El arte callejera

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Andar por Buenos Aires é deparar-se com inúmeros desenhos nas paredes. De variados tamanhos, cores, texturas e estilos, eles pintam a trajetória da arte urbana na capital Por fernanda matricardi

Georgina Ciotti, artista de rua, pintando uma de suas obras. O grafite é bem visto pela maioria dos habitantes de Buenos Aires

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m pequeno bar-galeria, no charmoso bairro de Palermo, esconde um mundo de pinturas dos artistas de rua que ali se reúnem para conversar. Basta entrar para perceber que não é um lugar comum, todas as paredes são massivamente pintadas, até os banheiros. As gravuras foram feitas pelos próprios artistas e o local ainda conta com uma sala que já recebeu mais de 60 exposições de pessoas ativas nas ruas, incluindo alguns brasileiros. A partir desse pequeno espaço, ao conversar com algumas figuras do meio, as portas da galeria se abrem para o grafite de toda a cidade. Para que se abram completamente, é preciso antes conhecer algumas definições e entender esse universo artístico. O termo “grafite” caracteriza todo tipo de inscrição feita em

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Enviado Especial | FEVEREIRO de 2014

paredes. Algumas técnicas utilizadas incluem o stencil, impressão de imagens em uma superfície através de uma moldura, a pichação, que contém frases ou palavras, a arte hip hop, associada a nomes ornamentados, e desenhos que mesclam pincel e spray de diversas formas. Pode ser através de desenhos, arte hiphop, stencil ou pichação, a arte urbana de Buenos Aires não possui uma conotação tão negativa como em outras cidades, explica Malatesta, um dos artistas de rua responsáveis pela galeria. A origem dessa percepção positiva está em sua história. Uma pincelada histórica

Foram os mexicanos que, por volta de 1930, chegaram à cidade e começaram usar stencil nos muros. Porém, a arte ainda permaneceu

tímida durante anos, até que, na década de 50, durante o governo de Perón, voltou como forma de manifestação escrita, pichação, sobre política (principalmente com nome do presidente), futebol e ideias. Após o golpe militar, a repressão e o isolamento do resto do mundo desestimulou o desenvolvimento da street art e não houve pinturas, e, se houve, foram pouquíssimas. A volta da democracia, no entanto, deu um impulso inicial para que os artistas urbanos voltassem às ruas, resultando na explosão dessa arte na década de 90. Nesse período, o peso equivalente ao dólar permitiu que as pessoas viajassem pelo mundo, principalmente Europa e Estados Unidos, e trouxessem com elas o que viam pelas paredes das grandes cidades. Os artistas possu-

íam a inspiração, faltava o material e a coragem, pois tinham medo de serem presos. Não conheciam as regras que os outros artistas tinham na Europa, como a necessidade de usar spray, tampouco possuíam esse tipo de material, mas aprenderam com os brasileiros a usar também o pincel e a improvisar. Já a coragem foi se desenvolvendo, primeiro, pintavam à noite, até que os desenhos ficaram muito grandes e complexos e, então, começaram a pintar durante o dia. Atualmente, a maioria das pinturas é feita sob a luz do sol. “Que se vão todos, que ninguém fique” é uma famosa frase pichada durante a crise de 2001. Durante esse período, com a difícil vida que levavam os argentinos, um grupo de universitários resolveu pintar os muros com cores, desenhos e algu-

mas mensagens para alegrar a vida das pessoas que por ali passassem. Isso produziu uma memória positiva e, desde então, elas permitem que os artistas pintem seus muros e, por isso, o grafite é bem visto pela maioria dos habitantes. Buenos Aires, uma exposição aberta

A arte está presente nos muros de todos os bairros, mas é em La Boca e Barracas, que ela se concentra, e lá que Malatesta afirma ser seu lugar preferido para pintar. Andar por esses bairros é um pouco perigoso, mas vale a pena para quem gosta de consumir street art, pela quantidade, qualidade e grandiosidade. A cada esquina dobrada, surge um mural. Na região do famoso El Caminito, existe uma obra gigantesca de fundo azul, que retrata a revolta das mães

pelos desaparecidos da Ditadura Militar, os detalhes e a proporção encantam. Dalí, ao adentrar o bairro, pode-se encontrar outras grandes obras de artistas isolados e de alguns que fizeram parcerias. As pinturas em grupo, tanto de parcerias quanto localizadas lado a lado, ocorre, na maioria das vezes, por causa de eventos organizados pelos próprios artistas. São ruas inteiras de muros pintados, como uma exposição de quadros a céu aberto. Os temas são variados, de ilustrações, passando por hiphop à mensagem política. Outros bairros também expõem suas obras. Alguns artistas pintam ao redor da região em que moram, como Ice, que deixou sua marca por todo Caballito. Na região central, por sua vez, os motivos são principalmente políticos, pichações fevereiro de 2014 | enviado especial

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Acima na sequência: obras dos artistas Pum Pum, La Wife e Georgina Ciotti. Abaixo: obras do artisita Malatesta com acusação, mensagens e desejos são marcantes, já que concentra os edifícios sede dos grandes poderes. Mas há também os desenhos, como o do artista italiano Blu, que retrata os argentinos com os olhos vendados por uma faixa de cores da bandeira da Argentina. O bairro dos restaurantes, discotecas, bosques e do zoológico, Palermo, abriga também várias obras. Porém ali, por ser uma região nobre, os artistas pintam para se promover, afirma Ice. Retrato dos callejeros

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novam e alegram aquele ambiente. Já para mensagens políticas, os lugares escolhidos geralmente ficam próximos aos prédios que concentram algum tipo de poder. Os artistas também pintam por encomenda, nesse caso não escolhem o local, mas escolhem o preço, quanto maior a liberdade para criar, mais barato cobram. Um aspecto relevante é que, infelizmente, essas pinturas não duram por tanto tempo. São apagadas pelos proprietários ou estragadas por outros artistas desrespeitosos, principalmente os iniciantes. Um ponto polêmico é o comum desgosto pelos pichadores, pois “mancham a sua imagem”, apesar

fotos: divulgação graffiti mundo

Cada artista possui sua maneira característica de pintar. Não só pela técnica, mas também pelo estilo e os motivos escolhidos. Ice é artista de rua há 17 anos e diz “Digamos que tenho uma estética bastante infantil, coisas que não são agressivas, não tenho nada ligado a partidos, então é raro a pessoa que não gosta”. Ele conta que já pintou no Chile, no Brasil e no Uruguai e suas temáticas preferidas são chimpanzés e fungos. Já Malatesta, prefere não classificar sua arte.

Conhecendo melhor o cenário do grafite em Buenos Aires, é possível perceber que não engloba apenas homens, apesar de serem a maioria. Pum Pum, Georgina Ciotti e La Wife representam muito bem o time de artistas femininas, elas imprimem uma típica riqueza de detalhes e traços delicados em suas obras. É interessante saber, ainda, que alguns desses artistas pintam apenas nas horas livres, pois trabalham como arquitetos, designers ou estilistas. Em geral, como a grande maioria dos outros artistas ao redor do mundo, também revelam que a inspiração chega na hora, sem pensar antes no que irão desenhar. E jogam com tamanhos, texturas e cores. Assim, por ser fruto de um sentimento, preferem que a obra seja interpretada por cada pessoa a seu modo, sem perguntas sobre o seu significado. Ademais, a escolha do muro possui alguns critérios, o principal é sua aparência. Um lugar muito velho, destruído, abandonado ou cheio de pichações são os preferidos para pintar, assim, segundo eles, re-

Cada artista tem seu estilo e técnica para pintar, o que proporciona diferentes tamanhos, texturas, cores e temas em cada obra de revelarem que já picharam antes. E Malatesta se diferencia “Não estou colocando meu nome gigante em frente à sua casa, eu procuro uma parede destruída e faço, na minha opinião, uma peça de arte. Eu ponho meu coração, meu material, meu conhecimento em uma parede”. É interessante, ainda, que alguns artistas de rua não se consideram vândalos, mesmo sendo ilegal o grafite na Argentina. Justificam que geralmente pedem autorização para pintar os muros, até mostram suas ideias ao proprietário, e este, quase sempre, autoriza. O desenho é feito sem permissão apenas em construções abandonadas. Mas

admitem não agradar a todos “Eu posso fazer com minha melhor intenção e, para uma pessoa, pode ser uma obra de arte incrível, para outra, pode ser um horror.”, reconhece Malatesta. Legal é perceber que a modernidade também chegou à arte. Ice, por exemplo, pretende usar o moderno código QR em suas obras, para o interessado ter mais informações sobre como foi pintada. Assim, com essa riqueza de tamanho, formas, cores, motivos, técnicas e estilos é a arte callejera que esses artistas fizeram e fazem acompanhando o momento histórico do país e imprimindo vida na cidade.

“Nós, como guitarra, bateria e baixo, pintamos juntos e fazemos música” - Malatesta, artista de rua fevereiro de 2014 | enviado especial

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