BORDO LIVRE REVISTA DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE
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JULHO/AGOSTO 2020
MUSEU DE MARINHA 157 ANOS DE EXISTÊNCIA
O Museu de Marinha comemorou no passado mês de julho, 157 anos de existência. Criado em 1863 por decreto de D. Luís I, o Museu de Marinha ficou inicialmente instalado na Escola Naval, exibindo os modelos de navios recolhidos do Palácio da Ajuda, assim como peças da própria Escola Naval. Em 1949, mudou-se provisoriamente para o Palácio dos Condes de Farrobo, nas Laranjeiras, em Lisboa, até ser transferido definitivamente para o Mosteiros dos Jerónimos, em 1962, onde se mantém até hoje. Aberto de terça-feira a domingo, das 10h às 18h, o Museu de Marinha leva os seus visitantes numa viagem pelo longo passado marítimo português, percorrendo um mundo de descobertas! Os sócios do COMM têm entrada gratuita no Museu assim como no Planetário, na Fragata Dom Fernando e no Aquário Vasco da Gama. 2 | BORDO LIVRE 158 | JUL-AGO 2020
EDITORIAL
JOÃO TAVARES
Os tempos de pandemia continuam e segundo alguns especialistas irão continuar nos próximos meses com os seus efeitos a perdurar por alguns anos até ao ajustamento das diversas variáveis de forma a atingir um novo equilíbrio das nossas vidas. Na marinha mercante, apesar de esforços muito significativos para a continuidade das operações e a segurança das cadeias logísticas, o impacto da pandemia tem sido forte embora sem uma distribuição equitativa pelas diversas áreas de actuação do sector. Em primeiro lugar, queremos realçar e enaltecer o esforço que as tripulações, peça vital neste processo sem a qual não é possível realizar o transporte marítimo, têm feito e continuam a fazer para assegurar a boa operacionalidade dos navios. A esse propósito a Direcção do COMM em conjunto com a Direcção da Alumni redigiu uma carta aberta aos mais altos representantes da nação a dar conta do seu desagrado pela forma como têm sido esquecidos os membros da tripulação sujeitos a uma enorme pressão quer física, quer emocional, alguns com mais de seis meses de embarque sem possibilidade de estarem junto das suas famílias. As restrições impostas em Portugal, na Europa e pelo resto do mundo têm
criado problemas muito sérios às rendições de tripulações e ao repatriamento de marítimos, que nalguns casos deram origem a problemas humanitários, tudo isto, porque não são designados como trabalhadores prioritários a exemplo dos profissionais de saúde e das forças de segurança, entre outros, considerados pela portaria governamental como essenciais. Em segundo lugar, o sector dos navios de cruzeiro, de passageiros e de roro/passageiros foi o mais afectado com quebras de tráfico de 94% no primeiro semestre de 2020. Portugal, Espanha, França, Islândia, Croácia e Eslovénia foram os países da Europa que mais sofreram com esta quebra devido à paragem dos cruzeiros. Em termos de redução de escalas totais de navios mercantes nos portos nacionais foi de 33% até ao final de Julho. No mesmo período Sines teve uma redução de 18% de tráfico. É esperado o regresso à actividade dos cruzeiros durante o 2º semestre deste ano com a expectativa de todas as companhias estarem com as suas frotas em operação em Janeiro de 2021. Para isso têm trabalhado com as autoridades de saúde a nível mundial para definirem novas regras e novos procedimentos operacionais ao nível de saúde e segurança. A MSC, empresa com relações privilegiadas com o COMM, definiu um protocolo muito abrangente que assenta no rastreio universal dos passageiros (medição da temperatura corporal, questionário de saúde e teste de zaragatoa), novos métodos de limpeza e desinfecção do espaço interior, saneamento do ar, redução da capacidade geral para aproximada-
mente 70% dos passageiros, reforço das equipas de saúde com profissionais especializados e treinados para a abordagem do vírus, disponibilidade de tratamento gratuito a bordo para qualquer passageiro que apresente sintomas e um plano de contingência em colaboração com as autoridades dos portos visitados. Perante este esforço das companhias de navegação estamos confiantes que nos próximos meses estarão reunidas as condições para a programação de umas férias tranquilas a bordo dos navios da MSC. Da nossa parte, iremos retomar no final de Maio de 2021, a nossa actividade de viagens com o cruzeiro aos fiordes da Noruega, pelo que pedimos para estarem atentos ao folheto de divulgação. Como sabemos que estes tempos são mais difíceis que os habituais a Direcção estabeleu um protocolo com o ActivoBank de forma a proporcionar aos nossos associados a possibilidade de abrirem uma conta nesta instituição e beneficiarem de serviços a preços muito reduzidos com os óbvios ganhos financeiros. Paralelamente, estamos a realizar um inquérito telefónico junto dos associados para saber as vossas necessidades em termos de serviços com o objectivo de preparar o COMM para o próximo ano e dar uma resposta mais adequada aos interesses dos associados. Na expectativa da união e fortalecimento do COMM em torno do Mar continuaremos a aguardar por melhores marés e ventos de bonança tal como Miguel Torga escreveu: “Morta a voz da tempestade, a terra, estendida ao sol, enxuga o corpo molhado”.
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SUMÁRIO
JULHO/AGOSTO 2020
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DIRETOR Lino Cardoso
Editorial
João Tavares
Viagens Que Não Esquecem Oliveira Gonçalves
COMM Natura António Costa
Variações sobre um mesmo tema António Lobo
Os lemes dos navios não são todos iguais? - parte 1 António Costa
Sabedoria do Mar Alberto Fontes
A propósito da diáspora dos ílhavos, no litoral Ana Maria Lopes
Lenda da Terra da Lâmpada Senos da Fonseca
Os Jovens e o Mar Bárbara Chitas
COLABORARAM NESTE NÚMERO João Tavares, António Costa, Alberto Fontes, António Lobo, Ana Maria Lopes, Bárbara Chitas, Oliveira Gonçalves, Senos da Fonseca
OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES
COMPOSIÇÃO Mapa das Ideias TIRAGEM 1000 exemplares PERIODICIDADE Bimestral REG PUBL 117898 DEPÓSITO LEGAL 84303 CORREIO EDITORIAL Despacho DE00352020PE/PES PROPRIETÁRIO/EDITOR Clube de Oficiais da Marinha Mercante Trav S João da Praça, 21. 1100-522 Lisboa Tel (+351) 218880781. www.comm-pt.org secretaria@comm-pt.org CAPA © Vasco Pitschieller(reflexos nas águas calmas do Porto de Sines) DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS DO CLUBE DE OFICIAIS DA MARINHA MERCANTE
A REVISTA ESTÁ DISPONÍVEL ONLINE para leitura, duma forma fácil e intuitiva em http://issuu.com/clubeoficiaismarinhamercante/docs/bl158 HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DA SEDE DO COMM 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ªF - das 15h00 às 18h00 A SEDE DO CLUBE DISPÕE DE LIGAÇÃO PAGAMENTO DE COTAS: NIB 001000006142452000137
VIAGENS QUE NÃO ESQUECEM SUEZ
OLIVEIRA GONÇALVES
Julgo que foi no ano de 2003, encontrávamo-nos nós em Santa Apolónia (actual cais dos paquetes) a fazer uma pequena reparação no navio que comandávamos, solicitou o armador que fossemos de urgência assumir o comando do Catumbela River, já que o comandante que lá estava solicitara substituição e abandonara o navio antes de iniciar o atravessamento do canal de Suez. Seguimos de avião Lisboa/Frankfurt/Cairo, cidade onde já não íamos há mais de 40 anos. A ideia que tínhamos do Cairo, era de milhares de pessoas a rezar nas ruas simultaneamente, longas avenidas com grandes carros americanos misturados com camelos, ladrões que procuravam vender colares e bugigangas sempre que o nosso táxi parava, e que se conseguissem meter as mãos dentro do táxi, arrancavam os colares e pulseiras das nossas mulheres. Recordávamos que no primeiro trajecto que fizemos do Suez ao Cairo (40 km?) ,não havia uma única casa construída, de vez em quando avistava-se uma coluna de fumo naquele deserto, de tanques de guerra em manobras, e nada mais. Para surpresa nossa, nesta altura quando
lá estivemos, a estrada que leva do Suez ao Cairo, tem casas de um lado e do outro sem interrupção. Tal como esperávamos o comandante do navio não tinha tabaco, nem nada para ofertar e achou melhor desembarcar do que meter-se numa alhada daquelas. Naquele tempo, quando andámos a comandar navios só com tripulações estrangeiras, tínhamos por hábito andar sempre pelo menos com mil euros na carteira, garantia de retorno a Lisboa. Infelizmente nesse tempo, quando qualquer coisa corria mal, era comum tripulações ficarem anos em ilhas no extremo oriente e noutros lugares exóticos, porque os armadores não repatriavam os tripulantes. Pouco depois de termos chegado a bordo, ainda antes de tomarmos conta da situação, fomos abordados pelo barco de pilotos. Vinham buscar a parte deles... Começámos a argumentar que donde vinham os não tínhamos nada a bordo, que o agente ainda não tinha mandado o shipshandler a bordo, nem sabíamos se viria... etc. Disseram eles então: isso de mandar vir agente e shipshandler é coisa demorada, sendo assim o navio já não vai neste comboio. De qualquer maneira o shipshandler vai-te cobrar onze dólares e meio por cada pacote de tabaco e nós podemos vender-te por nove cada pacote. Uns anos antes demos entrada em Cascais a um navio holandês, cujo comandante dava sinais de profunda depressão. Vinha do Egipto e contou-me ele que ao atravessar o canal do sul para o norte, fora mal interpretado pelo piloto que lhe dava entrada, e este ordenara a atracação do navio nos Grandes Lagos. O navio esteve lá parado vinte e oito dias e o armador teve de ir três vezes ao Egipto para o libertar. Assim sendo, encomendámos então cinquenta pacotes. Dez minutos depois estavam de volta. Cobraram por cinquenta pacotes, mas só
trouxeram quarenta e três, já tinham tirado a parte deles... e o navio então já seguiu no primeiro comboio. Em viagem os Pilotos do Canal fartavam-se de dizer que os portugueses costumavam ser muito generosos nas prendas. Mostravam claramente que não estavam contentes com o que levavam. Chegados a Port Said as reservas já não eram muitas. Mantivemo-nos esse mês por portos árabes, turcos e israelitas, e apesar de muito espremido os pacotes de tabaco foram desaparecendo. Cerca de um mês depois, saímos de Ashdod para Alexandria. Estávamos na mesma situação em que estava o navio quando chegámos ao Suez. Como não havia canal para atravessar achámos que aquilo ia ser mais fácil. À hora combinada aproximámo-nos para tomar Piloto, o Piloto subiu, mandei desembarcar para a lancha caixas de limonada, laranjada e cerveja, que era o que tínhamos a bordo, e procurei sensibilizar o Piloto que não tínhamos nada de melhor a bordo. Para minha surpresa, navegámos meia milha, aproxima-se novamente o barco de pilotos e sobe para bordo um novo Piloto, desembarcando o que estava a bordo. O novo Piloto que entrou a bordo não disse uma palavra. Pouco depois o barco de pilotos encostado ao nosso navio começou a apitar estridentemente e no canal dezasseis começou a dizer que a prenda a que se achavam com direito não era só para eles... era também para o Capitão do Porto, para o Director da Alfandega, para a Saúde... sei lá quantas coisas mencionou... E nós pensámos... perante isto vou queixar-me a quem? Subitamente uma ideia nos iluminou... disse ao Piloto que estava a bordo, nós vamos para dentro, o agente à chegada vos dará aquilo a que se acham com direito... JUL-AGO 2020 | BORDO LIVRE 158 | 5
COMM NATURA
Figura 1: Entre janeiro e fevereiro, as imagens de satélite mostram uma "redução significativa" na poluição na China, devido à "desaceleração económica" resultante do surto.
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O confinamento e encerramento da actividade industrial mundial causada pela pandemia do COVID-19, resultou em vários impactos no meio ambiente e no clima. Toda esta mudança levou a algumas consequências inesperadas. Com o encerramento de indústrias, redes de transporte e empresas, houve uma queda repentina nas emissões de carbono. A drástica supressão das viagens planeadas permitiu a muitas regiões experimentar uma queda na poluição do ar. Na China, cercas sanitárias, isolamentos compulsivos e outras medidas resultaram numa redução histórica das emissões de carbono e de mais de 50% das emissões de óxidos de nitrogénio, que alguns cientistas estimam ter contribuído para salvar, pelo menos, 77.000 vidas em dois meses. Noutras partes do globo, como na Europa, a poluição do ar diminuiu, drasticamente, desde que os governos ordenaram aos cidadãos que ficassem em casa para conter a propagação do novo vírus. As principais indústrias, bem como outras actividades vulgares, foram
interrompidas. Por exemplo, o uso de carros diminuiu, o que causou a redução de GEE, mais acentuada em países como França, Alemanha, Itália e Espanha. Além disso, as medidas de distanciamento social adoptadas pela maioria dos governos fizeram com que muitas praias do mundo conseguissem ficar limpas e as suas águas cristalinas. Isso é o resultado da redução de resíduos gerados pelos turistas que visitam as praias. Por exemplo, em Veneza, despida de turistas há dois meses, as águas voltaram a clarear e há registos de avistamento de golfinhos. A imposição de medidas de quarentena, pela maioria dos governos, obrigou as pessoas a ficarem em casa, provocando a diminuição do uso de transporte público e privado, bem como das actividades comerciais. Estas alterações levaram a que o nível de ruído caísse, consideravelmente, na maioria dos países. Mas nem todas as consequências são positivas. Por exemplo, as políticas de quarentena, estabelecidas na maioria dos países, levaram os consumidores a aumentar a sua procura por compras online, com entrega ao domicílio. Consequentemente, o lixo orgânico gerado pelas famílias aumentou. Acresce a isso, que os alimentos comprados on-line são enviados embalados e, portanto, os resíduos inorgânicos também aumentaram. Além disso, a indústria aproveitou a oportunidade para “esquecer” as proibições de sacos descartáveis, embora o plástico descartável também possa abrigar vírus e bactérias. Por exemplo, o simples e popular acto de beber café nos take-away levou à proibição temporária do uso de chávenas reutilizáveis. A geração, tanto de resíduos orgânicos como inorgânicos, é, indirectamente, acompanhada por uma ampla gama de questões ambientais, como erosão do solo, desmatamento, poluição do ar e da água. O desperdício médico também aumentou, drasticamente. Os hospitais de Wuhan produziram uma média de 240 toneladas métricas de resíduos médicos
Figura 2: Nos canais de Veneza, os habitantes locais notaram uma grande diferença na claridade da água. Figura 3: As máscaras são feitas de polipropileno, um tipo de plástico, que não se desfazem com facilidade. Figura 4: De entre os produtos que apresentam mais riscos à saúde e ao meio ambiente, está a água sanitária ou lixívia, muito utilizada como desinfectante para superfícies.
por dia durante o surto, em comparação à média anterior de menos de 50 toneladas. Noutros países, como os EUA e Europa, houve um aumento do lixo proveniente de equipamentos de protecção individual, como máscaras e luvas. Máscaras descartáveis de protecção estão a amontoar-se nas praias e costas de todo o mundo, com grupos ambientalistas a alertar para o facto de tal poder representar uma enorme ameaça à vida marinha e aos habitats selvagens. Como sabemos, a reciclagem é uma maneira comum e eficaz de prevenir a poluição, economizar energia e conservar recursos naturais. Em resultado da pandemia, vários países interromperam os programas de reciclagem em algumas cidades, com as autoridades preocupadas com o risco da propagação da doença nos centros de reciclagem. Por exemplo, a Itália proibiu os residentes infectados de separar os seus resíduos. Outros efeitos indirectos no meio ambiente são provocados pelo desconhecimento do comportamento do vírus. As autoridades de vários países pediram às estações de tratamento de águas residuais que fortaleçam as suas rotinas de desinfecção (principalmente por meio do aumento do uso de cloro) para impedir que o novo coronavírus se espalhe pelas águas residuais, embora não haja evidências sobre a sobrevivência do SARS-CoV2 em água potável ou de esgoto. Ao invés, o excesso de cloro na água pode gerar efeitos nocivos à saúde das pessoas e animais. Da mesma forma, foi ordenada a desinfecção das ruas e passeios públicos em muitos locais com hipoclorito de sódio a 13%, promovendo, assim, a escorrência para as condutas de águas pluviais. Como se isso não bastasse, algumas autoridades locais (pelo menos na Andaluzia e em Portugal – S. Martinho do Porto) levaram a efeito acções de desinfecção do areal de praias, com soluções que continham hipoclorito. A aplicação de um tal produto, tanto na zona tidal, como dunar, pode ser considerado próximo de um atentado ambien-
tal, porque são zonas que se constituem como um ecossistema vivo, não são, apenas, areia. As dunas são caracterizadas como zonas de nidificação, tanto de aves, como de insectos. As zonas tidais (molhadas pela maré) são o habitat de grandes comunidades de animais marinhos, de bivalves aos anelídeos (vulgo minhoca-da-areia-do-mar. A Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) reconheceu o Cloro como um pesticida, que quando descartado na água é muito tóxico para os organismos aquáticos, por ter pouca degradabilidade e
prejudicar, directamente, as espécies marinhas, comprometendo toda a cadeia ambiental. Finalmente, o surto também interrompeu os esforços da diplomacia ambiental, inclusive causando o adiamento da Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática de 2020, para além do facto das consequências económicas, dele resultantes, que deverão diminuir o investimento em tecnologias de energia verde.
ANTÓNIO COSTA JUL-AGO 2020 | BORDO LIVRE 158 | 7
VARIAÇÕES SOBRE UM MESMO TEMA
ANTÓNIO F. LOBO
O PARA-RAIOS Alguns fenómenos, acontecimentos, rituais, crenças ou tradições têm a mesma expressão em distintos locais do nosso planeta, embora tenhamos a ideia de que essa ocorrência seja um exclusivo desta ou daquela região, deste ou daquele protagonista. Estas memórias nascem dessa ubiquidade. Tive a oportunidade, privilégio, se preferirem, de assistir a um ritual, mistura de praxe e prazer mórbido de brincar com a ingenuidade de quem é novato e em início de carreira, obediente a qualquer ordem emanado de níveis superiores da cadeia de comando. A bordo do butaneiro Cidla, em pleno Golfo da Biscaia, fazia-se, então, rumo a Roterdão, o porto de mar mais movimentado da Europa, casado com a cidade do mesmo nome: atractiva e acolhedora. Seriam, pois, atributos quanto baste para seduzir embarcadiços à sua visita não houvera a cidade dos seus sonhos, das luzes vermelhas e das montras de meninas: Amesterdão! “Le Port de Amsterdam”, de Jacques Brel. Comandante Paião, imediato Batista, radiotelegrafista Viriato, chefe de máquinas Machado, terceiro piloto Âmbar. A borrasca com surriada de mar de vaga 8 | BORDO LIVRE 158 | JUL-AGO 2020
grossa já se fazia anunciar à passagem do Cabo Finisterra, quando nos afastavamos da costa da morte, por uma depressão cavada que fazia o seu percurso para leste, teimosamente interessada em interceptar a nossa proa, ventando fortemente e agoirando forte balanço, mesmo capa, mantendo-nos acordados, compelidos a profanar o canto Gregoriano. Os dias eram ainda raquíticos e o crepúsculo da tarde estava aí. Começavam então a visualizar-se os primeiros relâmpagos e as ameaças sonoras do martelo de Thor. Viriato, rádio-operador da estirpe de um George Parker, era um tripulante avisado, experiente e de um profissionalismo sem precedentes, com afinidades para o matraquear da chave de Morse a fazer inveja ao melhor baterista de jazz. Nunca posou com cachimbo, nunca deixou medrar a barba na face magra e luzidia, nunca beberricou mais que um roubado copo de três. Este emblemático tripulante, pendurava na antepara da sua estação de comunicações, voltado para a sua posição habitual de operador radiotelegrafista, um bizarro caixilho de madeira mal alinhado, que emoldurava um enigmático retrato de uma cadeira aparentemente de madeira. Soube, após ter conquistado a sua confiança e amizade, que essa cadeira era a réplica daquela donde o ditador partira os cornos, dizia, quando dela caíra desamparadamente ao chão, atingido por redentora trombose cerebral. Com a crescente ira dos elementos da natureza, Viriato temia estragos no equipamento que impedissem o fluxo de informações à sua estação de radiocomunicações e, com isso, a perda de ajuda à navegação e salvaguarda da vida humana no mar. Pediu, em jeito de ordem, ao elo mais fraco: Âmbar, para ir colocar o para raios
no mastro do navio, a meia nau. Isto porque, segundo Viriato, era uma tarefa que competia ao terceiro piloto. Âmbar, nem pestanejou, nem recalcitrou. Apenas perguntou: “que tenho que fazer”. “Vai”, disse Viriato educadamente, “à casa da máquina, com cuidado ao descer e ao subir, pede ao chefe (de máquinas) o para-raios, trá-lo para o convés, sobe ao mastro e aplica-o no topo. Ponha arnês e tenha cuidado com o balanço”. Bom, o paciente Âmbar estava agora no convés exercitando hula-hoop e impregnando o corpo e mente de adrenalina para subir ao mastro com um saco cheio de matraquilhos com a tara aproximada de 50 quilogramas. Por coincidência, o comandante apareceu na casa do leme para observar o estado do mar e as condições de navegabilidade, presenciando a atitude de Âmbar disposto a cumprir a tarefa de que tinha sido incumbido. Paião, com cara a tope mal dissimulada, perguntou o que é que o terceiro piloto fazia ali no convés com aquela ondulação. Após esfarrapadas explicações, o autor da ordem tentou desdramatizar o quadro com um sorriso maliciosamente envergonhado dizendo: “esta brincadeira não é nada comparada com os tempos das caravelas em que os tripulantes eram mandados pro caralho”, isto é, para o pequeno e penitencioso cesto da gávea. Paião perdoava tudo porque também se divertia, chamou pessoalmente Âmbar, dizendo-lhe para dar a tarefa por terminada, justificando que já não era preciso tal recurso inerente a tácticas de mau tempo, porque a meteorologia melhorava…! Âmbar, com as entranhas em crescente reboliço e eminente humidade na roupa interior, pese embora o impermeável que vestia, poupou-se à acrobacia tendo, no entanto, que devolver o para raios à casa da máquina, sem o ter aberto, e sem aparente laivo de suspeita.
O CHUMBO Longe no espaço e no calendário, teve lugar uma aventura parecida. Era tempo de Liceu e de vacas magras. Os grupos organizavam-se por idades, experiência, afinidades e, também, por liderança. A antiguidade era um posto e os fedelhos ambicionavam a fama e as facilidades dos mais espigadotes. Poder ir ao cinema, aos bailes, namorar, eram sentimentos e vontades telúricas dos mais novos, que se iniciavam junto dos seniores para tais aventuras. Dorindo Ingénuo e Castor Mata Cães, entre outros, estavam na primeira fila da iniciação ao desembaraço para a resolução de problemas ou situações prementes. Mas, nunca é demais lembrar o velho aforismo: é com dinheiro que se compram os melões. As matérias académicas variavam segundo a orientação do curso do aluno, em termos abrangentes, letras ou ciências. O grupo de alunos em questão “eram”, por mero acaso, da alínea – agrupamento, assim se chama agora – de ciências, pelo que obrigatoriamente teriam que dar a tabela periódica de elementos, da qual, como se sabe, faz parte um metal pesado: o chumbo, bem presente na mente de todos, por outras razões que não são aqui chamadas a capitulo. O convívio de Ingénuo e Mata Cães com os companheiros mais sabidolas, das conversas que respigavam pró-atividade, dos expedientes por eles concebidos; a ideia de que a necessidade aguça o engenho e que é preciso fazer pela vida, projectavam no imaginário de Dorindo e Castor um estimulo excitatório poderosíssimo que teria consequências, a curto prazo, nas cabeças férteis e ávidas de aventura destes dois noviços. Preto no branco: “não é com os bolsos cheios de cotão que compras o bilhete pró cinema, para mandares cantar um
cego tens que fazer pela vida...!” Em teoria tudo era fácil, mas na prática a realidade é dura e crua. Era início do terceiro período, dias longos, a noite a marcar presença. Após jantar, sentados a uma mesa do café Comercial, reunia um grupo liderado por Almor, que Ingénuo acabava de engrossar. As conversas que se desfiavam à volta da mesa criavam um ambiente etéreo de aventura que se adensava com o correr das horas, fazendo a ponte entre o desejo e possibilidade real de compensar as dificuldades. Aí, tão inevitável quanto lógico, Dorindo Ingénuo sentiu-se compelido a perguntar se sobrava alguma tarefa que ele pudesse executar, tendo em conta a resolução de propósitos mais imediatos; ver algum western, entre outros. Almor sugeriu a Ingénuo: “amanhã, pela calada da noite, podes ir ao cemitério municipal resgatar um caixote com chumbo, de colheita recente, que depois será vendido num dos receptores dedicados a esse negócio”. Dorindo aceitou o repto de por à prova a sua intrepidez bem como, daí, esperar melhor entrosamento no grupo; passagem a um estádio mais idóneo e aplicabilidade material da sua gesta. Cerca das 23:00 horas, Dorindo dirigiu-se ao cemitério municipal, usou e abusou das habilidades circenses de que fora devoto praticante, e transpôs o gradeamento encimado por pontiagudas lanças ao estilo centúria romana, indo ao encontro do falado caixote, orientado por um desenho previamente feito no Comercial e uma apetência indomável de descoberta de tesouro perdido nas mãos de piratas piores que cascavéis enfurecidas. Encontrou o alvo no local previsto, inverteu o salto de dentro para fora do cemitério, nem consigo imaginar as artimanhas usadas para pôr fora de
grades o encaixotado valor, e levou-o ao ombro até ao Café, qual troféu a entregar ao grupo que ai continuava reunido à espera do epílogo desta aventura: passava menos que uma volta de ponteiro da meia-noite. Aí chegado com a encomenda prometida, pô-la à disposição do grupo. Desceram à cave do Café, abriram o caixote e, de conteúdo, só pedras. O ambiente assumiu um comportamento de estupefacção teatral, tendo Almor feito apelo à sua árvore genealógica e jurado pela alma de antepassado de consanguinidade duvidosa, que não se tratava de um embuste à pessoa de Ingénuo, e que o valioso chumbo tinha lá sido colocado na véspera e, agora, a olhos vistos, objecto de roubo. A expressão facial de Ingénuo, corado que nem o “alegre bebedor” do pintor Frans Hals, era, também, de raiva e impotência, achincalhado até à ignomínia, em exaspero contido. “Dorindo Ingénuo”, disse Almor em tom reflexivo “o olfacto leva-me a presumir que isto é obra de algum abocanhado que deu com a língua nos dentes, ou de algum lobisomem que andará a espiarnos! Companheiro, não fiques aperreado com esta contrariedade, afinal levaste a carta a Garcia, e ainda a procissão vai no adro.” Grava em tatuagem: quando a sorte não penetra, três ameixas e edecetra.
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OS LEMES DOS NAVIOS NÃO SÃO TODOS IGUAIS? PARTE 1
INTRODUÇÃO
ANTÓNIO COSTA
O leme é o principal dispositivo de direccionamento dos navios. O principal objectivo da sua utilização é o de gerar forças para manter o rumo do navio ou de o conseguir manobrar. Em casos excepcionais, os lemes também são utilizados para parar os navios mais rapidamente, em situação de emergência, ou para amortecer e estabilizar o rolamento. Como bem sabemos, os lemes afectam a eficiência da propulsão do hélice e a resistência total do navio ao avanço. É por isso que os lemes são tão importantes, tanto para a segurança da navegação, como para a eficiência do transporte, sendo que o seu desempenho depende de características hidrodinâmicas do seu desenho e construção. Desde os tempos dos navegadores egípcios que o conceito, projecto e desenho deste item, tão importante, de um navio tem sido alvo de estudo, tanto académico, como experimental. Existem muitos fragmentos do conhecimento sobre o leme na literatura, onde são discutidas a manobrabilidade e o consumo de combustível do navio, além da cavitação. Esses estudos debruçam-se,
CIMA Fig1: Os egípcios foram a primeira civilização a usar velas e lemes nos seus navios BAIXO Fig2: Os critérios aos quais os navios devem obedecer estão inscritos em resolução IMO e devem ter testados e confirmados em provas de mar, após a construção.
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de entre outros, nas condições de trabalho (velocidades e ângulos de ataque), perfis (formas seccionais), propriedades (área, espessura, altura, etensão, coeficiente de finura e proporções), tipos (posição do leme e do suporte estrutural e a conexão ao casco) e interacções (entre o casco, o hélice e o leme – tendo em conta a cavitação, a deriva e o avanço). Aliás, todo e qualquer navio apenas é entregue, após construção, depois de rigorosos testes de mar, realizados para avaliar o seu desempenho, tal como capacidade de viragem, quebra de guinada, manutenção do rumo e etc., manobras essas exigidas pelos padrões IMO – Resolution MSC.137(76) Standards for Ship Manoeuvrability. São as chamadas curvas de evolução.
CURVAS DE EVOLUÇÃO
Quando, em marcha a vante, se mete leme a um bordo, o centro de gravidade do navio descreve uma trajectória em forma de espiral, cuja curvatura se acentua até a proa ter guinado 90º; a partir daí, a trajectória aproxima-se do círculo perfeito. A isto se chama “curva de giração”. No entanto, o navio tende a rodar sobre um ponto fixo, que não o centro de gravidade. Esse ponto fixo sobre o qual o navio parece girar é chamado de ponto pivot (ou ponto giratório) e é de especial importância para o manobrador, pois é o ponto em que o ângulo de deriva é igual a zero (figura 2). De forma geral, o ponto pivot situa-se entre 1/3 e 1/6 do comprimento do navio, a partir da proa – com o movimento do navio a ré, este ponto recua francamente, chegando, por vezes, a 1/3 do comprimento do navio a partir da popa. O objectivo da realização deste teste é perceber a “Capacidade de Manobra” geral do navio, pois esta é uma manobra indispensável e à qual um navio tem de recorrer, muita vez, durante o seu período de operação.
TIPOS DE LEMES USADOS PELOS NAVIOS A escolha do tipo de leme dependerá de factores como tamanho e tipo de navio (ou embarcação), formato da popa, tamanho e área necessária e se existe um hélice a montante do leme. Qualquer leme é constituído por duas partes principais: a porta e a madre. Sem pretender, com este artigo, entrar em considerações de índole técnica, apenas passo a apresentar os mais importantes tipos e conceitos deste órgão nuclear de qualquer veículo que se movimente sobre os espelhos líquidos, sejam eles rios, mares ou oceanos. a) Tipos de leme convencionais (base) Digamos que estes tipos de arranjo de leme serão os mais prevalecentes, equipando a esmagadora maioria dos navios comerciais de longo curso. Podem ser compensados ou não-compensados e, quanto ao suporte, podem ser apoiados ou suspensos. Poderemos subdividi-los em três tipos mais comuns: i) O leme ordinário (não compensado), cuja porta está, toda ela, por ré da madre, sendo suportado pelo cadaste. ii) Leme compensado – Um leme compensado é aquele no qual o seu eixo de rotação se encontra por ré do bordo frontal. Isso significa que, quando o leme é accionado, a pressão da água causada pelo movimento do navio através do espelho líquido actua sobre a parte dianteira, exercendo uma força que aumenta o ângulo de deflexão, neutralizando a pressão que actua na parte posterior, que contraria aquele ângulo. É normal a existência de um determinado grau de equilíbrio para evitar a instabilidade do leme, ou seja, a área ante-a-vante do eixo (madre) é menor do que a posterior. Isso permite que o leme seja accionado com menor esforço que o necessário para um leme não compensado. A relação entre as áreas a vante e a ré da madre chama-se grau de compensação e seu valor pode chegar a 1/3. Um leme de lâmina (ou suspenso) é, basicamente, uma porta de leme que está inteiramente suspensa pela parte superior, fixada por um eixo girante a
DE CIMA PARA BAIXO: Fig3: Leme ordinário – a porta fica por ante-a-ré da madre; é suportado pelo cadaste, por meio das governaduras e, principalmente, pelo pino mais baixo; Fig4: O leme compensado foi inventado por Isambard Kingdom Brunel e usado pela primeira vez no SS “Great Britain”, lançado à água em 1843; Fig5: O leme de lâmina actua como uma "lâmina de reacção" desviando o fluxo do hélice utilizando toda a sua área móvel; Fig6: Quando a aresta de vante não se prolonga a toda a altura da porta, o leme toma o nome de semi-compensado. Neste caso, apenas uma pequena parte da sua área, inferior a 20%, está por vante do eixo de viragem.
um ou mais mancais (anéis de suporte), dentro do casco. Por outras palavras, a madre do leme (ou o eixo do leme) não se prolonga ao longo da extensão do leme. Nos lemes de lâmina (que, na maioria, são compensados), a porta do leme está numa posição tal que 40% da
sua área está por vante da madre e o restante por ré. iii) Leme semi-compensado – Quando a parte por ante-a-vante da madre não se estende em toda a altura da porta, o leme toma o nome de semi-compensado. JUL-AGO 2020 | BORDO LIVRE 158 | 11
b) Tipos de leme convencionais alterados Tendo por base os tipos de leme atrás apresentados, os estudiosos e os construtores navais foram-lhes adaptando novos conceitos em resposta às necessidades identificadas para determinados tipos de navios (e respectivas funções), portos e tráfegos. Essas alterações conceptuais resultaram na adição de apêndices, novos desenhos das portas e alteração de ângulos de ataque, etc. Embora os últimos 60 anos tenham sido muito profícuos na apresentação dessas inovações, passo a apresentar apenas as que maior êxito e utilização obtiveram. i) Lemes com abas ou alhetas Neste grupo podemos englobar o leme Flettner e o leme Becker, que receberam o nome dos seus inventores. Anton Flettner foi um engenheiro e inventor alemão com importantes contribuições para projectos de aviões, helicópteros, navios e automóveis. É, inclusivamente, o inventor das velas de rotor para navios e que estão hoje na ordem do dia. Flettner concebeu um leme que utiliza duas abas estreitas na borda traseira da porta, uma de cada lado. No sistema Flettner, existe um leme principal e um
CIMA Fig7: Leme Flettner – Um conceito especial do leme que utiliza duas abas estreitas na porta de leme. BAIXO Fig8: Os lemes Becker Têm uma aba no seu bordo traseiro (como numa asa de avião) e que permite ao leme ter maior viragem do que os convencionais 45º. FUNDO Fig9: Lemes Schilling – Estes lemes podem ir aos 70° para BB ou EB sem avariar. Têm baixo custo e manutenção, sendo um leme compensado que permite um navio dar a volta no espaço do seu próprio comprimento.
auxiliar, tendo este último uma superfície muito pequena em comparação com a anterior e agindo mais ou menos no leme principal da mesma forma que um leme comum actua no navio. O capitão Willi Becker fundou uma empresa de reparação e construção naval em 1946 para ajudar na reconstrução da frota fluvial alemã do Reno após a guerra. Tinha um foco muito pronunciado nas inovações técnicas para conseguir que os seus navios, rebocadores e barcaças se tornassem mais eficientes. À medida que as embarcações foram ficando maiores e experimentaram maior dificuldade de manobra nos limites do espaço confinado dos rios e canais, desenvolveu a “Becker Flap Rudder”, inspirada nos ailerons e flaps de aterragem dos aviões, para melhorar a sua manobrabilidade. O leme do tipo Becker tem uma aba móvel no bordo traseiro da sua porta. Quando o leme se move, um elo mecânico abre a “barbatana” num ângulo superior para maximizar o impulso lateral. Ângulos máximos de 45 graus ou 65 graus de leme podem ser utilizados em lemes maiores e mais rápidos. Estes lemes com alhetas móveis proporcionam um pronunciado ângulo de leme, com um efeito de viragem muito superior, atingindo os 60% a 70% a mais, em comparação com um leme convencional do mesmo tipo, forma, tamanho e área. São indicados para navios e embarcações que exigem melhor manobrabilidade. Estas abas são controladas de forma independente e melhoram a capacidade de governo quando activadas, sem aumentar a força de arrasto devido ao maior ângulo de leme. ii) Leme de Schilling, também leme de cauda de peixe
No leme de tipo Schilling, não há alheta, mas o bordo traseiro é construído em forma de cauda de peixe, o que acelera o fluxo e recupera a sustentação sobre 12 | BORDO LIVRE 158 | JUL-AGO 2020
a secção traseira do leme. Com ângulos de operação de até 70 graus, o leme Shilling melhora, drasticamente, as características de manutenção do rumo e o controlo da manobra do navio. Englobado neste conceito, surge uma variante denominada Schilling VecTwin, no qual duas portas de leme operam, de forma independente, por ré de um único hélice. Isso permite o controlo total do impulso do hélice. Muito utilizado em navios e embarcações costeiras e fluviais. c) Lemes assimétricos As portas de leme assimétricas têm resultado do conhecimento desenvolvido através de modelação computacional e têm conseguido uma enorme revolução, não só nas técnicas de construção, como ainda têm permitido enormes avanços no desempenho dos propulsores, diminuição dos consumos e cavitação e, ainda, no desempenho de manobra dos navios. Basicamente, configuram três modelos principais, adequados para grandes navios portacontentores; i) Leme de duplo bordo de ataque (leme Z) Consta de um arranjo do leme em que a metade superior da porta é ligeiramente torcida para um bordo e a metade inferior para outro bordo. Ao contrário dos lemes simétricos convencionais, o leme de duplo bordo varia a bombordo e a estibordo o ângulo de ataque ao longo da pá do leme. Esse recurso resulta numa distribuição de pressão melhorada na superfície do leme a partir do fluxo rotacional do hélice, melhorando, assim, as qualidades de resistência, manobrabilidade e cavitação. ii) Leme de duplo bordo de ataque com bolbo (leme ZB)
Muito idêntica a anterior, difere dela pela presença de um apêndice (bolbo) acoplado no seu bordo de ataque. O vórtice do cubo gerado na saliência do hélice desperdiça energia. O bolbo no leme reduz essa perda, enfra-
DE CIMA PARA BAIXO Fig10: O leme assimétrico foi projectado para melhorar a hidrodinâmica, o alinhamento da água a montante e a propulsão do navio, precavendo a formação de turbilhão. Fig11: O bolbo colocado no bordo de ataque do leme, ao absorver o vórtice provocado pelo cubo do hélice, melhora a eficiência de propulsão e baixa o risco de cavitação. Fig12: Leme com a porta completamente torcionada para configurar o ângulo de ataque e corresponder ao padrão real do fluxo de água..
quecendo o efeito de vórtice provocado pelo cubo e neutraliza a diferença de velocidades do fluxo de entrada no leme. Teoricamente, quanto menor a diferença entre o cubo do hélice e o bolbo do leme, melhor o resultado. iii) Bordo principal de torção completa Digamos que toda a superfície da porta do leme se encontra “torcida”, tentando aproveitar todo o fluxo de água proveniente do hélice, diminuindo a hipótese de vórtice. Isto resulta numa redução da cavitação, que se traduz na menor erosão do leme, menor arrasto, maior
capacidade de giração e ruído reduzido. Esta porta do leme acaba por ser de menores dimensões que as convencionais, mas consegue melhores desempenhos. Pode ser acrescentada com o bolbo. Aos dois primeiros conceitos podem, ainda, ser acopladas alhetas (abas) para melhorar o desempenho a menores velocidades e em águas confinadas. São conhecidos por lemes “Z+F” ou “ZB+F”. CONTINUA NO PRÓXIMO NÚMERO
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SABEDORIA DO MAR
E AGORA... QUE ESPERAR PARA O SEGMENTO DO MAR
ALBERTO FONTES
Globalmente a sociedade exige que as mercadorias circulem mas, ao contrário do pessoal de saúde, dos polícias e dos militares, ninguém se preocupa com o pessoal do mar
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A Marinha de Comércio Mundial tem cerca de um milhão de pessoas a trabalhar embarcadas. O seu papel na cadeia global do comércio é indispensável, malgrado todas as tentativas de robotização em curso. Nunca se assistiu em todo o mundo a tão gritante indiferença por estes esquecidos marítimos que com o coronavírus se viram abandonados a bordo dos navios, sem que os seus armadores consigam garantir o seu repatriamento no final dos contratos. A suspensão do tráfego aéreo, o fecho de fronteiras e o impedimento para desembarcarem nos portos que eventualmente aos navios lhes permitiam escalas comerciais ou para abastecer combustível, tornaram os tripulantes prisioneiros a bordo. Com o coronavírus, o stress aumentou e conduziu muitas vezes a casos de depressão e ataques de ansiedade. Os tripulantes têm medo de apanhar a doença, preocupam-se com a família em casa, têm medo de serem contaminados por qualquer pessoa de terra que vem a bordo, quando o navio está em operação portuária. Globalmente a sociedade exige que as mercadorias circulem mas, ao contrário do pessoal de saúde, dos policias e dos militares, ninguém se preocupa com o pessoal do mar. Quanto mais tempo dura a pandemia, quanto mais prolongados são os contratos, mais probabilidade existe de se desenvolver
uma síndrome de fadiga crónica e com ela os acidentes a bordo ou mesmo acidentes no mar. A IMO – Organização das Nações Unidas para o Mar, consciente de tudo isto, vem propondo aos Estados uma concertação por forma a resolver este problema humanitário, numa colaboração entre os estados de bandeira, os serviços de imigração, os serviços de saúde das autoridades portuárias, para que os marítimos sejam considerados trabalhadores essenciais, de forma a ser encontrado um acordo para garantir as rendições das tripulações, tudo pela sobrevivência do transporte marítimo. Estados houve que em resposta à IMO, implementaram medidas, de tal forma complexas, burocráticas e com custos elevados que não trouxeram soluções; a esmagadora maioria dos Estados não fizeram praticamente nada, tendo ainda intensificado as inspecções aos navios parados nos seus portos. Daí resultaram detenções dos navios por incumprimento da MLC – Convenção do Trabalho Marítimo nomeadamente por existirem contratos de trabalho expirados, com marítimos embarcados há mais de um ano. Se este problema ainda vai sendo noticiado, pela sua enorme dimensão, com os grandes navios de cruzeiro, passa completamente ignorado, na generalidade dos navios de carga, onde até os tripulantes são impedidos de ir a terra. Uma excepção a
considerar, neste vergonhoso panorama global, veio de Singapura que aprovou até junho a rendição de 40 000 tripulantes. Com marítimos a sofrerem a bordo, sem saberem a duração dos embarques, de forma global há reflexos físicos e mentais, neles e nas suas famílias, num contexto nunca visto na história recente. Tempos de medo em que a economia se ressentiu enormemente, com a paralisação do comércio, o encerramento das fronteiras, com reflexo imediato no movimento de pessoas e das mercadorias. Às empresas é agora exigido mudanças, na forma de trabalhar, além de terem de se adaptar à nova realidade, ou morrerem. No novo paradigma da gestão, cabe agora o teletrabalho para operarem remotamente em que a segurança adquire um novo significado, numa nova dimensão que a converte na prioridade absoluta, para um baixo risco, numa necessidade de transformação e reinvenção em tempo recorde. No sector das pescas os impactos socioeconómicos do Covid-19 centram-se no preço do pescado em lota, na perda de compradores, na diminuição do volume de capturas, nas restrições logísticas, nos custos de transporte e nas dificuldades em relação às tripulações. As pescas em Portugal empregam directamente 14 617 pescadores devendo ainda contar 8 101 trabalhadores nas transformadoras dos produtos da pesca. No nosso país não se tratam bem estes profissionais que
tantas vezes socorreram com a pesca, as necessidades alimentares das nossas populações. O homem do mar é por regra alvo de abandono por parte das autoridades que regem o sector. O mar é sinónimo de aventura e os seus trabalhadores considerados desfasados da realidade civilizacional actual, sendo a sua actividade profissional, um último recurso remuneratório. Esta situação que deveria envergonhar todos aqueles que de há muito falam e executam as políticas para o mar, como um motor do desenvolvimento da máquina produtiva nacional, quando abandonam o sector, nunca são penalizados por, no seu exercício, terem obtido tão maus e irresponsáveis resultados.
Que esperança poderá haver, em todos aqueles que resistem nas actividades do mar, nas pescas ou nos transportes marítimos, nos agora políticos, que vão ter a responsabilidade em gerir os fundos de recuperação estimulados pelo coronavírus? Será que irão compensar os erros do passado, criando estímulos à livre iniciativa, atraindo jovens para uma renovação geracional? Como ainda estamos a braços com a crise sanitária, para a qual não existe hoje, nem vacina nem remédio, vamos ter de continuar a lutar por uma economia sustentável que traga a Portugal bem-estar e desenvolvimento social. Diz-nos a história que o país só o conseguiu, quando foi GRANDE no MAR. JUL-AGO 2020 | BORDO LIVRE 158 | 15
A PROPÓSITO DA DIÁSPORA DOS ÍLHAVOS, NO LITORAL -- do blog Marintimidades
Ílhavo e a sua região de que tanto se fala como centro difusor de cultura marítima terão deixado, por via directa ou indirecta marcas na cultura marítima do nosso litoral. Habituámo-nos desde cedo, quando visitámos zonas marítimas, para pesquisa etno-linguística, desde estudante universitária, a ouvir tecer algumas considerações relativas a Ílhavo e aos habitantes locais, mal se apercebiam que era oriunda da citada região. E começámos a capacitar-nos de que
firmadas por registos paroquiais estudados ultimamente pelo pesquisador Hermínio de Freitas Nunes. A presença ou a passagem de ílhavos por Palheiros de Mira, também Raquel Soeiro de Brito a comprovou (Palheiros
Cremos mesmo que por Ílhavo tem havido um interesse crescente pela grande faina dos ílhavos no litoral, não tendo tido a exposição temporária, «A Diáspora dos ílhavos», no MMI, de 8 de Agosto de a 31 de Outubro de 2007 a aceitação desejada pela maioria dos interessados nesta grande questão da identidade local. Virando costas à Laguna, por inóspita que estava, os ílhavos, com suas artes ainda algo rudimentares, fixaram-se junto ao mar. Aberta definitivamente a barra em 1808, vieram instalar-se no areal a que chamaram Costa Nova (arrais Luís Barreto, igualmente conhecido por Luís da Bernarda) com as
Pela Nazaré também andaram, tendo contribuído para a sua formação. Na pequena monografia Nazaré e o seu concelho, Raúl de Carvalho, (Lisboa, 1966, p. 21), depois de algumas alusões aos pescadores de Ílhavo, referencia que estes,
onde existia uma bateira existiu um ílhavo ou há vestígios, pelo menos, da passagem de um ílhavo.
companhas da xávega. Tão exímios se tornaram no manejo destas artes estes emigrantes da borda do mar, refere Senos da Fonseca, que o desejo de partir em busca de locais onde o peixe fosse mais abundante se tornou evidente (Ílhavo – Ensaio Monográfico – Séc. X ao Séc. XX, 2007, Papiro
Editora. Porto, 2007, pp. 174 a 181). A fundação da Cova e Gala por ílhavos tem-se apresentado um caso mais polémico, porque se tem baseado, de livro em livro, em afirmações não con16 | BORDO LIVRE 158 | JUL-AGO 2020
ANA MARIA LOPES
de Mira – Formação e declínio de um aglomerado de pescadores. Edição Fac-
similada, Cemar. Praia de Mira, 2009, pp. 21 e 36), ao consultar Registos Paroquiais, concluindo que entre 1835 e 1870 as populações originárias de Ílhavo foram as que mais contribuíram para a formação do povoado. Mas a sua característica de nómadas da beira-mar fez com que não parassem.
após terem abandonado as suas terras, em busca de melhor vida e mais fartura de peixe, constituíram os primitivos povoadores da Nazaré.
E Raúl Brandão, no capítulo dedicado à Nazaré de Os Pescadores (Edições Estúdios Cor, Lda. Lisboa, s.d., p. 160), afirma pela boca de Joaquim Lobo, que aquela gente viera de Ílhavo e recorda ainda que foram os cagaréus que povoaram os melhores e mais piscosos pontos da costa, vindo pelo litoral abaixo, aos dois e três barquinhos juntos, até ao Algarve.
Também tivemos conhecimento da influência que os referidos povos exerceram na Ericeira, visto que Joana Lopes Alves, ao ocupar-se da rede do linguado ou tresmalho, assegura ter sido trazida para a Ericeira pelos pescadores da Murtosa, que a usavam na sua terra (A linguagem dos pescadores da Ericeira. Junta
Distrital de Lisboa. Lisboa, 1965, p. 57). Mas não ficaram por aí. Também na
Costa da Caparica, associando as pescas estivais de mar a fainas invernosas em rios e estuários, os ílhavos aí se instalam por volta de 1770, sendo referido por Helena e Paulo Nuno Lopes (A Safra. Livros Horizonte, Lda. 1995, p. 57), que no final do séc. XIX, trabalharam na Caparica, na pesca, mais de setecentas pessoas.
Igualmente Maria Alfreda Cruz ao ocupar-se do tresmalho, certifica que é conhecido, em Sesimbra, por «redes de ílhavos» designação que denuncia a sua proveniência (Pesca e Pescadores em Sesimbra. Centro de estudos Geográficos.
Lisboa, 1966, p. 54). Também por finais do século XIX, continuam a referir Helena e Paulo Nuno Lopes (ob. cit., p. 57) que os pescadores de Ílhavo chegam à costa alentejana, para aí trazendo as suas famílias, tendo vivido aí, em inícios do século XX, quarenta famílias. Todos os anos chegam ao Tejo umas dezenas de barcos varinos – é o nome que dão a estas embarcações pequenas e rasteiras, com um mastro e proa levantada (…). Quando se levanta borrasca encalham o barco nas margens do rio e abrigam-se à proa, debaixo de um oleado encerado (não haverá aqui hábitos idênticos?), onde dormem, cozinham e consertam as redes. Também emigram para o Tejo barcos «ílhavos», que são maiores e andam à pesca da sardinha entre o cabo da Roca e o Cabo
Pescadores de Ílhavo. Meados do século XIX Colecção Palhares. MMI
Espichel. E há muitos pescadores da Vieira que vão para os campos de Vila Franca e Santarém pescar o sável. Os da Borda-d’água chamam-lhes «avieiros» – ascendentes que ficariam a viver nos seus barcos até ao último quartel do século XX. Francisco Oneto Nunes (Vieira de Leiria – A História, o Trabalho, a Cultura. Edição da
Junta de Freguesia de Vieira de Leiria, 1993, p.174), baseando-se na informação recolhida nos registos paroquiais da freguesia de Vieira de Leiria refere que
desde 1911 até 1933, os livros de registos de óbitos indicam o falecimento de 19 indivíduos já de idade avançada, cujos pais eram naturais de Ílhavo, Mira, Tocha, Quiaios, Figueira da Foz e Lavos. Oneto Nunes sublinha a existência, em 1790, de dois barcos de pesca, que habitualmente costumavam pescar nas costas de S. Jacinto, de fins de Junho até Fevereiro, e que seguiam depois para o Tejo.
Parece que a ida, se bem que temporária de ílhavos para o Tejo, começa a ser incontestável, porque registada por alguns documentos e estudiosos. Também fomos recolhendo alguns testemunhos orais. Ao entrevistarmos, nos anos 80 do século passado, na Murtosa, Joaquim Maria Henriques (Raimundo), construtor famoso de embarcações lagunares, aí nascido em 1909, testemunhou-nos que «algumas vezes se deslocara com o pai a Peniche, Setúbal, Alcácer do Sal, Vila Franca de Xira, Carregado e Salvaterra de Magos para a construção de bateiras que os murtoseiros utilizavam, quando para esses locais iam fazer a safra do sável». Também A. A. Baldaque da Silva, a quem é atribuída uma pesquisa extremamente criteriosa em 1886 (Estado Actual das Pescas em Portugal – A Pesca Marítima, Fluvial e Lacustre em Todo o Continente do Reino, referido ao ano de 1886. Lisboa, Imprensa
Nacional, 1891, pp. 197, 240, 241, 287 e 403), faz inúmeras referências ao carácter emigrante dos povos da região da Murtosa, Ílhavo e Aveiro. Ao ocupar-se da rede sardinheira, afirma que os pescadores ílhavos que emigraram para Setúbal, lá usaram uma sardinheira (rede de emalhar sardinha), de menores dimensões.
Averiguou também em inquérito directo a que procedeu que trinta barcos ílhavos, tripulados por 450 homens, depois da pesca costeira à tarrafa, iam pelo rio acima para a pesca do sável. Eram também os pescadores ílhavos que emigravam para a enseada entre os cabos da Roca e Espichel e aí usavam, nuns barcos com o seu próprio nome, a rede de cerco volante, designada por tarrafa. Sobre este barco ílhavo (também conhecido por bateira ílhava), refere-nos que era um barco de fundo chato, construído nas margens da ria de Aveiro, com um compartimento fechado à proa, para abrigo de parte da tripulação, com mastro a meio, aparelhando vela latina de pendão, navegando mais vulgarmente a remos, movidos por três a quatro homens. Empregam-se muito na pesca da sardinha, na enseada de Entre cabos da Roca e de Espichel, durante o inverno, usando a tal rede denominada tarrafa. É, no entanto, o tresmalho (rede de emalhar formada por três redes sobrepostas) a
rede mais difundida pelos
ílhavos, que em grande número emigraram durante a época do sável para o Douro, Tejo e Sado,
continua Baldaque da Silva. Todas estas citações elencadas não pretendem ser mais do que um ponto de reflexão. Ainda há bem pouco tempo, ao abordarmos o livro Canoas do Tejo de Luís Sande e Pedro Yglesias de Oliveira (Edição da Câmara Municipal de Cascais, 2009, p. 92), achámos curioso o parágrafo que passamos a transcrever – As bateiras são embarcações pequenas, com cerca de cinco a seis metros, com uma construção muito simples, que foram introduzidas no Tejo pelos avieiros, ou cagaréus como eram conhecidos, que eram comunidades que vieram da zona de Aveiro e se instalaram nas margens do Tejo. Viviam em pequenas casas palafíticas, construídas em cima de estacas e nas próprias bateiras. Ainda hoje existem avieiros a viverem nestas condições e a pescar em embarcações que não têm sequer motor auxiliar.
E assim se foram expandindo os ílhavos…os ditos colonizadores da areia… – tínhamos por cá estas notas… outros terão outras… e documentos, para enriquecer o caudal da diáspora dos ílhavos. JUL-AGO 2020 | BORDO LIVRE 158 | 17
LENDA DA TERRA DA LÂMPADA
SENOS DA FONSECA
Há muitos… muitos anos, tantos que já ninguém o sabe ao certo, quando(?), «aconteceu» em Ílhavo uma história que virou lenda. § Era uma vez… uma Terra que em menina foi surrada pelo mar que lhe surriava os pés. E que depois, já crescida, viu aquele amainar aprisionado pelos braços da sereia lagunar. O mar foi empurrado para longe, obrigando as suas gentes, pescadores da borda, a atravessar o prado já então a revessar de verde que se estendia, qual tapete macio, para os levar à Costa Nova em demanda da sardinha. Que, diziam, tal como a mulher, se quer rechonchuda e pequenina. Como todo o «gentio» do mar, pescadores ou mareantes, sempre os «ílhavos» foram mais tementes a Deus que a esse «cão» danado – o mar! – que por vezes amuado de tanta ousadia, enraivado, ronronava ameaçador, em ondas espúmeas ao embater contra os frágeis barquitos em que aqueles ganhavam o pão para os seus. Era nesses momentos dantescos que o arrais Ançã lhe gritava: «Ah!... danado, se fosses d’aguardente bebia-te só de um trago!».
E o certo, conta-se, logo o mar parecendo amedrontado com o desafio do arrais gigante, alquebrava e, às arrecuas, tolhido, desembestava a tramontana e serenava. 18 | BORDO LIVRE 158 | JUL-AGO 2020
Mas com Deus não se brinca, ou ofende. E os «ílhavos», criaturas de fé devota, muito embora confiassem nos «seus arrais» – que não havia outros de tal «igualha» por essa costa abaixo – quando chegados os momentos de aflição faziam as suas promessas ao S. Pedro, orago da sua devoção, que na Igreja da santa terrinha, no altar, atento, velava pelas suas vidas. Acreditavam. Apesar da Vila ser, naqueles tempos idos, aconchegada e pequena, era escufenada, tendo já desde os nossos primeiros Reis uma igreja REAL. Vistosa e imponente, que lhe conferia merecido destaque nas redondezas. Os pescadores e famílias, principalmente o «mulherio», era gentio muito religioso, comparecendo diariamente à missa pelas matinas, levando consigo uma esmola que entregavam às Almas para protecção dos seus. Esta Igreja desde muito cedo passou a ser das mais importantes e mais ricas de toda a região de Aveiro, exibindo valiosas imagens de Santos de terracota. Adornada de ricas alfaias de ourivesaria, muito faladas e, por isso, também, muito cobiçadas. De tal modo que, aquando das invasões Franceses, os soldados do General Junot a esbulharam das suas riquezas para assim recomporem o cofre da estranja, já depauperado. Conta-se então, que só uma rica «Custódia» de ouro de lei – que hoje ainda existe – e uma valiosíssima Lâmpada (vistoso e artístico candeeiro de prata que descia do tecto alumiando bruxeleante a capela do Santíssimo) se salvaram. Porque um tal Malaquias – O Raposo –, antecipando-se à soldadesca francesa, as encapotou na batina, levando-as consigo, e as enterrou. Só passados muitos anos, vendo que o perigo, tinha então já passado, resolveu desenterrá-las para as entregar ao Prior, que, muito agradecido pela esperteza do acólito, logo mandou preparar grande festa para celebrar o acontecimento do retorno das valiosas
peças, Festança com direito a pregão prodigamente trombeteado pelos párocos das redondezas, que do alto dos seus púlpitos prometiam foguetório de arromba e procissão solene que fosse testemunha da virtude da hora. A que não faltaria o ignito dominicário frei Elias, cuja voz tonante faria ribombar os Evangelhos, mailas ameaças da Santa Inquisição, alevantando abundosas tremuras em todos aqueles que, pecando, tresmalhados, andariam mais perto de trambolhão no caldeiro onde frigiam as almas penadas do que no azul celeste do paraíso – promessa habitual do sermonário – por onde ricos e pobres se passeiam, irmanados (como se tal fosse possível?) na dádiva de graças ao altíssimo. Vá-se lá acreditar. Mas nestas coisas do alto mais vale precaver do que ver. Tanto alvoroço faria acorrer à Vila gentiaga estranja para render tributo aos tesouros que voltavam a arejo, para regalo dos fiéis, crentes. Que se iam aboletando por toda a vila em palheiro de compadre, de amigo ou de simples conhecido. Tudo gente de boa crença e fulanagem. Andara o povo em grande folgança a doidejar, havia já três dias, com visita obrigatória à esprândiga Igreja que, aperaltada com vestes de gala, mostrava, envaidada, as relíquias, a quantos as quisessem admirar: – um ror de gente! No final da festarola, era já segundafeira, dia para estas gentes voltarem à labuta diária depois de reconfortados com a missa da madrugada, ainda os galos cucuritavam nos poleiros, na Igreja restavam abusacadas apenas algumas beatas. Que ouvida (?!) a missa, ali ficaram a fazer as suas rezas. E assim palrando esperavam pela missa seguinte, a da manhã. Que «duas sempre reconfortavam mais do que uma só». Como eram mulheres de palanfrório, daquelas que todas as tardinhas vinham ao «rebate» contar as «últimas», apro-
veitavam aqueles momentos para pôr a conversa em dia, pois que a festança as afastara daquele convívio diário da má língua, onde as bocas baladeiras falavam «disto e daquilo… desta ou daquela: – de toda a gente do sítio! O tempo dava para isso. Era tanto que ainda crescia para rezar um pai nosso e três avé marias». – Oi… chopa!– olha para quem entrou… – disse às tantas a Maria Calatró da Malhada, interrompendo a conversa, virando-se para a Josefa do Arnal que ali estava engrunhada, encapuchada no xaile de burel que lhe cobria a cabeça, como se o frio da manhã a tivesse entorpecido. Ao tempo em que indicava dois indivíduos, que, de escada na mão, com umas cordas aos ombros, tinham entrado na Igreja. Onde ainda, apenas, a luz mortiça das velas e as das lamparinas da majestosa Lâmpada, quebravam o negrume. Tinham parado debaixo da mesma assumindo um ar de consternação e espanto, dizendo em voz alta, um para o outro, mas de modo a que as «beatas» ouvissem: – Ora vai-te… que raio de negócio fizemos… Quem é que a há-de limpar por semelhante preço?!… dizia o mais baixote, parecendo
arrependido com o negócio. Logo responde o outro: – Bem… já que justamos o preço, agora não há nada a fazer… Toca a baixá-la que se faz tarde… diz o outro, homem de barba
cerrada, de aspeito desconfiado, olhar de aspe decidida a saltar sobre a presa. Ou fugir lesta, se inimigo se abeirasse. E se melhor o disse, mais rápido o fez: pondo mãos à obra subiu a escada e arriou a Lâmpada perante os olhares assarapolhados da Josefa e amigas, logo a metendo num saco. E dá de sair tranquilamente da igreja, de escada às costas… sobraçando ao ombro o saco onde restava a «lâmpada». – Estais a ver… «chopas», como o Senhor prior
manda tratar das coisas da Igreja para esta luzir ?!… diz a Josefa Carqueja para a Cala-
tró… E
agora inda hás-de dizer que o «home» é um mancatufe que nem prás novenas serve. És uma mal «dizente»… raios! – que ainda hásde ir «estorricar» no fundão do inferno… «morrendas se não falendas» – VADE RETRO SATANÁS.
Tocadas as sete badaladas da manhã, o Prior lá veio com o sacristão para rezar a segunda missa do dia. Vinha ofegante, o abade, face espaçosa onde ressaiam as bochechas avermelhadas que uns diziam ser do afã do ministério, mas que outras, maldosas, diziam ser fruto das barrigadas das caçoilas do carneiro avinhado. Ou de se alambazar – à farta! – com a chispalhada que servia de lastro às enguias de escabeche. Tudo regado por tinto corrido, vindo lá das bairradas, que lhe provocava aziumados borbotões. O cabeção manchado pelas manápulas pouco asseadas que tentavam aliviar o nó de enforcado, inchava-lhe o pescoço, exsudando-lhe os refegos que serviam de caneja para o suor que escorria para a sebada sotaina ruça. É então que a Calatró, alvoroçada e já desconfiada de tanto cuidado do prior, pois no seu entender “não era «arrais» p’ra tão grande barca”, lhe salta ao caminho e diz: – “Oh!... senhor Abade... tanta pressa para quê(?!) santo Deus…, a limpeza podia esperar mais um poiquinho, e acabar-se a festa com a nossa Lâmpada, cá!... – Que limpeza estás tu a dizer?..., oh mulher!… e de que Lâmpada… está para aí a falar?!
resfolga o padre João dos Mártires.
– A que o senhor Prior mandou «alimpar» – «hom’ essa»! – que estes olhos que o chão hão-de comer, viu ali… E q’uinda agora a levaram ,a mando de V. Reverência»… responde a
Calatró apontando para o tecto vazio da igreja. E foi então que o Prior olhou para o sítio onde era suposto estar a Lâmpada e, vendo-o vazio, de olhos esbugalhados, gritou:
– Ah! Ladrões. Ah cães que me roubaram… grita o aporrinhado abade, vermelho como um «pilado da praia» acto contínuo «arriando-se das pernas», caindo para o lado… a bufar em apoplético estertor. – Ide depressa buscar auga da benta… que o pobre homem vai-se… grita a Luísa dos Sete Carris para as restantes: – ao tempo em que
amparava o desfalecido Abade nos seus braços de «pimpona pescadeira» . – Que vá… «olhendas»!… é como a Lâmpada, «assome-se» que é um ar que lhe deu… logo diz a Calatró que não perdoava ao Prior tê-la um dia mandado para casa onde, disse, “tinha mais que fazer que estar ali sentada no rebate da Igreja á espera da missa da madrugada”. E logo a Calatró,
acrescenta : – q'uinté tenho mais pena da Lâmpada que do «corvo» que não faz falta aos filhos, que os não tem, referindo-se ao pobre abade que,
pouco a pouco, depois de «rebaptizado» pela Josefa, começava a dar acordo de si. Uns gogolhões de cachaça que o sacrista tinha ido, lesto, buscar ao passal, acabaram por recomport o pobre diabo. – Ai!... filhas... diz a Luísa... desta vez nem o Raposo nos vale!!!
Em Ílhavo, durante três dias, os sinos dobraram a finados por ordem do Prior João dos Mártires. Tantos... quantos os da festa. A Lâmpada – essa! – levada pelos larápios, levou um sumiço... Até hoje. § Já sabes: quando quiseres fazer corar de vergonha um «ílhavo», basta dizeres: – T'imbora homem... que és da Terra da Lâmpada...
Mas olha!... segue um conselho: – foge da terra, não te vá acontecer ficares pendurado na borda... que a um «ílhavo» desembolado, nem o campino de «Garret», habituado a suster cornígeos brutos, consegue fazer peito...
JUL-AGO 2020 | BORDO LIVRE 158 | 19
NOTÍCIAS SEQUESTROS DE TRIPULAÇÃO AUMENTAM NO GOLFO DA GUINÉ - do blogue Mar e Marinheiros, de António Costa
CARNIVAL ANUNCIA VENDA DOS 4 NAVIOS DE CRUZEIRO HOLLAND AMERICA - do blogue Mar e Marinheiros, de António Costa A empresa de propriedade da Carnival Corporation, a HAL-Holland America Line, anunciou que os seus navios de cruzeiro Amsterdam, Rotterdam, Maasdam e Veendam foram vendidos (para compradores não divulgados) e deixam a frota. Os navios foram vendidos aos pares: os da classe S, Maasdam e Veendam, serão transferidos para uma empresa em agosto, enquanto os da classe R,
Ataques violentos contra navios e respetivas tripulações aumentaram em 2020, com 77 marítimos reféns ou sequestrados para resgate desde janeiro, de acordo com o último relatório de pirataria do ICC International Maritime Bureau (IMB). O Golfo da Guiné, na África Ocidental, é cada vez mais perigoso para o transporte comercial, representando pouco mais de 90% dos sequestros marítimos em todo o mundo. Enquanto isso, os sequestros de navios estão no seu nível mais baixo desde 1993, informou o IMB. No total, o Piracy Reporting Center do IMB registou 98 incidentes de pirataria e assalto à mão armada no primeiro semestre de 2020, contra 78 no segundo trimestre de 2019.
A crescente ameaça de pirataria apenas aumenta as dificuldades que centenas de milhares de marítimos têm de enfrentar, ao trabalharem para além dos seus contratos devido às restrições da COVID-19 no que respeita as rendições de tripulações e viagens internacionais, disse o IMB. "A violência contra tripulações é um risco crescente numa força de trabalho que já está sob imensa pressão", diz o diretor do IMB Michael Howlett. “No Golfo da Guiné, atacantes armados com facas e armas agora têm como alvo as tripulações de todo o tipo de navios. Todos estão vulneráveis. " O IMB insta os navios a denunciarem qualquer ataque imediatamente, a fim de coordenar uma resposta bem-sucedida.
Amsterdam e Rotterdam serão entregues a outra empresa no 3º trimestre de 2020. A Holland America cancelará todos as saídas programadas para os cruzeiros dos 4 navios, com itinerários selecionados assumidos por outros navios da HAL. A "Grand World Voyage 2021" planeada para o MS Amsterdam será adiada para 2022 e efectuada pelo MS Zaandam. A "Grand Africa Voyage 2021" (partida em 10 de outubro) do MS Rotterdam também será efectuada pelo Zaandam. O MS Maasdam ingressou na frota da HAL em 1993, sendo o segundo dos 4 classe S. Com capacidade para 1258 passageiros, é o quarto navio HAL a levar o nome de Maasdam. Mais recentemente, o navio havia sido realocado no Pacífico Sul e no Alasca.
O último navio da classe S, o MS Veendam (1350 passageiros) foi entregue em 1996 e é o quarto navio HAL a ter o nome Veendam. O primeiro navio da classe R foi o MS Rotterdam foi inaugurado em 1997. Com capacidade para 1404 passageiros, é o sexto navio HAL com aquele nome. O MS Amsterdam, construído em 2000, é o último dos 4 navios da Classe R. Com capacidade para 1380 passageiros, é o terceiro navio da HAL chamado Amsterdã. Os clientes da HAL com reservas para esses navios serão notificados de que os cruzeiros serão alterados ou cancelados. Juntamente com os agentes de viagens, eles receberão informação sobre se a viagem se realizará com outro navio ou poderão optar por reservar outro cruzeiro pela Holland America quando as operações recomeçarem. Os passageiros que preferirem o reembolso serão ressarcidos. Os cruzeiros cancelados incluem os do Canadá e Nova Inglaterra e Grand Voyages (cruzeiros mundiais) no MS Amsterdam, do México, Pacífico Sul, Austrália e Ásia (no MS Maasdam), Europa, Canal do Panamá, Caribe, América do Sul e Havaí (no MS Rotterdam) e Europa e Caribe (no MS Veendam).
Fonte: https://www.seatrade-maritime.com/piracy/seafarerkidnappings-pirates-gulf-guinea-surge-h1-2020
Fonte: https://gcaptain.com/carnival-announces-saleof-four-holland-america-cruise-ships/
20 | BORDO LIVRE 158 | JUL-AGO 2020
MS WORLD VOYAGER O MS World Voyager, segundo navio encomendado pela Mystic Cruises / Douro Azul aos estaleiros da West Sea em Viana do Castelo saíu para provas de mar no final do mês de Julho. Este novo navio, à semelhança do MS World Explorer, que já navega desde 2019, está preparado para expedições no gelo. Tem o comprimento de 126 metros, boca de 19 metros e velocidade máxima de 18 nós. Entretanto, o terceiro navio – MS World Discover – está em princípio de cons-
trução, devendo ficar concluído no ano de 2021. Depois destes três navios, os estaleiros de Viana vão construir outros quatros navios oceânicos, preparados para expedições no gelo, para a Mystic Cruises num valor total estimado de 286,7 milhões de euros. World Traveler (2022), World Adventurer (2023) e o World Seeker (2024) são três desses quatro navios que já têm data de construção e nome confirmado.
JUL-AGO 2020 | BORDO LIVRE 158 | 21
OS JOVENS E O MAR
BÁRBARA CHITAS
AIDAperla - AIDA Cruises O FIM DO MEU TEMPO DE PRATICANTE
Ao fim de mais de 365 dias e 3 navios, muitas reviravoltas e pandemias, finalmente chegou o dia… Acabei o meu tempo de praticante!
OS NAVIOS ONDE ESTIVE
Corvo - Mutualista Açoreana
Foi a minha primeira experiência profissional com o mar! Foi aqui onde fiz a maioria do meu tempo de praticante. Este navio de carga geral faz a ligação entre Portugal Continental e o Arquipélago dos Açores. Para mim foi uma decisão difícil largar o Corvo, uma vez que já me sentia em casa, já sabia as minhas tarefas e os procedimentos da empresa e estava sempre em Portugal. No entanto acabei por ir para experimentar navegar noutros navios e noutros locais.
Neste navio estive três meses e meio e era o navio onde supostamente teria acabado o meu tempo de praticante. Gostei bastante da experiência de estar neste cruzeiro gigante com um comprimento de 300m e uma Gross Tonnage de 125000t. Era maravilhosa em (quase) tudo, ponte gigante, grandes restaurantes, um gigante teatro, dois bares de tripulação e até um jacúzi para nós. Mas faltava-lhe o mais importante, o cheiro a casa e o espírito de uma equipa criada em Portugal. Trabalhar com pessoas de outras nacionalidades é importante, pois com elas poderemos aprender de forma diferente, novos costumes e tradições. Por outro lado, acaba por ser algo solitário não ter ninguém que fale a nossa língua a bordo, pois por mais que as pessoas se esforcem (que nem sempre é o caso), eventualmente segregam-se por nacionalidades e falam entre si.
ESQ: Corvo; DIR, cima: AIDAperla; baixo: World Explorer
World Explorer - Mystic Cruises
Estive aqui embarcada um mês. Embarquei logo na semana a seguir a sair da AIDAperla. Aqui deram-me a oportunidade de concluir o estágio no navio que iniciou um novo começo para a nossa marinha mercante. Talvez esteja a ser muito romântica, mas o que está a ser construído em Viana do Castelo é mais que uma empresa de cruzeiros, é uma oportunidade de os jovens portugueses sonharem em estar num navio de cruzeiro português e terem com eles uma equipa dinâmica e sempre disposta a formá-los da melhor forma.
Mas o que se faz num navio de Cruzeiro em tempo de COVID?
Em tempo de pandemia a maioria dos cruzeiros ou esteve em porto ou ancorado. Nesta altura a melhor tarefa que podemos fazer são trabalhos de manutenção que seriam impossíveis de ser executados com passageiros a bordo. Tais como: renovações de camarotes, redesign de interiores do navio, revisão de procedimentos, entre outras infindáveis tarefas.
O QUE APRENDI COM TUDO ISTO?
A vida é como um navio, poderemos apontá-la numa proa e ela levar-nos noutro Rumo. Tinha imaginado acabar o meu ano de praticante com muitas mais navegações do que as que foram possíveis. Poderia ter saído mais vezes do navio, se imaginasse o que se avizinhava. Mas são estes os momentos que nos ensinam a dar valor ao que temos e a levar a vida no seu próprio ritmo e também a não deixar as oportunidades que nos são oferecidas escapar. Espero que todos se encontrem com saúde e que os nossos navios recomecem a navegar em breve. 22 | BORDO LIVRE 158 | JUL-AGO 2020
WINDFLOAT ATLANTIC Parque eólico flutuante já está a funcionar em Portugal Foi instalada no final de Julho a última unidade do parque eólico flutuante ao largo de Viana do Castelo. As três unidades começaram então a injetar na rede elétrica nacional a energia produzida pelas suas turbinas de 8,4 MW, as maiores do mundo já instaladas numa plataforma flutuante.
Dado que pode situar-se em águas muito profundas, o WindFloat é capaz de aceder a recursos energéticos em áreas marítimas muito vastas, respondendo a desafios sociais de relevo, como a transição para a energia limpa, a segurança da energia e as alterações climáticas.
WindFloat Atlantic tem capacidade total instalada de 25 MW
O WindFloat Atlantic tem uma capacidade total instalada de 25 MW e é o primeiro parque eólico flutuante semi-submersível do mundo. O equipamento vai ser capaz de gerar energia suficiente para abastecer o equivalente a 60.000 utilizadores por ano, o que representa uma poupança de quase 1,1 milhões de toneladas de CO2. Segundo a EDP, as vantagens desta tecnologia são, entre outras, o facto de a montagem ser feita em terra, de não ser necessário um navio de transporte específico para o seu reboque e de não depender de operações offshore complexas, associadas à instalação das estruturas fixas tradicionais. Estes fatores contribuem para reduzir as despesas associadas ao ciclo de vida e os riscos.
JUL-AGO 2020 | BORDO LIVRE 158 | 23