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Doenças oculares da idade
from DIGNUS nº3
by cie
Oftalmologista. Antigo Diretor do Serviço de Oftalmologia do Hospital Pedro Hispano José Guilherme Monteiro
Apartir de uma fase mais ou menos precoce da vida têm lugar dois processos que se acentuam progressivamente à medida que o tempo passa. Por um lado, em alguns tecidos, de que o sistema nervoso central é um exemplo, as células deixam de se dividir, o que significa que uma perda de células desses tecidos será irrecuperável. Por outro lado, a divisão celular e os processos metabólicos alteram-se, seja por deficiente velocidade ou por funcionamento alterado.
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A associação das consequências dos dois mecanismos referidos leva a alterações, de importância variável com os tecidos, que se traduzem pelo que genericamente se chama de envelhecimento.
O olho não está isento dessas perturbações e a complexidade da estrutura ocular faz com que elas se possam manifestar de diferentes maneiras (Figura 1). Acresce ainda que a sua exposição ao meio ambiente o tornam susceptível a agressões externas, com especial relevo para a luz, em especial a luz azul e a ultravioleta (invisível). Uma alteração frequente com o aumento da idade é a diminuição da secreção lacrimal ou a perda de qualidade das lágrimas, o que leva à perturbação ou mesmo perda da lubrificação da superfície do olho. Em consequência, podem aparecer vários qua

dros clínicos conhecidos pelo nome genérico de “doenças da superfície ocular” que se na maior parte dos casos não são graves podem, pelo contrário, ser extremamente desagradáveis para o doente e permitir o aparecimento ou agravamento de situações mais complicadas.
Também a patologia tumoral aumenta de frequência, particularmente ao nível das pálpebras, podendo as lesões pré-neoplásicas evoluírem mais ou menos rapidamente para verdadeiros tumores que exigem actuação cirúrgica.
De todas as perturbações oculares da idade a mais frequente é, sem qualquer dúvida, a catarata, que não é mais do que a perda de transparência do cristalino. O cristalino é uma estrutura intra-ocular com características de uma lente e cujo papel é focar as imagens exteriores na retina. Assim,
a perda da sua transparência irá degradar a qualidade da imagem formada e consequente perda da qualidade da visão. Mas apesar das perturbações que a catarata acarreta para os doentes, esta patologia pode ser tratada por métodos cirúrgicos e os resultados funcionais da cirurgia permitem uma recuperação visual e um resultado que, cada vez mais, se aproxima da situação existente antes do aparecimento da catarata.
Ao contrário da catarata, outras patologias têm uma evolução e resposta ao tratamento menos favorável, embora os progressos verificados nos últimos anos tenham permitido melhorar os resultados obtidos. Três patologias assumem particular importância pela sua frequência – a retinopatia diabética, a degenerescência macular relacionada com a idade e o Glaucoma. São doenças crónicas, cuja frequência aumenta com a idade e em relação às quais o tratamento ainda está longe de poder ser considerado óptimo. Mais ainda, a sua frequência tem aumentado a nível mundial e também em Portugal, mercê do aumento da esperança de vida, do regime alimentar actual e das modificações do estilo de vida.
Na forma do adulto, a que aqui nos interessa, a diabetes já foi classificada como uma doença da civilização e em grande parte consequência de uma vida sedentária e de uma alimentação rica em elementos nutritivos. A retinopatia diabética é uma das suas complicações. Na forma de diabetes do adulto a retinopatia surge alguns anos após o aparecimento da diabetes, tanto mais precocemente quanto maior o valor da glicemia (concentração de açúcar no sangue) e maior a oscilação dessa glicemia. Pode assumir duas formas, que se combinam em maior ou menor grau – a forma proliferativa, que se caracteriza pelo aparecimento na superfície da retina de um tecido aparentado com o tecido cicatricial, e o edema macular (acumulação de líquido na mácula, a área da retina responsável pela visão de pormenor). A gravidade das duas formas de retinopatia é diferente, mas de uma forma simplificada pode dizer-se que ambas levam em maior ou menor grau a uma perda generalizada da visão. A forma proliferativa permite durante algum tempo manter a visão, mas é responsável por complicações graves, como o descolamento da retina. Pelo contrário, o edema macular leva a uma redução precoce da visão. O tratamento actual, para além do controlo da glicemia, depende da situação particular de cada caso, mas assenta na utilização de injecções de fármacos no interior do olho e/ou na fotocoagulação pelo laser de árgon e/ou na cirurgia do vítreo. A degenerescência macular relacionada com a idade é, como o seu nome indica, uma patologia da mácula cuja frequência aumenta com a idade. A forma de maculopatia da idade simples pode não ter sintomatologia durante algum tempo, mas é um factor de risco para a evolução para formas mais graves. Na forma seca, a mais frequente, a evolução e perda visual podem ser lentas, mas a forma húmida leva precocemente a alteração visual e a sua evolução pode ser muito rápida. De início o doente pode notar distorção da imagem (mais evidente nas linhas) ou perda de continuidade.
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Com o evoluir da doença estas alterações intensificam-se e podem aparecer perdas visuais localizadas (escotomas). Como consequência, a visão central diminui, tornando-se a área central menos clara e precisa e com o decorrer do tempo acaba por se chegar a uma situação de perda da visão central. A amplitude desta área de perda visual aumenta ao longo do tempo, mantendo-se no entanto a visão periférica relativamente conservada. Como consequência, o doente fica limitado nas actividades que impliquem a utilização da visão central, tais como ler ou ver televisão, mas por a visão periférica se manter a sua capacidade de movimentação e orientação são relativamente conservadas. Dada a rapidez da evolução da forma húmida, é importante a vigilância dos doentes e o diagnóstico precoce, tanto mais que o tratamento das formas iniciais da doença permite obter melhores resultados.
A terceira patologia a considerar é o Glaucoma. É uma doença crónica, mais comum após os quarenta anos, cuja frequência aumenta com a idade e que numa parte dos casos tem características hereditárias. O principal factor de risco (mas não o único) é a existência de pressão intra-ocular aumentada. Esta doença leva à perda irreversível da visão lateral e com o seu agravamento o campo visual fica progressivamente mais apertado, acabando o doente por ficar só com a visão central, na forma extrema designada por “visão tubular”. No adulto o aumento da pressão intra-ocular pode resultar de uma diminuição do espaço por onde se faz o escoamento do humor aquoso (líquido que preenche parte do olho e que permite manter a sua forma), o chamado Glaucoma de ângulo fechado. Neste caso o aumento da pressão pode ser extremamente rápido (embora haja formas de evolução intermitente), traduzindo-se por dor, halos à volta das luzes e perda visual. É um quadro verdadeiramente urgente e que exige tratamento imediato. Mais frequente é o Glaucoma de ângulo aberto no qual a observação não revela de início alteração das estruturas. Um aspecto preocupante deste último quadro é a sua evolução lenta, em consequência da qual o doente só tardiamente se apercebe do problema, quando a visão central é atingida. Por este motivo não é de admirar que uma percentagem elevada de doentes desconheça a sua situação e o diagnóstico só seja feito numa consulta de rotina ou num rastreio. Assim, a vigilância periódica é fundamental para que o diagnóstico e tratamento precoces sejam possíveis e se possam limitar as consequências do Glaucoma. Sendo as alterações irreversíveis, o tratamento destina-se não a curar a doença ou a recuperar o já perdido, mas antes a parar ou pelo menos reduzir a velocidade de progressão da perda visual. O tratamento do Glaucoma de ângulo fechado é feito com o laser ou por cirurgia, para permitir o restabelecimento de uma via de escoamento. No caso do Glaucoma de ângulo aberto o tratamento actual destinase a reduzir a pressão ocular. Inicia-se com o uso de gotas, de uma ou mais composições, e pode também ser usado o laser, mas se o tratamento não for eficaz a alternativa será a cirurgia.
Em resumo, temos diferentes patologias que têm em comum o aparecimento geralmente tardio, uma evolução progressiva que se não for tratada a tempo acaba por conduzir a perda visual acentuada ou mesmo à cegueira. Em consequência, é fundamental a vigilância periódica para que se possa instituir precocemente o tratamento adequado.