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Associação Beneficente e Educacional de 1858
1a edição Porto Alegre Alice Rigoni Jacques
Ilustrações Carlos Augusto Pessoa de Brum
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Expediente Presidência da ABE/1858 Fernando Carlos Becker Direção Pedagógica Marícia Ferri Direção Administrativa Milton Fattore Texto Alice Rigoni Jacques Ilustrações Carlos Augusto Pessoa de Brum Diagramação e Projeto Gráfico Milene Martins Revisão Textual Cristiane Parnaíba Paulo Pureza
Ficha Catalográfica
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os finais de semana, cecília visita sua avó érika. É uma delícia passar os dias correndo no jardim, subindo em árvores, brincando com o cachorrinho cacau, comendo bolo de chocolate, cuca de banana, brigadeiro e tantas outras comidas deliciosas! Sua diversão favorita, porém, é ouvir histórias. Vovó érika sabe contar histórias como ninguém. Sentada na poltrona de tecido floreado, a avó de cecília arruma os óculos na ponta do nariz E compartilha histórias do seu tempo de menina.
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Um dia, quando Cecília chegou à casa de sua avó, encontrou uma caixa com várias fotografias espalhadas em cima da mesa. - O que é isso, vovó? - São fotografias, Cecília. Estou organizando para colocá-las num álbum. - Hmmm, parece legal! Posso ajudar? - Claro! Vamos separar as fotografias assim: primeiro só as que aparecem meus bisavós, depois as dos meus avós, as da escola… - Cecília espalhou todas as fotografias no chão e foi separando-as uma a uma. Tinha foto de navio, de pessoas com malas e bagagens, de pessoas trabalhando na terra, de rio, de crianças, de escola… - Olha essa foto, vovó! É de um grande barco cheio de gente! Que barco é esse? Quem são essas pessoas?
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- Ah, este barco conta uma linda história! A história de muitas vidas. - Que história, vovó? - Ah, essa história é dos meus bisavôs que moravam em um país chamado Alemanha, que fica na Europa, um continente lá do outro lado do Oceano Atlântico. Nós moramos em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, que faz parte de um país chamado Brasil. Nós estamos no continente Americano. Cecília conferiu no mapa e sua avó continuou: - Na época, lá na Alemanha, a vida estava muito difícil, o inverno era rigoroso, havia pobreza, faltava trabalho... A vida era dura também para as crianças. Elas sentiam falta de liberdade e queriam progredir.
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- E o que aconteceu, vovó? - Certo dia, apareceu na cidade um major que vinha a mando do imperador do Brasil Dom Pedro I. Todas as pessoas ficaram curiosas e queriam saber o que ele queria. O major Schaeffer foi incumbido de convidar os alemães para viajarem para o Brasil e começarem uma vida nova. Mas o Brasil era uma terra bastante diferente da Alemanha, tinha muitas florestas e campos e era bem distante do continente europeu.
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- Mas como assim, vovó? Ir embora para outro lugar? - Isso mesmo, Cecília, abandonar tudo e partir para o desconhecido. - Eles ofereciam muitas coisas: viagens de navio, pedaços de terra para morar, animais, ferramentas, auxílio em dinheiros e outras coisas. - Meus bisavôs ficaram muito entusiasmados com a ideia e foram para casa pensativos. Porém, muitas perguntas os atormentavam: o que será de nossos filhos nessa terra distante e desconhecida? - E o que aconteceu, vovó? - Depois de muitas noites sem dormir, eles decidiram tentar uma vida melhor no Brasil. - Olha aqui, eles já estão no navio! - Sim, aqui eles já estavam viajando...
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Foram dias e noites, chuva e sol, fazendo a travessia do oceano. - Mas quanta gente que veio embora! - Sim! Muitos alemães deixaram seu país para tentar uma vida nova. - Vovó, essa fotografia é deles chegando?
- Isso mesmo, os imigrantes alemães chegaram no dia 5 de abril de 1824. Quase duzentos anos atrás. - Nossa, faz muito tempo mesmo! Cecília viu uma foto com crianças e ficou curiosa:
- E essas crianças, quem são? - São meus avôs, Alice e Henrique. Eles eram muito pequenos quando chegaram no Brasil. - E o que aconteceu quando eles chegaram?
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- Eles receberam suas terras e começaram a trabalhar. Construíram estradas, plantaram milho, trigo e muitas coisas para comer. - Que corajosos, né, vovó?! - Sim, a vida não foi fácil, mas eles não se arrependeram de ter ido embora de seu país. Aqui, pelo menos, eles tinham terra para trabalhar e comida para se alimentar. Mexendo no fundo da caixa, Cecília encontrou a fotografia de um grupo de pessoas vestidas de terno e gravata. - Quem são essas pessoas? - Ah, esses são os Brummers. Eram alemães que se uniram para ajudar os amigos que precisavam de dinheiro, de trabalho, de assistência na saúde... Eles trabalharam muito para que os alemães não passassem necessidade. Para isso, fundaram uma Sociedade Alemã em 1858, a Deutscher Hilfsverein.
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- Vovó, e as crianças, o que elas faziam naquele tempo? - As crianças ficavam junto com as mães ou acompanhavam os pais no trabalho. - Elas não iam para a escola? - Não haviam muitas escolas naquela época. - E como elas aprendiam? - Elas aprendiam com os pais. O problema é que aprendiam tudo em alemão. Mexendo novamente na caixa, Cecília encontrou outras fotografias interessantes. - Vovó, olha só essa fotografia! Parece uma escola. - Sim! Em 1886, a Sociedade Alemã fundou uma escola para os filhos dos alemães, pois eles queriam que as crianças aprendessem a ler, a escrever e a fazer contas. Era uma escola de meninos, a Knabenschule. - Como assim, vovó? Uma escola só para meninos? As meninas não estudavam? - Ainda não, Cecília, elas ficavam com as mães em casa e aprendiam a costurar, a bordar e também a ler e a escrever. - Mas que salas pequeninhas os meninos estudavam, vovó! - É que os alemães alugaram as salas da Comunidade Evangélica para começar a escola, até conseguirem dinheiro para construir a sede própria. - E demorou para construírem? - Não muito, Cecília, pois, a cada ano, mais crianças eram matriculadas na escola, por isso foi necessário comprar um terreno e construir a escola da Sociedade Alemã.
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Nesse momento, Érika levantou-se da sua poltrona e foi até a cozinha. Cacau a acompanhou. - O que está fazendo, vovó? - Estou preparando um lanche para nós duas. Neste momento, Érika retorna à sala onde fotografias, papéis, cartões e outras anotações se espalhavam entre a mesa e o chão. Coloca em cima da mesa um prato com um gostoso bolo de chocolate e uma jarra de suco de limão. - Que delícia, vovó! Você preparou o que eu mais gosto, bolo de chocolate com suco de limão! Enquanto lanchavam, as duas conversavam alegremente sobre a história que estava sendo lembrada. Após deliciarem-se com o bolo e o suco, Cecília disse: - Vamos continuar, vovó? Acho que tem mais coisas para me contar! - Claro, Cecília, estamos apenas começando! - E deu um suspiro de satisfação. - Veja, Cecília, a escola nas salas alugadas já estava pequena para
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a quantidade de crianças que queriam estudar, então os alemães decidiram comprar um terreno e construir uma escola própria. Érika mostrou uma foto e Cecília se admirou: - Nossa, vovó, é linda! Que grande, parece um casarão! - Na verdade, era um belo casarão! Tinha muitas salas, escadarias e dois pátios. Aqui no pátio de trás existia uma grande paineira, uma árvore majestosa embaixo da qual os meninos jogavam bolinha de gude. - Vovó, na porta da frente tem um leão! - Sim, é um leão de pedra que ficava em cima da porta de entrada. No ano de 1895, o Casarão ficou pronto e os meninos foram estudar na nova escola. E aqui está o meu avô, Henrique. Ele estudou lá.
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- E as meninas, vovó, não foram estudar no Casarão? - Nesse ano não, mas as meninas começaram a ir para a escola em 1904, nas salas da Igreja da Comunidade Evangélica. Na época era proibido misturar meninos e meninas! - Não sabia disso! Que estranho. - Verdade! As meninas ficavam na Mädchenschule, nas salas da Igreja, e os meninos no Casarão. Mas as duas escolas eram bem pertinho uma da outra. - A tua avó Alice também estudou nessa escola? - Sim, quando a escola começou a funcionar ela também foi estudar lá. - Gostei muito que as meninas também começaram a estudar! Vovó, nessa fotografia aparecem crianças bem pequeninhas. - É o Kindergarten, criado em 1911. É considerado o primeiro Jardim de Infância de Porto Alegre. - Vovó Érika, estou com uma dúvida! Os meninos e meninas sempre estudaram separados? - Ótima pergunta, Cecília! Não. Em 1929, a Sociedade Alemã decidiu unir as meninas e os meninos no Casarão. Desse dia em diante, eles passaram a estudar juntos. Eles aprendiam Alemão, Português, Inglês, Francês, Latim, Aritmética, Ciências, História, Geografia, Física, Química, Literatura e Ginástica. Era uma escola muito boa! O colégio passou a chamar-se Deutsche Hilfsverinsschule. - Cecília, a Sociedade Alemã sempre se preocupou com o bom ensino e queria que os alunos do Casarão fossem capacitados para enfrentar a vida, ter uma profissão e se dedicar à atividade comercial. - Com certeza teus avós Henrique e Alice conseguiram uma ótima profissão, pois aprenderam muitas coisas importantes na escola! - Sim, meus avôs abriram uma importante loja comercial no centro de Porto Alegre e vendiam de tudo: parafuso, prego, tinta, ferramentas, tecidos, botões e muitas coisas importantes e necessárias para as pessoas... Vovô Henrique também participou do conselho da Sociedade Alemã, e trabalhou muito para que a escola tivesse bons professores e desenvolvesse um ensino de qualidade.
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- Vovó, olha o que encontrei! O desenho de três árvores enormes! - Essas árvores são as três figueiras! - Como assim, vovó? - Em 1928, a Sociedade Alemã decidiu comprar uma chácara bem afastada do centro da cidade, e nesse lugar tinham três figueiras grandes. Duas figueiras ficavam uma do lado da outra, mas a terceira figueira estava do outro lado da rua. - Os alunos brincavam nas figueiras? - Brincavam muito, faziam piquenique nos finais de semana com as famílias. Os alemães gostavam muito de festas e de reunir todos os amigos. As figueiras eram o lugar que eles apreciavam passar suas horas de lazer. - Devia ser divertido brincar embaixo das figueiras, né? - Sim, eu brinquei muito nas figueiras! Também estudei no Casarão.
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- Vovó, estou com outra dúvida: essas figueiras são aquelas do pátio do meu colégio? - Sim, minha querida, são as mesmas figueiras. - Mas vou te contar uma coisa, vovó, as figueiras estão muito velhinhas e teve um temporal horrível que derrubou uma figueira. Fiquei muito triste que a figueira caiu! - Essas coisas acontecem, Cecília! Quem sabe uma mudinha nasça e outra figueira vai surgir ali no mesmo lugar! - Olhe essas fotos, vovó: os alunos estão usando roupas iguais! - Ah, são uniformes. E essa aqui, Cecília, sou eu! Foi no Casarão onde fiz o curso primário e o curso ginasial. É como se fosse o ensino fundamental hoje em dia. Essa fotografia aqui é da minha turma de ginásio em 1940. Meu uniforme era camisa branca, saia azul marinho plissada, sapato preto e meia branca. - Mas nessa outra fotografia os meninos aparecem com outro uniforme. - Esse uniforme era da cor cáqui, tinha blusão e calça comprida ou curta. - Quando estudei no Casarão, íamos de bonde para o colégio e descíamos bem em frente à escola.
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- De bonde, vovó? - Sim, o bonde era o meio de transporte usado naquela época. Ele andava sob os trilhos e tinha o motorneiro que conduzia-o. A maioria dos alunos do Farroupilha ia para a escola de bonde. - Nessa época o colégio quase fechou, pois estava acontecendo a Segunda Guerra Mundial e nenhuma escola podia ensinar a língua alemã. Então a Sociedade Alemã mudou seu nome para Associação Beneficente e Educacional de 1858, a ABE 1858, e o colégio passou a se chamar Ginásio Farroupilha. A língua alemã foi retirada da sala de aula. Nem a biblioteca podia ter livros em alemão. Foi um período muito difícil! Mas o Farroupilha conseguiu se adequar a todas as mudanças exigidas.
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- Está vendo esse relógio que aparece no corredor, Cecília? - Sim, vovó. - Embaixo desse relógio, os alunos que não se comportavam ficavam de castigo. - Verdade? - Sim, muitos alunos ficavam embaixo do relógio. - Vovó, a senhora já ficou embaixo do relógio? - Nunca fiquei, pois eu me comportava na escola, respeitava os colegas e os
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professores, e sempre fazia a lição de casa. - O Colégio recebeu vários nomes, Cecília. - É, vovó, eu percebi. - E, no ano de 1950, passou a ser Colégio Farroupilha ao oferecer o curso colegial, que seria o ensino médio dos dias de hoje. - Colégio Farroupilha é o nome do meu Colégio! - Isso mesmo, querida! - Mas meu Colégio não se parece com o Casarão das fotos!
- Ah, nessa época já era o Velho Casarão... O prédio estava com rachaduras e precisaria de muito dinheiro para consertá-lo. Além disso, faltava espaço para os novos alunos e para as aulas de Educação Física. Então a ABE 1858, mantenedora do Colégio, decidiu construir a escola em outro lugar. Lembra da Chácara das Três Figueiras? Foi lá onde eles construíram o novo Colégio Farroupilha. - Mas era longe, vovó! - Sim, muito longe. Nem o bonde passava lá! - E o que aconteceu com o Casarão? - O Casarão, depois de alguns anos, foi demolido e no lugar construíram o Hotel Plaza São Rafael. E olhe essa foto, Cecília: é o novo Colégio. - Mas esse Colégio eu conheço, vovó: é o meu Colégio Farroupilha! - Isso mesmo, minha querida. Mas quando o novo prédio foi construído, quase não existiam casas ao seu redor. Foi a partir de 1962 que o bairro Três Figueiras começou a crescer e se desenvolver. - Mas o Colégio também está diferente agora...
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- Sim! Muitos anos se passaram e o Colégio se modernizou, construiu novos espaços, laboratórios, salas equipadas, ginásio de esportes... - Minha escola é muito bonita, vovó! - Com certeza, Cecília, é uma excelente escola! - Nossa diretora falou que o Colégio Farroupilha é uma escola empreendedora. O que é uma escola empreendedora? - É uma escola que prepara seus estudantes para o mundo. Eu acompanho na revista Farroupilha as novidades do Colégio, como a GrowCube, o programa de liderança, as viagens e conquistas dos estudantes... - Que bacana, vovó! - Para fazer tudo isso, o Colégio conta sempre com o apoio da Associação Beneficente e Educacional, aquela Sociedade fundada pelos alemães em 1858... A ABE 1858 é inovadora há 160 anos.
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- Vovó, agora já temos todas as fotografias separadas, então podemos colocá-las no álbum, não é mesmo? Segurando o álbum pronto, Cecília disse: - Adorei conhecer a história do nosso Colégio, vovó! - Vou te contar mais um detalhe dessa história: tua mãe e teu pai também estudaram lá! - Que legal, toda nossa família estudou no Farroupilha! Depois vou pedir para meus pais me contarem as suas memórias do Colégio!
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Érika abraçou Cecília, com ternura. Avó e neta emocionaram-se com as memórias da família entrelaçadas com a história da Sociedade Alemã, do Colégio Farroupilha e da Associação Beneficente e Educacional de 1858. - Vovó, nunca vou esquecer as histórias que me contou! Eu te amo! - E agora vem a melhor parte, Cecília: construir tuas próprias memórias no Colégio Farroupilha! Da janela da sala, elas olharam para o céu e ficaram observando um passarinho de plumagem azul e amarela voando no horizonte.
FIM
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