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CAMPANHA NACIONAL PELA REGULARIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS DE QUILOMBOS
QUILOMBOL@ www.cohre.org/quilombos
No.06 -agosto / 2005
Editorial
Os quilombos no plano diretor municipal
A titulação dos territórios étnicos quilombolas é uma causa capaz de repercutir na sociedade brasileira de norte a sul. Em Alcântara (MA), pessoas sofrem com a angústia de não saber se serão deslocadas, removidas de suas terras ancestrais, para a expansão do Centro de Lançamento de Espaciais de Alcântara. Em Porto Alegre (RS), a situação do Quilombo da Família Silva ainda está por ser definida. Comunidades negras urbanas e rurais buscam reconhecimento como remanescente de quilombos e, com isso, um título de propriedade que lhes permita viver com dignidade e assegure seus Direitos Sociais. Desafios que transformam questões locais em nacionais, causando impacto na sociedade brasileira. Nesta edição, privilegiamos o debate em torno de questões bastante contemporâneas como a possibilidades de determinar as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) no Plano Diretor municipal e como transformar este instrumento em uma alternativa de solução para a demarcação de territórios étnicos. Trazemos também o debate em torno da intensificação da luta pelo reconhecimento dos quilombos urbanos e, para completar, um panorama sobre as negociações para a assinatura do “Acordo de Cooperação Técnica” entre o Grupo Executivo Interministerial e organizações que representam as comunidades quilombolas de Alcântara.
A identificação, reconhecimento e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombo é competência do Ministério do Desenvolvimento Agrário e INCRA, mas os municípios podem ter um papel importante com a inclusão das áreas quilombolas no planejamento do desenvolvimento urbano e territorial das cidades. O Plano Diretor é definido pela Constituição Federal (artigo 182) e Estatuto da Cidade (Lei Federal 10257/2001) como instrumento básico da política de desenvolvimento urbano sustentável, devendo regulamentar o uso e a ocupação do solo em todo o território municipal. Isto significa a garantia do meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para as atuais e futuras gerações. O Estatuto da Cidade (artigo 40) estabelece que o plano diretor deve englobar o território do município como um todo, pois a política de desenvolvimento urbano deve promover a integração e a complementaridade de atividades urbanas e rurais. Dessa forma, as áreas das comunidades de quilombos, mesmo rurais, devem ser incluídas nos planos diretores para fins de regularização fundiária e implantação de serviços básicos. Esta inclusão pode ser feita mediante a definição das Áreas ou Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), onde vigoram regras próprias para uso e ocupação do solo e podem ser instituídas por lei municipal específica ou pelo próprio plano diretor. Entre seus objetivos, a instituição das ZEIS pretende permitir a inclusão de parcelas do município que foram marginalizadas por impossibilidade de obedecer às regras gerais para ocupação de solo urbano, além da introdução de serviços e infra-estrutura. As ZEIS também podem regular o mercado de terras com a introdução de padrões de ocupação diferenciados, capazes de reduzir o preço da terra, e aumentar a oferta de terra para mercados de baixa renda. Além de introduzir mecanismos de participação direta dos moradores no processo de regularização fundiária e definição dos investimentos públicos em infra-estrutura, o mecanismo
aumenta a arrecadação do município, pois regulariza áreas para recolhimento de impostos e taxas. O assunto é relevante e merece atenção dos movimentos populares já que os municípios com mais de 20 mil habitantes têm um prazo de até 10 de outubro de 2006 para elaborar ou adequar seus planos diretores às regras do Estatuto da Cidade. Em função deste prazo de adequação, o Conselho das Cidades, do Ministério das Cidades, aprovou a Resolução 34, em 1º de julho de 2005, onde estabelece recomendações sobre o conteúdo mínimo do plano diretor. Dessa forma, o plano diretor deve prever: as ações e medidas para assegurar o cumprimento das funções sociais da cidade, tanto na área rural como urbana; as medidas para assegurar a função social da propriedade urbana, privada e pública; os objetivos, prioridades e estratégias para o desenvolvimento da cidade e para a reorganização territorial do município; os instrumentos da política urbana previstos pelo artigo 42 do Estatuto da Cidade, vinculando-os aos objetivos e estratégias estabelecidos no Plano Diretor. No que se refere à instituição de Zonas Especiais, a Resolução estabelece que o município deve demarcar os territórios ocupados por comunidades tradicionais como indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, de modo a garantir a proteção de seus direitos (artigo 5o, II) e “demarcar as áreas de proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico” (artigo 5o, VII). As ZEIS são um instrumento importante de reconhecimento, regularização fundiária e inclusão das comunidades de quilombos ao território municipal e às políticas públicas de desenvolvimento social, econômico e ambiental, garantindo acesso aos serviços e infra-estrutura e o respeito às suas características culturais.