ALÉM DAS BARREIRAS O recomeçar de haitianos em terras catarinenses
Outubro de 2019 | EDIÇÃO ESPECIAL
EXPEDIENTE
Apresentação Santa Catarina é o destino que muitos imigrantes haitianos escolhem para recomeçar. Eles veem no estado a oportunidade de uma vida melhor, longe da pobreza, da falta de políticas públicas e desenvolvimento social de seu país de origem, o Haiti. Distante de suas famílias, escolhem desbravar terras desconhecidas na esperança de realizar sonhos que, até então, estavam esquecidos. Mas, mesmo em condições melhores do que as vivenciadas em território haitiano, muitos são os desafios dos imigrantes no novo lar. Desafios percebidos durante dois meses percorrendo cidades catarinenses como Blumenau, Navegantes, Itapema, Balneário Camboriú e Camboriú. Nos municípios, foi possível perceber algumas das barreiras enfrentadas pelos haitianos. O desconhecimento da língua portuguesa é a principal delas, dificultando a inserção no mercado de trabalho e a admissão em vagas de empregos mais valorizadas. E, justamente, por isso, muitas vezes, os imigrantes acabam aceitando trabalhos que não condizem com suas formações pro-
fissionais. É o salário nestes cargos que os ajuda a construir o primeiro alicerce da nova vida. A partir da observação das realidades individuais dos mais de 20 haitianos entrevistados, pode-se perceber que apesar das dificuldades, é possível realizar sonhos no novo lar. As famílias se desenvolvem com mais qualidade de vida e podem projetar um futuro melhor para os filhos. Crianças que terão a oportunidade do estudo, o que não seria possível no Haiti, país em que mais de 90% da população é pobre e não tem acesso a serviços básicos como saúde e educação. Além das barreiras: o recomeçar de haitianos em terras catarinenses é fruto de mais de dois meses de pesquisa, apuração, entrevistas e entrega. Escrita em seis mãos, traz relatos de haitianos e especialistas para tentar projetar o cenário da corrente imigratória haitiana em terras catarinenses e as maiores dificuldades de imigrantes que — sem condições para viver dignamente em seu país de origem — precisam sair em busca de um novo lar.
Agência Integrada de Comunicação
UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí ESCOLA DE ARTES, COMUNICAÇÃO E HOSPITALIDADE - EACH Diretora: Bianka Cappucci Frisoni CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI Rua Uruguai, 458 - Bloco C3 Sala 306 | Centro, Itajaí - SC - CEP: 88302-202 Coordenador: Carlos Roberto Praxedes
Índice
JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVALI Edição: Gustavo Paulo Zonta Reg. Prof. Mtb/SC 3428 JP
Projeto Gráfico: Vinicius Batista Gustavo Zonta
A CHEGADA A SANTA CATARINA............................................................................................página 3
Diagramação: Gustavo Zonta
FAMÍLIA REUNIDA........................................................................................................................página 4
Produção: Juny Hugen Artur Bezerra
OS DESAFIOS DO NOVO LAR..................................................................................................página 8
Professor orientador: Almeri Cezino
A SAGA DO PROFESSOR..........................................................................................................página 12 A IMIGRAÇÃO HAITIANA EM NÚMEROS...........................................................................página 16 AMIGOS DO HAITI.....................................................................................................................página 20
Edição especial da pauta selecionada para a 11ª edição do Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão do Instituto Vladimir Herzog Jornalista mentor indicado pelo IVH: Marcelo Soares
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COMUNIDADE HAITIANA NO BRASIL................................................................................página 28
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HAITI
A CHEGADA A SANTA CATARINA Desde 2012, haitianos chegam na região do Vale do Itajaí em busca de melhores condições de vida Falando somente crioulo, um dos idiomas oficiais do Haiti — o segundo é o francês — e sem conhecer a língua portuguesa, haitianos deixam o país de origem em busca de melhores condições de vida em Santa Catarina. O Estado, localizado no Sul do Brasil, já viveu intensos fluxos imigratórios de diversos povos, como açorianos, alemães e italianos desde o século XVIII e, atualmente, vivencia a chegada de imigrantes haitianos. No novo lar, apesar das poucas políticas públicas dos municípios, os imigrantes encontram uma rede de apoio formada pela comunidade haitiana e, também, por brasileiros. Mas, mesmo em melhor situação do que a vivenciada em seu país de origem, na nova realidade os haitianos enfrentam, diariamente, várias barreiras: dificuldade de inserção social, a saudade de casa e, a principal delas, a falta de domínio do português que dificulta a integração com a comunidade local e a inserção no mercado de trabalho. O preconceito também é um desafio a ser vencido, não só nas comunidades onde vivem, mas, algumas vezes, nas empresas contratantes. Há falta de cumprimento das leis trabalhistas, por exemplo, em caso de demissão. “Se contratarmos o advogado para pedir todos os direitos do haitiano, o chefe nos chama e diz que vai demitir todos os haitianos que trabalham na firma”, relata o professor brasileiro João Edson Fagundes, diretor da Associação dos Haitianos de Navegantes — litoral catarinense. As poucas oportunidades de emprego no Haiti — país caribenho distante cerca de seis mil quilômetros do Brasil, são notadas mesmo antes do terremoto ocorrido em janeiro de 2010. Desde a independência, em 1804, o Haiti enfrenta diversos problemas políticos e econômicos — consequência da má administração pública e de conflitos internos. A situação afeta diretamente as classes mais pobres, que vivenciam, no cotidiano, a fome e a falta de recursos básicos como saúde e educação. E são justamente essas dificuldades enfrentadas no país de origem que estimulam os haitianos a buscarem outros lares, mesmo diante das baryè, que traduzido do crioulo significa ‘barreiras’. A maior das barreiras, o idioma, além de dificultar na busca por trabalho, se torna obstáculo para a comunicação e o que provoca o isolamento dos imigrantes, limitando-os a seu pró-
SANTA CATARINA
prio grupo. Marie Lourdes, Monica Lucien, Jodelain Luzard, Magdala Pascal e Morantus Juanas são apenas algumas haitianas que chegaram ao Brasil no último ano e não conseguiram trabalhar por desconhecerem a língua portuguesa. Desde que chegaram ao País, as imigrantes estudam português na Associação de Haitianos de Blumenau semanalmente. Ainda assim, não ultrapassaram a barreira do idioma. Professores viram operários em obra, costureiras viram faxineiras, engenheiros trabalham limpando peixe. Estes são imigrantes que, mesmo tendo formação em uma profissão, acabam aceitando empregos em empresas de limpeza e conservação, construtoras, supermercados e na indústria de manufatura de pescado que, apesar de não atender as expectativas ao chegarem no novo lar, possibilitam uma renda. Além da subsistência no novo país, parte do dinheiro que ganham é enviada para ajudar a sustentar as famílias que ficaram no Haiti, ou comprar passagens para trazê-los ao Brasil. “O sonho é sempre maior e melhor do que a realidade. Embora a fortuna, muitas vezes, não é alcançável, a vida aqui é melhor do que a deixada na terra natal”, diz o professor Luiz Nilton Corrêa, doutor e mestre em Antropologia pela Universidade de Salamanca na Espanha.
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Foto: Artur Bezerra
FAMÍLIA REU
Após quatro anos, Sylvie Auguste e Kenold Noelcius reuniram novamente a família, t
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UNIDA
trazendo as filhas para viver no Brasil
Sylvie com o marido Kenold, as filhas Kednaylande e Djouberkie e a sobrinha Chenica Constance
Depois de trabalhar mais de quatro anos para juntar dinheiro, Sylvie Auguste e Kenold Noelcius finalmente trouxeram as filhas, Kednaylande (15) e Djouberkie (10), do Haiti para o Brasil. Isso também só foi possível devido à ajuda de pessoas que moram na região do Vale do Itajaí e se sensibilizaram com a história do casal, que foi divulgada nas redes sociais e em reportagens feitas por veículos de comunicação locais. Para ajudar o casal, foram feitas ações beneficentes com o objetivo de arrecadar recursos, como a vaquinha eletrônica feita por alunos do curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Com a ajuda, o casal, que ficou longe das filhas por quase cinco anos, pode abraçá-las novamente. A família ainda ganhou mais uma integrante, uma das sobrinhas de Sylvie, Chenica Constance (22). Uma data que ficará na história da família é 8 de outubro de 2019, quando as meninas chegaram em Itajaí. Mas, até aterrissarem no Aeroporto de Navegantes, o mais próximo de onde a família vive, foi preciso ainda percorrer um longo caminho e muitos desafios. Encarregado de buscar as filhas no Haiti, Noelcius conta que, ao chegar no antigo lar, viu o país de origem em mais um conflito que dificultou a viagem. As manifestações se intensificaram na sexta-feira, 10 de outubro de 2019, três dias depois da saída da família do Haiti. De acordo com a agência Associated Press, os manifestantes intensificaram os protestos por causa do atentado a um jornalista. A população ainda quer a renúncia do presidente Jovenel Moïsi por causa da corrupção, inflação de 20% ao ano, escassez de combustível e alimentos. Até o fechamento desta reportagem, os conflitos continuavam no Haiti Noelcius encontrou as filhas e a sobrinha em Cabo Haitiano e, juntos, seguiram para Porto Príncipe, capital do Haiti. Devido aos conflitos internos, demoraram dois dias para percorrer a distância de 240 quilômetros entre as cidades, trajeto que se faz, normalmente, em quatro horas. Para chegar ao aeroporto de Porto Príncipe e pegar o voo até a Cidade do Panamá, a família teve que ser escoltada por policiais na rua de acesso ao terminal de passageiros. No caminho, viram pessoas com armas e pedras protestando contra o governo. Da Cidade do Panamá voaram para Georgetown, na Guiana, de onde partiram de ônibus até Boa Vista — Roraima. Foi em território brasileiro que, pela primeira vez durante a viagem, se sentiram seguros. No embarque em Boa Vista, Noelcius soube que a empresa aérea havia antecipado a conexão de Guarulhos para Navegantes em seis horas. Logo, estavam aterrisando no litoral de Santa Catarina e, depois de quase cinco anos, a família estava unida novamente. Agora, Sylvie e Noelcius vão ter novos desafios, como procurar cursos de português e vagas em escolas para as meninas. Auxiliar de serviços gerais, contratada por uma empresa que presta serviço de limpeza à Univali, Sylvie sonhava todos os dias em ter a família reunida. De sorriso cativante e olhar atento, ela ainda almeja poder sentar em uma carteira escolar para continuar os estudos, compreender melhor o idioma oficial do Brasil e ter mais oportunidades. Por enquanto, a mulher só se dedica ao trabalho. Sylvie nasceu em Cabo Haitiano, uma cidade litorânea
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banhada pelo mar do Caribe, destino de férias para as classes abastadas do Haiti. É a segunda cidade mais importante do país e, embora tenha grande potencial para o turismo, oferece poucas oportunidades de trabalho para os moradores. Isto porque não há investimentos no setor — principalmente depois do terremoto no Haiti —, o que acaba impossibilitando a abertura de vagas de emprego e invalidando o potencial turístico da cidade. As recordações de Sylvie em relação ao local refletem a miséria e a fome, que vivenciou ao longo de sua vida, consequência da situação econômica e política do Haiti. O país enfrenta problemas sociais graves, principalmente, devido à desigualdade econômica em que mais de 90% da população é pobre e não têm uma vida financeira estável. Uma das lembranças recordadas pela haitiana é a de seus pais tendo que caminhar por horas para conseguir comida. “Minha maior aflição era pensar que não teria o que comer à noite”, afirma. A saga de Sylvie em busca de uma vida melhor começou em 2006. Na época, ela partiu da localidade onde morava com a filha Kednaylande, então com dois anos de idade. A vontade de mudar de realidade foi motivada pelas difíceis condições em que vivia e a falta de recursos básicos para criar um filho, como saúde e educação. O destino da haitiana foi a República Dominicana, país que faz fronteira com o Haiti e primeira parada dos haitianos que deixam tudo para trás em troca de um novo lar. Sylvie escolheu Nagua, apenas 360 quilômetros de distância de Cabo Haitiano, cidade em que poderia viver melhor e ainda visitar os familiares quando quisesse devido a pouca distância da sua cidade de origem. Para o sustento da família, ela vendia roupas. Logo, nasceu a segunda filha do casal, Djouberk. Apesar das melhores condições, a vida ainda poderia ser mais confortável. Foi por isso que, em 2015, Sylvie deixou as filhas com a sogra e a mãe em Cabo haitiano. Ela veio encontrar o marido, que já estava no Brasil junto de outros parentes. Sylvie demorou seis dias até chegar ao destino. Veio para o Brasil de ônibus, passando pelo Chile e Argentina, antes de desembarcar em Itajaí. A haitiana ficou desempregada por quatro meses. Neste tempo, Noelcius manteve financeiramente ambos no novo lar. A dificuldade em conseguir um emprego foi ainda maior porque Silvye não sabia português. Finalmente, conseguiu vaga em uma empresa prestadora de serviços. Ela ganha pouco mais de um salário mínimo e, até conseguir trazer as filhas para o Brasil, mandava para as meninas, mensalmente, $150,00, o equivalente a R$ 600,00. Com a chegada das filhas no Brasil, a quantia em dinheiro ainda será enviada todos os meses, desta vez para a mãe de Sylvie que está doente. Apenas com o seu salário e o de Noelcius, não seria possível trazer as filhas para o Brasil. Mas, a aflição de Sylvie foi notada por uma professora da Univali que iniciou, no final de 2016, uma campanha nas redes sociais e na universidade. A professora de Educação Física, Kátia Cruz, é presidente da Associação Cultural e Esportiva da instituição de ensino, próxima do setor em que Sylvie faz limpeza. A ação de Kátia sensibilizou colegas de trabalho, algumas pessoas de fora da instituição, a imprensa local e também os alunos do curso de Relações Internacionais. Os estudantes, inclusive, cuidaram dos pedidos de visto de Kednaylande e Djouberkie, além de fazer a vaquinha online (crowdfunding), na qual 95 pessoas ajudaram. Em dois
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As recordações de Sylvie em re ao Haiti reflete miséria e a fom
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meses, mais de R$ 10 mil foram arrecadados, completados com a quantia da campanha da professora, outras doações pessoais e uma poupança de R$ 6 mil de Sylvie e Noelcius. O casal conseguiu R$ 22 mil, montante necessário para os custos da documentação, vistos e passagens aéreas das filhas, da sobrinha e de Noelcius, que saiu do Brasil para buscá-las. Ainda adaptando-se com a língua e questionada sobre preconceito por ser negra e imigrante, a servente afirma que nunca passou por situações em que enfrentou preconceito. Sylvie também tem se acostumado com a facilidade do acesso a recursos básicos como a água encanada, que sai em abundância da torneira, e com os supermercados abastecidos. Agora a vida é só momentos a se comemorar e, de preferência, com o prato brasileiro que ela mais gosta, um bom churrasco.
Foto: Juny Hugen
Sylvie ainda almeja poder sentar em uma carteira escolar para continuar os estudos, compreender melhor o idioma oficial do Brasil e ter mais oportunidades
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OS DESAFIOS DO NOVO LAR Imigrantes haitianos lutam para aprender o portuguĂŞs e enfrentam dificuldades para se inserir nas comunidades catarinenses
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Webster Fievre não tinha visto quando saiu do Haiti em 2014. Na época, a Embaixada Brasileira no país não dava conta de atender a todos os pedidos. Assim como outros haitianos, Fievre escolheu o Brasil devido à acolhida humanitária que facilitou a entrada em território brasileiro. O professor Ricardo Boff, do curso de Relações Internacionais da Univali, analisa que, como o Brasil comandava a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), houve uma aproximação entre os países. Boff ainda pontua que, ONGs e igrejas brasileiras, em missão no Haiti, também pressionaram o governo brasileiro para dar a acolhida.
Foto: Juny Hugen
No caso de Fievre, como não tinha visto, primeiro precisava desembarcar em um local seguro e que o aceitasse, por isso cruzou o oceano para chegar ao Equador. Em território equatoriano, pegou um avião e, após seis horas, desembarcou no Peru. Já em território latino-americano foram mais de dois dias de viagem até Brasiléia — Acre. “Essa viagem que fazemos é ilegal, não deveria ser assim, mas a gente faz”, conta Fievre. Muitas vezes, os imigrantes são postos em situações de risco. “Imagine uma pessoa que não fala o idioma, ela aceita qualquer condição para chegar ao destino final e pagar qualquer valor para isso”, afirma. Mesmo com os perigos, ele diz que vale a pena, pois somente assim eles podem ter esperança de uma vida melhor. O haitiano conta que para a viagem é preciso uma condição financeira para poder pagar as passagens e os coiotes — homens que cobram para atravessar ilegalmente os imigrantes pela fronteira. Ele gastou cerca de R$ 7 mil. Uma das possibilidades é sair da capital do seu país com visto e vir de avião para São Paulo, ou passar por outros países como o Equador e entrar sem o documento. Nestes casos, é preciso atravessar o Peru de ônibus até Puerto Maldonado e seguir até Assis Brasil — já no Acre. Ou ainda optar pela rota boliviana até a cidade de Cobija e entrar em Brasiléia — também no Acre — para se apresentar na fronteira com o Brasil. A entrada irregular propicia a ação dos coiotes que cobram para auxiliar o imigrante a passar pela fronteira. Fievre destaca o desconhecimento do espanhol e português como uma dificuldade ao entrar no Brasil. A falta de segurança também aumenta os riscos da viagem. Há relatos de abuso sexual e até mortes. A vontade de melhorar as condições e deixar o cenário de miséria é tão intensa que mobiliza milhares de haitianos ao redor do mundo. Após a mudança para outros países e a conquista da estabilidade, Fievre conta que é comum um grupo juntar dinheiro para pagar a vinda de filhos, irmãos ou outros parentes. “Cada haitiano no exterior envia recursos para a família que ficou no país”. Ele recorda que os imigrantes da diáspora ajudam na economia do Haiti. A cada transferência feita, uma taxa é cobrada. Mesmo com a parte do imposto coletada pelo governo, os recursos enviados para os familiares fazem muita diferença. Isto porque a moeda do Haiti possui valor menos expressivo do que o Real. “O dinheiro que a gente ganha aqui, acrescenta um zero, é o quanto vale a moeda do Haiti. Ou seja, se ganha mil reais, é 10.000 gourdes”, explica Fievre. O professor de linguística, Leonel Joseph, afirma que, por causa da inflação alta do Haiti, é difícil ter valores exatos da quantia necessária para uma pessoa comprar o básico para viver mensalmente. Ele estima que, para uma compra mínima de alimentos, seriam necessários 200 dólares americanos, perto de 19.000 mil gourdes ou R$ 822,00 - valores calculados no câmbio de 10 de outubro de 2019. A maioria dos haitianos vive com menos de R$ 20 por dia, relata Fievre.
Sem visto, Fievre chegou ao Brasil de forma ilegal através da cidade de Brasiléia, no estado do Acre
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Antes de conseguir o primeiro emprego e começar a ajudar os familiares, Fievre teve que esperar. Por dois anos morou na capital de Rondônia, Porto Velho, até que empresas de Blumenau — cidade no Vale do Itajaí —, como a Nathor — empresa de triciclos e bicicletas — e a Thabrulai — especializada em pães — começaram a buscar os haitianos, pois precisavam de mão de obra. Ele chegou na cidade em 2016 e, após alguns meses, a situação começou a melhorar. Fluente em cinco idiomas, ele dá aulas de inglês, francês e alemão no Serviço Social do Comércio (Sesc) em Blumenau. Um caso que lhe marcou como professor, foi numa primeira aula de Alemão no Sesc, quando um aluno demonstrou espanto ao perceber que havia um negro ensinando alemão. O futuro engenheiro completa que algumas pessoas ficam supondo como ele conseguiu aprender o idioma. Fievre, que cursa a segunda faculdade, Engenharia de Software, na Unicesumar, também já se viu questionado por ter escolhido a área. Isto por ter nascido em um país pobre e sem muitos recursos para tecnologia. “Eu faço o que eu sei, sigo o meu caminho porque não podemos deixar as pessoas nos influenciarem”. Em 2017, Webster conseguiu trazer sua mãe para o Brasil. Mesmo sentindo saudade do país de origem, as lembranças do Haiti não são positivas, pois se recorda da pobreza, desemprego e falta de recursos básicos. O professor é presidente da Associação de Haitianos de Blumenau e busca ajudar sua comunidade, inclusive, a ultrapassar a barreira do idioma. O imigrante ainda enfatiza a dificuldade de inserção social. “A gente tem mais contato com o pessoal da igreja, porque nela somos todos iguais” destaca. “Para os haitianos, a religião e a família são fundamentais”. A afirmação é do pastor Günther Bayer Padilha, da Igreja de Confissão Luterana, localizada em Itapema — litoral do Vale do Itajaí. Mestrando em Antropologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ele pesquisa sobre as redes de migração como estratégia de sobrevivência, com foco na igreja como uma destas estratégias. No levantamento para dissertação, Padilha já constatou que a igreja é um espaço de convívio, comunicação e articulação para os projetos sociais. “As igrejas Pentecostais e Católicas oferecem uma estrutura social com alguns serviços, pois as políticas públicas são deficientes”. Entre 2017 e 2018, em Itapema, as igrejas Católica, Presbiteriana e de Confissão Luterana desenvolveram, para os haitianos, projetos de cursos de português, direitos do trabalho, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e Lei Maria da Penha, além de cursos profissionalizantes como o de panificação. Para a mestra em Teologia, Maria Glória Dittrich, as igrejas desenvolvem um projeto de base para o acolhimento. “É um novo tempo, uma nova terra, e é preciso acolher todos aqueles que chegam e estão em sofrimento”.
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É um novo tempo, todos aqueles que
Foto: Any Costa
A igreja é um espaço de convívio, comunicação e articulação importante para os imigrantes haitianos
uma nova terra, e é preciso acolher chegam e estão em sofrimento
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A SAGA DO PROF
Fluente em oito línguas, Leonel Joseph foi contratado para ensinar português aos seus cont Em pouco mais de um mês, Leonel Joseph aprendeu a língua portuguesa. O haitiano chegou, no Acre, em março de 2011. Pela facilidade em aprender idiomas, bastou o convívio com brasileiros para conseguir compreender o português. Ele é professor de linguística e fluente em oito línguas. Em fevereiro de 2012, onze meses depois de chegar ao Brasil, Joseph foi contratado como professor de português para outros 17 conterrâneos que vieram trabalhar na construção civil em Navegantes — cidade localizada no litoral catarinense. Foi na empresa que conseguiu ajuda para procurar emprego nas escolas de idiomas da cidade. Formado na República Dominicana, atualmente o haitiano é contratado por uma editora de Missouri, nos Estados Unidos, para a tradução de livros do inglês para o português. A renda é complementada com as aulas particulares de inglês ministradas por ele. Questionado sobre preconceito, Leonel diz não ter vivenciado situações assim, mas quando presidia a Associação dos Haitianos de Navegantes recebeu muitos relatos de casos de racismo cometidos contra seus conterrâneos e que, infelizmente, ainda são comuns. Um fato recente aconteceu com um amigo durante entrevista de emprego. “Quando ele chegou na entrevista, falaram: se você é negro, não. Falaram na cara dele. Ele não sabia o que fazer e deixou passar”. A associação tem um advogado e presta apoio jurídico em casos como esse.
Onze meses depois de chegar ao Brasil, Joseph foi contratado como professor de português para outros 17 conterrâneos que vieram trabalhar na construção civil
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FESSOR
terrâneos Foto: Artur Bezerra
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O SONHO DO DIPLOMA Formado em Engenharia de Telecomunicação na República Dominicana, Claudin Jacques conta que veio ao Brasil com o objetivo de fazer um mestrado, na mesma área, na Universidade Regional de Blumenau (Furb). A chegada no país apresentou barreiras. Jacques não conseguiu recursos para pagar o tradutor juramentado do diploma, que cobrava em torno de R$ 1 mil, e nem para a revalidação do título de graduação, que custa cerca de R$ 2,5 mil. A revalidação é uma exigência do Ministério da Educação e feita por universidades públicas como a Furb. O engenheiro conseguiu apenas o reconhecimento do diploma do ensino médio. Dessa vez, recebeu ajuda de uma amiga que não cobrou pelo serviço de tradução. Em 2014, começou o curso de Relações Internacionais da Univali. Para conseguir se manter financeiramente e pagar os estudos, trabalhava em um supermercado. Mesmo falando inglês e espanhol, mas sem fluência em português à época da graduação, enfrentou dificuldades na busca por estágios. Nos
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últimos dois anos do curso, recebeu uma bolsa carência de 50% oferecida pela universidade. Também foi nesse período, que Jacques conseguiu materializar um sonho. Com R$ 3 mil, da rescisão do contrato de trabalho no supermercado, resolveu empreender. Em 2016 abriu uma agência de viagens que atende, principalmente, haitianos em uma pequena sala comercial com dois computadores, duas mesas, cadeiras e cartazes com fotos do Haiti e frases em crioulo. Também é correspondente de uma empresa que faz remessas de dinheiro de imigrantes para os familiares no Haiti. No fim de 2018, empresário e já casado, Jacques concluiu a graduação e viu sua conquista estampada em importantes meios de comunicação de Santa Catarina. Em uma das manchetes, publicada no portal do maior veículo de comunicação do estado, a NSC, afiliada da Rede Globo, Jacques foi reconhecido como o primeiro haitiano a se formar em uma universidade particular em território catarinense.
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SONHOS INTERROMPIDOS
Jacques foi o primeiro haitiano a se formar em uma universidade particular em território catarinense Foto: Artur Bezerra
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Claudin Jacques abriu uma agência de viagens que atende, principalmente, haitianos em uma pequena sala comercial com dois computadores, duas mesas, cadeiras e cartazes com fotos do Haiti e frases em crioulo
Foi preciso se mudar de Navegantes para não esbarrar, mais uma vez, com um dos assassinos do marido. Morando em Itajaí, a paraense Vanessa Nery Pantoja revive, diariamente, o dia 17 de outubro de 2015. Já era noite quando o marido, o haitiano Fetiere Sterlin, foi morto com facadas. O casal, que aproveitava o sábado de lazer, estava junto com três primos de Sterlin e caminhavam para a inauguração de um bar no bairro onde moravam. Os planos foram interrompidos por três jovens menores de idade, um deles autor do crime. Na medida em que Vanessa, o marido e os outros haitianos andavam eram seguidos e xingados. Ela lembra dos gritos provocantes e de frases que ainda ecoam em sua memória. “Voltem para a terra de vocês, vocês não são daqui”. “Vocês são macici”. Traduzido do crioulo, macici significa homossexual. No caso de Sterlin, por alguns momentos, os insultos pareceram ter fim quando os jovens se afastaram. Mas, a história não poderia ter terminado pior. Depois de algum tempo, Vanessa conta que eles voltaram em dez adolescentes e um maior de idade, e continuaram com as provocações. O embate verbal partiu para o físico e resultou em nove golpes de faca. Sterlin, que se tornou o alvo dos onze homens, morreu nos braços da esposa. Além de vivenciar o crime, os dias seguintes foram difíceis para Vanessa, responsável pela liberação do corpo e pelo enterro, trâmites que necessitavam autorização de um parente de primeiro grau. Os dois não eram casados no civil, por isso a família de Sterlin, que mora nos Estados Unidos, precisou enviar uma autorização. O sepultamento só aconteceu depois de uma semana. A empresa onde o haitiano trabalhava se mostrou prestativa por conta de sua boa conduta como funcionário e custeou o sepultamento. O júri popular ocorreu em 3 de julho de 2017, e o denunciado, maior de idade, foi reconhecido por Vanessa e condenado à pena de vinte e três anos, um mês e dez dias de reclusão, em regime inicial fechado. De acordo com o Ministério Público de Santa Catarina, o processo tramitou em segredo de justiça. Segundo o promotor público à época, André Braga de Araújo, que hoje atua em Joinville, a denúncia foi oferecida como furto. Os menores de idade que participaram do crime, incluindo o responsável por esfaquear o haitiano, foram recolhidos para cumprir medidas socioeducativas e estão em liberdade. Vanessa lutou para que o crime fosse qualificado como racismo e xenofobia. Pela repercussão nacional, Dilma Rousseff, presidente à época, o Ministério da Justiça e a Embaixada do Haiti no Brasil manifestaram notas de pesar. Hoje, ainda abalada com a morte do marido, Vanessa lembra de Sterlin como um homem feliz, cativante e responsável. “Torço para casos como esse não se repetirem e que a intolerância racial seja uma barreira a menos para os haitianos.”
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A IMIGRAÇÃO HAITIANA EM NÚMEROS Apenas na região do Vale do Itajaí, nas cidades de Itajaí, Blumenau, Navegantes, Balneário Camboriú e Itapema, estima-se que haja cerca de 3,9 mil haitianos Essas histórias são apenas algumas que fazem parte das estatísticas da imigração haitiana no Brasil. No Vale do Itajaí, os primeiros imigrantes haitianos chegaram para trabalhar na construção civil, na cidade de Navegantes, em fevereiro de 2012. Em franco desenvolvimento econômico, causado, principalmente, pela abertura do Porto, o município catarinense passou a ter, também, um intenso crescimento no setor imobiliário. Este desenvolvimento provocou grande oferta de emprego na construção civil. Em contrapartida, havia pouca mão de obra para suprir a demanda, o que motivou empresas da cidade a buscarem trabalhadores haitianos que, na época, chegavam no Acre. Dona de uma construtora em Navegantes, a empresária Karin Dias foi a primeira da cidade a viajar mais de quatro mil quilômetros até Brasiléia, no Acre, em busca da mão de obra haitiana. Em entrevista à Deutsche Welle Brasil à época, ela afirmou que ficou sensibilizada com uma reportagem sobre a situação dos haitianos na fronteira do Brasil com a Bolívia. Aliando a necessidade de trabalhadores para a empresa da qual é dona, a Inbrasul, Karin foi de avião até Rio Branco, capital do Acre, e depois percorreu mais 5 horas de carro até chegar ao destino final. Desta viagem, trouxe 17 haitianos. Inspirados pela ação de Karin, outras empresas da região foram em busca da mão de obra haitiana. Uma delas foi a
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Multilog, empresa de Logística Portuária de Itajaí. A empresa trouxe, em 2012, 26 haitianos que estavam em Manaus — Amazonas. Na época, eles trabalharam nas áreas operacionais, copa e etiquetagem. Passados sete anos, ainda há funcionários haitianos no quadro de colaboradores da Multilog. Estes 43 haitianos que chegaram, inicialmente, foram a porta de entrada para os outros milhares que vieram para Santa Catarina. Apenas na região do Vale do Itajaí, nas cidades de Itajaí, Blumenau, Navegantes, Balneário Camboriú e Itapema, estima-se que haja cerca de 3,9 mil haitianos. Os dados foram fornecidos pelas associações de haitianos das cidades, visto que as prefeituras não possuem número oficiais. De acordo com a Secretaria da Assistência Social, Trabalho e Habitação de Santa Catarina, dos cerca de 5,7 mil imigrantes no estado — que constam no Cadastro Único para programas sociais —, 3,3 mil são imigrantes haitianos. Nas escolas catarinenses, há 3,1 mil haitianos, entre eles crianças, jovens e adultos estudando. Os dados são da Secretaria de Educação de Santa Catarina. Entre 2011 e 2018, segundo o Resumo Executivo de Migração e Refúgio no Brasil, do Observatório das Migrações Internacionais, cerca de 106 mil imigrantes entraram no País, sendo 21,5% da parcela total de imigrantes originários do Haiti. Os haitianos figuraram, em 2018, como a principal nacionalidade no mercado de trabalho formal no Brasil.
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3,9 mil
é a estimativa de haitianos vivendo nas cidades de Itajaí, Blumenau, Navegantes, Balneário Camboriú e Itapema segundo dados das associações de haitianos.
3,3 mil
é o número de imigrantes haitianos que constam no Cadastro Único para programas sociais do estado. Eles representam 57,89% do total de imigrantes cadastrados — 5,7 mil.
3,1 mil
é o número de haitianos, entre crianças, jovens e adultos, estudando nas escolas catarinenses segundo dados da Secretaria de Educação de Santa Catarina.
21,5% dos 106 mil imigrantes que entraram no Brasil entre 2011 e 2018 são originários do Haiti segundo números do Observatório das Migrações Internacionais.
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SANTA CATARINA COMO ROTA DE IMIGRAÇÃO A imigração haitiana é considerada o maior fenômeno migratório do século XXI em Santa Catarina. A rota de imigração começou quando os portugueses-açorianos chegaram na região, em janeiro de 1748, depois de 90 dias de viagem. Foram 461 açorianos que deixaram a Ilha Terceira no arquipélago português. Era a proposta da Coroa Portuguesa de ocupar o Brasil Meridional. Entre 1748 e 1756, segundo o Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina, 6 mil açorianos desembarcaram em Desterro, hoje a capital do estado, Florianópolis, e também no Rio Grande do Sul. Em Santa Catarina, eles se espalharam para toda a costa catarinense composta, atualmente, por 45 municípios, incluindo Itajaí, porta de entrada para o Vale do Itajaí. O jornalista Rogério Pinheiro, autor do livro “A Nova Ericeira”, fruto de seu trabalho de conclusão de curso (TCC), defende que uma nova leva de portugueses, desta vez do continente, também foi responsável por povoar a região de Porto Belo — outra cidade do Vale do Itajaí. Pescadores provenientes de Ericeira, cidade a 48 quilômetros de Lisboa, chegaram na região em 30 de setembro de 1819, três anos antes da independência. Ao todo, 400 imigrantes atravessaram o Oceano Atlântico, convidados pela Corte Portuguesa — que havia se instalado no Rio de Janeiro — em 1808. Vieram com a promessa de terras e casas, ajuda de custo e barcos para pesca em alto mar, mas foram iludidos. O movimento migratório alemão também tem duas fases distintas em Santa Catarina, ressalta a historiadora Sueli Petry, diretora do Patrimônio Histórico de Blumenau. Os primeiros alemães que chegaram no Vale do Itajaí vieram já como migrantes se deslocando de outras regiões catarinenses, estimulados pela política econômica de Dom Pedro I. Chegaram em 1824, na região do Vale do Rio dos Sinos no Rio Grande do Sul e, depois, em 1829 em São Pedro de Alcântara, atualmente região pertencente à Grande Florianópolis. Na época, era uma área íngreme e infértil para o plantio e forçou os alemães a procurarem lugares melhores dentro do estado. Num primeiro momento, se instalaram em terras onde, hoje, é o município de Gaspar. Os belgas também tentaram fundar uma colônia na região de Ilhota, mas partiram para o Vale do Itajaí em busca de minério, principalmente ouro. O projeto não deu certo. Em 1846, o químico e farmacêutico alemão Hermann Bruno Otto Blumenau fez a primeira viagem ao Brasil para visitar a colônia do Vale do Rio dos Sinos. Enviado por uma empresa alemã de proteção aos imigrantes, sua missão era investigar as condições de vida dos colonos, que estavam escrevendo a parentes reclamando das condições de vida no Brasil. Hermann Blumenau conheceu o Vale do Itajaí e se interessou pela região. Voltou para a Alemanha com a intenção de trazer 250 imigrantes. Em agosto de 1850, chegou com 17 alemães — 11 homens, quatro mulheres e duas crianças. Houve um choque cultural, incluindo conflitos sangrentos com os xoklengs e kaingangs, indígenas pacíficos mas que, para defender suas terras, tiveram que lutar com os novos habitantes. Em 1860, a colônia foi vendida ao Império brasileiro sob o comando do jovem Pedro II. Hermann Blumenau continuou à frente da administração.
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Os italianos começaram a chegar em grande massa no Vale do Itajaí, em dezembro de 1874, após um mês de viagem. Eles vieram da região do Trento, e rumaram até à Colônia Blumenau. “Chegaram em torno de mil italianos na região, o que causou um impacto por falta de lugar para acomodar tanta gente e por causa dos conflitos culturais e religiosos entre alemães protestantes e italianos católicos”. Começou, então, o processo de interiorização do Vale do Itajaí para povoar lugares onde, atualmente, são os municípios de Rodeio, Ascurra e Apiúna. Outra leva de imigrantes italianos chegou, entre 1875 e 1876, e povoou também a Picada Tiroleses, formando a base do atual município de Rio dos Cedros no médio Vale do Itajaí. Em 1892, começaram a chegar novos imigrantes alemães que ocuparam a região de Ibirama. Na segunda metade do século XX, a Guerra Civil Angolana também trouxe mais imigrantes para o Vale do Itajaí na condição de refugiados. No total, 53 pessoas de oito famílias, a maioria crianças, viajaram em quatro barcos de pesca até Itajaí. Eles saíram de Baía Farta, na cidade angolana de Benguela em 5 de novembro de 1975, e, cinco dias depois, aportaram em Walvis Bay, na Namíbia, saindo de lá em 31 de dezembro de 1975, numa viagem que durou 19 dias até o litoral catarinense. João de Deus Peixoto Brito (58) saiu de Angola com 14 anos. “Na minha idade foi muito difícil deixar o país onde nasci, pois tive que largar meus estudos, deixar meus amigos, minha casa, meu canto. Durante o dia da nossa saída, a tensão era grande, todos correndo de um lado para o outro, nervosos, com medo porque a cidade estava cheia de tanques de guerra e tropas de guerrilhas. Mas, ao anoitecer, o plano para fuga traçado pelos nossos pais deu certo”, relata. João voltou 30 anos depois à terra natal e, hoje, preside a Associação dos Naturais e Amigos de Angola (Anang) em Itajaí.
Foto: Arquivo pessoal
João de Deus Peixoto Brito saiu de Angola com 14 anos por causa da Guerra Civil. Hoje, aos 58 anos, preside a Associação dos Naturais e Amigos de Angola em Itajaí
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A imigração haitiana é considerada o maior fenômeno migratório do século XXI em Santa Catarina
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AMIGOS DO H
Com a chegada dos imigrantes, redes de apoio foram sendo criadas para atender as
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HAITI
s necessidades dos novos moradores Foto: Juny Hugen
Amigos do Haiti é o nome de um dos primeiros programas de rádio feitos por haitianos para a comunidade haitiana da qual se tem conhecimento no Brasil. Há quatro anos no ar, o programa é realizado ao vivo, todos os domingos entre 8 horas e 9 horas. Apresentado por Wismick Joseph, que também é pastor e presidente da Associação de Haitianos em Balneário Camboriú, o Amigos do Haiti é transmitido pela a Rádio Natureza, 98.3 FM, veículo de comunicação - associado à Igreja Luz da Vida. Música, notícias de interesse da comunidade haitiana e orações fazem parte da programação que é animada por hinos gospel em crioulo e português. O programa ajuda os haitianos, informa sobre tudo o que acontece no Haiti, também fala sobre vagas de empregos e em universidades, problemas enfrentados pelos haitianos, como racismo e preconceito, e questões da associação de haitianos. O Amigos do Haiti tornou-se um canal de informação e comunicação para a comunidade haitiana, que ganhou voz na Rádio Natureza. A interação dos haitianos é percebida, principalmente, através do Facebook, plataforma onde são compartilhadas as Lives do programa. Durante a transmissão, muitos deles enviam mensagem para Joseph. “Como a gente está ao vivo, eles falam para divulgarmos vários assuntos”. Além das divulgações e serviços prestados à comunidade haitiana, dicas também são compartilhadas no programa, como os cuidados que os haitianos podem tomar para evitar acidentes e situações de risco, como não envolver-se em brigas e seguir as leis. Outra orientação divulgada é sobre os fluxos migratórios dos haitianos para outros países, principalmente os Estados Unidos. Eles, na esperança de melhorar ainda mais de vida, vão em direção à “terra prometida”, mas, na maioria das vezes, não conseguem chegar ao destino dos sonhos. Alguns ficam no meio do caminho e têm que voltar, outros, em situações ainda mais extremas, morrem. Há cerca de dois anos comandando o programa, o pastor conta que antes dele, outros haitianos foram apresentadores do Amigos do Haiti. O convite feito para Joseph apresentar o programa partiu do locutor Albino Kamer, mais conhecido como Magrão do K.. Kamer é um experiente comunicador em Santa Catarina. Já trabalhou nos principais veículos do Sul como a Rádio Atlântida FM e RBS TV (afiliada da Rede Globo), na Rádio Antena 1 e em emissoras de tvs e rádios locais como a TV Panorama de Balneário Camboriú e, na assessoria de imprensa da prefeitura do município e da cidade paranaense de Palotina. Apresentador e mestre de cerimônias é fluente em inglês, francês e espanhol, além de domínio do alemão, italiano e crioulo. Atualmente é produtor e apresentador do programa “Cirkuito” transmitido pelas rádios Natureza FM e Camboriú AM na cidade de Balneário Camboriú. Também dá aulas de inglês e português para estrangeiros. É responsável pela sonoplastia do Amigos do Haiti, além de participar junto com Joseph da atração de rádio voltado aos haitianos.“Passaram vários apresentadores, mas quando o pastor chegou o programa passou a ser mais evangélico”. Ele ainda enfatiza que o Amigos do Haiti nasceu para proporcionar a inclusão social. Se denominando cristão evangélico, começou o trabalho com os haitianos numa igreja.
Há quatro anos no ar, o programa é realizado ao vivo, todos os domingos entre 8 e 9 horas
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O envolvimento de Kamer com a comunidade haitiana não se limita apenas ao programa de rádio. Ele também foi um dos fundadores do curso “Eu falo português”, formação direcionada para a comunidade haitiana. O curso, ministrado entre 2014 e 2015, formou cerca de cem haitianos e tinha o objetivo de auxiliar na aprendizagem da língua portuguesa. Aliás, foi em um dos encontros que a haitiana Margarete Pierre compartilhou a ideia da realização de um programa de rádio e, junto de outros haitianos, apresentou a proposta para a Rádio Natureza.
Kamer também trabalha com aulas de português especiais, com foco nas dificuldades individuais dos haitianos. “O português que trabalho com os estrangeiros é diferente daquele que aprendemos na escola, pois as dificuldades deles são diferentes. Para eles, é difícil acertar os pronomes por exemplo”, destaca. Além dos cursos de português realizados em Balneário Camboriú, há outras formações disponíveis na Região do Vale do Itajaí.
NAVEGANTES Fotos: Artur Bezerra
Nem o domingo chuvoso e frio tira o ânimo de quem precisa aprender a língua portuguesa. Cada palavra descoberta e cada frase completada são passos a mais para ter melhores chances no mercado de trabalho e melhor comunicação no novo lar. Com a ajuda do smartphone, consultando um site de busca, Michelson Gachette, um jovem haitiano de 19 anos, faz o papel de professor. Na sala de aula, dentro do Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC) de Navegantes, as histórias se cruzam e a meta é uma só: aprender o idioma. O jovem Michelson, que atualmente ensina português, também chegou sem dominar o idioma. Ele e a família se mudaram para Navegantes há quatro anos, fugindo das dificuldades econômicas e da falta de emprego no Haiti. Quebrou a barreira da língua ao se matricular em uma escola de
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ensino médio da cidade. Concluiu em 2018. Aprender português e concluir os estudos foram passos gigantescos para o operário de uma empresa de manipulação de pescados, que sonha desde criança em ser médico. “No Haiti não tem condições de fazer uma faculdade, é tudo muito caro. É preciso ter muito gourde para poder cursar o ensino superior lá”. As aulas de português são promovidas pela Associação dos haitianos de Navegantes (Asham), presidida pelo soldador Jemps Lucien, que também sofreu com a barreira do idioma. Lucien chegou ao Brasil há cinco anos, morou em Tabatinga, no Amazonas, depois no Peru e, também, na Colômbia, mas aceitou o convite para morar na região do Vale do Itajaí. Falando português com fluência, ele quer dar continuidade ao curso de Direito que começou no Haiti.
CAMBORIÚ Em Camboriú, outra cidade do Vale do Itajaí, para aprender a língua portuguesa alguns haitianos percorrem um longo trajeto de bicicleta até chegar ao Instituto Federal Catarinense (IFC), local em que são realizadas as aulas. Há um ano no Brasil, embora nunca tenha feito aula de português antes, Gideon consegue se comunicar bem – em seu primeiro dia em sala com Flávia Walter e Luciana Colussi, professoras dos haitianos no IFC. De todas as situações vivenciadas, uma chama atenção: Gideon foi vítima de um acidente no primeiro trabalho que encontrou em território brasileiro. Contratado em uma marmoraria, recorda que o encarregado não o instruiu a utilizar os equipamentos. As consequências da imprudência da empresa estão refletidas na mão do haitiano, que machucou quatro dedos. “Ninguém me ensinou como fazer o trabalho”. Na República Dominicana, último país em que morou antes de vir para o Brasil, Gideon era guia de turismo. A profissão rendeu para ele ótimas oportunidades e melhor condição de vida. Em solo brasileiro, por enquanto, ele ainda não conseguiu exercer a função, nem fazer cursos na área. As aulas de português no Instituto Federal Catarinense começaram em 2016 e nasceram a partir da palestra que uma
professora deu sobre mobilidade urbana, exatamente porque os haitianos enfrentam um tráfego perigoso ao andar com o principal meio de locomoção para eles, a bicicleta. Percebeu-se que, antes de falar sobre mobilidade, eles precisavam aprender português para entender o contexto da fala da professora. A partir da necessidade do aprendizado do português, as aulas do curso foram planejadas de modo que a rotatividade de alunos não atrapalhasse. “As aulas são temáticas, ou seja, cada semana trabalhamos um assunto diferente”, explica Luciana. Além de explorar o vocabulário, de vez em quando as professoras também ensinam gramática. Segundo a professora Flávia, alguns dos alunos que participaram das turmas de português não só aprenderam o idioma como também passaram a frequentar o ensino superior em faculdades, como a Avantis, núcleo de ensino tradicional da região do Vale do Itajaí. “Há um aluno que, agora, está cursando gastronomia e trabalhando em um restaurante bem conceituado. Ele sempre nos agradece, pois foi a partir de uma vaga anunciada por nós que conquistou esta oportunidade”. Além das aulas de português no IFC, os haitianos podem fazer aulas de informática e participar de palestras com temas de seu interesse.
Foto: Juny Hugen
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BLUMENAU Há cerca de 67 quilômetros de Camboriú, haitianos moradores de Blumenau também enfrentam vários desafios para aprender uma nova língua. Na cidade, o curso de português é, assim como em Navegantes, oferecido pela Associação de Haitianos. Quem ministra as aulas é o presidente da associação, Webster Fievre. Todos os domingos, ele se reúne com uma turma para passar o conhecimento adquirido. Em seu ponto de vista, um dos maiores empecilhos para que os haitianos consigam aprender a língua é a regra gramatical. “Eles também não costumam falar em casa para praticar”. Dos seis haitianos presentes na aula, quatro não conseguiram emprego, justamente por não falarem o português. Mulheres de meia idade, todas com profissões
como costureira e cozinheira no Haiti, há meses batem na porta das fábricas na expectativa de serem contratadas, mas recebem as mesmas respostas, sem dominar o idioma é quase impossível a contratação. Magdala Pascal é uma das haitianas que sofre as consequências do desconhecimento da língua portuguesa. “Se não falar o idioma, não consegue. Eu quero trabalhar”. No Haiti, Magdala trabalhava com gastronomia, no Brasil,não consegue emprego nem em outra área . “Eu estou me sentindo muito mal”. Os poucos cursos oferecidos, atrelados a própria resistência dos haitianos em aprender a língua, torna-se motivo significante para que não consigam o primeiro trabalho. Foto: Juny Hugen
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Foto: Juny Hugen
Na Região do Vale do Itajaí, outra rede de apoio para os haitianos fica dentro da universidade. O Escritório de Relações Internacionais (ERI) da Univali, localizado em Balneário Camboriú, é um programa de extensão, e conta — além dos professores — com 13 alunos voluntários e três alunos estagiando. Um dos objetivos do ERI desde 2014, é atender imigrantes e refugiados, principalmente haitianos, principal público atendido. O escritório disponibiliza alguns serviços como auxílio na regularização e obtenção de documentos, ajuda para inserção dos imigrantes no mercado de trabalho e cursos de português. Os atendimentos de haitianos são feitos através de agendamento e realizados três dias na semana. Segundo o professor de Relações Internacionais, Ricardo Boff, um dos responsáveis pela coordenação do ERI, a principal demanda dos haitianos é relacionada à documentação. Aliás, para facilitar este quesito, a Univali possui convênio com a Polícia Federal e com a Embaixada do Haiti, o que torna os processos mais rápidos e eficazes. O ERI presta apoio ao preenchimento de formulários para pedidos de vistos e requerimento de passaporte. Para quem acompanha a rotina, é perceptível que novas exigências têm sido impostas nos últimos meses. A estagiária e acadêmica do 4° período de Relações Internacionais da Univali, Raysa Labes Soares, conta que uma das novas solicitações é a aquisição de uma certidão consular, para então os haitianos poderem emitir a Carteira de Registro Nacional Migratório (RNM) — documento obrigatório para estrangeiros. “Isso é mais uma burocracia, pois antes não era solicitada a certidão consular”. Outro pedido solicitados pelos haitianos ao ERI é o reagrupamento familiar, isto porque, em muitos casos, a família dos imigrantes acaba se separando, uns ficando no Haiti e outros vindo para o Brasil. Em relação às demandas relacionadas à questões jurídicas, os haitianos são orientados a buscarem o Escritório Modelo de Advocacia (EMA) da Univali.
Um dos objetivos do Escritório de Relações Internacionais da Univali desde 2014 é atender imigrantes e refugiados, principalmente haitianos
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Fora dos portões da universidade, dos municípios do Vale do Itajaí onde está o maior número de haitianos, apenas Balneário Camboriú mantém um projeto de atenção exclusiva aos imigrantes. O Grupo Cultura Brasileira e Língua Portuguesa é desenvolvido desde 2018 pelo psicólogo Fabrício Rodrigues dos Santos e outros técnicos do Centro de Referência e Assistência Social (CRAS). O projeto atende em diversas frentes, como saúde, educação, previdência social, cultura regional e grupos de socialização, além de oferecer oficinas de música e aula de língua portuguesa através de um convênio com a Univali. O grupo também orienta os imigrantes que precisam de serviços sociais a fazer a inclusão no Cadastro Único do Governo Federal. Em Blumenau, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social, os haitianos são atendidos nos programas como todos os outros cidadãos. Em Itajaí, também não há atendimento diferenciado porque a política do município é que todos sejam atendidos de forma igual, independente de raça, cor e etnia. Em Navegantes, a situação é a mesma. O atendimento é via CRAS, assim como é feito com qualquer pessoa que mora no município e precisa de serviços sociais. A Secretaria de Desenvolvimento Social de Santa Catarina afirma que, com a reforma administrativa feita em junho de 2019, criou a Gerência de Igualdade Racial e Imigrantes que está fazendo um diagnóstico de quantos imigrantes vivem em território catarinense e qual é o perfil. Só depois pretende-se implantar de fato uma política pública para atendê-los, como explica a diretora dos Direitos Humanos da secretaria, Karina Euzébio. O Estado tem buscado também fortalecer uma rede integrada para tratar de saúde, educação e assistência social contando com as Pastorais do Migrante e com as associações dos imigrantes que são braços importantes para atendimento às necessidades. Os dados coletados através de um sistema chamado Business Intelligence vão mostrar a verdadeira situação e, só assim, efetivamente vai ser estruturada uma política pública. Santa Catarina é o segundo estado que mais empregou imigrantes no Brasil no último levantamento do Ministério do Trabalho em 2018. Fica atrás apenas de São Paulo. Foram 12% de trabalhadores imigrantes, quase metade haitianos, conforme matéria divulgada no site da própria secretaria. O número de haitianos é alto e apenas algumas ações oficiais são feitas em Santa Catarina, como parcerias entre o Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União, Polícia Federal, Universidade Fronteira Sul, OIM, Instituto Federal de Santa Catarina, Polícia Rodoviária Federal que mantém palestras com temas sobre regularização da documentação para migrantes, visto residência, além de esclarecer sobre a Política Nacional Migratória/Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; Metodologia de Assistência a Migrantes em Situação de Vulnerabilidade, Mulheres e Meninas Fronteiriças e seminários para capacitar os funcionários públicos que lidam com essa população.
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Santa Catarina é o empregou imigran levantamento do M
o segundo estado que mais ntes no Brasil no último Ministério do Trabalho em 2018
Foto: Marcelo Camargo - Agência Brasil de Notícias
Segundo dados do Governo do Estado, quase metade dos trabalhadores imigrantes empregados em 2018 eram haitianos
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COMUNIDADE HAITIANA NO BRASIL Associações oferecem serviços para auxiliar os imigrantes e se preocupam com a vida social, baseada na igreja e no trabalho Associações compostas por haitianos e pessoas que querem ajudar os imigrantes são comuns no Vale do Itajaí. Na região, considerando as cidades com maior número de haitianos, três delas possuem associações: Balneário Camboriú, Navegantes e Blumenau. Os grupos são responsáveis por oferecer suporte àqueles que chegam em território brasileiro. Em Balneário Camboriú, a associação de haitianos auxilia os imigrantes de diferentes maneiras, indicando as vagas de trabalho, orientando em relação ao comportamento e esclarecendo sobre documentações. Atualmente, o presidente da associação é Wismick Joseph, pastor que apresenta o programa Amigos do Haiti. “Caso não saibam em que local devem ir para tirar algum documento, por exemplo, a gente indica”, diz. Na associação, também são realizadas festividades típicas do Haiti, momentos que unem ainda mais os que deixaram o seu lar em busca de melhores condições de vida. A associação ainda apoia cursos de português para os haitianos. “Temos curso de português na Univali todos os sábados”. Joseph , que já participou da formação, explica que também participam venezuelanos, argentinos e imigrantes de outras nacionalidades. Entre os serviços, segundo o presidente, o mais procurado é o que oferta vagas de emprego. “Nós não temos ajuda de governos para tentar diminuir o desemprego dos imigrantes haitianos no Brasil. Este é o nosso principal desafio”, explica Joseph. A demanda por trabalho é tão comum que a associação busca firmar parcerias, por exemplo, com o Serviço Nacional de Empregos (Sine) de Balneário Camboriú. O Sine envia vagas para serem compartilhadas com os haitianos. Sem sede própria, os encontros da associação são realizados em uma igreja. Na cidade de Navegantes, a Associação de Haitianos conta com o apoio de um professor da Rede Municipal de Ensino, João Edson Fagundes. Desde que os primeiros haitianos começaram a chegar, ele ficou curioso para saber quem eram as pessoas andando pelas ruas de bicicleta e falando uma língua que ninguém entendia. A curiosidade despertou no professor a vontade de conhecer mais o perfil dos imigrantes e, junto com alunos do 9º ano, ele elaborou uma pesquisa socioeconômica para traçar o perfil dos imigrantes.
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O professor brasileiro também foi o responsável por perceber que o idioma era a principal barreira de inserção dos haitianos, por isso começou a dar aulas de português. Depois, estimulou o professor de linguística, Leonel Joseph, e outros haitianos a procurar a prefeitura para conseguir uma sala de aula em uma escola pública. Na cidade, a demanda pelo curso é tão alta que, segundo João Edson, há necessidade de pelo menos três professores para atender todos os alunos. “O certo seria dividir os cursos e fazer um básico, um mais avançado e outro para as crianças”. Apesar da intenção, por enquanto essa é uma realidade distante. Na parceria com os haitianos, Fagundes também estimulou a fundação da Associação dos Haitianos de Navegantes (Ashan), da qual é diretor executivo. A associação tem como meta prestar serviço de assessoria jurídica, apoiar os pais haitianos em busca de vaga nas escolas para as crianças, visitar as empresas para possibilidade de contratação, além de acompanhar os haitianos nos sindicatos para negociar rescisões de contrato. “Tem uma empresa de pescado, a que mais emprega haitianos na região, cerca de 80, que só registra a metade deles. Os outros, eles pagam por diária. A gente tenta amenizar e negociar, pois cada rescisão pode chegar até R$ 50 mil, aí eles pagam uns R$ 8 mil”.
Foto: Artur Bezerra
A Associação dos Haitianos de Navegantes é presidida pelo soldador Jemps Lucien, que sofreu com a barreira do idioma quando chegou ao Brasil
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Associações compostas por haitianos e pessoas que querem ajudar os imigrantes são comuns no Vale do Itajaí
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Outro aspecto indicado por Fagundes é sobre o preconceito contra os haitianos que, apesar de ter diminuído um pouco em Navegantes, depois do assassinato de Fetiere Srtelin em 2015, não foi suficiente para facilitar a vida do imigrante na região, principalmente no mercado de trabalho. “Em Navegantes tem empresários que são xenófobos e não contratam haitianos. Também têm donos de empresas que não contratam mulheres haitianas, pois dizem que elas ficam grávidas com muita frequência”. Além dos direitos dos imigrantes, a associação se preocupa com a vida social dos haitianos, que têm como cotidiano o trabalho e a igreja. Por isso, o professor estimulou também a criação de um time de futebol, denominado Galaxy Futebol Clube. Neste ano, o time passa pela segunda divisão e, atualmente, faz alguns jogos amistosos. A associação de haitianos também organiza festas típicas que recordam a
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cultura haitiana. A diretoria ainda possui parceria com uma empresa de plano funerário e comprou três terrenos em um cemitério do município para assistência em caso de morte. Já em Blumenau, os serviços oferecidos são semelhantes aos da associação de haitianos de Balneário Camboriú e Navegantes. Na cidade, a principal demanda que chega para o presidente Webster Fievre é relacionada às questões jurídicas. Por isso, há uma mobilização para atender os imigrantes. Vagas de trabalho também são buscadas pelos haitianos. Com pouca estrutura e apoio dos órgãos municipais, Fievre conta que há risco da associação perder o local em que são realizadas as reuniões semanais. “Se isso acontecer, vamos ter que procurar outro lugar”. Mesmo com as dificuldades, o presidente diz que o trabalho feito é importante para os imigrantes. Em Itajaí, a associação de haitianos está desativada.
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Além dos direitos dos imigrantes, a associação se preocupa com a vida social dos haitianos, que têm como cotidiano o trabalho e a igreja
Foto: João Edson Fagundes - Arquivo pessoal
“ Em Navegantes, a associação estimulou a criação de um time de futebol, denominado Galaxy Futebol Clube. Neste ano, o time passa pela segunda divisão e, atualmente, faz alguns jogos amistosos
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HAITI: O ANTES E DEPOIS DO TERREMOTO Quando o avião tocou o solo do Aeroporto Internacional Toussaint Louverture em Porto Príncipe, a capital do Haiti, o professor de idiomas, Leonel Joseph, sentiu tristeza. Estava voltando para o país de origem depois de nove anos. A volta foi para sepultar o pai, mas ele teve que enfrentar muito mais do que perder um ente querido. O sentimento se misturou com a decepção ao se deparar, nove anos depois do terremoto, com um país pior do que aquele que havia deixado para trás. A falta de saneamento básico, de energia elétrica, de emprego, ainda marcam o cotidiano das pessoas, a maioria, segundo Joseph, vivendo abaixo da linha da pobreza. A verdade é que a
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vida nunca mais foi a mesma depois do dia 12 de janeiro de 2010 num país destruído e marcado pela miséria crônica que levou milhares de haitianos, assim como Leonel, a deixar tudo para trás e partir para o exterior. O tremor de terra que destruiu o Haiti chegou a sete pontos na Escala Richter. Considerado um sismo de médio a grande impacto, provocou mais destruição porque atingiu parte de Porto Príncipe, onde tem a maior concentração populacional do Haiti. Pelos dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o saldo foi de 220 mil mortos e um milhão de desabrigados. Metade da capital, Porto Príncipe, ficou destruída pelo abalo sísmico.
Foto: Arquivo Pastoral da Criança
A médica catarinense Zilda Arns Neumann, indicada três vezes ao Prêmio Nobel da Paz e responsável por fundar em 1983, junto com Dom Geraldo Magela, a Pastoral da Criança ligada à Igreja Católica, foi uma das vítimas fatais do terremoto de 2010
Segundo a Organização das Nações Unidas, o terremoto de 2010 deixou 220 mil mortos e um milhão de desabrigados Foto: Logan Abassi - ONU
O terremoto no Haiti encerrou um capítulo de uma história de dedicação ao próximo. A médica catarinense Zilda Arns Neumann, indicada três vezes ao Prêmio Nobel da Paz e responsável por fundar em 1983, junto com Dom Geraldo Magela, a Pastoral da Criança ligada à Igreja Católica, foi uma das vítimas fatais. A médica estava na capital haitiana, dentro de uma igreja falando sobre a Pastoral da Criança, quando os abalos começaram. A morte de Zilda Arns na tragédia fortaleceu o projeto no Haiti. No último levantamento, em julho de 2019, a Pastoral da Criança atendeu mais de 3,5 mil famílias e mais 4,2 mil
crianças além de 483 gestantes naquele país. O coordenador internacional do projeto, o médico Nelson Arns Neumann, filho da médica, avalia a presença do projeto no país como positiva. “No Haiti, optamos por uma estratégia de começar a Pastoral da Criança numa diocese de Fort-Liberté, que é mais na fronteira com República Dominicana. Há alguns anos, o trabalho foi estendido para a capital haitiana. Se percebe muita necessidade e, ao mesmo tempo, muita solidariedade entre as pessoas, o que facilita demais para a Pastoral da Criança”. Zilda Arns é homenageada no Haiti com o nome do hospital comunitário em Porto Príncipe.
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Segundo o doutor em Geociência, José Gustavo Natorf de Abreu, professor do curso de Oceanografia da Universidade do Vale do Itajaí, o Haiti é um país suscetível a terremotos e tornados. É o mesmo que acontece na Indonésia, no Peru, no Chile, regiões em cima de placas tectônicas (responsáveis por formar a crosta terrestre). Elas são entrecortadas como um quebra-cabeça e são todas encaixadas, mas, às vezes, podem se afastar ou se aproximar. “Quando há um encontro das placas, o terremoto é mais intenso porque provoca um choque”.
Abreu ainda esclarece que, justamente, na borda da placa tectônica do Caribe, onde estão ilhas como o Haiti, essa placa está entrando por cima de outra, o que gera terremotos. “A questão é que as cidades não estavam preparadas, e quando isso acontece, o dano é maior. No Japão, por exemplo, há tremores fortes, mas a tecnologia da construção civil é avançada para suportar os abalos. Há técnicas para evitar o desabamento. Nos países mais pobres essa não é a realidade”.
Foto: Juny Hugen
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HISTÓRIA QUE SE REPETE A história de lutas do povo haitiano atravessa séculos. O Haiti foi uma colônia francesa e o primeiro país da América a conquistar a independência através de uma revolução de negros. Também foi o primeiro a libertar os escravos. De acordo com o professor de história Paulo Mello, do curso de Relações Internacionais da Univali, os indígenas que habitavam a região foram exterminados ou levados para o continente para ajudar na extração de minerais. Posteriormente, a ilha foi habitada por escravos africanos. Em 1780 se inicia um conjunto de revoltas dos escravos, liderado pelo militar haitiano, Toussaint Louverture. Em 1804, o Haiti foi transformado numa república. Napoleão Bonaparte tentou uma invasão, mas sofreu uma derrota nas praias de Porto Príncipe. A vitória haitiana, segundo Mello, foi esquecida pela história. Convidado a ir à França, Louverture foi traído, trancado e levado para uma prisão nos Pirineus, local em que morreu de frio. Depois da morte de Louverture, segundo o analista internacional e professor do curso de Relações Internacionais da Univali, Ricardo Boff, os líderes haitianos que deram prosseguimento à revolução não tiveram sabedoria e estrutura para conduzir o
país. O sistema de latifúndio fez a população ficar nas mãos das elites que dominam as terras. As principais riquezas do país são produtos primários como a cana, o algodão e frutas. Devido à pobreza e pouca representatividade, o Haiti é um país que sofre a influência de países mais desenvolvidos como os Estados Unidos. Esta influência se justifica não só porque o Haiti fornece produtos primários relativamente baratos, mas porque a região é um importante ponto de defesa geopolítica. O país também passou por uma ditadura que começou na época da Guerra Fria, ressalta Boff. Entre as décadas de 1950 até 1980, o médico François Duvalier (Papa Doc) foi eleito presidente. A família ficou no poder após a morte do ditador com domínio do filho Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc. Anos depois, começou uma tentativa de se instalar uma democracia após a eleição de Jean Bertrand Aristides em 1986. Na época, ele sofreu um golpe de Estado. Em 1990, retornou ao poder na tentativa de redemocratização. O país ficou dividido. A Organização das Nações Unidas (ONU) e a França decidiram fazer uma missão de paz em 2004, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH).
Foto: Tereza Sobreira - Ministério da Defesa
Segundo o doutor em Geociência, José Gustavo Natorf de Abreu, o Haiti fica localizado justamente na borda da placa tectônica do Caribe, o que gera terremotos
A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti foi comandada pelo Brasil e durou até o ano de 2017
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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, na tentativa de projetar o Brasil e buscando uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, se ofereceu para assumir a missão que acabou em 2017. Para Boff, ainda não há uma democracia estável no Haiti. As eleições do presidente atual, Jovenel Moïse podem ter sido idôneas, mas há atuação de grupos paramilitares e a institucionalidade é fraca. Como a maioria da população é pobre, inviabiliza uma grande arrecadação de impostos, o que torna difícil manter serviços públicos como educação e saúde. Calcula-se que 98% dos quase 11 milhões de habitantes da ilha vivem em situação de pobreza. Para melhorar a situação do Haiti, a formação de um bloco econômico com outros países centro-americanos e caribenhos pode ser uma solução, segundo Boff. “Se os países ao redor do Haiti começarem a se integrar e criarem laços maiores, podem dar um salto econômico. Por outro lado, é complicado porque há vertentes políticas diferentes, como, por exemplo, Cuba”. A entrada de capitais através de remessas de dinheiro de quem está no exterior é uma das fontes mais importantes de renda, tanto para as famílias quanto para o governo, que cobra 1% de taxa sobre o valor que entra no país. De acordo com a estatística do Banco Central, transferências pessoais do Brasil para o Haiti somaram 45 milhões de dólares no primeiro semestre de 2019. A ajuda humanitária da comunidade internacional também é uma forma de amenizar a carência em serviços básicos como a saúde. A dentista Mariele de Paula já participou duas vezes com a missão profissional da Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus em Porto Príncipe. A missão presta atendimento à saúde e distribui alimentos em um bairro da capital haitiana. Atende 400 crianças por dia no café da manhã e todos os sábados é feita a distribuição de almoço para 500 pessoas. O projeto também tem uma padaria onde as mulheres do bairro trabalham e ganham como pagamento parte dos mil pães que produzem por dia, levando para vender na comunidade em que vivem.
Calcula-se que 98% dos quase 11 milhões de habitantes da ilha vivem em situação de pobreza
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Foto: Msjennm - Pixabay
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