Page 01 CENTRO PELO DIREITO À MORADIA E CONTRA DESPEJOS
Editorial: Para que las mujeres se sientan, y estén, seguras en sus hogares
Boletim_ Direito à Moradia e à Cidade na América Latina 2010 | #09
Boletim_ Direito à Moradia e à Cidade na América Latina Ano 3_No. 9 | Setembro_2010
Ano 3_No. 9 Setembro_2010
Especial sobre o poder dos latinoamericanos
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Editorial
América Latina
Colômbia
Paraguai
Equador
Créditos | Apoios
O poder dos latinoamericanos
Avanços e desafios na promoção do direito à cidade na América Latina
Mesa de diálogo impede despejos em Soacha
Por Daniel Manrique
Por Sebastián Felipe Escobar Uribe
Novo protocolo de conduta policial reduz o risco de violência durante reivindicações por terras
Organizações sociais conseguem introduzir uma nova legislação sobre o direito à moradia
Por Andrés Vázquez
Por Edwin Gordon
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Editorial: Editorial: O poder latinoamericanos Para quedos las mujeres se sientan, y estén, seguras en sus hogares
Recentemente, a América Latina vem sendo descrita como uma das regiões mais desiguais do planeta.
milhões de pessoas. E é esse o tema que vamos focalizar neste último boletim.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a região abriga 10 dos 15 países mais desiguais do mundo.
Há quem chame de ativismo, há quem diga tratar-se de defensores de direitos humanos. Aqui, preferimos chamar simplesmente de “poder das pessoas”. O poder que têm indivíduos, especialistas e organizações para mudar e para melhorar as coisas: fazer com que os governos tomem medidas, responsabilizá-los, e fazer com que as empresas escutem.
A disparidade entre os que têm e os que não têm, sem dúvida, tem um efeito decisivo sobre a capacidade de milhares de latino-americanos desfrutarem de seus direitos humanos, sobretudo no que se refere ao seu direito à moradia. A América Latina, entretanto abriga uma poderosa rede de ativistas, de movimentos sociais e de organizações que trabalham incansavelmente para garantir que direitos humanos, tais como o direito à moradia, não existam apenas no papel, mas se tornem realidade para
Na América Latina, não faltam exemplos desse poder. Como Daniel Manrique, do Programa para as Américas do Centro pelo Direito à Moradia e contra Despejos, expõe em seu artigo, são inúmeros os exemplos de ativismo e de mudanças que, nos mais distantes rincões latinoamericanos,
estão dando origem organizações sociais.
a
novas
Desde as organizações de inquilinos no Chile aos grupos de famílias desalojadas na Colômbia e aos indígenas na Guatemala, todos eles têm lutado para que seus direitos humanos sejam respeitados – e muitos conseguiram. Em seu artigo, o jornalista independente Andrés Vázquez compartilha uma história fascinante que, no Paraguai, levou à aprovação de um protocolo de conduta policial durante o cumprimento de despejos. O protocolo, explica Andrés, ajudou a reduzir o número de confrontos violentos entre aqueles que reivindicam seu direito à terra e as forças de segurança locais. Assim como eles, muitos outros encontraram no diálogo a solução para
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suas demandas. Como descreve Sebastián Felipe, pesquisador da Fundação para a Educação e o Desenvolvimento, na Colômbia, uma comunidade conseguiu evitar ser despejada ao abrir um espaço de diálogo com os proprietários da terra. Por seu turno, Edwin Gordon, pesquisador do Fórum Urbano do Equador, compartilha uma experiência de ativistas locais que conseguiram convencer as autoridades a aprovar um código de organização territorial que deverá melhorar a distribuição de recursos no país. Obviamente que, para a América Latina ser uma região mais igualitária, muitos outros ativistas e organizações terão de entrar em ação. Por enquanto, porém, para quem se beneficia com as mudanças, o trabalho dessas organizações e desses ativistas significa muito mais do que alguns passos positivos.
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Avanços e desafios na promoção do direito à cidade na América Latina
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Por Daniel Manrique*, Centro pelo Direito à Moradia e contra Despejos.
A América Latina é uma das regiões do mundo com o maior número de organizações e de projetos voltados à promoção e à realização dos direitos à moradia e à cidade. Contudo, uma vez que milhares de pessoas estão tendo esses direitos violados, os desafios ainda são enormes. Neste artigo, Daniel Manrique, representante do COHRE, analisa alguns dos acontecimentos que estão tendo maior impacto. Nos últimos anos, as organizações sociais da América Latina que lutam pela defesa do direito à moradia têm conseguido focalizar suas reivindicações sobre o direito à cidade. Reconhecem, assim, que a compreensão do acesso à moradia adequada está relacionada ao envolvimento em discussões sobre gestão urbana, ordenamento territorial e orçamento participativo. Essas mesmas organizações estão trabalhando em países com governos progressistas e em contextos que, apesar do crescente déficit habitacional, lhes têm permitido influir nos desenvolvimentos legislativos e no planejamento de políticas públicas relativas à moradia, à gestão urbana, ao ordenamento territorial e aos direitos que protegem contra os despejos. Movimentos urbanos No Brasil, por exemplo, o Fórum Nacional
de Reforma Urbana, uma plataforma fundada na década de 1980, conseguiu – mediante ações de organização, capacitação, investigação e captação de apoios – influenciar na elaboração do Estatuto da Cidade 2001. O Fórum postula as funções sociais da cidade e formula idéias de reforma urbana. Nessa mesma linha, no México, desde o ano de 2000, o Movimento Urbano Popular promove a “Carta da Cidade do México pelo Direito à Cidade”. A carta se fundamenta no conceito da realização plena dos direitos nas cidades; na função social da cidade, da terra e da propriedade; na gestão e na produção democrática da cidade; em seu manejo sustentável e em seu usufruto democrático. No Equador, por outro lado, a participação cidadã foi tão relevante para a construção da nova Constituição Política a ponto de reconhecer – por iniciativa de congressistas provenientes do ativismo urbano e acolhendo propostas de influentes organizações sociais – o direito a uma moradia adequada e digna, a um habitat saudável e ao usufruto da cidade. O país assistiu ao surgimento de diversos eventos que promoveram a participação cidadã, tendo em vista a formulação de políticas públicas urbanas e habitacionais, tanto em âmbito local quanto nacional. Foi assim que nasceram o “Contrato Social pela Moradia” e o “Fórum Urbano do
Equador”. Desde o ano passado, essas organizações vêm impulsionando uma campanha que visa à regularização de bairros da capital, Quito. Em consequência da campanha, a cidade adotou um programa que se estrutura em três diferentes etapas: titularidade; agilização dos trâmites paralisados; reassentamento residencial. No rumo dos desdobramentos legais Um dos principais problemas enfrentados pela maioria das organizações latinoamericanas é que, apesar de o direito à moradia estar consagrado nas constituições de todos os países – com exceção do Peru – essa garantia não se reflete em políticas públicas que realmente atinjam a população. Para combater esse fenômeno, um número significativo de organizações vem desenvolvendo projetos bastante interessantes. Na Venezuela, por exemplo, organizações de inquilinos vêm promovendo uma reforma substancial na lei de arrendamentos a fim de que, a partir de um enfoque de direitos humanos, se estabeleçam regulamentos para os despejos e controles sobre o mercado imobiliário. A proposta altera as atuais condições de despejos e sugere como alternativa para aquisição do imóvel que o pagamento da casa própria seja amortizado, por certo tempo, com as mensalidades do aluguel. Enquanto a
lei tramita, espera-se que o Ministério da Habitação publique uma resolução com o objetivo de evitar a ocorrência de despejos forçados. Neste ano, na Argentina, como resultado da resistência cidadã frente a reiterados despejos, a Procuradoria Geral da Corte Suprema da Província de Buenos Aires em La Plata instruiu promotores e defensores oficiais a que, nos casos de despejos envolvendo crianças, tomem as medidas necessárias para que elas não fiquem sem teto e para que reencontrem suas famílias. Assim como aconteceu em outros casos, decisões desse tipo, tomadas a partir de casos particulares, certamente se converterão em modelos para a elaboração de novas leis. No contexto dessas reivindicações, o direito à água vem ganhando uma força crescente na consciência dos movimentos sociais, que, cada vez mais, o incluem na pauta de lutas pelo direito à cidade. No Chile e no Equador, por exemplo, a exploração da água vem sendo debatida; na Colômbia, organizações ambientalistas promovem um referendo constitucional para reconhecer o direito à água como um direito humano fundamental. Desafios da América Latina Os avanços na realização do direito à moradia na América Latina são claramente positivos, principalmente aqueles que resultam do esforço das organizações
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sociais. Ainda assim, o elevado déficit habitacional verificado na região é uma demonstração dos grandes desafios que ainda precisam ser enfrentados. Essa situação é ainda mais marcante para os cerca de 80 por cento da população que vivem em áreas urbanas, em meio a processos acelerados de urbanização que resultaram em cidades gigantescas e fortemente segregadas, com presença de grandes assentamentos marginais sem acesso a equipamentos nem a serviços adequados, e onde os níveis de pobreza, de exclusão e de desigualdades são crescentes. Um dos principais desafios a serem enfrentados é o fato de que as políticas habitacionais existentes na região enfatizam um modelo de desenvolvimento urbano comandado pelo mercado e com escasso controle público ou debate acerca do crescimento ordenado das cidades. Na maioria dos países da região, a questão habitacional é compreendida a partir de um ponto de vista econômico – relacionada a políticas econômicas de infraestrutura e de geração de emprego –, e não como uma questão de direitos humanos. É por isso que os movimentos sociais latinoamericanos promovem a resistência ao imperativo neoliberal, em que as manifestações sociais são criminalizadas, num ambiente de crescente carência habitacional.
Em resumo, a eficácia com que as organizações sociais poderão influenciar a formulação de políticas públicas e de boas práticas que possibilitem o usufruto do direito à moradia dependerá, em grande medida, da configuração de plataformas nacionais que permitam a aplicação de estratégias de ação articuladas. Tais plataformas nacionais permitiriam, por sua vez, configurar uma rede de alianças internacionais. Essas alianças poderiam continuar promovendo e desenvolvendo projetos locais que visem a defender e a garantir o direito de todas as pessoas a terem um lugar onde morar. Em setembro de 2009, representantes de mais de 30 organizações de diversos países latino-americanos, inclusive de redes internacionais, se reuniram em Quito, no Equador, com o propósito de, entre outras coisas, formular uma agenda para impulsionar a promoção do direito à cidade no continente. Para mais informações: americas@cohre.org
* Daniel Manrique é consultor do Programa para as Américas do COHRE. Advogado, especialista em políticas e mercados fundiários, e mestre em Ciências Econômicas. Trabalhou com direitos humanos no plano internacional, assim como em temas relacionados a terras, conflitos armados e deslocamentos internos na Colômbia. Ademais, conduziu pesquisas e prestou assistência jurídica a organizações colombianas.
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Mesa de diálogo impede despejos em Soacha, Colômbia Por Sebastián Felipe Escobar Uribe*, pesquisador da Fundação para Educação e o Desenvolvimento (FEDES) Colômbia.
Na Colômbia, a cada ano, milhares de pessoas são vítimas de despejos forçados. A situação de Soacha, na periferia de Bogotá, é apenas um dos vários exemplos. No entanto, em um processo praticamente inédito, organizações locais conseguiram que a comunidade e os proprietários das terras participassem de uma mesa de diálogo para resolver o conflito. Neste artigo, Felipe Escobar Uribe, representante da FEDES, relata essa experiência. O número de habitantes de Soacha teve um crescimento exponencial nos últimos anos, consequência dos desalojamentos forçados – que afetam cerca de quatro milhões de pessoas na Colômbia – e da conurbação que Soacha forma com Bogotá.
Soacha é hoje o sétimo município mais populoso da Colômbia. Os problemas provocados por essa expansão jamais foram contemplados por políticas públicas adequadas de ordenamento territorial e de reassentamento da população afetada. Além disso, no decorrer dos últimos 15 anos, 1.500 famílias foram ocupando terrenos que adquiriram das mãos de “urbanizadores piratas” que atuavam na área. Esses indivíduos vendiam a posse, mas não o direito de propriedade. E sequer tinham autorização para a venda. É por isso que, hoje, essas famílias correm o risco de serem despejadas. Ausência do devido processo Segundo a legislação colombiana, para que um proprietário recupere a posse de um determinado imóvel, é preciso que
ingresse com uma “ação reivindicatória”. Trata-se de uma ação civil que, devido aos formalismos envolvidos, pode ser bastante demorada. No caso de Soacha, o proprietário ingressou com uma ação penal contra a pessoa que vendia os imóveis sem o seu consentimento. A sentença proferida condenou a população pelo delito de invasão de terras e de edificações, consagrado na lei penal substantiva, e determinou a restituição de todos os terrenos a seu dono, o que resultaria no despejo forçado de 5.000 pessoas. Esse procedimento não ofereceu aos habitantes nenhuma oportunidade de contestarem a decisão, de apresentarem suas próprias evidências ou de exigirem que seus direitos à
moradia fossem respeitados. A sentença contrariou abertamente a Observação N°4 do Comitê do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que outorga segurança jurídica sobre a posse da terra e contra ameaças de despejos forçados. O Pacto, de caráter vinculante para todos os Estados-partes, também obriga as autoridades, no caso de um despejo inevitável, a assegurarem o devido processo e o reassentamento das pessoas afetadas. Ademais, a não garantia do devido processo significa negligenciar o direito à moradia, o qual está garantido no artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
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(PIDESC), do qual a Colômbia é parte. Mesa de negociações Para a comunidade afetada, o panorama era sombrio. No entanto, com o apoio de várias organizações, assim como de órgãos da ONU, foi possível estabelecer uma mesa de negociações extrajudicial, na qual as partes envolvidas (comunidade e proprietários das terras) renunciaram à disputa judicial e chegaram a um acordo conciliatório sobre a propriedade e a posse da terra. Todos os que tinham direitos sobre os bens foram convidados a participar das discussões. Várias organizações não-governamentais – entre as quais a FEDES Colômbia e uma série de agências das Nações Unidas – estão participando do processo como observadoras e como assessoras da comunidade. Até o momento, a mesa de negociações já realizou 28 reuniões, nas quais se firmou uma série de compromissos. Falta ainda que se encontre uma solução final satisfatória para todos. Entretanto, embora sem ter chegado a um acordo final, a mesa obteve diversos avanços. Entre eles, a criação de uma Associação de Moradores da qual fazem parte os líderes comunitários do setor. Diante
da impossibilidade de se negociar separadamente com cada um dos residentes, a associação assume a representação legal da comunidade. Conseguiu-se ainda uma participação excelente das entidades locais. Essas entidades responderam ao chamado da comunidade, que não somente precisava solucionar o problema da propriedade da terra, como também requeria atenção prioritária do Estado com relação a serviços públicos e a outros aspectos ligados à moradia digna. Alguns membros da comunidade, além disso, firmaram contratos de promessa de compra e venda com diversos proprietários. Fortaleceu-se, assim, a organização e a gestão comunitária, dando-se início a projetos de poupança programada para que os moradores possam cumprir as obrigações assumidas nos contratos de compra e venda que assinaram.
* Sebastián Felipe Escobar Uribe é pesquisador da Fundação para a Educação e o Desenvolvimento (FEDES) Colômbia e advogado da Universidade Autônoma Latino-americana de Medellín. Atualmente, é mestrando em Direitos Humanos na Universidade Santo Tomás de Bogotá. Para mais informações contate: seu1000@gmail.com
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Paraguai: novo protocolo de conduta policial reduz o risco de violência durante reivindicações por terras
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Por Andrés Vázquez*, jornalista e pesquisador independente. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, o Paraguai é um dos países mais desiguais do mundo no que se refere à distribuição da terra. Neste artigo, o jornalista Andrés Vázquez expõe essa problemática, assim como o impacto de um protocolo de ação policial num contexto de demandas por terra.
Em 2 de junho de 2010, o Estado paraguaio enviou uma força formada por 80 policiais e por vários militares para efetuar o despejo de famílias de agricultores assentadas no distrito de Santa Teresa, departamento de Alto Paraná, no sudeste do país. Segundo as lideranças sociais locais, a terra em que viviam lhes havia sido cedida anteriormente pelas autoridades. Após a negociação, os agricultores decidiram retirar-se pacificamente e montar seu acampamento em uma área fora dessa propriedade até que uma solução fosse encontrada. Atualmente, as famílias estão sendo reassentadas pelo Instituto de Desenvolvimento Rural e da Terra (INDERT). Caso isso tivesse acontecido pouco mais de um ano atrás, é provável que a operação tivesse terminado com lideranças e com agricultores detidos ou mortos; porém, um novo protocolo para intervenções policiais durante situações de despejo está mudando esse cenário. Em setembro de 2009, o atual governo paraguaio, através de seu ministro do Interior, promoveu a elaboração da
Resolução N° 531 de 11 de setembro de 2009, denominada “Protocolo de intervenção para despejos de grande envergadura”. Essa norma estabelece os procedimentos a serem seguidos pelos agentes policiais durante a execução de ordens de despejo. O protocolo foi proposto e criado pela Secretaria de Direitos Humanos do Ministério do Interior, juntamente com o Comando da Polícia Nacional, por meio da Comissão Permanente de Legislação e Regulamentos. Embora as organizações sociais locais não estivessem diretamente envolvidas na sua criação, o protocolo respondeu às demandas e às campanhas que essas organizações vinham apresentando havia anos, no que se refere ao uso excessivo da força pela polícia. Uma das características mais inovadoras desse instrumento é a ênfase que coloca sobre a negociação, o diálogo, a mediação e a não utilização da força. “O objetivo principal é a proteção dos setores vulneráveis, especialmente mulheres e crianças que vivem nas zonas rurais, com vistas a diminuir os enfrentamentos, a possibilitar as retiradas pacíficas e a canalizar as necessidades das pessoas afetadas”, afirma Diana Vargas, secretária de Direitos Humanos do Ministério do Interior paraguaio. O protocolo responde às denúncias de violações dos direitos humanos e de uso excessivo da força por parte da polícia nacional, as quais foram registradas durante diversos procedimentos para
expropriação de terras. Algumas dessas denúncias haviam sido encaminhadas aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos. O novo mecanismo, além disso, reflete as recomendações de organizações nacionais e internacionais de direitos humanos. Ainda que não resolva o problema do acesso à terra, o protocolo responde à necessidade imediata de que se acabe com o uso excessivo da força durante despejos e de que se passe a considerar o emprego de mecanismos pacíficos para resolver esses conflitos. Até o momento, o protocolo tem sido utilizado de maneira exitosa na maioria dos 98 despejos ocorridos entre 2008 e 2010, quase todos realizados pacificamente. Apesar de continuarem acontecendo ocupações de terras e despejos no Paraguai, a reação, tanto das autoridades quanto das forças de segurança, já não é mais violenta. Muito ainda precisa ser feito para garantir que, no Paraguai, todos possam realizar seu direito a ter um lar e um pedaço de terra. Enquanto isso, a criação do protocolo já é um importante primeiro passo na direção certa.
* Andrés Vázquez é pesquisador e jornalista independente, especializado em respostas à violência estrutural e institucional, e consultor para organizações de direitos humanos e para governos. Para mais informações contate: avazquez12@gmail.com
O acesso à terra no Paraguai O acesso à terra é uma das principais causas de conflito no Paraguai, apesar da baixa densidade populacional do país. A concentração de terras nas mãos de uns poucos indivíduos e o aumento no número de minifúndios são dois dos motivos mais cruciais para o surgimento de conflitos fundiários. Um terceiro motivo é o crescimento descontrolado da soja e de outras monoculturas que obrigam os agricultores a vender suas terras a preços reduzidos e a mudar-se para os centros urbanos. Além disso, nessa área, o governo ainda enfrenta o desafio de organizar um cadastro das propriedades rurais, sobretudo das que se localizam em zonas de fronteira. Trata-se de terras que, na época do governo de facto de Alfredo Stroessner, foram entregues a latifundiários ou a certas comunidades.
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Organizações sociais conseguem introduzir uma nova legislação sobre o direito à moradia no Equador
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Por Edwin Gordon*, pesquisador do Fórum Urbano Equador.
A Assembléia Nacional equatoriana aprovou recentemente um Código de Organização Territorial que, segundo ativistas locais, pode ajudar a melhorar a situação habitacional do país através da redistribuição de recursos. Neste artigo, Edwin Gordon, do Fórum Urbano Equador, analisa o possível impacto da nova lei e o trabalho realizado pelas organizações sociais a fim de conseguirem sua aprovação. Em dezenas de países da América Latina, há um evidente déficit habitacional. No Equador, esse problema se manifesta, sobretudo, no constante surgimento de “bairros informais”, que não contam nem com infraestrura nem com serviços adequados para seus moradores. A incapacidade do Estado de resolver
o problema habitacional, assim como a impossibilidade de que setores de baixa renda tenham acesso às ofertas do mercado imobiliário formal, produzem, na prática, abusos generalizados dos direitos à moradia e à cidade. Apesar de não ser o único ator envolvido nessa questão, o Estado é uma das partes com responsabilidade pela formulação de soluções. Organizações sociais do Equador, como o Fórum Urbano, têm reivindicado um maior grau de intervenção estatal para garantir o cumprimento do direito à moradia. Desde 2008, o Fórum Urbano vem liderando uma campanha exitosa
que resultou na inclusão, na nova Constituição do Equador, de um artigo que garante, especificamente, o direito à moradia, assim como na aprovação do Código Orgânico de Organização Territorial. Esse código estabelece uma nova organização político-administrativa territorial do Estado equatoriano, e permite que recursos nacionais sejam distribuídos equitativamente, o que beneficia as pessoas que vivem nas áreas mais carentes, facilitando seu acesso a uma moradia adequada e a serviços essenciais. Uma campanha nacional Embora ainda se encontre em seu estágio de desenvolvimento e de implementação inicial, o código já
demonstrou o poder que as organizações sociais locais possuem para realizar mudanças concretas na vida de milhares de pessoas. No contexto de sua campanha nacional, o Fórum Urbano Equador decidiu concentrar-se na conscientização da população sobre a importância do direito à moradia e à cidade, através de manifestações e de atos públicos, bem como com ações de captação de apoio dirigidas aos legisladores locais com poder de aprovar as leis relevantes. Em particular, as organizações apresentaram propostas detalhadas sobre organização territorial, expropriação de terras abandonadas, planejamento estratégico e participação cidadã no controle social
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Editorial: Para que las mujeres se sientan, y estén, seguras en sus hogares das cidades. No momento, a maior parte dessas propostas encontram-se incorporadas no Código Orgânico de Organização Territorial. Logo após sua aprovação, organizações como o Fórum Urbano começaram a se concentrar sobre sua implementação efetiva. Nesse sentido, apresentamos uma proposta, ao Ministério da Inclusão Econômica e Social, para a criação de um fundo de caixas de poupança para financiar a construção de moradias de interesse social e de empreendimentos produtivos. Propusemos, ainda, ao município de Quito, a realização de um estudo habitacional e ecológico, em diversas zonas, a fim de determinar com precisão a viabilidade das propostas de construção. Além disso, em 2009, o Fórum Urbano apresentou seus próprios candidatos para a Assembléia Nacional e para diversas casas legislativas locais, tendo conquistado uma cadeira em Quito e uma em Pichincha. Acreditamos que essa participação possa propiciar uma ótima oportunidade de influenciar o desenvolvimento de outras políticas sociais e de direitos humanos. As
perspectivas
de
cumprimento
efetivo do direito à moradia no Equador são promissoras, e acreditamos que isso deva ser creditado ao trabalho de organizações como o Fórum Urbano Equador. Para nós, a lição mais valiosa foi conhecer o poder real que as organizações sociais podem exercer quando combinam suas campanhas de conscientização pública com ações de captação de apoios e com a presentação de propostas concretas às autoridades. O Fórum Urbano é uma organização social e política que articula o encontro de organizações sociais, de trabalhadores, de cooperativas, de artistas, de intelectuais, de mulheres, de agricultores e de jovens, entre outros. A partir da identificação de necessidades e de reivindicações comuns, o Fórum promove e defende o direito à cidade para todos, a construção de espaços urbanos democráticos e inclusivos, com participação cidadã e social, que ofereçam oportunidades de trabalho e que garantam o acesso universal à saúde, à educação e à moradia.
* Edwin Gordon é pesquisador do Fórum Urbano Equador e gestor social. Para mais informações: forourbano@hotmail.com
Código Orgânico de Organização Territorial O Código Orgânico de Organização Territorial, Autonomias e Descentralização do Equador é um corpo de leis, com mais de 600 artigos, que estabelece a organização político-administrativa do território equatoriano. O Código estipula o regime dos diferentes níveis de governos autônomos descentralizados, com o objetivo de garantir sua autonomia política, administrativa e financeira, e estabelece mecanismos para compensar os desequilíbrios no desenvolvimento territorial. Além disso, o Código oferece ferramentas para que os municípios possam resolver os problemas daquelas comunidades que vivem em assentamentos ainda não legalizados. Isso inclui a expropriação de áreas para moradias de interesse social, bem como o exercício da competência de outorgar personalidade jurídica a organizações sociais sem fins lucrativos que trabalham com questões de direito à moradia e outros direitos.
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status de observador na União Africana. Desde 2002, o COHRE América Latina trabalha na defesa do direito a Para implementar suas ações, o COHRE uma moradia adequada na região, tem programas regionais na África, Ásia organizando programas de capacitação, assistência legal e promovendo o direito e América Latina. à terra de grupos minoritários e Cada um deles, desenvolve as seguintes comunidades morando em assentamentos linhas de trabalho: direito à moradia informais. O COHRE também realiza Desde 1994, o COHRE trabalha junto adequada, direito à água e saneamento, ações de incidência a nível nacional e direito das mulheres à internacional, missões de pesquisa, a instituições de direitos humanos, litígio, comunidades de base, e atua em diversas moradia, restituição à moradia e litigios, monitoramento e promoção de instâncias intergovernamentais, na sua propriedade e prevenção de despejos campanhas contra a prática de despejos forçados. qualidade de entidade registrada com forçados. status consultivo, na Organização das Nações Unidas (ONU), na Organização dos Estados Americanos (OEA) e com O COHRE (Centro pelo Direito à Moradia e Contra Despejos) é uma organização não-governamental, independente e de atuação internacional, comprometida com a defesa e a garantia plena do direito humano à moradia adequada para todos em todos os lugares.
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Os países-foco de atuação do Programa das Américas são: Argentina, Brasil, Colômbia e Equador. Também desenvolve ações de pesquisa e incidência no Perú e no Paraguai.
Agência Catalã de Cooperação ao Desenvolvimento
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Design TUPAX Pindoramogràphïco (www.flickr.com/tupax) (www.tupax.com.br)
Editora Josefina Salomón
Fotografias
capa/Ativistas no Equador participam de manifestação pelo direito à moradia em 2009 ©Fórum Urbano Equador. pag2/ Workshop sobre urbanização em Porto Alegre, Brasil ©COHRE. pag4/Ativista no Fórum Social da América Latina,
2009©Priscila Néri, WITNESS. pag 5/ Ativistas se reunem para discutir sobre o direito à moradia em Soacha, Colômbia ©COHRE. pag 6/ A comunidade de Soacha, na Colômbia, luta pelo seu direito à moradia ©COHRE. pag 8/ Casa na comunidade de Soacha,Colômbia.©COHRE. pag 9/ Ativistas no Equador apresentam uma proposta sobre moradia na Assembleia local em 2009 ©Fórum Urbano Equador. pag 10/ Ativistas falam na Assembleia Nacional do Equador em 2009 © Fórum Urbano Equador.
COHRE 83, rue de Montbrillant 1202 Geneva Switzerland cohre@cohre.org www.cohre.org