TESTEMUNHAS Vidas que Mudam o Mundo
Paulo Lockmann
Rio de Janeiro 2003 ®Paulo Lockmann O selo MK Editora faz parte do Grupo MK Publicitá de Comunicação. Coordenação Geral: César de Carvalho Consultoria Editorial: Israel Belo de Azevedo Coordenação Editorial: Raquel Soares Fleischner Revisão: Valtair Miranda, Adalberto Alves de Sousa Projeto gráfico e diagramação: Rafael Alt Capa: MK Editora Primeira edição - 2003 MK Editora e-mail: editora@mkpublicita.com.br
S662J Lockmann, Paulo, 1948 Testemunhas: Vidas que mudam o mundo / Paulo Lockmann. - Rio de Janeiro: MK, 2003 96p. 1. Bíblia. N.T. João - Comentários. 2. Testemunho (Cristianismo). I. Título. CDD 226.5 CDU 226.5
Digitalização: Pregador Jovem Revisão: sssuca
ÍNDICE
O que é Testemunho............................................................................ 4 João Batista, Profeta e Testemunha ..................................................... 9 André, Pescador e Testemunha .......................................................... 19 Samaritana, Mulher e Testemunha .................................................... 25 Homem Cego, Curado e Testemunha ................................................. 31 Jesus, a Maior das Testemunhas ....................................................... 37 Contracapa........................................................................................ 43
O QUE É TESTEMUNHO
Quero começar imaginando uma reunião de liderança numa igreja local, sob a presidência do seu pastor*: — Irmãos e irmãs, convoquei esta reunião porque a irmã Ruth entregou a coordenação do ministério de oração. Assim, precisamos escolher um novo coordenador ou coordenadora. Alguém tem uma sugestão? — Pastor! — Sim, Inácio. — Gostaria de indicar o nome da irmã Josefa. Ela está sempre presente e gosta muito dos trabalhos de oração. — Pastor! — Sim, irmã Clara. — Eu quero dizer que sou contra. Eu preciso falar. O Espírito está me cobrando. A irmã Josefa não dá bom testemunho. Ela briga com toda vizinhança e é muito mal vista no nosso bairro. Não preciso prosseguir. Certamente você já ouviu algo semelhante. Dar bom testemunho é uma questão fundamental para confirmar a autoridade espiritual de qualquer cristão, especialmente dos líderes da igreja. Como podemos crescer neste tema tão básico? Precisamos ver o que a Bíblia nos ensina sobre isso, e o faremos com base no Evangelho de João. Há muito tempo este livro sagrado tem sido reconhecido como o Evangelho das testemunhas. É isto que o Senhor colocou no meu coração para repartir com a Igreja dos dias de hoje. Este é um momento onde o testemunho fiel e santo de Cristo volta a se impor entre nós. Especialmente porque, com o crescimento do povo evangélico, se multiplicam Igrejas, assim como o número dos convertidos, mas em contrapartida, a grande maioria desses crentes apenas foi iniciada na fé; não foi discipulada. São crianças em Cristo.
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O relato é fictício, assim como os nomes. (NR)
Durante todo o Evangelho de João as testemunhas vão se sucedendo. Surgem pessoas de diferentes grupos sociais de Israel. A primeira, que se tornou referência para todas as demais, é João Batista. A introdução do Evangelho já o apresenta, quando registra: Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João. Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, afim de todos virem a crer por intermédio dele (João 1.6, 7). Durante a leitura, vamos nos deparando com pessoas fascinantes: André, a mulher samaritana, o cego de nascença, e muitos outros. A afirmação do cego é a melhor síntese de tais testemunhos: eu só sei que era cego e agora eu vejo (João 9.25). Atualmente, com o crescimento da Igreja evangélica no Brasil, o tema do testemunho se faz urgente, pois, como disse o Senhor Jesus a Nicodemos: Quem não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus. E depois explica: o que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito (João 3.3-6). Ser cristão é deixar o homem natural, que raciocina e sente a partir de sua carne e de seus interesses, para se tornar um homem ou mulher nascido de novo pelo Espírito Santo. Esta flagrante mudança é uma necessidade urgente no nosso meio. Precisamos de pessoas não somente afetadas pelo evangelho, como ocorreu nos Evangelhos com as multidões, mas transformadas em seu modo de ser, para que todos se admirem e reconheçam, como as autoridades de Jerusalém reconheceram em Pedro e João: Ao verem a intrepidez de Pedro e João, sabendo que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e reconheceram que haviam eles estado com Jesus (Atos 4,13). Precisamos nos empenhar para tornar-nos uma Igreja formada de pessoas efetivamente transformadas pelo poder do Espírito, que vivem num caminho de santidade, e se alegram em dar testemunho do Senhor Jesus. Com certeza, teremos mais autoridade espiritual perante o povo brasileiro, e mais unção de Deus para mudar o Brasil.
EM TORNO DAS TESTEMUNHAS Antes de entrarmos nas mensagens sobre as testemunhas, vejamos o que levou o Evangelho de João a mostrar o ministério de Jesus através desta visão das testemunhas. Primeiramente, cremos na existência de um pressuposto fundamental para a leitura dos Evangelhos. Esse princípio é a influência da vivência de fé da comunidade cristã onde os autores estavam inseridos.
Isto é verdade para Marcos, Mateus, Lucas e, no nosso caso, para João. Ao escreverem sobre a vida e ensino de Jesus, os evangelistas o faziam a partir de seu contexto histórico, social e religioso. Nem podia ser de outro modo, pois é exatamente isso que fazemos quando pregamos ou ensinamos numa classe de Escola Bíblica Dominical. Trazemos a mensagem e experiência bíblica para o mundo em que nossos ouvintes vivem. Isto é necessário para sermos entendidos. A mesma coisa, guardadas distâncias históricas, fizeram os autores dos Evangelhos, especialmente João. Quando lemos o Evangelho de João, salta aos olhos do leitor uma forma de escrever muito diferente dos demais Evangelhos. Alguns comentaristas bíblicos enfatizaram uma estrutura de culto por trás do livro,1 outros viram em João uma trama cronológica apurada,2 outros ainda enxergam no livro uma estrutura dividida em duas grandes partes chamadas: livro dos sinais (2-12), e livro da paixão (13-20), ficando de fora apenas a introdução (1) e o apêndice (21).3 Pensar em uma estrutura montada em testemunhos é fugir dos conceitos abstratos ou teóricos como os temas da luz e das trevas, ou ainda o tema da fé, ou mesmo trabalhar sobre os símbolos cúlticos, embora estes estejam próximos da vida do povo. Na verdade, as testemunhas são pessoas cujo papel é apontar saídas, desde um encontro ou confronto com Jesus, para as situações práticas da vida. Elas são representações das situações da vida de diferentes irmãos e irmãs da comunidade de João. A proposta de ler o Evangelho a partir das testemunhas baseia-se em evidências que indicam que esta foi uma das intenções primordiais do autor do Evangelho. Isto pode ser visto no texto do próprio Evangelho de João. Queremos chamar a atenção para a freqüência do uso do verbo testemunhar (martyrein) e do substantivo testemunho (martyría). O verbo ocorre 73 vezes no Novo Testamento. Destas, ele aparece 27 vezes no Evangelho de João, e 13 vezes no restante das obras de João, totalizando 40 ocorrências. Ou seja, mais da metade das ocorrências estão nas obras joaninas. O substantivo "martyría" ocorre 35 vezes no Novo Testamento, sendo 14 no Evangelho de João e 15 no restante da literatura joanina, totalizando 29 vezes em 35. Isto evidencia o uso e o forte significado do termo para aqueles cristãos e cristãs.
1
MOLLAT, D. O Evangelho de João. Bíblia de Jerusalém, 1975; CULLMANN, O - A formação do Novo Testamento, São Leopoldo, Sinodal, 1970. 2 BOISMARD, M. E. Le prologue de Saint Jean. Paris, 1953. 3
DODD, C. H. A interpretação do Quarto Evangelho. São Paulo. Paulinas, 1977.
A IMPORTÂNCIA DO TESTEMUNHO Por que se tornou importante para a comunidade de João o testemunho? Qual a motivação que deu origem a um Evangelho construído sobre as testemunhas e seus testemunhos? Para responder a estas questões fundamentais é importante descrever vários elementos da base histórica de onde e quando o Evangelho de João foi escrito. Pressupomos que o Evangelho de João foi escrito entre os anos 90-95, na Ásia Menor. Naqueles dias, Domiciano era o chefe maior do Império Romano. Foram dias de grande perseguição aos cristãos na Ásia Menor. Foi nesta época que João foi exilado em Patmos. Qual a razão para os cristãos serem perseguidos? As razões eram principalmente duas: primeiramente, a questão religiosa; depois, a questão econômica.4 Os cristãos não tinham um Deus nacional, como os demais povos e suas religiões. Tais divindades e seus cultos sempre foram permitidos por Roma, pois eram divindades sob o domínio da maior divindade: Roma e seu imperador. Mas os cristãos não aceitavam isso. Eles negavam a divindade do imperador Domiciano, desta forma ameaçando a estrutura política de Roma e sua ideologia popular. O cristianismo negava a estrutura opressiva religiosa romana de duas maneiras: primeiro, pregando contra o politeísmo, que era o pilar religioso sobre o qual se sustentava a sociedade greco-romana, usado inclusive para justificar religiosamente a dominação econômica e política exercida por Roma. Em segundo lugar, anunciando Jesus como único Deus e Senhor, o que significava dizer ao povo que a divindade celebrada no culto ao imperador, ou seja, o próprio Domiciano, era uma farsa. É impossível não notar também que um outro fator é o próprio crescimento intenso da fé cristã por todos os cantos do Império Romano, constituindo uma ameaça real ao domínio de Roma. É neste contexto de crescimento acentuado e feroz perseguição social que vivia a comunidade de João. Podemos entender então que a figura das testemunhas e o esquema de testemunhos no Evangelho de João foi, de certo modo, uma imposição da condição histórica de martírio e luta que a comunidade cristã daquela época vivia. Assim, o Evangelho resgata do anonimato testemunhos e testemunhas pobres e ignoradas, como as que analisaremos a seguir, que não foram lembradas nos outros Evangelhos, mas que tinham em 4
GIORDANI, M.C. História de Roma. Petrópolis: Vozes, 1990.
sua piedade comprometida e sofredora o perfil de muitos irm達os e irm達s da comunidade de Jo達o e de nossos dias tamb辿m.
JOÃO BATISTA, PROFETA E TESTEMUNHA
Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João. Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crer por intermédio dele. (João 1.6-7)
Sem dúvida, o surgimento de João Batista teve uma relevância e significado especial para as primeiras comunidades cristãs. Ele é a personagem mais citada nos Evangelhos, depois de Jesus e Pedro. Em todos os momentos em que aparece, João Batista cumpre o papel de precursor do ministério de Jesus. Ele é uma figura-chave em todos os Evangelhos. A idéia do profeta precursor, como um novo Elias, mencionada no interior do Evangelho de João (João 1.6-7,15, 27, 30; 3.28), baseava-se numa convergência de expectativas sobre a vinda do Messias, conforme ensinada pelos mestres religiosos da época (Mateus 11.10). Em diferentes comentários, os rabinos mencionavam as profecias de Malaquias 3.1; 4.5-6 e Isaías 40.3, e as usavam para ensinar que a vinda do Messias dependia do arrependimento e conversão. Para isso, era indispensável que viessem profetas que pudessem incentivar a conversão e pusessem todas as coisas em ordem. Entre as diversas tradições está a tradição do profeta precursor, mensageiro, preparador de um novo caminho de Deus em meio ao seu povo. Esta tradição era compartilhada pela comunidade de João, que apresenta João Batista como este profeta. O próprio Jesus, num outro Evangelho, dá testemunho disto: Mas os discípulos o interrogaram: Por que dizem, pois, os escribas ser necessário que Elias venha primeiro? Então Jesus respondeu: De fato, Elias virá e restaurará todas as coisas (Mateus 17.10-11). No Evangelho de João, essa idéia está baseada a partir de Isaías 40.3. Este texto era visto como o abrir de um caminho de redenção, retorno do exílio e da opressão, o caminho à Terra da Promessa, enfim, o caminho da libertação. Deus, como no êxodo, marcharia com seu povo para abrir caminho até a terra prometida.
A IDENTIDADE DE JOÃO BATISTA Por vivermos num país de forte influência católica romana, percebemos muito pouco do que ele foi e de seu testemunho. No imaginário popular, o que se vê é um santo mártir, adorado como aquele que por sua fidelidade foi assassinado, decapitado por ordem de Herodes (Marcos 6.16). Na verdade, João Batista era o último dos profetas no estilo do Antigo Testamento. Suas semelhanças com Elias são notórias e reconhecidas (Lucas 1.17), mas sua história de nascimento tem semelhança com Sansão (Juízes 13.2-25) e Samuel, já que tanto um como o outro nasceram de uma mulher estéril. Isso indica que o seu nascimento foi um propósito definido de Deus, um milagre (1 Samuel 1.5-28; Lucas 1.5-25). João Batista nasceu cheio do Espírito Santo, e por orientação divina foi consagrado a Deus. Seu pai, que havia ficado mudo por sua incredulidade, voltou a falar quando do seu nascimento (Lucas 1.6264). A figura de João Batista, ao iniciar seu ministério, impressionava. Andava barbudo, já que fizera voto de Nazireu, vestido de peles de camelo e alimentando-se de mel silvestre. Era magro e musculoso, devido às longas caminhadas pelo deserto, onde vivera até se manifestar a Israel (Lucas 1.80). Com certeza, não era o padrão de profeta e homem de Deus que nós temos. Se entrasse, hoje, em uma de nossas igrejas, possivelmente seria posto para fora, como mendigo, antes que abrisse a boca. No entanto, vejamos o que Jesus disse dele: Então, em partindo eles, passou Jesus a dizer ao povo a respeito de João: Que saístes a ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Sim, que saístes a ver? Um homem vestido de roupas finas? Ora, os que vestem roupas finas assistem nos palácios reais. Mas para que saístes? Para ver um profeta? Sim, eu vos digo, e muito mais que o profeta. Este é de quem está escrito: Eis aí eu envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho diante de ti. Em verdade vos digo: entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista; mas o menor no reino dos céus é maior do que ele. (Mateus 11.7-11) Sobre ele, registrou o Evangelho de João: Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João. Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crer por intermédio dele (João 1.6-7). A aparente fragilidade física de João Batista era, na verdade, a sua força, pois indicava sua total dependência de Deus.
O TESTEMUNHO DE JOÃO O que vem depois de mim tem, contudo, a primazia, porquanto já existia antes de mim (João 1.15). Sem dúvida, Jesus é o primogênito de toda a criação. Sendo Ele o primeiro, tendo a primazia, pede um reconhecimento disto de cada um de nós. Vivemos numa sociedade onde todos querem ter a primazia, ser os primeiros. Todos reivindicam tratamento diferenciado. Tudo se investe nesta idéia. Anúncios de toda ordem querem fazer de você alguém especial, merecedor de tratamento diferenciado. Todos querem estar no centro. Isto no Brasil é tão sério que quando a seleção brasileira de futebol tirou o segundo lugar na França, em 1998, foi como se tivesse tirado o último. Todos queremos a primazia. Aqui entra a mensagem do Evangelho de João através do testemunho de João Batista. Ela nos incita a nos colocar no segundo plano, e deixar Jesus ocupar a primazia. Isto pede que reorganizemos os nossos valores, que contrariemos nossos interesses pessoais e a tendência que nos cerca. Com certeza não é algo que se faz somente com uma disposição mental ou esforço humano. Precisamos ser afetados pelo Espírito, ou seja, nascer da água e do Espírito, conforme ensina Jesus (João 3.5). O anúncio de João Batista, além de colocar Jesus como prioridade, como o primeiro, nos apresenta a graça de Deus: temos recebido da sua plenitude graça sobre graça (João 1.16). Isto deve ter soado entre os judeus simples como verdadeira "boa nova", e para os religiosos da sinagoga e do templo, como uma grande heresia. Foi isso que os levou até João incumbidas de confrontá-lo (João 1.1-19). O judaísmo, como religião, era pesado. Jesus afirmou isto ao se referir aos mestres de Israel: Atam fardos pesados e difíceis de carregar e os põem sobre os ombros dos homens, entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los (Mateus 23.4). Era uma religião sem graça, pura disciplina religiosa e ritual, sem vida. O apóstolo Paulo, grande anunciador da graça, conseguiu mostrar o contraste entre a religião judaica e a mensagem de Jesus Cristo, já introduzida pelo testemunho de João Batista. Ele dizia que a lei é como uma dama de companhia, ou como se dizia antigamente, um aio, aquele ou aquela que conduz a noiva ao noivo, e diante do noivo conclui sua função. Neste caso, Cristo é o noivo. A lei, como dama de companhia, vem ao nosso encontro e denuncia que somos pecadores, e que estamos debaixo da maldição, já que, biblicamente, pecado é maldição. A
desobediência à lei de Deus traz maldição e morte, conforme a lei revelada na Bíblia (Deuteronômio 27.26). Paulo, ensinando à Igreja na Galácia, disse: Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro), para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido (Gálatas 3.13-14). Por tudo isto, quando João Batista anuncia a vinda da graça sobre graça inaugura o Novo Testamento, a nova aliança de Deus com os seres humanos. O sacrifício de Jesus, com seu sangue, anula a sentença de morte e maldição que estava lançada sobre todos nós, transgressores da lei de Deus, pecadores e destituídos da glória-graça de Deus (Romanos 3.23; 6.23). Paulo chega a dizer que, segundo a mente, ele era escravo da lei (Romanos 7.24). A seguir, anuncia a graça do Espírito e da vida em Cristo Jesus: Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte (Romanos 8.1-2). A melhor ilustração da diferença da religião dos mestres de Israel e a religião ou fé anunciada por João Batista, vivida e ensinada por Jesus, é o episódio narrado no próprio Evangelho de João, no capítulo 8: a cena da mulher apanhada em adultério. Leia-o com calma, pedindo o discernimento do Espírito Santo, e você ficará estarrecido com o contraste entre a religião judaica e a fé ensinada por Jesus. Uma queria montar armadilha para Jesus. Astúcia, engano e traição, estratégias malignas. Além disto, alimentava-se do sangue dos pecadores e pecadoras apanhados. Queria ver um apedrejamento, algo cruel, e já trazia as pedras. A outra, a de Jesus, era mansa, sem malícia, ou maldade. Nos enxerga conforme somos: pecadores. Não como gostaríamos de ser vistos, por nossas belas roupas, títulos, cursos. Olha para nós e diz que quem não tiver pecado atire a primeira pedra (João 8.7). Rompe também com o machismo patriarcal judeu, e dirige a palavra a uma mulher, coisa proibida na época. Um homem adulto não podia dirigir a palavra a uma mulher que não fosse sua esposa, ou filha, em público: Nem eu tampouco te condeno, vai e não peques mais (João 8.11). Com esta atitude, Jesus vive a religião da graça sobre graça, anunciada e testemunhada por João Batista. Jesus investiu na misericórdia e na restauração do pecador.
ENFRENTANDO A OPOSIÇÃO A mensagem de João Batista representava uma ruptura com o judaísmo oficial, fosse o das sinagogas, ou do templo em Jerusalém. Por
isso, não é de se estranhar o envio da liderança judaica para interrogar João Batista. Os sacerdotes e levitas eram a liderança religiosa e política de Israel. Havia também o Sinédrio, presidido pelo sumo sacerdote que, por deferência do Imperador Romano, administrava as questões religiosas e os conflitos do cotidiano dos judeus. Foi diante deste Sinédrio que compareceram Jesus, os apóstolos e Paulo (Lucas 22.66; Atos 4.5-7). João, a testemunha, foi julgada por eles. O estilo do interrogatório correspondia ao de um julgamento. Na verdade o que incomodava as autoridades do templo não era a pregação de João, mas o que João representava para o povo. As multidões vinham para ouvi-lo e serem batizadas. Tais multidões não se dirigiam ao templo, mas iam ao deserto de Judá. Foi ali que João começou sua pregação, para se dirigir depois para o norte, onde o Jordão deságua no mar Morto. Ali o povo se quebrantava, e arrependido passava pelas águas do batismo, que era a marca da nova aliança com Deus. Para o povo, era notória a presença do Espírito Santo de Deus naquele lugar e sobre a vida de João Batista. Aquele homem, cuja aparência era o oposto dos religiosos de Jerusalém, deve ter representado um contraste chocante. Um vestido de pele de camelo, cabelos longos, barba imensa. Os outros com vestes religiosas, cabelos e barbas aparadas. Se fosse hoje, as multidões se inclinariam a quem? Há muita higiene e perfume nos religiosos, televangelistas. O que em si não é ruim se fosse, entretanto, acompanhado de muita unção de Deus, como tinha João Batista. Precisamos, hoje, de homens e mulheres, pastores e pastoras, que como João Batista, estejam desesperados por Deus, buscando a unção e a virtude do Espírito Santo. Atualmente nos impressionamos mais com a aparência, com tecnologias de som e de instrumentos. Os pregadores são acompanhados por um verdadeiro show. Com todo o respeito aos que pensam diferente, não é isto que vai mudar o Brasil. Gastamos muito tempo e dinheiro na Igreja evangélica com o que não é importante. Ainda dividimos o Corpo de Cristo por causa de cismas doutrinários. Enquanto agimos assim, o mundo, oprimido pelo diabo, segue sua triste marcha para o inferno. Muitas vidas destruídas pelo vício, prostituição, sobrecarregadas de pecado morrem sem Cristo.
UMA IMPORTANTE PERGUNTA Quando perguntaram sobre sua identidade, respondeu: Eu não sou o Cristo (João 1.20).
João
Batista
Havia uma intenção maliciosa na pergunta, como era comum nas aproximações dos sacerdotes e mestres de Israel, principalmente os fariseus, tidos como mestres da lei. A intenção era a de ver João Batista se autoproclamando o Cristo, o Messias esperado por todo o Israel. Se isto acontecesse, o acusariam de usurpação, já que quem teria que reconhecer isto, segundo o ensino rabínico, era a religião oficial, com seus sacerdotes e mestres da lei. Nesta armadilha tentaram explorar a vaidade da natureza humana diante de toda a multidão que reconhecia em João Batista um enviado de Deus, por causa da autoridade espiritual e da unção de Deus. Não seria difícil o povo crer que ele era o Messias. Isto era o que eles mais queriam. Contrariando as expectativas da liderança religiosa do povo, ele respondeu: Não, eu não o sou! Perguntaram ainda se ele era o profeta precursor. Curiosamente, mesmo o sendo, não o declarou nesta oportunidade, mas esperou ser declarado nesta posição por Jesus (Mateus 17.10-13). Ele mesmo não assumiu esta importante posição diante do povo, senão mais tarde (João 3.25-30). O que aprendemos aqui com João Batista? Acima de tudo, aprendemos sobre humildade, dependência de Deus e espera em Deus, sem auto- exaltação. Hoje, em todas as igrejas locais, há, em algum momento, conflito causado por irmãos ou irmãs que lutam por reconhecimento, por posição no Corpo de Cristo. Essas lutas causam muito dano ao testemunho da Igreja do Senhor. Sobre isso, tenho compartilhado com pastores, diáconos e evangelistas: — Não lutem para ocupar posição na Igreja. Sigam o ensino de Jesus na parábola que fala dos primeiros lugares no banquete (Lucas 4.7-14). Deixemos Deus nos colocar nos lugares que Ele quer. Gosto da frase do próprio João Batista, quando quiseram colocálo contra Jesus (João 3.25-30). Ele disse: convém que ele cresça, e que eu diminua. É o mesmo que afirma Gene Wilkes: Servos se humilham e esperam que Deus os exalte? 5 Será que estamos dispostos a abrir espaço para que lideranças novas e ungidas cresçam? Como desenvolvemos este despojamento, esta posição quebrantada e humilde no Corpo de Cristo? Quando agimos como João Batista, buscando ser cheios do Espírito Santo, sensíveis ao mandar de Deus, sujeitos às autoridades espirituais que Deus colocou sobre nós. No meio de vós está quem vós não conheceis. Esta afirmação de João, em resposta às autoridades judaicas, demonstrou uma trágica situação. Aqueles líderes religiosos presidiam o culto e o sacrifício no templo, as reuniões nas sinagogas, sabiam de memória a lei e os 5
WILKES, C. Gene. O último degrau da liderança, S. Paulo, Mundo Cristão, 1999, p. 46.
profetas. No entanto, não eram capazes de reconhecer um homem de Deus como João Batista, e muito menos de identificar o filho de Deus, o messias Jesus. Ao contrário, hostilizaram e mataram o próprio Jesus Cristo. Isto não foi um erro grave apenas do judaísmo, já que nós também temos incorrido em tal equívoco. Paulo, além de discípulo de Gamaliel, estava se preparando para ser Rabi. No entanto, pegou carta junto ao sumo sacerdote para ir e prender os cristãos, conhecidos como os do Caminho (Atos 9.1-2). Temos dado o púlpito e microfone a pessoas que, possuindo carismas pessoais, nos convencem a dar espaço e honra a elas. Cedo ou tarde nos decepcionamos ao descobrir que tais pessoas não se faziam acompanhar de uma vida santa que confirmasse que conheciam a Jesus de fato. Há muita religiosidade em nosso meio. Mas o que precisamos é de mais unção de Deus, e da presença verdadeira de Jesus, poderoso libertador entre nós. Uma das passagens do Apocalipse que me chama atenção são as cartas às igrejas da Ásia Menor, especialmente a carta à igreja de Laodicéia, quando diz: Eis que eu estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele e ele comigo (Apocalipse 3.20). Temos lido este texto e usado como apelo a conversão e salvação individual, o que não está necessariamente errado, mas tal leitura não faz justiça ao sentido mais amplo do texto. Esta era uma mensagem ao pastor e ao povo de Deus em Laodicéia, e não aos incrédulos. Quem estava sendo acusado de celebrar cultos, ou seja, realizar cerimônias religiosas sem a presença de Jesus era a igreja em Laodicéia. Sim, Jesus estava batendo à porta da igreja. É incrível, mas é verdade. Deus nos livre desta sentença, de celebrarmos culto sem darmos espaço ao Senhor Jesus. Isto estava acontecendo com os judeus, sacerdotes, levitas e mestres da época. Eles realizavam suas cerimônias e não davam lugar para Jesus, o Messias. Como disse João, não o conheciam!
O CORDEIRO DE DEUS Quando Jesus foi apontado por João como o Cordeiro de Deus, ele estava fazendo a ponte entre o Antigo e o Novo Testamento. Como sabemos, a Páscoa judaica era o grande evento e a maior festa religiosa de Israel. O cordeiro, seu grande símbolo, era uma ordenança da religião de Israel (Êxodo 12.1-14). Tratava-se de um memorial da libertação do Egito. Por isso, no decorrer da história de Israel, a Páscoa tornou-se o momento onde manifestações sobrenaturais de Deus eram esperadas, à semelhança do que ocorrera na primeira Páscoa.
Assim, quando João Batista vê Jesus e o proclama como o cordeiro de Deus, está falando numa linguagem muito próxima da crença do povo. Ou seja, ele está firmado no Antigo Testamento, como vemos no texto de Êxodo sobre a instituição da Páscoa, mas anuncia ao mesmo tempo a mensagem central do Novo Testamento: Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Neste sentido é que o Evangelho de João se diferencia dos demais. Jesus, desde o início, é o Cordeiro de Deus. Seu discurso sobre sua carne como verdadeira comida, e o seu sangue como verdadeira bebida, soou escandaloso para os judeus. Muitos seguidores o deixaram. Foi nesta oportunidade que Jesus perguntou aos doze discípulos se eles também queriam ir embora, tendo de Pedro as significativas palavras: Mestre, para onde iremos? Tu tens as palavras de vida eterna (João 6.68). Assim, o testemunho de João deixa claro que tudo que da parte de Deus precisava ser feito para salvação da humanidade foi feito com a vinda de Jesus ao mundo, pela sua morte e ressurreição. Resta para nós a resposta a esse oferecimento de Deus, aceitá-lo como Senhor e Salvador, e crer nele. Esta é justamente a principal razão pela qual o Evangelho de João foi escrito (João 20.30-31). Se você já recebeu esta mensagem e creu nela, agora está comprometido a ser testemunha desta mensagem. Nada me dá mais alegria do que falar de Jesus para as pessoas. Eu dou glórias a Deus quando tenho a oportunidade de ser usado por Deus para levar uma pessoa a Jesus. A mudança no semblante, a alegria e o entusiasmo que toma conta das pessoas me fazem valorizar mais e mais o ministério dos evangelistas. Tenho sido pastor e bispo da Igreja Metodista. Mas acima de tudo, sou evangelista. Nestes 31 anos de ministério ordenado, as maiores alegrias foram as conversões que presenciei. Foram vidas transformadas e discipuladas em Cristo, verdadeiros milagres do poder de Deus. Não é por acaso que Jesus fala de uma festa no céu por cada pecador que se arrepende (Lucas 15.10). João Batista foi um festeiro do céu. Os pecadores faziam filas para ouvi-lo, arrependidos. Alguns anos atrás eu retornava de uma visita às igrejas na região de Cabo Frio. Ao passar no posto da polícia rodoviária em Iguaba, encontrei um policial militar pedindo carona. Parei e lhe ofereci carona. Ele entrou e de imediato começou a conversar, num estilo peculiar de uma pessoa sem Cristo. Quando passamos em frente a um bar, ele disse: Está vendo aquela morena? Que espetáculo de mulher! E acrescentou outros comentários do mesmo nível. Eu virei para ele e perguntei: Você é casado? Sua resposta foi: Sou, por quê? Estava óbvio que ele ficou surpreso com a minha pergunta. Isso era o que ele menos esperava. Eu disse para ele: Isso é adultério, e você está em pecado.
Ele olhou para mim visivelmente espantado e perguntou: Você é crente? Minha resposta foi: Sou crente e sou pastor, graças a Deus! Ele, mais admirado ainda, disse: Isto é coisa da minha mulher! Aí quem ficou surpreso fui eu, e perguntei: Por que você diz isto? Ele devolveu: Porque minha mulher é crente, e vive orando para que eu me converta. E hoje eu pego uma carona logo com um pastor! Continuamos a conversar sobre vida familiar. Apresentei-lhe o meu testemunho, sobre o que Deus fizera por mim e continuava fazendo. Ao chegarmos próximo de Niterói, onde ele devia ficar, parei o carro e perguntei: Você gostaria de receber a Jesus como seu Senhor e Salvador? Ele, já com um semblante alegre, disse: Sim, é o que eu mais preciso. Ali mesmo ele orou recebendo a Cristo. Orei por ele e pelas lutas no seu difícil trabalho de policial. Aquele foi um momento especial de visitação de Deus. Cerca de três meses depois, tive a alegria de receber sua visita em meu escritório, para agradecer e contar, transbordante de alegria, que havia sido batizado. Preste atenção em seu cotidiano. Como João Batista, você pode ser usado para dar testemunho do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, e assim abençoar outros com a benção que você já recebeu.
O BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO O testemunho de João Batista não se encerra com o anúncio da salvação em Cristo Jesus. Tão importante quanto a obra de salvação que Jesus veio realizar, é a obra de capacitação da Igreja para a vida no Espírito Santo e a obra missionária. A continuidade da obra de Jesus na vida do seu povo é a de batizar-nos com o Espírito Santo, dar-nos do seu Espírito, confirmando a promessa anunciada pelo profeta Joel (Joel 2.28-32). João Batista limita-se a anunciar que a promessa estava preste a se realizar através de Jesus. O próprio Senhor Jesus a assumiu, declarando após sua ressurreição aos discípulos: Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder. Este anúncio, realizado no dia de Pentecostes (Atos 2), teve vital importância na vida da igreja primitiva, e continuou a ter no decorrer da história da Igreja. Foi o derramar do Espírito Santo na vida da Igreja que a manteve viva. Hoje vivemos dias de avivamento espiritual. Ainda não o temos por completo, porque falta santificação (Josué 3.5) e oração (Jeremias 29. 12- 13). Mas ele virá, e experimentaremos, como nação, uma visitação do Espírito Santo como nunca vista em nosso país.
Poucas igrejas evangélicas no Brasil não reconhecem como parte inerente ao ministério de Jesus, além de trazer a salvação, a capacitação através da experiência com o Espírito Santo de Deus, o que tradicionalmente chamamos de batismo com o Espírito Santo. João Batista fez diferença no seu meio porque era cheio do Espírito Santo desde o ventre materno. Jesus, o Filho de Deus, recebeu a visitação notória do Espírito de Deus em forma corpórea de uma pomba, com o seguinte testemunho dos céus: este é o meu filho amado, em quem me comprazo (Marcos 1.11). Na sinagoga de Nazaré, declarou-se que o Espírito do Senhor estava sobre Ele (Lucas 4.16-20). Destaco isso para que reconheçamos que João e Jesus dependeram do Espírito Santo para vencer as tentações, realizar a missão do Reino de Deus e anunciar o Evangelho. Se eles dependeram do Espírito, quanto mais a Igreja do Senhor! Deus nos livre de independer do Espírito Santo na nossa vida. Não esqueçamos do ensino de Jesus a este respeito (Lucas 11.13).
TESTEMUNHO BASEADO EM VISÃO A essência do testemunho de João Batista foi falar do que ele havia visto, ou seja, do filho de Deus. Mas é interessante dizer que muitas outras pessoas estavam perto de João Batista e Jesus, inclusive os líderes religiosos judaicos, e não perceberam ou viram o filho de Deus. Eles perderam esta bênção. O que faltava a estas pessoas, que havia em João Batista? Faltava-lhes a presença do Espírito, a capacidade de ver no nível da fé, na dimensão do Espírito de Deus. Quantos têm perdido bênçãos de Deus porque só vêem o terreno, porque o coração está nos cuidados deste mundo, não tendo tempo para as coisas de Deus, para a visão da fé. Sem visão espiritual não podemos ver as operações de Deus, não enxergamos o seu caminho para a nossa vida. Sem vermos não teremos muita coisa para testemunhar. Afinal, como disse o cego, no capítulo 9 de João: Eu só sei que eu era cego e agora vejo. Ele tinha o que testemunhar, pois havia visto a manifestação do poder de Deus.
ANDRÉ, PESCADOR E TESTEMUNHA
No dia seguinte João estava ali novamente com dois dos seus discípulos. Quando viu Jesus passando, disse: "Vejam! É o Cordeiro de Deus!" Ouvindo-o dizer isso, os dois discípulos seguiram Jesus. Voltando-se e vendo Jesus que os dois o seguiam, perguntou-lhes: "O que vocês querem?" Eles disseram: "Rabi" (que significa "Mestre"), "onde estás hospedado?" Respondeu ele: "Venham e verão". Então foram, por volta das quatro horas da tarde, viram onde ele estava hospedado e passaram com ele aquele dia. André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido o que João dissera e que haviam seguido Jesus. O primeiro que ele encontrou foi Simão, seu irmão, e lhe disse: "Achamos o Messias" (isto é, o Cristo). E o levou a Jesus. (João 1.35-42)
Na leitura do Evangelho de João, em busca de novas testemunhas, nos deparamos, logo após o texto do testemunho de João Batista, com um relato bem menor, mas igualmente fascinante. É uma história não narrada nos demais evangelhos. Trata-se da maneira pela qual André e outro discípulo de João foram evangelizados por Jesus, e como André levou seu irmão Simão Pedro a Cristo (João 1.35-42). Neste texto, nos damos conta de pelo menos duas questões fundamentais em João, que nos ajudam a entender os relatos dos outros evangelhos. A primeira é que só em João descobrimos ter sido André um discípulo de João Batista, ou seja, fizera parte de um círculo que poucos cristãos se dão conta que existiu, o dos seguidores de João Batista. Este movimento religioso aparece como paralelo à marcha de Jesus (João 3.22-30). O ministério de Jesus já estava adiantado quando ele recebeu a pergunta de João Batista, interrogando- o se ele era de fato o Messias (Lucas 7.18-23). Uma outra percepção que este texto nos fornece é que houve um antecedente à chamada que Jesus fez a Pedro, André e aos demais discípulos junto ao mar da Galiléia (Marcos 1.16-20). Sempre pensei como explicar a imediata adesão de André, Pedro, João e Tiago, ao convite de: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens
(Marcos 1.17). A resposta é dada no Evangelho de João. Eles já haviam tido contato prévio com o mestre Jesus. Como lemos na experiência de André e o outro discípulo de João Batista, que provavelmente era o próprio autor do Evangelho, no dia seguinte ao batismo de Jesus, antes de Jesus ir para o deserto, eles passaram algumas horas com o Jesus (João 1.39). Então, ao retornar do deserto, 40 dias depois, Jesus os chamou para segui-lo, conforme narrado nos outros evangelhos. Resta uma pergunta: por que o autor do Evangelho indicou o nome de André, e não deu o próprio nome, ficando anônimo no texto? Exatamente porque esta é sua prática costumeira em todo o Evangelho. Ele prefere omitir seu próprio nome, por causa de sua humildade, como visto em outros textos: João 13.23 e 25; 21.20-23. A experiência de estar com João Batista como discípulo seria a razão pela qual, em seu evangelho, João identifica melhor a vida e o testemunho de João Batista, incluindo-o ainda no prólogo. É notório que o Evangelho de João tem mais informações sobre a vida de João Batista do que os outros evangelhos.
O CONTEXTO DO PESCADOR Nós temos dois ambientes para situar a vivência desta testemunha que se chama André. O primeiro é o que já vimos, o ambiente dos discípulos de João. O outro é o que herdara de família, ou seja, o de pescador. É notório que seu irmão Simão Pedro era pescador. É também conhecido o fato de que as atividades econômicas em Israel eram desenvolvidas pelo núcleo familiar: todos participavam da mesma atividade econômica. Deste modo, é certo que também André vivia ou vivera da pesca. A classe trabalhadora de Israel tinha na sua constituição, os camponeses, os artesãos e os pescadores. A pesca fora sempre em Israel uma atividade bastante desenvolvida. No tempo de Jesus alcançava, inclusive, uma estrutura mais organizada. Os grupos de pescadores trabalhavam em equipe. Lucas, em seu Evangelho, usa a expressão koinonói, que quer dizer companheiros, e metóchoi, que quer dizer sócios. Esta organização popular de pescadores ocorria porque os equipamentos para a pesca eram caros e o produto da pesca era dividido entre eles. Cada grupo de pescadores possuía um líder. Pedro o fora de um grupo, e Zebedeu o fora de outro, sendo que de ambos os grupos saíram voluntários ao seguimento de João Batista e de Jesus. Por que razão homens como André deixavam a família e a pesca e seguiam profetas como João Batista e Jesus?
Os pescadores, como todos os setores populares, sentiam fortemente a opressão que a dominação de Roma e de Herodes trazia ao povo. Os romanos foram extremamente criativos em cobrar imposto, pois além do imposto da terra — que incidia sobre a produção uma taxa que alcançava até 25% de tudo que produziam, inclusive sobre a produção de peixes dos pescadores — havia, ainda, o imposto pessoal que era proporcional à situação econômica de cada um. Este imposto resultava do rateio do imposto da colônia, com um valor atribuído pelo Império Romano a cada uma de suas colônias, e que crescia a cada recenseamento. Assim, os pescadores sofriam uma espoliação constante, como os demais trabalhadores. Com isto, crescia a insatisfação do povo da Galiléia, principal celeiro da produção de alimentos da região. Não é por acaso que a grande maioria das rebeliões judaicas da época ocorreram com lideranças rurais e tiveram na Galiléia seu maior centro. Mas que elementos da mensagem de Jesus apresentavam uma esperança e alternativa a estes homens? Nos tempos de Jesus havia muitos que estavam desempregados ou simplesmente marginalizados, por várias razões, desde preconceitos religiosos até por terem se endividado e perdido todos os seus bens. Existiam também aqueles que não haviam atendido essa situação, mas compartilhavam da revolta contra o peso da opressão. Mensagens como a de João Batista ou a de Jesus, sobre a vinda do Reino de Deus, tinham um apelo irresistível para estas multidões. Esta era a saída que eles, vagueando, procuravam. Entre os que ansiavam por isso estavam pescadores como André, Pedro, Tiago e João. Em face de tudo isso, resgatar o testemunho de André, convidando seu irmão para seguir a Jesus, é apoiar as testemunhas da comunidade joanina que seguiam fazendo este convite, na esperança de fazer crescer a comunidade dos convertidos, a tal ponto que o reinado do Messias viesse prontamente. Não podemos esquecer que o alvo dessa mensagem era a segunda vinda de Jesus. O capítulo primeiro de João termina com uma palavra de consolo e esperança, tanto para Natanael e Filipe, como para a comunidade de João, pois o cativeiro e a perseguição iriam acabar: E acrescentou: Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem (João 1.51).
OUVINDO O TESTEMUNHO Hoje nós estamos cercados por vozes. De toda a parte recebemos convites. Nos chamam para aderir a torcidas organizadas, a partidos políticos e a movimentos religiosos. A quem você tem dado atenção? Nós costumamos dar atenção, primeiramente, às pessoas que confiamos, como nossos pais, irmãos, amigos antigos e novos. Mas também damos ouvido, mesmo inconscientemente, à imprensa e à força das propagandas. Sem querer somos chamados a nos conformar com a sociedade ao nosso redor. A repetição das vozes acaba surtindo algum efeito. André não vivia exatamente o nosso problema, não havia todo o aparato tecnológico da imprensa de hoje. Mas, por outro lado, havia uma ardente expectativa da vinda do Messias. O fato de estarem dominados por nações estrangeiras, e como conseqüência trabalharem sob exploração, era uma grande humilhação para Israel. Isto levou ao aparecimento de muitas vozes pedindo adesão, grupos que cultivavam crenças as mais diversas e apelavam ao coração de um jovem como André. Naquele contexto existiam revolucionários que advogavam uma espécie de guerra santa contra os romanos, chamados de zelotes (Atos 5.34- 37). Existiam também os herodianos, um grupo ligado à família de Herodes que sustentavam politicamente àquele rei (Lucas 13.31-32; Marcos 3.6). Havia muitos outros grupos, e isto fazia com que André e seu companheiro João tivessem muitas opções para seguir. O que fez André dar ouvido a João Batista e ir ao encontro de Jesus? Foi o conteúdo daquele testemunho, que apresentava uma mensagem para o presente e para o futuro. A voz de João Batista falou à alma humana: Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Foi exatamente isto que tocou André, ao ver a possibilidade de ver-se livre da maldição do pecado. Ele queria ser uma alma lavada no sangue do Cordeiro, uma vida liberta. E era exatamente isso que Jesus ofertava. Todos sabemos que o pecado tira a alegria da vida humana. Não se sente qualquer prazer na alma, no interior, quando se vive sob o jugo do pecado. O pecado dá um prazer meramente físico, momentâneo. Para o pecador é sempre quarta-feira de cinzas após uma noitada de pecado. O pecado praticamente vicia e no final gera a morte, pois o salário do pecado é a morte. A Bíblia afirma que um abismo gera outro abismo. O pecador é escravo do pecado. Sua alma geme. Hoje, como igreja, falamos de muita coisa. Nossas vozes oferecem diversas ofertas, como cura, emprego, o fim do sofrimento e outras coisas. Mas tudo isso é apenas conseqüência do pecado na vida humana.
Em vez disso, nossa oferta deve ser uma só: Liberte-se do domínio do pecado, aceite a Jesus como seu Senhor e Salvador! Denunciemos o pecado, confrontemos as pessoas, e ofereçamos Jesus e o seu perdão. Somente então as pessoas receberão a cura, e verão Deus operar em suas vidas de discípulos de Jesus.
SEGUINDO A JESUS Dando ouvidos ao testemunho de João Batista, André, e João, seguiram a Jesus (João 1.3-38). Aqui há uma questão importante: a quem vamos seguir? No Brasil há uma questão religiosa curiosa, criada por nossa mescla de culturas, fortemente arraigada na alma do brasileiro, que é a necessidade de mediadores para obtermos o que precisamos. No catolicismo romano são os santos e os próprios padres que fazem o papel de intermediários entre o povo e Deus. Nas religiões afro são os orixás e os pais e mães de "santo". Há os devotos de Nossa Senhora. Seu santuário em Aparecida é um verdadeiro escândalo da manipulação da crença do povo. Outros seguem a São Jorge, São Francisco ou qualquer outro santo. O povo segue cativo destas crenças. Este modelo se multiplica pela sociedade brasileira. No Brasil rural era o senhor do engenho, e posteriormente o coronel. Isto está tão arraigado que durante muito tempo se acha que para se obter um bom emprego o necessário é um padrinho, sem o qual a tarefa é difícil. O resultado é a idéia de que não somos capazes, e que nascemos para ser tutelados por alguns "iluminados". Na religião, na política, no trabalho, precisamos seguir alguém. Com freqüência, os brasileiros se decepcionam tanto no campo religioso como no político. Isto é tão sério que até no mundo evangélico isto também ocorre. Líderes são elevados a uma condição de super-homens de Deus. Alguns se agradam disto, por causa dos benefícios pessoais, e chegam a ponto de se convencerem que isto é verdade, apesar da Bíblia nos ensinar que depois de fazermos tudo devemos simplesmente bater no peito e dizer que somos apenas servos inúteis (Lucas 17.10). Exatamente por causa deste contexto opressivo, o exemplo de André deve servir de ideal para nossas vidas. Devemos ouvir e seguir apenas a Jesus (João 1.37). Vamos centralizar nosso seguimento em Jesus. É verdade que Jesus usa pessoas, ministros e ministras dele para fazer sua obra, mas o foco não pode estar neles, e sim em Jesus. Com certeza, se focarmos nosso seguimento em Jesus estaremos edificando uma igreja madura,
com crentes firmados e alicerçados no Senhor, aptos a testemunhar que a verdadeira luz que veio ao mundo ilumina a todo homem (João 1.9).
LEVANDO OUTROS A JESUS André se tornou um ganhador de almas, tão logo centrou seu seguimento em Jesus (João 1.41). Seu interesse por Jesus foi tal que ele não somente o seguiu, mas ficou com Ele, onde ele morava. Nosso seguimento visa nos levar ao convívio de Jesus. Não há lugar melhor no mundo que estar na companhia de Jesus. Ali temos, como Zaqueu, nossa alma tocada (Lucas 19.8) e renunciamos ao pecado para viver para Deus. A presença de Jesus e seu Espírito nos constrangem, nos vocacionam e nos capacitam a sermos bons servos e servas do Senhor. Junto ao Senhor iniciou-se o discipulado de André e João. Foi ali, junto do conforto, do perdão e da intimidade de Jesus que as palavras de Isaías fizeram mais sentido: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? E respondeu Isaías: Eis-me aqui, envia-me a mim. (Isaías 6.8). Foi isto que aconteceu com André. Ele tornou-se testemunha, tal o impacto das horas na presença de Jesus. Atualmente a Igreja do Senhor não tem tantas testemunhas, porque passamos pouco tempo na intimidade com Jesus. Somos íntimos de nossos familiares (o que não deixa de ser uma boa coisa), dos colegas de trabalho e até de artistas da televisão. E de Jesus? Carecemos desta intimidade. Sem ela não teremos vida cristã abundante. Que efeito teve isto na vida de André? O resultado foi uma marcha ansiosa até Cafarnaum, para começar seu ministério de testemunha, junto a seu irmão. E como ele, nossa vida de testemunha deve começar junto a nossa família. É junto a pessoas amadas que começamos a repartir o tesouro do Reino de Deus (Mateus 13.44). Fomos chamados para uma tarefa muito especial: sermos testemunhas do Senhor Jesus. Isto é um privilégio!
SAMARITANA, MULHER E TESTEMUNHA
Então, deixando o seu cântaro, a mulher voltou à cidade e disse ao povo: "Venham ver um homem que me disse tudo o que tenho feito". Será que ele não é o Cristo? Então saíram da cidade e foram para onde ele estava. (João 4.28-30)
O quarto capítulo do Evangelho de João reúne um dos diálogos mais interessantes do Evangelho. Ele mostra uma situação inusitada: um homem respeitado conversando com uma mulher. A situação é ainda mais inusitada pelo fato de a mulher ser uma samaritana. Jesus sempre surpreendeu quebrando inúmeros preconceitos. É o que nós vemos pela reação dos discípulos: Nesse ponto chegaram os seus discípulos e se admiraram de que estivesse falando com uma mulher; todavia nenhum lhe disse: Que perguntas? Ou: Por que falas com ela? (João 4.27). Além da ruptura de preconceitos, Jesus nos apresenta uma estratégia de evangelização, ao se aproximar de uma pessoa que nenhum profeta abordaria. Principalmente porque sua reputação não era boa. Ela foi ao poço de Jacó ao meio-dia (a hora sexta era a metade de um dia de doze horas), e não era essa a hora que as mulheres de Sicar buscariam água. As outras mulheres buscariam água bem cedo, pela manhã, enquanto ela estava ali naquele horário por causa da rejeição que sofria das outras. Mas foi justamente a ela que se dirigiu Jesus, aplicando o que está escrito em outro Evangelho: Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido (Lucas 19.10).
UMA MULHER OPRIMIDA Impressiona-me o fato de que uma das testemunhas que João e sua comunidade resgataram foi exatamente uma mulher samaritana. Aqui ela é revestida de uma dignidade que não aparece nem nos outros
Evangelhos sobre as mulheres em geral. A única exceção é a mulher que ungiu Jesus (Mateus 26.6-13; Marcos 14.3-9). A maneira como é resgatado o testemunho desta mulher traz em si diferentes desafios, os quais reproduzem a caminhada das mulheres na comunidade de João. Mas uma pergunta precisa ser respondida: por que foi importante para João e sua comunidade resgatar o testemunho da mulher samaritana? Uma primeira resposta aponta para a perseguição religiosa e racial sofrida por aqueles cristãos. A rejeição aos samaritanos se deu por causa de uma série de fatores que envolveram o povo de Deus no Antigo Testamento. Uma coisa que intensificou a separação dos judeus dos samaritanos foi quando eles construíram um santuário em Garizim, cerca de quatrocentos anos antes de Cristo nascer. Com isso eles queriam um lugar só deles para adorar a Deus, sem precisar do Templo de Jerusalém. Se lembrarmos que os samaritanos eram descendentes dos judeus que se casaram com outros povos, perceberemos que a intolerância entre eles tinha a ver com questões de impureza racial e a separação do culto. No meio dos judeus havia a lei do puro e impuro, controlada pelos sacerdotes. Com ela, eles dignificavam alguns poucos e marginalizavam multidões, com manchas leves ou manchas graves. Tudo era baseado na descendência. Segundo este ponto de vista, os samaritanos estavam absolutamente contaminados, já que eram o resultado das relações dos judeus do antigo Reino do Norte com os povos que os assírios, após a queda de Samaria, trouxeram para a terra. Para um judeu, os samaritanos eram cidadãos de segunda classe, a quem se devia negar qualquer direito básico. Neste caso, não apenas o povo era impuro. A própria terra de Samaria era tida como impura, a ponto de os judeus, ao viajarem da Galiléia para Jerusalém, não cruzarem o território samaritano. Eles faziam uma volta enorme só para não caminhar por aquelas paragens. A simples presença de Jesus em território samaritano já era uma confrontação com a discriminação e ideologia religiosa dos religiosos judeus. Dentre os cidadãos samaritanos de segunda categoria, os mais discriminados eram as mulheres. Por isso a comunidade de João resgata a memória de uma mulher para ser testemunha de Jesus e de seu Reino junto ao povo samaritano. Essa mulher tem o direito de ser
chamada de apóstola, já que apóstolos eram os que receberam um mandato diretamente de Jesus. A mulher samaritana foi tão fortemente atingida pelo Messias que se sentiu enviada, como uma verdadeira apóstola. Ela cumpriu fielmente seu apostolado levando seu testemunho aos seus conterrâneos, havendo muitos deles crido em Jesus (João 4.39), chegando a convidar Jesus para ficar com eles, o que aconteceu por dois dias. No encontro de Jesus com aquela mulher, vemos que ela apresenta a Jesus os principais argumentos da teologia samaritana, entre eles o da antigüidade da tradição samaritana. Com isto, ela derruba os preconceitos daqueles que imaginavam que uma mulher não poderia entender a Escritura sagrada. Alguns judeus chegavam a achar que era uma perda de tempo ensinar a Escritura para uma mulher. Essa mulher sabia o que dizia. Com isso, ela demonstrava ter dignidade, pois conhecia a história, a tradição e a teologia do seu povo. Qualquer discriminação era uma injustiça, era reproduzir o preconceito que Jesus rejeitou. Com isso chegamos a uma bela constatação. A mesma rejeição enfrentada pelos samaritanos estava sendo sofrida pelos cristãos que liam o Evangelho de João. Eles eram crentes que viviam na Ásia Menor, onde ser cristão significava sofrer a mesma discriminação religiosa que os samaritanos enfrentavam dos judeus na época de Jesus. Ser cristão significava ir de encontro ao sistema religioso do Império Romano, da religião do imperador. Podemos ver ainda um esforço das mulheres da comunidade joanina em mostrar que sua presença e testemunho foram aceitos por Jesus. Se Jesus tratou dignamente a mulher samaritana, as cristãs também deveriam ser tratadas do mesmo modo. Aquelas irmãs puderam se enxergar no rosto da mulher samaritana.
CONVERSANDO COM JESUS Jesus disse à mulher: dá-me de beber (João 4.7). Enquanto os discípulos iam à busca de alimento, Jesus, cansado, pede à mulher que lhe dê água. Este simples ato nos faz recordar quão simples são os pedidos de Jesus: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei (João 13.34); Vinde a mim, todos vós que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei (Mateus 11.28). Não é difícil ouvir seus pedidos ou convites. Por que não atendemos com mais presteza? O que Jesus está pedindo de você? A resposta da mulher samaritana ilustra o nosso comportamento usual. Ela disse: Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana (porque os judeus não se dão com os samaritanos)? (João 4.9) Nós cultivamos em nosso coração os preconceitos, os
ressentimentos. E ela era vítima de tantos preconceitos! Pela sua resposta, vemos que ela os alimentava em seu coração. Quantas vezes nós temos tido oportunidade de pôr fim aos preconceitos, mas ao contrário, os alimentamos! Eu e minha família só tivemos uma noção clara do que é o preconceito depois que adotamos o Fernando, nosso filho mais novo, que é negro. Nosso coração foi profundamente ferido por pessoas com atitudes racistas contra ele. A surpresa e a dissimulação eram grandes quando descobriam que o Fernando era o nosso filho. A reação da mulher samaritana à pergunta de Jesus era apenas uma resposta de uma alma constantemente discriminada e oprimida. Mas Jesus não se ofende. Manso e misericordioso, continuou o diálogo: Replicou-lhe Jesus: Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva (João 4.10). Jesus ofereceu água viva à mulher. Aqui há um duplo sentido, pois água viva era uma expressão usual no mundo judeu para água corrente. Era o contrário da água parada de um poço, que tinha um sabor desagradável em algumas épocas do ano. Junto a isso está o sentido que Jesus deu à água que ele daria. Ela não mais teria sede, formando uma fonte a jorrar para a vida eterna. Jesus fala com esta mulher na linguagem do cotidiano dela. Afinal, buscar água era uma tarefa cansativa, repetitiva e diária, mas era uma necessidade. Jesus se propõe a suprir uma necessidade simbólica na mulher, ou seja, a secura da alma, que tornava ressentida, desesperançada, marginalizada. Ela estava para ser saciada. Todos os seus ressentimentos seriam curados, além de outros sentimentos negativos que a acompanhavam. Quando falamos, ungidos pelo Espírito e com sabedoria, sobre a possibilidade do preenchimento das necessidades das pessoas, sempre há resposta, interesse. Não é à toa que os papéis se inverteram. Agora é ela a pedir: Senhor dá-me dessa água para que eu não mais tenha sede, nem precise vir aqui buscá-la (João 4.15). Mas este momento decisivo não pode ser apenas um paliativo. Ela teve sede e Jesus a saciou. Ela estava enferma e foi curada pela graça de Deus. Para que haja uma conversão, um novo nascimento, é necessário mostrar que a secura da alma é fruto de uma vida de pecado. Por isso Jesus disse: Vai, chama teu marido e vem cá (João 4.16). Ali se iniciou o processo final da conversão desta mulher, no confronto direto com o seu pecado. Senhor, vejo que és profeta (João 4.19). Foi essa a expressão dita pela mulher a Jesus diante de sua palavra sobre seu marido. Ela disse: Não tenho marido (João 4.17), e com isso abriu sua vida íntima, requisito para Jesus ministrar. Suas palavras eram praticamente uma
confissão. Isso não significa que Jesus não soubesse qual era a real condição da mulher (João 4.18).6 O decisivo naquele momento foi que ela se abriu para falar a verdade. Ela agiu de forma diferente de muitos homens e mulheres, que tentam representar diante de Deus e da igreja uma condição que não desfrutam, tentando parecer santos e justos, quando realmente não são. Agindo assim, eles perdem a oportunidade de serem perdoados e abençoados, esquecendo o ensino da Palavra: O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e as deixa alcançará misericórdia (Provérbios 28.13). Somos exortados pelo testemunho desta mulher a ir até a presença de Jesus de coração aberto, para sermos abençoados, falando a verdade com Deus, o nosso supremo Pastor. Afinal, Deus sabe quem realmente somos. Diante de Jesus nossa real necessidade aparece, e então Jesus nos ajuda a recomeçar. Foi isto que ocorreu com a mulher. Sua confissão e seu reconhecimento de que estava diante de um profeta, um enviado de Deus, mostram que ela desejava muito receber o perdão. Deus não nos violenta. Só é abençoado e salvo quem quer ser. E o que ocorreu com Zaqueu, que subiu numa árvore, pois queria muito ser abençoado, e como conseqüência teve o privilégio de receber Jesus em sua casa (Lucas 19.1-10). Como a mulher se abriu para Jesus, a conversa dos dois se intensificou. Eles passaram a conversar sobre o real sentido da religião e da fé no Deus criador do céu e da terra (João 4. 20-24). Onde e como adorar a Deus? Aquela mulher e seu povo criam que se devia adorar a Deus num monte da região chamado Gerizim (Deuteronômio 11.29; Josué 8.33). Os judeus, entretanto, criam que a adoração a Deus devia ser no monte Sião, em Jerusalém. Para Jesus, no entanto, essa questão não é importante. Nem o lugar nem a forma exterior, mas a forma interior é que conta. Nas suas palavras: a hora já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores (João 4.23). A religião interior é a que agrada a Deus. Com isso, Jesus lança uma crítica contra a religiosidade de aparência, com seus rituais e indumentária festiva, mas sem qualquer sinceridade. Paulo também se revoltou contra o valor dado aos rituais sem vida. Na sua carta para os romanos, ele relativizou a circuncisão, considerada na época o grande símbolo religioso da aliança e pureza diante de Deus. Ele afirmou que a verdadeira circuncisão é a de 6
STRACK und BILLERBECK. Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrash. Berlim, 1922.
coração, no espírito, não a literal, que ocorre na carne. A circuncisão espiritual não tem o reconhecimento dos homens, mas de Deus (Rm 2.29). Assim, ao falar da essência da fé, Jesus trouxe à memória da mulher a grande esperança de judeus e samaritanos, que era a vinda do Messias, ou seja, a sua própria vinda. Ele era aquele que haveria de anunciar todas as coisas (João 4.25). Finalmente Jesus se revelou. Eu sou o Messias, eu que falo contigo (João 4.26). Isto causou um enorme impacto naquela mulher, que imediatamente largou o cântaro e foi com visível pressa anunciar Jesus aos moradores da sua cidade. Como ela, nós precisamos nos deixar impactar por Jesus. Muitos cristãos perderam seu entusiasmo por Jesus. Que tragédia! Estão na condição da igreja em Éfeso, que foi advertida pelo Senhor que havia abandonado o primeiro amor (Apocalipse 2.4). Não permita que o Evangelho se torne algo corriqueiro em sua vida, uma religião de rito, com muitos cânticos, mas sem o entusiasmo, a alegria e o poder do Espírito de Deus. Só o Senhor pode nos fazer testemunhas alegres do seu Evangelho. A mulher samaritana alegremente levou uma cidade inteira até a presença de Jesus: Vinde comigo e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Será este, porventura, o Cristo?! Saíram, pois, da cidade e vieram ter com ele (João 4.29-30).
HOMEM CEGO, CURADO E TESTEMUNHA
"Então, como foram abertos os seus olhos?", interrogaram-no eles. Ele respondeu: "O homem chamado Jesus misturou terra com saliva, colocou-a nos meus olhos e me disse que fosse lavar-me em Siloé. Fui, lavei-me, e agora vejo, como fora". (João 9. 10-11]
A história do cego de nascença, seu encontro com Jesus, sua situação, sua cura milagrosa, o impacto que isto causou em Jerusalém e a maneira como um homem que mendigava tornou-se uma testemunha de Cristo é de impressionar quem se detém para ler o Evangelho de João (João 9.1-41). Quando lemos este relato devemos considerar que o episódio do cego dá continuidade à polêmica entre Jesus e os líderes judeus, que no final do capítulo 8 chegaram a pegar em pedras para apedrejar Jesus (João 8.59). Tudo isto acontecia porque Jesus não correspondia ao perfil de messias que eles ensinavam e acima de tudo porque Jesus os confrontara com os seus pecados, quando eles queriam apedrejar a mulher adúltera (João 8.1-11). Esta polêmica se intensificou com a cura do cego, justamente porque era um dia de sábado. E para aqueles homens no sábado nada poderia ser feito, nem mesmo curar alguém. Essa polêmica prosseguiu no capítulo 10, onde Jesus se apresenta como o bom pastor e diz: Todos que vieram antes de mim são ladrões e salteadores (João 10.18). Esta afirmação visava sem dúvida os pastores daquele povo, os sacerdotes e professores que eles tinham.
UMA DIFÍCIL SITUAÇÃO Ao examinar esta história é preciso reconhecer as condições daquele homem. Ele era um cego de nascença.
Ao sublinhar ter o cego uma enfermidade de nascença, o Evangelho de João quer enfatizar duas coisas. A primeira era o caráter absolutamente extraordinário do milagre, conforme o depoimento do próprio cego: Desde que há mundo, jamais se ouviu que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença (João 9.2) A segunda foi a quebra de um estigma religioso e social, que era a doutrina do puro e do impuro, que afirmava que quem tivesse um defeito de nascença era considerado um maldito, por trazer sobre si o pecado de seus antepassados. Essa pessoa era considerada impura, não restando a ela senão a mendicância. Prova da importância desta questão é a pergunta dos próprios discípulos a Jesus: Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? (João 9,2). O cego era um marginal religioso. Ele era considerado maldito, já que sua cegueira era considerada um castigo divino. Eles pensavam que se não havia benção espiritual para ele, nenhum sacrifício mudaria sua situação. Também não havia qualquer oportunidade econômica, já que tudo o que ele fizesse ficaria impuro e amaldiçoado como ele mesmo. O seu destino era mendigar por toda a sua vida. A pergunta que os discípulos de Jesus fizeram mostra ainda o tipo de interesse que eles tiveram em relação a este homem. Por sua cegueira de nascença, ele se tornou um alvo de muitas questões religiosas. Quanta insensibilidade! Somente Jesus viu o homem como um sofredor, como uma ovelha sem pastor. Jesus sempre esteve interessado nos marginalizados, sofredores e perdidos de toda espécie. Nos dias de hoje, vivemos num mundo aflito por misericórdia. Muitos esperam que a igreja do Senhor exerça a mesma misericórdia que Jesus exerceu em relação ao cego e tantos outros. A situação do cego também nos ensina que toda maldição pode ser interrompida pela graça de Deus. O estado de desobediência a Deus é pecado, por isso maldição, mas tem solução. Esta solução é a pessoa de Jesus. Toda especulação sobre maldição hereditária cai por terra diante das palavras de Jesus: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus (João 9.3).
AS ATITUDES DE JESUS Que testemunho Jesus passa a nós, com sua posição ante os discípulos, ante o cego e ante os fariseus!
Frente aos discípulos, Jesus retira a situação do cego do nível meramente doutrinário. Aqui se estabelece a diferença entre a Antiga e a Nova Aliança. A lei judaica criava um determinismo absoluto, onde o destino deste homem era visto como selado. Não há na pergunta dos discípulos uma consideração sobre um possível livramento e salvação para o cego. Eles querem saber apenas a origem da sua desgraça. Foi ele ou seus pais que pecaram? A resposta de Jesus abriu a possibilidade de redenção, livramento e salvação: Nem ele pecou, nem seus pais pecaram; mas foi para que nele se manifestem as obras de Deus (João 9.3). Jesus recusa assim o ensino rabínico. Era uma crença defendida por muitos, baseada no Salmo 51.5, que diz: eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe. Alguns generalizavam a poesia do salmista, como aqueles que disseram ao cego: Tu és nascido todo em pecado e nos ensinas a nós (João 9,34). Jesus rejeitou tal doutrina, acima de tudo pela forma como eles a usavam, para discriminar e oprimir o povo, especialmente as mulheres e os enfermos. Jesus apresenta ao cego, aos discípulos, e a nós hoje, a novidade: a porta está sempre aberta para Deus atuar. Suas obras manifestam sua glória. Todo marginalizado, discriminado, doente, pecador, recebe um convite para crer que em Jesus o milagre é possível, o jugo pode ser quebrado e o poder e a glória de Deus podem aparecer como luz nas trevas. Esta é a nova Aliança de Deus em Cristo. É o tempo da graça de Deus. Deste modo, Jesus acolhe o cego, e o toca. Aqui está o grande ato de Jesus. Todos sabemos que Jesus tinha poder para curar o cego com uma palavra de ordem, já fizera isto com o paralítico em Cafarnaum (Marcos 2.1-11) e tantos outros. Desta vez ele precisava restaurar a dignidade do cego, e por isso o tocou. Por ser considerado maldito e impuro, ninguém o tocava, nem mesmo seus familiares, já que imaginavam que se tornariam impuros também ao fazê-lo, tendo que cumprir um complicado ritual para voltar à pureza. Jesus o tocou com sua saliva, considerada remédio na época, e com a terra. Na verdade, o toque é a quebra de mais um princípio farisaico, pois Jesus não pegou impureza do cego, mas foi o cego que ficou restaurado por Jesus. O homem foi curado, como um sinal da graça e da misericórdia de Deus. Hoje, há milhares de pessoas que são invisíveis. Ninguém as vê, ninguém as toca. São crianças nas ruas, idosos abandonados. Todos esperam pelo toque curador, libertador e restaurador de Jesus. Mas onde estão as mãos de Jesus? Somos nós, igreja de Deus, chamados a sermos as mãos do Senhor: se impuserem as mãos sobre os enfermos, eles ficarão curados (Marcos 16.18).
Há muitos precisando do toque de amor do povo de Deus. Deste modo, o ministério de Jesus tem prosseguido entre nós. Finalmente, após ver toda pressão que o cego enfrentou, Jesus se aproxima dele e pergunta sobre a sua fé no Filho do Homem. Ele abriu seu coração e recebeu a Jesus como seu Senhor (João 9.35-38). O grande objetivo de Jesus foi ganhar aquele homem para o Reino de Deus. A cura foi apenas um meio para isto.
A ATITUDE DOS FARISEUS Em muitos momentos históricos, a religião, e mesmo a fé cristã, pode se afastar de Deus e sufocar o Espírito Santo. Os fariseus eram homens de grande zelo religioso. Tinham por incumbência religiosa ensinar a lei e ajudar o povo a cumpri-la. Eram tão zelosos que quando viam uma mulher, olhavam para o chão para não alimentar pensamentos impuros. É claro que com isso freqüentemente davam com a cabeça em obstáculos. Por causa disso chegaram a ser chamados de fariseus sangrentos. Eles eram percebidos facilmente no meio do povo. Transpiravam religião, mas perseguiram o próprio Deus, na figura do seu filho Jesus. Fizeram a mesma coisa posteriormente com os seguidores de Jesus, como Estevão e muitos outros. No caso do episódio do cego, eles se revoltam contra Jesus porque a cura foi feita no sábado. Para eles, as instituições religiosas eram mais importantes do que o ser humano. A marginalidade e a desgraça do cego não os sensibilizava, mas sim a desobediência do sábado. Hoje, nos deparamos freqüentemente com o legalismo religioso, e o machismo, que é o seu parente próximo. Moças que engravidam antes do casamento são imediatamente excluídas de muitas igrejas. Enquanto os rapazes que as engravidaram nem sempre recebem a mesma punição. Há pecados que são tolerados em nosso meio, como falar mal do irmão ou da irmã. Mas ao mesmo tempo temos uma prática de condenação do pecador, quando deveríamos estar pensando na sua restauração. Estas vidas são todas amadas por Deus, que deseja vê-las restauradas, crescendo na igreja do Senhor.
A ATITUDE DO PÚBLICO Há uma grande quantidade de anônimos, vizinhos e pais, que entraram na história como interlocutores dos fariseus e do cego.
Aparentemente, a grande maioria das pessoas não queria acreditar que aquele mendigo cego estava agora transfigurado. Que não só enxergava, mas tinha um novo semblante cheio de alegria. Isto me recorda de uma experiência maravilhosa que tive vários anos atrás, quando pregava em uma concentração evangelística no vale do Paraíba. Diversas caravanas de igrejas estavam presentes. Eu pregava sobre este texto, e no meio da pregação fui interrompido por um homem que desceu as escadas do ginásio onde estávamos, gritando: eu estou vendo, Jesus me curou! Deus curou aquele homem da cegueira enquanto ouvia uma palavra sobre o poder de Jesus. Não houve palavra de ordem, não houve oração, nem unção com óleo. Simplesmente Jesus, sua palavra e a fé de um cego. É isto que Jesus pediu, que se cresse, sem medo. Não que não devamos impor as mãos ou ungir com óleo em nome do Senhor, afinal são ordenanças bíblicas. Mas sim que, em todos os casos, o decisivo é a fé em Jesus, que cura, salva e liberta. Mas era justamente a fé corajosa que faltou ao povo. Eles temiam o que os fariseus podiam fazer com quem viesse a crer em Jesus. Nesta armadilha de incredulidade até os pais do cego caíram (João 9.19-22). Ninguém queria se comprometer com o cego ou com Jesus. Mas não podemos esquecer que sem fé é impossível agradar a Deus (Hebreus 11.6).
A ATITUDE DO CEGO Muito poderíamos dizer sobre o cego, mas a verdade é que ele nos deu uma lição de fé e coragem. Ele pregou até para os inimigos de Jesus (João 9.25). Primeiro, o cego se deixou tocar por Jesus. Não há cura, libertação e nova vida sem o toque de Jesus. Segundo, ele ouviu a palavra de Jesus e a obedeceu. Sem submissão à voz e às ordens de Jesus não há vida e salvação. Muitos têm ficado no meio do caminho, porque não estão dispostos a ouvir, a crer e a obedecer. Há um utilitarismo na relação com Deus, por parte de muitas pessoas, que querem a cura, a prosperidade, mas não desejam submissão, obediência ou compromisso com Deus e sua palavra. Certamente estes não vão longe na carreira da fé. A partir destas duas básicas atitudes, aquele homem experimentou o início de sua caminhada, e aprendeu a testemunhar. Aos que não criam ter sido ele curado, ele diz: Sou eu mesmo! (João 9.9). Aos fariseus, que queriam arrancar dele testemunhos contra Jesus, ele é decisivo: Se é pecador, eu não sei; eu só sei que eu era cego e agora vejo (João 9.25). Em seguida, enfrenta os fariseus e ironiza dizendo: quereis vós também tornar-vos seus discípulos? (João 9.27). Ele
questiona o fato dos religiosos de Israel não saberem quem era Jesus, e nem de onde viera. Sua afirmação foi que nunca alguém restaurou a vista de um cego, e isto era prova de que o milagre de Jesus tinha origem em Deus. Com isto aprendemos uma lição. Só se é testemunha quando vemos e experimentamos Deus operar em nós, e entre nós. A fé precisa se alimentar da Palavra de Deus e dos sinais que dão cumprimento à Palavra. Suas últimas palavras são uma confissão de fé: Eu creio Senhor, e o adorou (João 9.38). Isto é testemunho. É contar o que Deus fez, e confessar a fé no Deus que cumpre sua Palavra.
JESUS, A MAIOR DAS TESTEMUNHAS
O JESUS DO EVANGELHO DE JOÃO Jesus é a grande personagem dos Evangelhos. No entanto, cada evangelista o vê e sente de forma diferente. Há momentos do ministério de Jesus que falam mais a cada um de nós. Eu, por exemplo, me sinto profundamente tocado pela experiência de Jesus no Getsêmani, principalmente por suas palavras em Mateus: A minha alma está profundamente triste até a morte; ficai aqui e vigiai comigo (Mateus 26.38). Estas palavras apontam para um momento profundamente humano de Jesus, sua solidão, a falta de solidariedade dos discípulos, que dormiam e não vigiavam. Este momento solitário de Jesus me toca. Todos os evangelistas narram diversos momentos de Jesus. Cada um resgatou algo particular que os outros não mostraram, e com isso eles trazem um testemunho pessoal de como viram e sentiram Jesus. No testemunho que o evangelista João dá de Jesus aparecem elementos muito próprios de João e sua comunidade. Tente captar o que João, como narrador do Evangelho, apresenta de Jesus. Certamente ficaremos visivelmente tocados. Comecemos com a introdução do Evangelho, que já apresenta o testemunho de João sobre Jesus. Nos versos 1 a 5, João está pregando sobre Jesus' como o Verbo da vida (João 1.1-5), e ainda no verso 10 ao 14 temos profunda reflexão e testemunho sobre Jesus: E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai (João 1.14). Este verso inclui o próprio narrador, pois diz: e vimos a sua glória. Tal afirmação é decisiva porque aponta uma pregação e testemunho, fruto de experiência pessoal. O fato de eles terem visto é fundamental e inerente à condição das testemunhas de Jesus, a começar por João. Nesta direção é que somos desafiados a provar desta comunhão com Jesus, que é a palavra de Deus feita carne, ou seja, a realização das promessas de Deus. Neste sentido, ser testemunha é também um ato de fé, é a atitude de quem ouviu as promessas de Deus, nelas crê, e dá testemunho até o ponto que elas se tornam mais do que palavras, para serem experiência viva e pessoal. Foi assim com os profetas, eles creram nas promessas de Deus, e pregaram. Pregaram com tanta insistência que as palavras se tornaram realidade em suas vidas e no povo.
João apresenta Jesus pregando, ensinando e dando testemunho sobre si mesmo. Este testemunho de Jesus é promessa, é palavra viva, mas é também imagem da vida do povo. Jesus usa a expressão "eu sou" por sete vezes. Tal expressão é uma fórmula introdutória para Jesus apresentar-se a si mesmo. A fórmula aparece primeiramente como uma afirmação: eu sou (egô eimi). É uma afirmação. Isto ocorre quando Jesus foi até os discípulos andando sobre as águas, depois de ter se demorado um pouco. Então, diante do temor dos discípulos, Ele disse: sou eu, não temais (Egô eimi, mê fobeisthe - João 6.20). E para que eles se sintam encorajados, ele dá testemunho de quem ele é.
EU SOU O PÃO DA VIDA (JOÃO 6.35) Esta afirmação de Jesus se insere em meio a um momento onde o que está em jogo é o que é realmente importante para a vida humana. Jesus já havia multiplicado os pães e os peixes, e com isto alimentou a multidão. Em função disto eles queriam proclamá-lo rei (João 6.15). Em seguida a multidão o persegue até Cafarnaum. A estes Jesus disse suas conhecidas palavras: Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Vós me procurais não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo (João 6.26-27). Atualmente temos contemplado isto por todo o lado. As pessoas não querem Jesus, mas o que ele pode oferecer: emprego, alimento, dinheiro, segurança, cura. Exatamente aqui entra o ensino de Jesus. Eles deviam buscar não a comida, o sustento que perece, desaparece, mas o pão do céu, o pão de Deus, que é realmente importante. Este é o próprio Jesus, o pão que desce do céu e dá vida ao mundo (João 6.33). Este é Ele mesmo, o pão da vida (João 6.35). Confirma-se, aqui, as expressões de Mateus 6.33: Buscai primeiro... e todas as coisas vos serão acrescentadas. Este pão da vida, Jesus, faz com que jamais tenhamos fome, e os que nele crêem jamais tenham sede.
EU SOU A LUZ DO MUNDO (JOÃO 8.12) Quando Jesus usa estas palavras, fica muito claro que ele falava com os fariseus, pois foram estes que fecharam seus corações e mentes para o seu ensino. Estavam em trevas, careciam da luz de Deus, a verdadeira luz que vinda ao mundo ilumina a todo o homem (João 1.9).
É justamente por isso que o relato que vem após este ensino é a cura do cego, onde o que estava em trevas vê, e os que vêem, mas não crêem, permanecem em trevas, que são os fariseus. Muitas pessoas, ao se converterem, são unânimes em testemunhar, que foi como se tivesse caído um véu dos seus olhos. Começaram a ver Jesus de outra maneira. Passam a ver os familiares, amigos e até inimigos com outros olhos. João diz na sua carta: Todavia, vos escrevo novo mandamento, aquilo que é verdadeiro nele e em vós, porque as trevas se vão dissipando e a verdadeira luz já brilha (1 João 2.8). Estas pessoas receberam Jesus, a luz do mundo. Quem o segue não anda em trevas, abrem-se os olhos, abre-se a mente para entender as coisas de Deus. Assim, Jesus, a luz do mundo, nos dá os olhos e a mente de Deus. Somos iluminados por Jesus, a verdadeira luz.
EU SOU A PORTA DAS OVELHAS (JOÃO 10.7) Enquanto a expressão "pão da vida" fala de sustento verdadeiro, sustento que vem de Deus, a "luz do mundo" fala de visão com os olhos de Deus, com a mente de Deus. Já a frase "porta das ovelhas" fala de lugar de decisão. Jesus é uma escolha que fazemos. Afirmo que é a melhor escolha, mas não somos obrigados a nos decidir por Ele, temos livre arbítrio, podemos aceitá-lo ou não. E isso desde o Jardim do Éden, onde tínhamos uma direção, mas também a liberdade de escolher. Através de Adão e Eva, escolhemos desobedecer a Deus. Sabemos que o nosso adversário, Satanás, oprime e tenta manipular-nos para fazermos o que ele quer. Quem cai nas suas garras vira escravo. Somos testemunhas de tal realidade. Com Deus não é assim. Diante de nós estão sempre dois caminhos, o largo e espaçoso que conduz à perdição, e o estreito, que conduz à vida. Jesus está ali diante do caminho estreito como a "porta das ovelhas", pronto a nos acolher (Mateus 7.13-14).
EU SOU O BOM PASTOR (JOÃO 10) O cuidado de ovelhas era uma das principais atividades econômicas de Israel. Em todos os testemunhos de Jesus sobre quem ele era há uma interação com a vida do povo. Jesus fala a linguagem do dia-a-dia às necessidades das pessoas. Assim, quando ele diz que é o bom pastor há uma comunicação imediata, e um interesse real por ele e por sua palavra. Todos sabiam o que era um bom pastor. Ele atribuía nome às ovelhas, ou seja, conhecia pessoalmente cada uma das ovelhas.
Há ainda hoje um profundo anseio no meio do povo de ser conhecido e reconhecido. Vivemos uma cultura de massa, de impessoalidade. O Evangelho forma comunidade, mas resgata a condição pessoal, eleva a auto-estima. Como parte disso, sabemos que temos um Deus e Bom Pastor, o qual nos conhece e sabe das nossas necessidades. Neste caso Jesus fez uma distinção, já que o bom pastor vem para cuidar das ovelhas, inclusive dar sua vida por elas. Mas há outros interessados nas ovelhas. São os ladrões e salteadores, que não conhecem as ovelhas, nem estão interessados nas suas necessidades, mas querem apenas a lã e a carne delas. Aqui está fundamentalmente a diferença. Vida abundante junto a Jesus o bom pastor, ou morte ao ser arrebatado pelos ladrões e salteadores, que no caso do texto de João eram os religiosos judeus. E hoje, onde estão estes ladrões?
EU SOU A RESSURREIÇÃO E A VIDA (JOÃO 11.25-26) Estamos diante de um testemunho que confrontou primeiramente as crenças de Israel, já que um dos grupos religiosos mais importantes da época, os saduceus, não cria em ressurreição. Por outro, recoloca o tema da fé no centro do testemunho cristão. Quando Marta foi ao encontro de Jesus, ela fez esta afirmação de fé: Senhor, se estiveras aqui meu irmão não teria morrido (João 11.21). Esta era uma fé que se reportava ao passado imediato quando a morte não havia ainda chegado. Aqui estão duas grandes barreiras da fé na ressurreição. Primeiro, a morte é nossa grande adversária. Não a encaramos, pois tememos este confronto. Foi o que Marta demonstrou para nós. Ela achava que Jesus só podia ter curado Lázaro quando enfermo. Segundo, nós sempre recordamos Deus como o que operou seus poderosos feitos. A maioria dos cristãos não põe em dúvida a operação de Deus no passado. Mas e hoje?! Já cheira mal, disse Marta, já é de quatro dias (João 11.39). Jesus volta a insistir: seu irmão há de ressurgir (João 11.23). Marta sai do passado e se reporta ao futuro. Eu sei, replicou Marta, que ele há de ressurgir no último dia (João 11.24). Aqui está nosso grande desafio no testemunho, mostrar que crer em Jesus e na ressurreição é não somente crer nos atos de Deus no passado, ou na realização da esperança escatológica futura. Mas também é crer na ressurreição nos termos colocados por Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim, não morrerá, eternamente. Crês isto? (João 11.25-26). A importância desta mensagem é colocar Jesus no presente. Ele é, hoje, a vida e a ressurreição. Nós podemos experimentar, hoje, uma
vida abundante, os sinais da fé na ressurreição. Ao ressuscitar Lázaro, ao resgatar a vista ao cego, Jesus traz para o presente os sinais do Reino de Deus. Ele antecipa elementos da escatologia, como diz Paulo: Eu estou ressuscitado com Cristo.
EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA (JOÃO 14.6) O termo "caminho" no mundo bíblico significa vida com Deus. Os profetas cumpriam caminhos guiados por Deus, Abrão se pôs a caminho convidado por Deus. Estar no caminho é depender de um guia. Por isso há caminhos que dão para a morte, e outros para a vida. No capítulo 14 de João, inicia-se uma longa mensagem de Jesus aos discípulos, que se estende até o capítulo 17. Nela Jesus mostra o caminho. Jesus é a verdade. Isso põe por terra todo ensino rabínico, e mesmo os conceitos greco-romanos. A verdade no judaísmo era a Torah, e no mundo greco-romano era um sistema de idéias logicamente ordenadas, e que podiam suscitar diferentes escolas de pensar. Mas no testemunho cristão, verdade é uma pessoa com a qual podemos nos relacionar. Conhecendo-a, somos libertos (João 8.32). Jesus é a vida, porque fora dele não há vida. Neste caso, é vida no presente, com qualidade, com alegria no coração, algo que nenhuma outra pessoa pode dar, e dinheiro nenhum do mundo pode comprar. Os jornais e revistas falam esporadicamente de pessoas famosas, ricas e importantes que já tentaram suicídio várias vezes. Elas vivem, mas não têm vida. É uma contradição visível.
EU SOU A VIDEIRA VERDADEIRA (JOÃO 15.1) Exatamente como a imagem do pastor e das ovelhas é a imagem da videira e do agricultor. Comunicavam de imediato à vida do povo de Israel. A videira é símbolo de Israel. Aqui Jesus afirma que ele é a verdadeira videira, e seu povo, o novo Israel de Deus, são os ramos da videira. Jesus afirma aqui a responsabilidade de ser povo de Deus. Pois, onde aparecem os cachos de uva na videira senão nos ramos, que somos nós, nascidos de novo da água e do espírito (João 3.5). Assim, nossa vida precisa estar conectada no Corpo de Cristo, a Videira verdadeira, e deste modo produzir frutos. Não podemos esquecer um conteúdo de juízo presente neste texto: Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam (João 15.6). Na verdade, há uma estreita dependência de Jesus e do Pai, que é o agricultor.
Isso questiona nosso estilo de vida autônoma. Vivemos freqüentemente como se Deus fosse um elemento na nossa agenda, que aparece aos domingos ou nos momentos de grande aflição. A expressão chave aqui para nós é "permanecer na videira", ou seja, é depender para tudo de Jesus. O próprio Jesus diz: Sem mim nada podeis fazer (João 15.5). Isto significa que se quisermos ser cristãos e fazer diferença neste mundo, precisamos permanecer em Cristo, manhã, tarde e noite, de segunda a domingo. Devemos depender somente D'Ele, o Senhor Jesus.
fim
CONTRACAPA
Somos desafiados a provar a comunhão com Jesus, que é a Palavra de Deus feita carne, ou seja, a realização das promessas de Deus. Neste sentido, ser testemunha é também um ato de fé, é a atitude de quem ouviu as promessas de Deus, nelas crê, e dá testemunho até o ponto que elas se tomam mais do que palavras, para serem experiência viva e pessoal. Foi assim com os profetas, eles creram nas promessas de Deus, e pregaram; pregaram com tanta insistência, até que se tornaram realidade em suas vidas e de seu povo.