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NO RITMO
TANGUEIRO 1 PARA FRENTE, 2 PARA TRÁS
Argentina, país conhecido mundialmente por seus esportistas e pelo delicioso doce de leite, vê surgir na capital portenha e cidades europeias um novo cenário musical baseado no tango, mais uma de suas antigas tradições
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alpón de tango, tragos y amigos” é o que anuncia um dos mais de vinte quadros pendurados na parede daquele peculiar e portenho galpão na Rua Sarmiento 4006. À primeira vista um edifício abandonado, mas basta passar os escritos “Tango Folklore” e subir as escadas de madeira para mudar esta impressão. Entre fotos de Che e Carlos Gardel, violões quebrados e até uma tampa de um caixão; idosos, jovens e crianças ocupam a área central do local com o tango, tradicional no país desde as duas últimas décadas do século XIX. Atravessando de um lado ao outro o estabelecimento que leva o nome de La Catedral, tem-se um alto palco, seguido da pista de dança e logo dos mais diferentes tipos e formatos de mesa e cadeiras. Ao
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Enviado Especial | FEVEREIRO de 2014
fundo está o bar, onde simpáticos atendentes servem vinho e comida de ótima qualidade por um bom preço. Nos intervalos das chamadas “classes de tango” o DJ projeta na parede oposta do balcão um videoclipe da banda inglesa Queen, demonstrado, por mais um detalhe, que ali há de tudo. Sugestão do crítico musical e DJ, Gabriel Plaza, o ambiente que recebe casais, amigos e famílias, é mais um dos tantos lugares em Buenos Aires nos quais é possível entrar em contato com a nova cena do tango argentino. A última década
Após a inovação tanguera proposta por Astor Piazzolla na segunda metade do século XX, a Argentina, principalmente Buenos Aires, foi
palco de um novo movimento de modernização do tango. Nos princípios dos anos 90, era ainda muito escasso, com uma pequena quantidade de grupos e uma mínima renovação de músicos, dos quais a maioria, cinquentões. Porém, com o passar do tempo, o novo cenário foi ganhando atenção de uma considerável parcela de portenhos e ainda mais dos europeus, que acompanharam o surgimento de jovens grupos também em seu continente. Seguindo a mesma tendência do tango quando este surgiu, o novo gênero musical nasceu de uma grande mistura de culturas. Muitas vezes inspirados por músicos e compositores como Piazzolla e Osvaldo Pugliese ou em ritmos como o rock obscuro dos anos 80, os novos DJs, produtores e bandas respeitam
flickr/prayitnophotography
Por teresa espallargas
fevereiro de 2014 | enviado especial
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a necessidade de sua geração de falar de seu tempo. Os projetos não pretendem ser apenas covers de versões anteriores, mas sim ter suas próprias criações,mesclando o tango tradicional com batidas eletrônicas e outros ritmos, fazendo com que as pessoas se vejam refletidas em suas propostas. Juntamente com os novos grupos como Otros Aires, Gotan Project e Tanghetto, criados no final do século XX e início do XXI, surge também um novo público, que, identificando-se com uma diferente sonoridade, linguagem e atitude, se aproximou de uma das principais heranças culturais da Argentina, 4
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até então em crise. De acordo com Gabriel Plaza, presenciamos uma nova era de ouro do tango, na qual há muitos músicos, principalmente sub-20 e sub-30, que tem seus projetos vinculados a um estilo mais contemporâneo, tanto no sentido da composição quanto no da poética. Para ele, é possível perceber desde um código mais cultural até um cenário mais urbano para o tango, um que não seja tão formal quanto e que retome o vínculo social do gênero, esquecido em certo tempo. Primeiramente apresentado nos intervalos das milongas, espécie de canção e baile comum na bacia rio-platense, afim de “abrir os ouvi-
dos” dos milongueros tradicionais; o neotango ou tango eletrônico já é encontrado em diferentes regiões. Além da La Catedral, temos os bares Sanata, La Biruta e El Faro, sem contar os diversos boliches, as baladas dos portenhos. Para Gabriel, o jovem estilo que busca tratar sobre a identidade dos argentinos e dos clichês do tango, é independente, underground, assim que se encontram, desconsiderando os oficiais, sete festivais em diferentes lugares e épocas do ano. Ele, que viajou por cidades como Roma, Paris e Hong Kong, sob o nome de DJ Inca, também comenta que há uma relevante diferença do novo tango em seu país e no exterior.
Em relação ao comportamento dos estrangeiros frente ao electrotango e as demais variações, Miguel Di Genova, fundador da banda Otros Aires, e Plaza estão de acordo. Segundo eles, nos outros países não há tanto preconceito. Para os europeus pouco importa se aquilo que ouvem é tango ou não, primordial é desfrutar da música. Já sobre os argentinos, Miguel comenta que, em grande parte, são conservadores, além de nostálgicos, e não aceitam qualquer tipo de modernização no tango, seja eletrônica ou de qualquer outro gênero. Para Gabriel, pelo fato dos locais terem muito mais informações que os europeus a respeito da história deste estilo musical, não estão tão dispostos a ouvir diferentes tipos de tango, como fazem os companheiros do velho continente. Na opinião do crítico musical, parte disso também ocorre em consequência dos músicos e bandas que estão trabalhando lá fora, não concluírem primeiramente seu trabalho na Argentina e região. Como DJ, ele afirma que pretende se desenvolver mais em seu país, propondo novas sonoridades, que possam ser dançadas em lugares populares, “em casas de tango onde há gente tanguera e também nos quais não há, provando essa nova maneira de musicalizar”. Percebe-se, portanto, que se trata de um gênero musical mais consolidado internacionalmente, principalmente pela presença de bandas com grandes trajetórias como é o caso do Narcotango e Gotan Project. Todavia, é algo recente que faz parte de uma nova identidade do tango, a qual atende a necessidade
teresa espallargas
teresa espallargas
O La Catedral é um dos tantos lugares em Buenos Aires em que se pode entrar em contato com a nova cena do tango argentino
“Um som global com identidade local”
Novos grupos musicais inovam e misturam o tango com outros elementos musicais de demonstrar tanto para os idosos quanto para os jovens que este estilo não é algo que ficou no passado. Na mídia
Como jornalista de um importante diário nacional, Gabriel comenta que desde que começou a escrever sobre música em 1996, pretendia acompanhar o novo cenário que ia surgindo, dando também uma maior notoriedade para sua outra profissão. Ele também confirma que “depois de Cromañon, que foi um acidente muito grave e que matou muitos jovens, fecharam-se muitos lugares, gerando uma crise no circuito independente. Por conta das regulamentações, existem lugares que atuam na semiclandestinidade, trabalhando e se promovendo através das redes sociais, que hoje têm um papel importante. Muitas das bandas não podem divulgar seus
lugares de ação em outros meios por não serem habilitados, mas podem sim divulgar nas redes sociais. Assim, seus seguidores somados aos seguidores de outras bandas permitem que as pessoas se inteirem de onde estão tocando”. Para Miguel, que viveu muitos anos fora da capital argentina, e até para os jovens garotos da banda de rock Rabiosa, é essencial que a publicidade seja feita pela internet, principalmente nas redes sociais. Reconhecem que hoje, o alcance de seu trabalho se dá de uma maneira diferente de antigamente, tendo em vista que por Facebook, MySpace ou Twitter pessoas de qualquer parte do mundo podem conhecê-los. No passado, as divulgações dos shows e apresentações muitas vezes aconteciam nas ruas e revistas musicais, atingindo uma quantidade de pessoas muito menor. fevereiro de 2014 | enviado especial
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Com a mesma intenção de divulgação das redes sociais, encontramos no país outros meios de difusão, como o programa de rádio Fractura Expuesta e o Zizek, um coletivo de artistas independente criado na capital portenha. Também é fácil o acesso a novos grupos pelo projeto Recalculando, criado pelo Estado, para colaborar com desenvolvimento e profissionalização dos grupos de música emergentes.
da música eletrônica. Assim como Otros Aires e Sambô, encontramos aristas que compõem a nova cena musical tanguera, como DamiánBoggio, famoso Tango DJ e o próprio jornalista Gabriel, que tem no DJ Inca seu alter ego. Também aproximando o rock de um ritmo nacional, como fez o grupo brasileiro com o samba, temos as novas expressões do tango da banda 34 Puñaladas, do Altertango e também
ferentes formas de dança-lo. Porém, basicamente a estrutura é a mesma, pois o tango é o mesmo. Não é que muda e é a dança é outra. É a mesma dança só que se incorporam movimentos de outras danças.Tem gente que agrega coisas de dança contemporânea, ou também movimentos que são um pouco mais rítmicos, depende da música. Mas basicamente o tango é o mesmo”. As chamadas tendas, tradicio-
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Próximos passos
Além de adicionar guitarras, baterias, batidas eletrônicas e outros instrumentos aos tradicionais sons produzidos pelo bandoneón e pelo violino, o novo tango também acrescenta diferentes elementos à dança sensual que acompanha o antigo gênero musical. Di Genova afirma que “na realidade, o tango novo agrega mais coisas, mais passos, ou seja, di-
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nal sequência de quatro ou cinco músicas que se dançam nas milongas,quase sempre foram acompanhadas pelo mesmo padrão “dois pra lá, dois pra cá” tanguero. Porém, atualmente, percebe-se não só a presença de novos passos ou instrumentos, mas a também o nascimento de um movimento cultural heterogêneo. Para o futuro, não é possível afirmar que o novo tango continuará voltando ao passado para se inspirar, ou se ele se distanciará de sua essência. Por ser uma criação demasiado atual e recente, resta-nos apreciar o novo gênero, acompanhado de um bom vinho, afinal, no quesito novidade, a Argentina anda pecando pelo excesso mais que pela falta, Messi que o diga.
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Ainda para muitos, eletrônica e tango são como rock e samba, gêneros musicais completamente incompatíveis e opostos, segundo suas tradições. Porém, não é o que acredita a banda brasileira Sambô ou a argentina Otros Aires, ambas representantes da nova tendência de mescla de gêneros musicais. Em uma roda de amigos, todos músicos profissionais, surgiu a ideia de fazer o que eles chamam de “rock – samba”: músicas de cantores como Janis Joplin acompanhadas do famoso ritmo brasileiro. Não com seus companheiros, tampouco em seu país, Miguel Di Genova, assim como quinteto, resolveu inovar a milenar tradição do tango argentino, misturando-o com as batidas
do quarteto Almagro de Alfredo Tape Rubín, alémdo som da Orquestra Típica Fernandez Fierro. No país, sobretudo na capital Buenos Aires, a parte das misturas com a música eletrônica e o rock, é possível encontrar mixagens do tango com a cumbia, o jazz, e o hip hop, dependendo da banda ou produtor que se escuta.
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Na capital Buenos Aires é possível encontrar mixagens do tango com a cumbia, o jazz, e o hip hop, dependendo da banda ou produtor que se escuta
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