente, são o agora e são o agora na sua plenitude, são principalmente o que de mais puro e genuíno existe no mundo. Uma criança é para ser abraçada a cada momento, é para ser beijada, é para ser adorada a cada instante – ninguém tem mais para nos ensinar no mundo do que uma criança. Ensinemos as crianças a

continuarem irracionais. Aprendamos com elas.

Respeitar um familiar é sermos irracionais, é pe-

garmos no nosso pai que é do Benfica, sendo nós do Sporting, e levá-lo à Luz a ver um jogo e a comer uma fartura nas roulottes junto ao parque de estacionamento. Temos que reinventar a família, temos que ser reactivos ao ponto de não a deixarmos morrer, como instituto, como algo nosso, como sentimento de continuação e como tudo o resto, todo o rol de sentimentos que nos faz rolar uma lágrima pela face quando sentimos saudades de um familiar.


trabalho O trabalho serve para pagar as contas, e porque assim tem que ser. Se não houvesse trabalho, o que é impossível, tanto melhor. Mas como é necessário então tudo bem, façamos um esforço. Mas nunca nos deixemos absorver pelo trabalho, a capacidade de absorção é uma coisa que está reservada às esponjas e aos sentimentos. Decreta-se pois que nunca ninguém promova o trabalho em vez dos milhares de coisas que são muito mais importantes do que o trabalho.


se xo

oo

O irracional respeita o sexo, de quem

o pratica e de quem não o pratica, porque não pode ou porque não quer, ou porque tem mais que fazer, ou até porque está bêbado de mais e não o consegue. O sexo é irracional porque é pessoal. Façamos apenas porque queremos e com quem queremos.


Somos um país de poetas, de poetas com medo – por causa da racionalidade. Escrevemos os nossos poemas à noite em casa, nunca durante o dia numa esplanada. Escrevemos os nossos poemas e guardamos no fundo da última gaveta da mesinha de cabeceira, não corremos para os nossos amigos a perguntar se gostaram. E se alguém os encontra? Primeiro ficamos brancos, depois azuis e quase desmaiamos. Para compensar ainda damos uma desculpa: “isso não são bem poemas, são uns versos” ou então “são uma coisa minha”. Temos medo de utilizar a poesia para mostrar aos outros o que sentimos. Achamos que são uma coisa para nós, para passar o tempo. Mas não – a poesia é uma coisa para mostrar ao mundo.

Nem que sejam uma porcaria, literariamente falando, são os nossos poemas e quando os escrevemos depositamos lá algo de nós. Trata-se de um bocadinho dos nossos sentimentos que oferecemos a uma folha de papel – se os oferecemos é porque os devemos partilhar. Acham irracional? Ainda bem, é esse o objectivo. E eu confesso, não que eu seja um modelo para alguma coisa, mas nunca escondi um poema. E resultou? Não sei. Mas espero um dia encontrar uma mulher que verdadeiramente os perceba, os admire e me escreva um poema. Aí darei por encontrado o Amor e serei o mais irracional possível.

poesia


A m i g o gritem comigo:

s

,

MORTE À RACIONALIDADE!



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