Claudia Hersz
A Minha Coleção My Collection
1ª edição Rio de Janeiro - Brasil Claudia Herszenhut 2017
It’s a Small World Claudia Hersz
“Eu serei o seu espelho; não serei o seu reflexo, mas serei o seu engano” Jean Baudrillard
Ao conhecer minha nova gerente de banco, há alguns anos atrás, descobri que ela tinha sido trapezista. Este dado tão heterodoxo numa biografia, além de filhos da mesma idade, fez com que eu quisesse conhecê-la melhor. Acabamos ficando amigas e, certo dia, ela me convidou para almoçar no sítio em que morava e que funcionava como local de quarentena obrigatória para os animais que seu marido importava para a América do Sul. Devo confessar que não entendi bem esta profissão... Afinal, do que se tratava isso de importar animais para a América do Sul? Quantos Zoológicos existem por aqui? Que espécies de animais? Quantos elefantes, leões, girafas são comprados por mês, ano ou década para ser um negócio rentável? Durante o almoço no jardim, em frente à jaula de um leão, acabei
externando minha curiosidade. “Afinal, quem compra animais importados?” “Ricos” - disse ele. ” Depois que se tem todos os jatos, iates, imóveis, joias, carros, as pessoas começam a desejar pássaros exóticos e pavões albinos para seu jardim.” (pavões albinos passavam por nós nesse momento... praticamente um filme surrealista!). Aquilo me deu um clic: “Que loucura! as pessoas colecionam tudo...”, e caiu num terreno fértil, pois andava muito envolvida com a leitura de Baudrillard, que afirma que colecionamos a nós mesmos através de objetos - envolvimento que já era a erupção de uma obsessão histórica, tendo em vista minha atenção a Colecionismo desde criança... Um tempo depois - e a propósito de uma exposição no Rio de Janeiro - vejo estampado o rosto de uma importante colecionadora internacional numa foto de jornal. Ela era a cara da Barbie! Fiquei me perguntando se ela realmente se interessaria por arte, ou se sua coleção seria um tipo de pavão albino... Questão não solucionada, problema criado, segundo clic: “Vou começar a coleção da Barbie!” Esta boneca icônica foi determinante na dimensão dos trabalhos (a escala 1:Barbie é aproximadamente 1:8), e em algumas decisões
cromáticas relativas às obras iniciais. Composta por miniaturas de obras de arte, esta série - iniciada em 2004 e desde então em curso - como toda coleção também tinha uma regra: cada item deveria ser construído, não valendo reproduções fotográficas ou similares. (Acho que procurei uma certa contramão da arte contemporânea ao valorizar a artesania...). Acabei me dando conta que Barbie jamais colecionaria arte - num campo análogo, teria no máximo um Romero Britto, e assumi que eu não era apenas a produtora e curadora - papéis que me outorguei quando comecei - mas que esta era A Minha Coleção, ligada a meus afetos, desejos, admiração ou à percepção de que algumas obras ficam interessantes miniaturizadas (perdendo a alma, conceitos e subjetividades que têm em seus tamanhos normais). Ao roubar o tamanho, coloco em discussão a aura da obra de arte - além de alguma ironia sobre seu valor e o ato de colecionar. Procuro estabelecer, também, uma conversa com André Malraux, quando a apresento como um mini museu onde não há hierarquias nem tentativas de harmonização entre seus elementos. Reproduzido em livro, este conjunto cria outras camadas de distúrbios, tendo em vista que as fotografias dos originais e as imagens de suas miniaturas-homenagem não diferem essencialmente em tamanho. Criado como um jogo pessoal, é com grande deleite que compartilho este trabalho, observando que, como Chacrinha, “ eu vim ao mundo para confundir, e não para explicar”.
A Minha Coleção Marcelo Campos
O que pode fazer um carrinho de supermercado nos corredores de uma feira de arte? Antes de tudo, dependendo de quem o conduza, mostrar que a arte, como produto de consumo, pode ser banalizada como objeto para aquisição, retirados ou não os coeficientes que a fazem suspensa em pensamentos distantes dos mortais. Claudia Hersz, em A Minha Coleção, pensa o ato de colecionar de dois modos distintos - o desejo infantil frente aos brinquedos e miniaturas e, por outro, a condição da propriedade, quase uma “felicidade clandestina”, como nos ensinou Clarice Lispector, de possuir só para si o que se tornou importante para um grupo de conhecedores, para a história das exposições e, mais amplamente, para a história da arte. Assim, Hersz planeja e constrói, há mais de uma década, sua dream colection, transformando em miniaturas, numa escala que a artista denomina “um para Barbie”, obras de Louise Bourgeois, Cildo Meireles, Yuri Firmeza, entre outros. Há uma particularidade na coleção de Hersz, todas as
obras são feitas pela própria artista, na maioria das vezes numa absoluta exibição de competência, no âmbito da idéia ou na própria manufatura. Assim, vemos Amilcar de Castro transformar-se em papel pintado, cuja ferrugem é resultante de esponja de aço para louças. Nesses gestos de trazer para si o que se tornou inacessível pelo luxo, preço ou pela museificação, despertamos para uma parcela do afeto e, ao mesmo tempo, do delito: a vontade de ter, de tocar, de ter feito, de não sucumbir frente à impossibilidade de acesso. A Minha Coleção também ironiza os altos estratos pelos quais passam as obras da arte contemporânea, agora, não somente pelo valor monetário, mas, também, pelo valor conceitual. Vemos, com certo distanciamento, cabeças de boneca como escultura, panelas de brinquedo como trabalho interativo. E, exatamente deste modo, passamos a conviver com o banal e o ouro, o lixo e as jóias, mantendo um espírito blasé, como se transformássemos as coisas do mundo da arte em produtos tão disfarçados, a ponto de fingirmos naturalidade frente a tudo, mesmo que estejamos corroídos pela dúvida ou pela inveja. E Claudia Hersz transforma esse espanto em mais uma das veleidades do desejo.
It’s a Small World Claudia Hersz
“I’ll be your mirror; I won’t be your reflection, but I’ll be your deception” Jean Baudrillard
When I met my new bank manager a few years ago I discovered that she had been a trapeze artist. This unorthodox biographical past, when joined to the fact that she had children of the same age, made me want to know her better. We ended up being friends and one day she invited me to lunch at her house, which also served as a mandatory quarantine for the animals that her husband imported to South America. I must confess that I didn’t understand this profession very well. After all, what was the point of importing animals to South America? How many zoos are there here? What types of animals? How many elephants, lions, giraffes are purchased per month, year or decade for this to be a profitable business? During lunch in the garden in front of a lion’s cage I ended up
expressing my curiosity. “After all, who buys imported animals?” “Rich people” - he said. “After you have all of the planes, yachts, real estate, jewels, cars you can handle people start wanting exotic birds and albino peacocks for their garden.” (Albino peacocks were passing by at this very moment...it was practically a surrealist film!). This gave me an insight: “How crazy! People collect everything...”, and I fell onto fertile ground, as I was very involved in reading Baudrillard at the time, who states that we collect ourselves through objects - this involvement was already the eruption of a historic obsession, given my attention to collections since childhood... Some time later - on the occasion of an exhibition in Rio de Janeiro - I saw the face of an important international collector printed in a newspaper. She looked like Barbie! I asked myself if she was really interested in art, or if her collection was a kind of albino peacock. Unresolved question, problem created, another insight: “I am going to start a Barbie collection!” The iconic doll was decisive in the dimensions of this work (the scale of 1:Barbie is approximately 1:8), and in some chromatic decisions
related to the initial works. Made up of miniature works of art, this series - started in 2004 and in progress since then - as with all collections, also had a rule: each item should be built, photographic reproductions or similar would not be accepted. (I think I was looking for a certain opposition to contemporary art by valuing craftsmanship...). I ended up realizing that Barbie would never collect art - she would at most have one Romero Britto - and I accepted that I was not only the producer and curator - roles that I gave myself when I started - but that this was My Collection, linked to my affections, desires, admiration or the perception that some works are interesting miniaturized (losing the soul, concepts and subjectivities that they have in their normal size). In stealing their size, I create a discussion around the aura of a work of art - aside from a certain irony about its value and the act of collecting. I also aim to establish a conversation with AndrĂŠ Malraux, when I present it as a mini museum where there are no hierarchies or attempts to harmonize its elements. Reproduced in book form, this set of works creates other layers of disturbance, seeing that the photos of the originals and the images of the miniature-tributes do not differ in size. Created as a personal game, it is with great delight that I share this work, observing that like Chacrinha, “I came to confuse, not to explainâ€?.
My Collection Marcelo Campos
What could a shopping cart be doing in the corridors of an art fair? First of all, depending on who is pushing it, it shows that art, as a consumer product, can be trivialized as an object for acquisition, with the coefficients that suspend it in the distant thoughts of mortals, withdrawn or not. In My Collection, Claudia Hersz thinks about the act of collecting in two distinct ways - the childish desire for toys and miniatures, and, on the other hand, the condition of property, almost a “clandestine happiness”, as Clarice Lispector taught us, to own something just for yourself that has become important to a group of connoisseurs, the history of exhibitions and, more broadly, for the history of art. Hersz has planned and built her dream collection in this way for over a decade, transforming works by Louise Bourgeois, Cildo Mereiles, Yuri Firmeza and others into miniatures, on a scale that the artist calls “one to Barbie”. There is a particularity in the collection of Hersz, all
of the works are made by the artist herself, in most cases in an absolute display of competence, in their ideas or in their manufacture. We see Amilcar de Castro transformed into painted paper, with the rust coming from steel wool dishwashing pads. In this gesture of bringing to oneself something that has become inaccessible due to luxury, price or through museumification, we awake to part of the affection and, at the same time, of the transgression: the desire to have, to touch, to have made, to not succumb in the face of the impossibility of access. My Collection also mocks the high strata through which contemporary art works now pass, not only due to their monetary value but also their conceptual value. With a certain detachment, we can see dolls heads as sculpture, toy pans as an interactive work. And, precisely in this way, we start to live together with the banal and gold, rubbish and jewels, keeping a blasĂŠ spirit, as if we were to transform pieces from the art world into products that are so disguised that we fake naturalness above everything, even if we are corroded by doubt or jealousy. And Claudia Hersz transforms this astonishment into another of the whims of desire.
O meu Gordon Matta Clarck My Gordon Matta Clarck 33 cm de altura
O meu Beuys My Beuys
12 x 5,5 x 5,5Â cm
O meu Bansky My Bansky
8 x 15 x 6 cm
O meu Andy Warhol My Andy Warhol
21,5 x 15,5 x 1,5 cm
O meu Anna Bella Geiger My Anna Bella Geiger 5,8 x 15,5 x 1 cm
Desvi(i)nho para o Vermelho My Little Cildo Meireles 29,5 x 36 x 19 cm
O meu Claes Oldenburg My Claes Oldenburg 31 x 37 x 23,5 cm
O meu Ubi Bava My Ubi Bava
11 x 16 x 0,5 cm
O meu Duchamp My Duchamp 5 x 7 x 8 cm
O meu Rauschenberg My Rauschenberg 25,5 x 20 x 5 cm
O meu outro Cildo Meirelles My other Cildo Meirelles
mini instalação - 16 cm a maior peça
My Gritte My Gritte
25,5 x 18,5 x 8,5 cm
O meu Amilcar de Castro My Amilcar de Castro 30 x 26 x 10 cm
O meu Jarbas Lopes My Jarbas Lopes 18 x 12 x 0,5 cm
O meu Ivens Machado My Ivens Machado 21 x 20 x 2,5 cm
O meu Nuno Ramos My Nuno Ramos 28 x 35 x 30 cm
O meu Ron Mueck My Ron Mueck
21 x 12,5 x 11 cm
O meu Opavivarรก My Opavivarรก 17 x 15 x 11 cm
O meu Picasso My Picasso
13 x 9 x 3 cm
O meu Tunga My Tunga
36 x 5 x 0,3 cm
O meu Barrão My Barrão
9 x 6 x 3,5 cm
O meu Alexandre Vogler My Alexandre Vogler 10 x 13 x 2,5 cm
O meu Afonso Tostes My Afonso Tostes
14 x 3 x 1 cm - cada peรงa
O meu Kosuth My Kosuth
27 x 38 x 10 cm
O meu Franรงois Morellet My Franรงois Morellet 20 x 20 x 6 cm
O meu Ai Weiwei My Ai Weiwei 9 x 8 x 8 cm
O meu Brígida Baltar My Brígida Baltar
mini instalação - 12 cm a maior peça
O meu outro Duchamp My other Duchamp 16 x 8 x 8 cm
O meu Yuri Firmeza My Yuri Firmeza 6 x 28 x 20 cm
O meu Laura Lima My Laura Lima
dim. variรกveis - 16 x 14 x 21 cm
O meu Luiz Camnitzer My Luiz Camnitzer 8 x 2 x 2 cm
O meu Louise Bourgeois My Louise Bourgeois 27 x 38 x 38 cm
O meu Lucio Fontana My Lucio Fontana 20 x 20 x 1,5 cm
O meu Nelson Leirner My Nelson Leirner 8 x 14 x 8 cm
Projeto gráfico Icaro dos Santos Fotos Thales Leite Tradução Thais Medeiros & Mark Phillipp CIP BRASIL - Catalogação na Publicação H572 Hersz, Claudia, 1960. A Minha Coleção / texto de Claudia Hersz; ensaio de Marcelo Campos; tradução de Thais Medeiros - 1 . ed. rev. - Rio de Janeiro: O Autor, 2017 72 p . : il . ; 15 cm. ISBN 978-85-922274-0-1 Texto em português e inglês 1. Artes Plásticas. 2. Arte Contemporânea. 3. Arte Moderna. 4. Colecionismo. 5. Miniaturismo. CDD:700.902