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A Catarata em 2020
from DIGNUS nº3
by cie
José Salgado-Borges, Filipe Esteves e Pedro Coelho Médicos Oftalmologistas da Clínica Oftalmológica J. Salgado Borges (Porto), Grupo Trofa Saúde e Lenitudes (S. M. Feira)
Definição e diagnóstico Segundo o relatório da OMS, cerca de mil milhões de pessoas têm uma deficiência visual que poderia ter sido prevenida ou que atualmente ainda é tratável. Um dos principais exemplos é a catarata, problema que afeta cerca de 300 milhões de pessoas e responsável ainda por cerca de 50% dos casos de cegueira a nível mundial. Estima-se que em Portugal existam mais de 300 000 pessoas com sinais de catarata, principalmente na população idosa. O seu tratamento é realizado através de cirurgia.
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A catarata trata-se de uma opacidade parcial ou total do cristalino, lente natural do olho localizada imediatamente atrás da pupila. Este em condições normais é transparente o que permite a passagem dos raios luminosos e a sua focagem na retina, obtendo-se dessa forma uma imagem nítida. Com a perda da transparência do cristalino ocorre inicialmente uma diminuição da qualidade visual e posteriormente a diminuição da qualidade e quantidade de visão.
Existem diversas causas que podem originar uma catarata, das quais a principal está relacionada com o processo fisiológico de envelhecimento do cristalino, razão pela qual a sua prevalência aumenta com a idade, resultando na denominada catarata senil. É frequente a maioria das pessoas com mais de 60 anos apresentarem algum grau de catarata.
Outras causas menos frequentes de cataratas são, por exemplo, os traumatismos, a utilização prolongada decorticosteróides, doenças como a diabetes, anomalias congénitas do desenvolvimento do cristalino. Os doentes míopes poderão apresentar catarata mais precocemente.
A suspeita de catarata pode ser facilmente identificada com um oftalmoscópio manual. O

reflexo vermelho do fundo ocular aparece opaco, extinto ou sombreado em doentes com catarata. Para a sua correta identificação e caracterização é necessário o recurso ao exame com lâmpada de fenda ou biomicroscópio.
Consoante a área do cristalino opacificada podemos adotar uma classificação anatómica, sendo a catarata designada como cortical, nuclear, cortico-nuclear, subcapsular ou total. Existem diversas escalas de classificação do tipo de catarata, a mais conhecida das quais é a escala Lens Opacity Classification System (LOCS III) (Figura 1).
São vários os sintomas e dependem do tipo e grau de opacidade do cristalino. É frequente a visão à distância ficar enevoada, com diminuição do contraste entre objetos e cores. Segue-se uma perda progressiva da acuidade visual que pode ser rápida (alguns meses) ou evoluir lentamente ao longo de alguns anos (Figura 2).


Outros sintomas menos frequentes são o deslumbramento, alteração da visão das cores, má visão noturna, dificuldade na leitura, necessidade de mudar frequentemente de óculos ou visão dupla com apenas um olho aberto.
Tratamento e prevenção O tratamento da catarata é sempre cirúrgico, não existindo atualmente qualquer tratamento médico que seja eficaz para impedir o seu desenvolvimento ou cura.
Quanto à prevenção, a exposição à luz ultravioleta e o tabaco têm sido associados à formação acelerada de cataratas. É assim razoável aconselhar os doentes a reduzirem a sua exposição à luz solar sem uma proteção adequada à luz ultravioleta; esta proteção é ainda mais importante após a realização da cirurgia de catarata em que foi removido o filtro natural mais importante das referidas radiações “o Cristalino”. Também o deixar de fumar deverá ser recomendado, tanto mais que o tabaco está também relacionado com o aumento de risco de perda de visão associada com a degenerescência macular relacionada com a idade.
As cataratas incipientes não justificam a realização de cirurgia. Ela apenas está formalmente indicada quando a perda da visão é importante ou surjam sintomas que interfiram significativamente com a atividade diária habitual, tal como a condução ou a leitura.
A técnica moderna mais utilizada atualmente é a facoemulsificação do cristalino, que permite uma rápida recuperação visual. Consiste na realização de uma pequena incisão (aproximadamente 2 mm) e, mediante o uso de um instrumento denominado facoemulsificador que emite ultrassons através de uma ponta de titânio, a catarata é fragmentada e aspirada. Posteriormente, introduz-se uma lente intraocular com um injetor, não

Figura 3. Facoemulsificação do Cristalino. Figura 4. Lente multifocal.


Figura 5. Cirurgia de catarata.
induzindo astigmatismo ou distorção da córnea (Figura 3).
É atualmente possível, através da realização da cirurgia de catarata, corrigir elevados erros refrativos preexistentes, nomeadamente astigmatismos superiores a 2 dioptrias, com o recurso a lentes intraoculares tóricas, o que reduz significativamente a dependência de óculos. Em casos selecionados, a mais recente tecnologia de lentes intraoculares (lentes multifocais) permite ao doente obter boas acuidades visuais ao longe, a meia distância e ao perto (Figura 4).
Uma vez implantada a lente considera-se terminada a cirurgia, sem ser necessário sutura, nem mesmo, na maioria dos casos, internamento. Em regra, o doente pode retomar a sua atividade normal poucos dias após a realização da intervenção cirúrgica.
A cirurgia da catarata é hoje em dia uma um procedimento com elevados níveis de segurança, uma alta taxa de sucesso alta e praticamente indolor. Contudo, tal como em qualquer cirurgia, existem riscos, nomeadamente de infeção e/ou inflamação pós-cirúrgica, embora estes riscos sejam escassos devido à técnica atualmente utilizada, aos aparelhos e à medicação administrada, bem como aos cuidados de assepsia protocolados antes, durante e após a cirurgia (Figura 5).
A cirurgia da catarata é então nos dias de hoje um procedimento cada vez mais personalizado. Com a tecnologia de diagnóstico disponível, os instrumentos cirúrgicos altamente precisos e com a diversidade e qualidade das lentes intraoculares, o cirurgião experiente, após uma avaliação cuidadosa das suas espectativas e necessidades pode não só restituir a visão ao doente como também permitir-lhe um maior rendimento e obviamente um maior grau de satisfação.
Em Portugal o nível com que hoje se realiza a cirurgia da catarata é elevado, semelhante ao efetuado em qualquer outro país do Mundo, podendo o médico oftalmologista proporcionar estas técnicas à grande maioria dos seus doentes. Em conclusão, a catarata é uma importante causa reversível de cegueira e a cirurgia não visa apenas restituir a visão devendo ser encarada como um verdadeiro procedimento refrativo, já que é possível que o doente operado fique a ver bem e com uma qualidade ótica excelente.
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