O Conto de João Ana Carolina Barbosa Nunes
João estava quase na meia idade, um homem de poucas palavras que desde pequeno tinha o sonho de ter um calçado magnífico, pois ele se via como um maltrapilho e sempre suas vestes eram as mesmas. Bem, na verdade, não se importava com que roupas vestia e sim com que calçava, trabalhava como sapateiro, que afinal para o século XXI não era nada comum. Não tinha dinheiro o suficiente para comprar materiais bons para fazer o sapato que tanto queria. O sapateiro tinha cinco filhos e uma mulher amável, morava em uma comunidade em São Paulo que se chamava Paraisópolis, lá haviam muitas pessoas como ele, sem dinheiro e com péssimas condições de vida. Nunca pedira a Deus para ter dinheiro no bolso, um trabalho melhor ou sequer comida, a única coisa que queria era material do bom, só para fazer um sapato de couro legítimo, herdara esse desejo de seu pai. Seu velho também não era de papo, queria ter uma coisa só sua, não ser escravo e ter algo deslumbrante que ninguém tivera, algo só seu. Morrera novo, pois não conseguirá se sustentar e seu filho se viu na obrigação de construir uma pequena lojinha de sapatos. Na sua pequena posse, tinha os fregueses de sempre e tudo que ele ganhara ficava para conta do sustento dos seus filhos, comiam arroz e, raramente um pedacinho de carne. Às vezes, no final do ano, comiam feijoada, pois sua mulher, esperta, guardava sempre alguns reais de seu trabalho como costureira, mas, como nem sempre havia dinheiro suficiente, passavam fome. Mesmo assim, todos os dias, rezavam e agradeciam ao bom senhor. Sua mulher nunca reclamou e fazia de tudo para todos os filhos comerem todos os dias e terem um futuro melhor, mas no fundo sabia que nada disso ia acontecer… Num certo dia, ele não trabalhou e a mulher foi em seu lugar. Quando a esposa voltou para casa, ele se perguntou, meio infeliz, por que não conseguia dinheiro para nada nesse mundo, mas logo contentou-se, pois, segundo ele, o mundo fazia ricos e pobres e a felicidade não se concentrava no dinheiro e sim nos sonhos. Pensou novamente: e se tivesse dinheiro, conseguiria o tão sonhado sapato? Assim que sua esposa chegou, logo perguntou-lhe se conseguira algum dinheiro e ela respondeu: - Não muito, como de costume. Elvira abriu um sorrisinho e botou os filhos para dormir. Em seguida, mostrou para seu marido uma cesta escondida na casa e disse-lhe: - Finalmente consegui alcançar o seu tal sonho! Mostrou o material todinho, a seus olhos aquilo tudo parecia coisa de rico e ele foi para a sua loja fazer o tal sapato. João escondeu dos filhos “seu bem precioso” e foi caminhar bem longe dali com seu sapato novo, caminhou tão longe, mas tão longe, que não avistava ninguém, só uma árvore cheia de pitangas . Logo comeu e se deitou.
Continua...
Quando acordou, ele avistou um sujeito boa pinta, mas que não tinha sapatos. João ficou indignado, o sujeito não deveria andar descalço naquele bairro, poderia se machucar. Foi quando percebeu que o tal moço estava à sua frente e os pés estavam impecáveis. O moço disse: - O que me diz, meu amigo, de me oferecer seu sapato? Infelizmente perdi o meu. - Escute aqui, não é problema meu se você perdeu seu sapato, mete o pé daqui que esse sapato é meu, você entendeu? Então ele pegou um maço de notas de 100 reais. João que não era muito de falar, agora se sentira ofendido: - Você acha que pode me corromper? Pois está enganado! Não pode chegar aqui, se achar o boa pinta e querer meu sapato que é tudo o que há de mais precioso em minha vida. O tal estranho, em um simples segundo, mudou sua fisionomia - de bondoso a irritado, depois sorriu e disse: - Você é que está perdendo! João olhou novamente para os pés do moço, que agora estavam inchados, e disse: - É mesmo, faça uma boa viagem. Então, em poucos minutos, o estranho sumiu. Passado um tempo, logo levantou a vista e viu um rosto de expressão muito amável, com vestes nem muito ricas e nem muito pobres e, com uma voz doce, falou o segundo estranho: - Preciso de um sapato! Como pode ver, não tenho um e eu te recompensarei, tenho um longo caminho a percorrer até a casa de meu Senhor. - Você é a pessoa mais amável que já vi. Como deve ter percebido, esse sapato é novo e minha mulher batalhadora se esforçou muito para comprar para mim. E o estrangeiro logo falou carinhosamente, sem mágoas: - Eu entendo, meu irmão, eu o entendo de verdade. - Disse indo embora e seguindo o seu caminho. Em instantes, desapareceu… Novamente João se deparou com alguém com a expressão mais faminta que poderia existir no mundo. O homem disse: - Meu rapaz, tenho um longo caminho a percorrer, já andei tanto descalço, que você não imagina o que passei… Muitas pessoas dependem de mim, me ajude. Hoje não tenho nada para lhe dar em recompensa, só minha companhia. Amanhã, quem sabe o que o futuro nos trará? - Nunca imaginei que ia lhe falar isso, pois prometi que não ia emprestar meu sapato a ninguém. Olhe, também não tenho condições de andar descalço até minha casa, vamos fazer o seguinte: você vai lá cumprir sua missão e, no dia seguinte, você me devolve o sapato. Está bem? Os dois conversaram muito e o estranho disse que sabia do encontro de duas visitas antes dele.
Continua....
- Sim! Percebi que o primeiro era o Diabo, pois cometeu muitos erros e fora isso, não sobreviveria um dia nesse lugar como rico. O segundo era Jesus, sei disso porque sou cristão e sei que ele se disfarça toda hora. O homem olhou seu relógio e teve que sair rapidamente para cumprir sua missão. No dia seguinte lhe devolveu o sapato todo limpo e disse: - Obrigado! Não sei o que seria de mim sem você, por isso lhe recompensarei! O tal “novo amigo” de João pegou uma garrafinha de água, explicou que aquela água poderia curar qualquer um, com apenas uma gota e que quando estiver cara a cara com um doente, ele apareceria lá, mas se estivesse ao lado da cama do paciente, nem a água mágica o salvaria. Assim passou o tempo e sua vida mudou completamente. Ele se tornou o grande guru da comunidade, aparecia em todas as mídias da TV e redes sociais, falava todos os dias das pessoas que ele curava. Mudou de casa e seguiu a sua vida. Até que, um dia veio, um homem muito mais rico que ele pediu a João para curar sua filha. Assim que chegou na casa, viu que a pobre menina ia morrer. O pai aflito ameaçou que se não a curasse, acabaria com a sua reputação, que estava sendo gravada por meio do celular. Elvira percebeu que seu marido não chegava logo em casa e, ao ver as redes sociais, viu seu marido exposto como charlatão, pois não curou a tal menina. Frustrado, João saiu da casa daquele homem e no caminho ouviu ofensas das pessoas, de repente sentiu uma dor no peito e sua camisa manchada de sangue. Uma bala havia lhe acertado. Caiu lentamente no chão. Uma semana havia se passado e quando Elvira fora no cemitério, viu um escrito na laṕide de João e entendeu
tudo
o
que
havia
acontecido.
João ( 1969 - 2020 ) Descanse em paz, meu bom amigo e companheiro, nunca vou esquecer o dia que me emprestou aquele par de sapatos, não pude evitar a sua morte. Fico feliz que conseguiu tudo que queria, até mais Assinado
(Morte)
A esposa não conseguiu decifrar a assinatura riscada e ficou desconfiada de tudo isso. Até hoje, ninguém sabe a verdadeira história desse tal João, somente sua família sabia como ele era de verdade, e você, meu caro leitor. Já os outros achavam que ele era um tipo de macumbeiro ou feiticeiro de araque.
Cracolândia Caio Henrique Palomo Lemos
Enzo era um designer muito famoso de São Paulo. Muitas pessoas buscavam ter muito dinheiro só para que pudessem atingir a honra de ter uma casa com o design feito por ele. Porém, ele tinha um desejo muito estranho e nada comum para um rico que morava em um bairro muito nobre de São Paulo, chamado Jardins. O que ele desejava não eram mais riquezas ou a paz no mundo, seu sonho era ir visitar a Cracolândia. Quase ninguém entendia o seu sonho, as pessoas pensavam “ Por que uma pessoa como ele iria querer se juntar com um bando de pobre viciado em drogas?”. Bom, um dos motivos dele era: ele queria provar que pessoas de lá não queriam estar lá, ele quereria provar que o preconceito estava errado, as pessoas de lá precisam de ajuda e não que os outros tivessem medo. Mas ele não conseguia realizar o seu sonho, pois sua esposa, jornalista, morria de medo de lá. Ele também morria de medo de lá, mas não podia deixar o preconceito vencer. Tinha que enfrentar seu medo, que também era seu maior sonho. Um dia ele saiu escondido, não contou nem para a mulher e nem para seus filhos para onde ele estava indo. Ele foi em direção à Cracolândia até que uma pessoa bem arrumada com cara de empresário o parou. Ele disse: -Senhor, para onde você está indo é um lugar muito conhecido por tráfico de drogas, não sei se você sabe, mas lá só tem viciados. Eu tenho na minha bolsa um negócio que vai... - neste momento Enzo interrompeu-o e pisou no acelerador. Ele queria ajudar as pessoas que estavam passando por aquela situação e não se aproveitar delas. Então, continuou o seu caminho. Logo em frente, outra pessoa lhe parou, só que dessa vez era para lhe alertar do perigo em que ele estava se colocando. -Senhor, não sei se você conhece o lugar que está indo, mas lá é um lugar cheio de pobres viciados em drogas ilícitas, se eu fosse você, eu não me aproximava mais - Enzo não deu ouvidos a ele e seguiu. Enzo viu que logo em frente havia mais uma pessoa que o pararia, já estava de saco cheio, porém notou algo de diferente nessa pessoa, ele estava morrendo de medo, mas ele parou. Logo em seguida o estranho fez um sinal para ele abaixar o vidro do carro. -Eu tenho uma história para te contar, se você não se incomodar. -É claro - Enzo não pensou duas vezes, diferentemente dos outros, ele encostou o carro e disse: -Diga, meu consagrado, o que se passa? -Então, a história que eu tenho para te contar é bem triste, mas por um outro lado é muito emocionante. Há 10 anos, vivia com a minha família em um bairro pobre.
Continua...
Morávamos eu, minha esposa e meus três filhos, mas meu sonho era vir visitar a Cracolândia, pois queria provar que as pessoas que vivem lá não o fazem por escolha, e sim por um vício. - Conheço essa história, já ouvi em algum lugar, continue - disse Enzo, que era muito esperto e já tinha sacado tudo o que estava acontecendo. - Continuando... Eu, um dia, decidi sair de casa sem avisar ninguém, pois as pessoas da minha família não gostavam nem um pouco daqui, mas essa foi a minha pior escolha. Quando eu cheguei lá, estava todo mundo me oferecendo, eu não podia negar, parecia que se eu negasse eles viriam me bater. Então, infelizmente, eu não consegui resistir e viciei. - Oito anos depois, eu não estava mais aguentando aquela vida, eu tinha que ir procurar a cura desse vício - o estranho se interrompeu- antes de eu terminar a história: você foi parado duas vezes ante de eu te parar, né? - Sim, como você sabe? - Enzo não era bobo, já tinha entendido tudo, mas mesmo assim respondeu para não perder o clima. - Você conhecia-os? - perguntou o estranho - Por que você não deu ouvidos para eles, mas para mim, sim? - o homem estranho lhe dirigiu outra pergunta. - Mas é claro que os conhecia, a primeira pessoa que me parou era o diabo, ele sempre tenta tirar proveito das coisas e ele sempre anda disfarçado. Por isso nem dei ouvidos a ele. O segundo não tinha como eu não conhecer, eu sou cristão. Se ele quiser, é só pedir para o pai dele, que é o dono do mundo, que todos da Cracolândia vão se curar do vício, então sabia que não iria me ajudar. - Mas em relação a mim, por que você parou?- perguntou o estranho já sabendo da resposta. - Eu parei para te escutar porque eu temo a sua presença, em relação a você eu sou muito conservador - o estranho então tirou de sua bolsa um saco de água, mas não era uma água normal e diz: - Esta água consegue curar todos de qualquer vício. Eu vou lhe dar, mas com uma condição: você tem que curar todos da Cracolândia. Se não, você já sabe o que vai acontecer, né?- o estranho entregou-lhe o saco com água e simplesmente sumiu. Agora, Enzo tinha uma missão de vida ou morte, logo em frente acho um adolescente, que assim que ele viu ficou com pena e logo foi ajudar, porém ele estava muito, muito doente. Talvez ele não conseguisse sobreviver nem se Enzo desse a água que tinha recebido toda, parece que o destino do adolescente e o do Enzo já estavam traçados. Enzo se aproximou do adolescente e entregou o saco de água, que tinha recebido. O adolescente percebeu que ele estava triste, mas pegou a água e bebeu no mesmo instante. Ele morreu, pois aquilo era uma cilada, a água que ele tinha recebido era veneno.
A Chance de Macário Danilo de Oliveira Conceição
Macário, era um assistente de cirurgia. Ele era muito bom no que fazia, mas aquilo não era o suficiente. O grande sonho dele era ser um ótimo cirurgião, mas ainda não o era porque tinha pouca experiência, mesmo sendo um ótimo no que fazia. O homem tinha uma esposa e dois filhos. Eles moravam na região do Itaim, em uma casa com dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro. Macário saía para trabalhar todos os dias, e não faltava nunca. Mas, um dia apareceu no outro lado do mundo, na China, um vírus muito contagioso que chamaram de Covid-19. Esse vírus começou só como uma endemia, mas logo foi para uma epidemia e, enfim, esse vírus se tornou uma pandemia. Todos ficaram muito assustados, muitos comércios fecharam, muitas pessoas foram demitidas dos seus
empregos e começaram a fazer quarentena. Macário não podia parar, ele era um
médico-assistente que tinha que ajudar as pessoas. Esse vírus era muito contagioso, e muitos médicos acabaram pegando. Assim, os hospitais passaram a precisar de mais médicos, e principalmente cirurgiões. Macário, então, se voluntariou para ser um cirurgião, mas, no primeiro dia, teve que fazer o teste para ver se ele havia pegado o vírus. O teste deu positivo, ou seja, ele havia o adquirido e não poderia trabalhar. A doença foi afetando Macário e ele ficou muito enfermo, teve que ser internado. Ele passou uma semana internado, precisando de respirador para ajudá-lo a respirar. Estava piorando muito mas, de repente, chegou um homem e se sentou na cama ao seu lado. Então, ele olhou para o homem sentado em sua cama e lhe perguntou: - Quem é você? - Não sou ninguém - disse o homem. - Por que você está aqui? - perguntou Macário. - Eu estou aqui, pois por muito tempo eu fiquei lhe observando, e percebi que você é um belo médico e que pode ajudar muitas pessoas. Eu vim aqui te fazer uma pergunta, você gostaria de se levantar dessa cama e ir ajudar as pessoas? - Mas é claro! - respondeu Macário - Antes de pegar esse vírus maldito, eu estava prestes a realizar um grande sonho de ser um cirurgião. - Pois bem, eu posso fazer você se levantar dessa cama e se curar desse vírus, mas depois de se levantar, você vai ter que se dedicar o máximo possível para ser um cirurgião. - É claro! Mas como você vai me tirar dessa cama e me curar desse vírus?
Continua...
- Isso não importa, quando eu te tirar dessa cama você vai começar a trabalhar, mas tem uma condição: se você não conseguir salvar no máximo 3 pacientes, esse meu vírus irá voltar para o seu corpo. - Fechado! - Respondeu Macário. De repente, o doente começou a se sentir bem, mais disposto e alegre, então ele colocou os pés no chão e se levantou: - Pronto, você já está bom de novo, agora vai curar o “meu vírus” das pessoas - disse o homem. - Pode deixar! Quando Macário se virou para ir embora, ele parou e perguntou para o homem: - Como assim “seu vírus”? - Mas quando ele se virou, o homem já não estava lá. Macário, então, seguiu com sua jornada, saiu do hospital em que estava internado e encaminhou-se imediatamente a outro para trabalhar como cirurgião. No novo emprego, havia muita gente doente. Ele ficou um pouco preocupado, mas feliz por começar o seu dia bem produtivo. Então, veio o seu primeiro paciente. Ele estava muito mal e debilitado, assim, eles foram para a sala de cirurgia. A cirurgia ocorreu perfeitamente, e Macário já estava pronto para próxima. E assim foi o seu dia: uma cirurgia atrás da outra, todas ocorrendo perfeitamente, e, finalmente, depois de quatro cirurgias, ele foi para casa descansar. No dia seguinte, Macário foi trabalhar, sua primeira cirurgia ocorreu perfeitamente, mas a segunda não ocorreu. Macário já não podia fazer mais nada para salvar o coração de um paciente, depois disso ele foi para casa pensando no que o homem disse das 3 mortes. Outro dia de trabalho para o Macário, esse dia, porém, foi difícil e trabalhoso. Ele teve que fazer 3 cirurgias, e pensando em sua família, já fazia duas semanas que ele não os via, por conta do vírus que ele tinha pegado e seu novo trabalho. Um novo dia, Macário chegou, se vestiu, e foi ver os pacientes. Ele, entretanto, só fez uma cirurgia no cérebro de um paciente, mas o procedimento não deu muito certo e o paciente acabou morrendo. Macário ficou muito nervoso e foi embora, pois não conseguia pensar em que tinha falhado. Macário foi trabalhar na manhã seguinte ainda com o peso na consciência de sua segunda morte, mas, para recompensar, ele passou o dia bem tranquilo. Só fez duas cirurgias, uma para catarata e outra para transplante de rim. Em seu quinto dia de trabalho, estava feliz, pois era o seu aniversário e ele ia se encontrar com sua família,
fez uma única cirurgia no joelho de um paciente e foi se arrumar para encontrá-la. Eles
passaram uma noite maravilhosa juntos, e a melhor parte para Macário era poder vê-los.
Continua...
Sexto dia de trabalho, Macário estava muito feliz pela noite anterior, estava pronto para um dia produtivo, fez sua primeira cirurgia do dia perfeitamente, teve um grande sucesso. Sua segunda cirurgia foi mais difícil, teve que fazer uma operação no coração. Teve sucesso, mas ficou esgotado psicologicamente. Ele foi se trocar para ir embora quando, de repente, chegaram os paramédicos correndo, falando, gritando “Rápido! Um médico, um médico!”. Macário foi correndo saber o que aconteceu. O paciente havia sido atropelado por um cara que estava bêbado. Ele o levou para a sala de cirurgia, o paciente estava com uma grande hemorragia interna, não tinha muito o que fazer, mas Macário tentou até o final, e só parou porque os outros médicos o tiraram da sala de operação. Macário sabia quem apareceria para cumprir o que prometera. O estranho que conhecera em seu leito de morte, então, apareceu. Ele pediu para que o homem o deixasse se despedir da família antes de pegar o vírus. O homem consentiu. Depois de sua despedida, Macário começou a ficar muito cansado e, como estava com falta de ar, os médicos do hospital em que ele estava levaram-no para uma cama. Macário começou a fechar os olhos e suas últimas palavras foram “Obrigado por realizar o meu sonho”...
O Grand Finale Dora Bontempi
Derek era um homem sonhador e sempre foi apaixonado pelo circo, desde criança ficava fascinado sempre que assistia a um espetáculo. Quando já tinha feito as tarefas da escola, ia visitar o homem da outra rua que trabalhava como equilibrista. Ficava horas conversando, aprendendo truques e treinando malabares e acrobacias. O homem se empenhava e adorava passar esses ensinamentos, porque percebia que esse sonho não sairia da cabeça dessa criança. Seus pais também apoiavam a vontade do filho e gostavam de vê-lo feliz. Muitos anos depois, lá pelos seus 19 anos, Derek estava decidido que iria trabalhar no circo, já tinha treinado muito durante a infância e adolescência e iria continuar pelo resto de sua vida, para melhorar cada vez mais. Porém, havia um problema. Embora já tivesse muita experiência, o jovem tinha muito medo da morte. Seus pais também haviam conversado muito com ele sobre altura e sobre o circo ser perigoso e arriscado, desde que ele era criança. Ele tinha consciência disso, e esse era seu grande receio. Saiu em busca de conhecimento, gostaria de buscar pessoas com que pudesse conversar para perder esse medo, que já conseguiram superar pavores e que podiam ajudá-lo. Foi de bicicleta, saindo da Zona Norte de São Paulo, em direção à Zona Oeste, sem um rumo preciso, mas com a esperança de que acharia seu destino. Em sua busca, quando parou em um bar, começou a conversar com um homem alto e forte, que comia um sanduíche de atum. Acabou descobrindo que o homem trabalhava em uma academia, mas já tinha trabalhado como lutador de luta livre e se aposentara. Contou sobre sua situação e conversaram bastante: - Quando era lutador, você tinha medo de morrer? - Derek perguntou curioso. - Hahahah. Não, velho, o bagulho é o seguinte: a gente só vive uma vez, tem que fazer o que a gente gosta. ‘Bora, mermão, levanta e segue o que você quer fazer da vida! Por fim, Derek não estava convencido, o que o homem dizia tinha sentido, porém não o fizera perder o medo de morrer, despediu-se do moço, que lhe desejou boa sorte e seguiu caminho. Mais adiante, foi conversando com outras pessoas que também não conseguiram convencê-lo de nada. O céu já estava escurecendo, ele estava cansado, decepcionado e cogitando voltar, mas se deparou com um beco escuro e viu um homem magro, com um capuz e um casacão preto que estava sentado na sarjeta da calçada. O homem parecia estar esperando por algo e não ter o que fazer. Derek pensou em ir embora, mas, já que não tinha mais esperança nenhuma, resolveu se aproximar para puxar assunto. O homem olhou para a cara dele e não disse nada. Então, o jovem tomou iniciativa:
Continua...
- Oi… Está esperando carona ou… - Não, não. Estou apenas descansando. - os dois continuaram conversando e Derek o achou muito simpático e compreensivo. Explicou suas história e perguntou: - Senhor, você conhece alguém que possa me ajudar com meu problema? Eu tenho medo de morrer. O senhor sabia que não poderia fazer nada, ninguém escapa da morte e isso não poderia ser controlado, apenas previsto por ele, isso é um fato. Mas, via um olhar sonhador e havia gostado de finalmente falar com Derek, o admirava, foi um menino gentil e humilde em toda sua vida e ainda lhe ofereceu carona quando se encontraram. Quem sabe não poderia encorajar o moço? - Er… Entendo o seu pavor, já presenciei muitas dessas situações. Se você quiser, posso cuidar de você. Enquanto estiver sob minha presença, não morrerá. - Ah é? agradeço, mas como pode me garantir isso? - Eu sou o Homem de Osso, mais conhecido como a Morte. Caso você não acredite, posso dizer que eu conheço todos, inclusive você. E fui eu que levei o homem circense daquela rua, dia 20 de fevereiro, no ano de 2014. Derek ficou chocado, foi exatamente esse o dia da sua morte. E o Homem de Osso sabia, sem que ele tivesse lhe contado, que o homem da rua tivera uma forte relação com ele. Convencido de que não morreria, foi com a Morte, encorajado para seguir sua carreira no circo. Lá conheceu todos os seus colegas de trabalho, treinou muito, acabou ficando muito amigo de todos. E depois de um tempo já os considerava parte da família. Havia apresentado o Homem de Osso como seu irmão, e o pessoal do circo o deixava assistir aos ensaios. Em todos os ensaios de equilíbrios na corda bamba, chamava a Morte para ficar por perto, e passava seu número confiante e sem cair. Em todas as modalidades mais perigosas, como malabarismos com fogo ou trapézio de balanço, a Morte também o previnia de qualquer acidente. Quando finalmente chegou o dia do espetáculo, Derek estava muito nervoso. E mais nervoso ainda, pois a morte não poderia entrar em cena com ele. O número deveria ser apresentado sem a sua companhia. O Homem de Osso ficou atrás da lona espiando pelo buraco, porém não estava perto o suficiente para que pudesse o salvar de alguma coisa. Derek estava na coxia esperando sua hora de entrar no palco, sentia seu estômago se revirar e tremia, como nunca havia sentido antes. “...E com vocês, Derek! O incrível equilibrista!!” - ouviu o apresentador chamar seu nome. Respirou fundo e entrou no palco, sendo coberto de aplausos e olhares atentos. Subiu na corda bamba, que parecia estar mais alta do que o normal, estava tudo bem com a sequência, até que foi dar um giro e seu pé escapou. Sentiu seu coração quase parando de bater e perdeu a respiração. Caindo de lá de cima, fechou os olhos. Um tempo depois, finalmente sentiu que um homem ossudo estava o segurando forte, estava olhando para seu rosto maquiado e sem expressão. Sem conseguir abrir os olhos, Derek podia ouvir a plateia aplaudindo-os, como se o grand
finale estivesse sido espetacular. Então, a Morte agradeceu a plateia com um sorriso e foi andando, segurando o equilibrista, até sair completamente de cena.
Nem o mais astuto escapa à morte Elis Nunes Ferreira
Carlos era um médico, atendia em um hospital local, mas não tinha nada de especial. Sempre acordava às 8 da manhã, tomava seu remédio diário para o coração, ia de carro para hospital, atendia seus pacientes e voltava para sua casa para jantar. Depois de um dia exaustivo, ele estava vendo a novela na TV e ficou alarmado quando ouviu alguém tocar à campainha, ele morava sozinho e raramente tinha visitas. Carlos levantou se e foi para a porta, abriu-a e viu ao lado da cerca um homem. Tal tinha roupas rasgadas e parecia gravemente desnutrido, além de ser tão pálido quanto uma folha de papel. O estranho pediu para entrar, Carlos pensou em recusar, mas, ao se aproximar da figura, sentiu um arrepio passando por todo o seu corpo e sabia que não poderia recusar. Ele abriu o portão devagar deixando o estranho entrar. Segundos depois, eles estavam na sala de Carlos, ele convidou o homem para sentar. Educadamente o estranho aceitou e sentou-se à mesa com Carlos. “Obrigada por me deixar entrar” disse a visita com uma voz estridente. “Não é nada…” disse Carlos, “Gostaria de algo para comer?” O homem, educadamente, sacudiu a cabeça afirmativamente. Carlos, então, serviu sorvete de limão para ele mesmo e para sua visita inesperada. Eles comeram em completo silêncio e quando o estranho terminou ele pigarreou e disse, “Creio que sabe por que estou aqui”. “Sim, dona Morte” Carlos disse quase sorrindo. “Hmm…” disse a Morte desconfiada, “Normalmente minhas visitas não são lidadas com tanto prazer, o que houve?” “Ah, quando te deixei entrar, me lembrei que esqueci de tomar meu remédio para coração hoje” explicou Carlos, “Então, enquanto comíamos, eu pinguei o meu remédio no pote de sorvete, acho que não poderá me levar hoje.” A morte deu uma gargalhada e disse, “Muito bem jogado, o senhor é muito astuto”. “Obrigada” Carlos sorriu. “Eu irei lhe dar um presente, quando acordar amanhã você terá o poder de saber o dia de morte de qualquer pessoa que encostar.” “Um presente porque eu consegui escapar da morte…” Carlos disse convencido. “Isso é o que parece”, a Morte disse, “Mas nem o mais astuto consegue escapar da Morte, eu sou inevitável para todos.” A Morte despediu se e desapareceu, então Carlos foi dormir. Na manhã seguinte acordou às 8 da manhã e tomou o remédio como costume, sem ter certeza se o encontro com a morte foi real ou apenas um sonho. Ele dirigiu ao hospital e recebeu seu primeiro paciente, este estava em péssimo estado, vomitando sem parar.
Continua...
“Eu vou ficar bem, Doutor?” perguntou o paciente. Carlos encostou no braço dele para medir a pressão quando ouviu uma voz, “Mais vinte e dois anos de vida” cochichou a voz. Ele lembrou do presente que a Morte lhe deu e sorriu. “Você vai ficar bem” ele disse e depois acrescentou, “porém é melhor ser internado”. Carlos não sabia como aquela magia funcionava e não queria correr nenhum risco. Ele passou meses usando sua benção, conseguia saber se o paciente viveria ou não, porém não tinha nada que pudesse fazer a respeito dos que iriam morrer, tinham momentos que ele se sentia frustrado, pois sabia que não tinha como mudar quando as pessoas morreriam, mesmo tentando.
Uma vez ele ficou de olho no paciente o dia inteiro, dando a dose certa de remédio mas mesmo assim ele faleceu. Carlos eventualmente se apaixonou e acabou se casando, teve dois filhos, e sentia-se muito mal por saber quando eles iriam morrer. Ele previu que o mais novo morreria um pouco depois de fazer dois anos e foi isso que aconteceu, o caçula teve uma crise de asma e faleceu. Foi aí que sua esposa realmente começou a acreditar no poder de Carlos, mesmo assim ela lhe pediu para não prever a morte dela, ou no mínimo não contar para ela. Muitos anos depois ele também previu a morte da filha, ela iria morrer com 27 anos, em seu próprio aniversário. A mulher de Carlos tentou o máximo para proteger a única filha no dia da morte, mas realmente foi inevitável, morreu de nervosismo, teve um ataque cardíaco. Ele evitava contato físico, tentando não encostar nas pessoas. Tentou usar luvas, mas não deu certo, continuava ouvindo o cochicho em sua cabeça. Carlos, então, parou de ser médico, não aguentava mais, ele sentia se inútil, a função de ser médico era fazer as pessoas ficarem bem e viverem mais, não importava o quanto ele se esforçasse e se empenhasse, ele nunca conseguia salvar os pacientes que realmente iriam morrer. Ele já estava velho, e sua esposa também, ele agora odiava a maldição, já que Carlos não conseguia prever quando ele mesmo iria morrer, simplesmente esperava que fosse o mais logo possível, mas o dia nunca chegou. Sua mulher eventualmente morreu e Carlos estava totalmente sozinho, ele apenas sentava em um banquinho na frente de sua casa remoendo as últimas palavras de sua mulher, “Essa vida não valeu a pena viver”. Carlos deixou uma lágrima cair e cochichou para si mesmo, “Eu deveria ter deixado a Morte me levar”. Ao lado dele a Morte deu-lhe um lencinho, “Você deixou”. O hospital percebeu que o doutor Carlos não vinha trabalhar faziam alguns dias, então acharam o corpo dele no meio da sala de estar de sua casa, com a novela ligada e duas combucas de sorvete. O coração tinha parado de bater… Devia ter esquecido de tomar seu remédio.
A meia realidade Enzo Thalenberg Di Domenico
Para começar, quero me apresentar, sou Mário, um viajante de sonhos que sempre acabam em dor sofrimento. E aqui venho falar sobre meu ciclo de vida… ou não. Estava com meus vinte e um anos, morando na França, onde fazia faculdade de música, mas não tinha ideia do que estava prestes a acontecer. Havia terminado o meu longo dia na faculdade, fui para a minha estadia, tomei um banho e fui para cama. Então, comecei a sentir um mau presságio. Demorei um pouco para me ceder ao mundo dos sonhos, mas depois de um tempo entrei num lugar que parecia com um parque em que ia quando criança com meus pais. Escutei alguém me chamar, olhei para trás. Estava lá minha família sentada no orvalho como se nada pudesse dar errado. Esse foi meu erro. Como um demônio, um ser desceu do céu aterrorizando tudo. Como se fosse uma brincadeira, ele matou meus pais e irmãos. Minha visão foi tão horrível quando eu vi minha família sendo decapitada por uma árvore que veio direto para nós… Acordo… Sinto uma dor intensa, tão forte que me fez parar de respirar. Fiquei paralisado pensando sobre isso a noite inteira, ele tinha uma cara familiar, alguém que conhecia. Meu tio, um ser demoníaco de que nunca gostei, sempre me batendo sempre me fazendo odiar viver. Não consegui fazer minhas aulas na faculdade e não conseguia pensar direito. Foi-se o dia, eu já tinha ficado pasmo demais. Decidi esquecer já que não era verdade. O céu se obscureceu e começou a ficar tarde. Fui repousar, demorei mais do que esperava para dormir, mas consegui. Começo a sonhar, um outro lugar com outras pessoa. Estava passeando com minha namorada num shopping. O espaço começa a ficar pútrido destruído, minha namorada caiu no chão com uma flecha cravada no peito. Olho para trás, a mesma pessoa, meu tio. Com um arco, ele dá um sorriso para mim, acordo. No dia seguinte, chegam os pais da minha namorada em casa chorando, eu os acolho, pois sempre gostei deles. Eu pergunto o motivo do choro e na mesma hora lembro de meu sonho e me pergunto: será que realmente foi isso? Eles respondem “Ela mo… mo… ela MORREU!” gritou o pai. Eu entro em desespero, penso em minha família. Começo toda noite a sonhar assim, não saía de meu apartamento no campus da faculdade, recebendo cartas de morte, só de pessoas queridas. o Meu mundo começa a ficar triste, regresso ao Brasil onde tinha quase cinco enterros de amigos próximos só naquela semana. Pensei “Já que eu também estou no sonho, vou começar a reagir”. Comecei a perseguir o cara, mas quando acordo vou direto para a casa das pessoas avisar sobre a morte de seu ente querido. Levam-me para um hospício, minha vida começa a desabar. Até que em uma noite eu consigo matar meu tio, meu tio que me fez tanto sofrer. Fiquei com uma felicidade e um alívio de raiva por ter matado quem me matava, mas na noite seguinte fui dormir sem nenhuma preocupação, não tenho sequer um sonho.
Continua
Acordo feliz sem ter que lidar com mortes de entes, pelo menos eu ainda tenho minha família. Vejo uma mulher do hospício me trazendo uma carta, abro, leio. Meus pais morreram. De repente acordo de novo, me acho morto no mesmo lugar onde recebi a carta. Demoram um pouco, mas conseguiram me achar. Todos em volta. Meu tio, morto por mim, chega em meu ombro e diz “Eu nunca quis que acabasse assim”.
O Médico e a Morte Gabriela Burza Barbera
Macário era um médico muito famoso e rico. Ele era ambicioso, queria fama e poder, mas isso nunca influenciou no modo como ele tratava os seus pacientes. Um dos motivos de sua dedicação, era o fato de ser muito solitário. Todos sabiam, mas nunca comentavam, a falta de sua família e posso garantir que eles não estavam mortos. Os seus dias eram todos iguais. Ele saía de casa pela manhã, pegava o carro e ia para o hospital. Ele ficava lá praticamente o dia inteiro, na maior parte do tempo atendendo no seu consultório, mas também participava e ajudava em várias cirurgias. Voltava para casa à noite, jantava, tomava um banho e ia dormir. Foi assim que começou o outro dia. Depois de tomar o café da manhã e se trocar, Macário foi para o hospital. De manhã, ele atendeu várias pessoas. Fez um pequeno intervalo para o almoço e quando voltou para o seu consultório, se deparou com a Morte sentada na cadeira. Quando entrou no cômodo e fechou a porta, Macário perguntou à Morte, com receio, o que ela queria com ele. A Morte respondeu: "só vim conversar". Macário não acreditou. Ele sabia que quando a Morte aparece significa que alguém está prestes a morrer, então essa visita não podia ser algo bom. A Morte percebeu que o médico não tinha acreditado no que ela tinha falado, então logo disse: "estou aqui porque quero te oferecer um trato. Você me ajuda em algo que eu preciso e eu te ajudo a realizar seu sonho". Macário pensou por um tempo e achou que aquela era a oportunidade de realizar o seu grande sonho. Então ele disse: "aceito a sua proposta. Eu realmente tenho um sonho, meu maior sonho, voltar para a minha família. Depois do que eu fiz com o meu irmão eles nunca mais falaram comigo". "Voltar para a sua família?" perguntou a Morte, "você quer que eu te leve até eles?". "Não como você está pensando, eles não estão mortos" disse Macário. "Eu quero reconquistá-los para que me deixem voltar". "Isso não será problema" falou a Morte. "E eu já sei como você irá me ajudar". Naquele instante a Morte tirou algo azul do bolso. Ela foi até Macário e entregou-lhe um frasco que continha um líquido. “Este frasco contém um líquido que pode curar qualquer paciente, apenas uma gotinha e a pessoa ficará boa”.
Continua...
Um pouco relutante o médico pegou o frasco e examinou-o. Depois de ter terminado, ele se voltou para a Morte e perguntou: “O que você quer que eu faça com isso?” “Eu quero que você use este líquido para curar pessoas que precisarem, mas com uma condição: se eu estiver na cabeceira da cama, você não poderá curá-la e se eu estiver no pé da cama significa que a hora dessa pessoa ainda não chegou”. Macário não pensou duas vezes, aceitou o frasco, mas logo em seguida perguntou: “E como isso me ajuda com o meu grande sonho?”. A Morte respondeu: “Isso vai te ajudar a reconquistar a sua família, quando eles virem os milagres que você pode fazer e o bem que você está fazendo ao mundo, eu não tenho dúvida que eles vão te querer de volta.” E foi assim durante muito tempo. Macário era chamado nas casas e, dependendo de onde a Morte estava, ele curava ou não os pacientes. Mas durante todo esse tempo a sua família nunca tinha ligado ou tentado falar com ele. Foi, então, que um dia ele recebeu uma ligação do seu filho pedindo para ele ir na casa deles curar a mãe que estava muito doente. Macário, sem pensar duas vezes, pegou o carro e saiu do hospital, deixando tudo para trás para ir na casa de seu filho. Ao chegar lá seu o garoto conduziu-o até o quarto da sua mulher e logo depois saiu, deixando Macário e a esposa sozinhos. O médico estava muito feliz, o seu filho finalmente tinha falado com ele e, muito provavelmente, ele iria voltar para a sua família. Foi então que ele viu que a Morte estava na cabeceira da cama. Macário ficou indignado. “Nós tínhamos um trato, eu te ajudava e você me ajudava a voltar para a minha família. Essa era a minha chance!”. A Morte não disse uma palavra, continuou parada na cabeceira da cama. Macário não conseguiu aceitar aquilo, e com um gesto rápido ele abriu a boca da mulher e deu-lhe o líquido azul. Foi então que seu filho entrou no quarto e levou um susto quando viu o pai com um pote de veneno na mão, dando-o para sua mãe, que morreu em instantes.
Macário na Cidade Grande Gustavo Gobe
Macário, um motorista de ônibus, morava na Zona Leste de São Paulo e tinha um desejo escondido. Ele queria ser reconhecido e respeitado pelas pessoas. Tinha o sonho de ser presidente da república e achava que para conseguir isso ele seria até capaz de fazer um pacto com o diabo. Acordava muito cedo todos os dias para trabalhar e conseguir alimentar sua esposa, que ele amava, e seus seis filhos. Passava o dia fora de casa e o que mais o deixava chateado é que ele não era respeitado no trabalho. Zombavam dele no ônibus e o tratavam mal porque parecia um fraco. Quando voltava para casa tinha muita fome, mas quase sempre não tinha nada para comer e acabava indo dormir com a barriga vazia. Ele sonhava com o dia em que teria comida à vontade e seria respeitado. Toda noite, antes de dormir, ele rezava, dizendo: “Meu Deus, faça que eu seja o presidente desse país e respeitado pelos outros.” Um dia ele estava dirigindo para a Zona Norte quando, em um ponto de ônibus, um homem entrou no veículo e disse: “Olá, sei que você tem um sonho e posso realizá-lo”. Macário não entendeu muito o que o homem falou, mas ficou interessado e o convidou para conversarem em um parque. No fim do dia, eles se encontram e o homem diz: ”Sei que você tem um sonho só seu de ser presidente da república e posso realizar esse sonho.” Macário quis saber como. O homem explicou: “Você só vai conseguir o que quer se ganhar uma certa quantia de dinheiro e eu tenho esse dinheiro, mas você tem que me prometer que quando virar presidente da república me ajudará a destruir o planeta.” Macário aceita. Ele foi fazer campanha política, defendendo ideias esquisitas, como liberar armas, a favor do desmatamento, contra a liberdade... E, por incrível que pareça, muitas pessoas acabaram concordando com ele. E assim, Macário foi eleito vereador, depois deputado, senador e finalmente presidente da república. Quando chegou à presidência, ele recebeu visitas do homem do ponto de ônibus que, cada vez, pedia coisas piores, como não apoiar a saúde, nem educação, nem o meio ambiente. E o Macário era obrigado a aceitar. O país que Macário morava foi ficando cada vez pior e muitas pessoas discordavam dele, de tudo que ele falava e não tinham nenhum respeito por ele. E as pessoas que o rodeavam só tinham interesse. Macário andava muito triste porque sua esposa não sentia orgulho dele, ela só sentia tristeza e medo do que ele havia se tornado. Ele acabou se arrependendo do acordo que fez com o homem do ponto de ônibus e pediu para desfazer. “Quero desfazer este acordo, este mundo está piorando a cada dia, as florestas estão acabando, as crianças não têm escola e minha esposa não está feliz. O homem do ônibus diz: “O mundo está um caos, não posso fazer nada e nem que pudesse fazer, isso não consertaria mais porque você fez tudo o que eu queria para acabar com esse mundo.”
Jorge e os Ovos de Ouro João Vitor
Jorge era um homem muito pobre. Ele morava com sua esposa e seus sete filhos em um bairro bem pobre de São Paulo, e não contava com nenhum luxo, somente o necessário para sobreviver. Ele trabalhava como vendedor em uma loja da Cacau Show, e ele amava o seu trabalho. Porém, ganhava uma pequena comissão de 0,002%, e mal tinha dinheiro para alimentar sua família, muitas vezes contando com o cheque especial e acumulando muitas dívidas. Jorge era descendente de refugiados holandeses, que vieram ao Brasil durante o período da Segunda Guerra Mundial em busca de uma vida mais pacífica. Contudo, desde que chegaram aqui, têm vivido uma constante batalha, que agora foi herdada por Jorge. Ele sempre foi fascinado pela história da sua família e sonhava em conhecer a Holanda, porém esse sonho estava muito distante da realidade. Jorge mal conseguia chegar ao seu trabalho, chegar à Holanda seria impossível. A família de Jorge era muito unida, apesar das dificuldades, sempre ficavam juntos e tentavam resolver os problemas. Seus filhos iam sozinhos para a escola pública, cuidavam dos mais novos, e os mais grandinhos trabalham da maneira que podiam depois da escola para tentar ajudar. Fátima, a esposa de Jorge, fazia o seu melhor para manter todos felizes e sempre buscava uma oportunidade de realizar o sonho do marido. Os esforços de Fátima eram em vão, até a chegada de um fatídico dia. Era Páscoa, e a Cacau Show estava fazendo uma promoção. Quem comprasse três ovos de Páscoa teria o direito de concorrer a uma viagem para a Europa. Quando Jorge viu o anúncio ficou muito feliz, porém rapidamente se lembrou de que não teria condições de comprar três ovos. Quando chegou em casa, contou sua decepção para a esposa, que reagiu de uma maneira muito positiva. O que Jorge não sabia é que Fátima havia juntado um dinheiro. E então ela pegou todas as economias que tinha, foi à loja, e comprou os três ovos. Quando voltou para a casa, deu os ovos para os filhos, e o ticket do sorteio para o marido, que ficou preocupado com a saúde financeira da família. Porém, concordou que mereciam um momento de felicidade. Após isso, a família passou dias esperando o resultado do sorteio, quando finalmente ficaram sabendo que Jorge tinha ganhado e que ele finalmente iria conhecer o país da sua família. Jorge pega a sacola que sua esposa tinha feito para ele viajar, e então vai para o aeroporto. Quando chega lá, fica completamente perdido, pois nunca tinha visto um espaço tão grande construído pelo humano. Ele resolve se sentar em um restaurante que havia ali por perto. Cacau Show havia dado para ele uma viagem com tudo incluso para poder viajar, então dinheiro não era uma de suas preocupações. Jorge estava sentado em uma das mesas do restaurante enquanto esperava ser atendido. Quando subitamente aparece uma mulher. Ela usava usava uma roupa social, e tinha cabelos e olhos escuros. Tinha uma postura curva, e era baixa.
Continua...
- Você é o ganhador do sorteio da Cacau Show? - Pergunta a mulher. - Sim, sou eu mesmo. - Eu preciso desses tickets, tenho muitos deveres na Holanda, você poderia me dá-los para que eu possa ir para lá? - Desculpe, senhora, mas eles são muito importantes para mim, e eu não gostaria de abrir mão. Responde Jorge. - Você é jovem e forte, terá outras oportunidades, mas, se não me ajudar, eu estou em sérios problemas. - Tudo bem, pode ficar com os tickets. - Muito obrigada. - Responde a mulher - Você será recompensado. Feliz em ter ajudado, mas triste por perder a chance de ir para Holanda, ele volta para casa. Sua mulher fica chateada, pois não conseguira ajudar o marido, mas ela entende que foi por uma boa causa. Jorge se deita para dormir, e fica pensando sobre a mulher à qual ele cedeu os tickets, e chega à conclusão de que era a Morte. Quando Jorge acorda, ele sente algo debaixo do seu travesseiro. Era um ovo de ouro. Ele mostra a sua mulher, e os dois festejam o aparecimento desse inusitado objeto. Como ele a família consegue pagar todas as suas dívidas. Sua esposa e seus filhos ficam sem entender da onde surgiu aquele ovo. Mas Jorge percebe que foi obra da dona Morte. No dia seguinte havia mais um ovo, dessa vez muito maior. Com ele, Jorge comprou uma casa maior, um monte de comida, mudou os filhos de escola e criou a sua própria loja de chocolate. A família havia ficado rica. No outro dia, eles encontraram um terceiro ovo, e esse era gigantesco. Então a família toda viajou para a Holanda, foram nos melhores restaurantes, ficaram no melhor hotel, e quando voltaram ainda compraram tudo com que eles mais sonhavam, como carros e roupas. A família havia mudado de vida. Jorge saiu no jornal, ninguém podia entender como um homem tão pobre conseguiu comprar todas aquelas coisas. No entanto, não acharam mais nenhum ovo. Porém uma dia, um homem que havia conhecido a família pelos jornais entra na casa durante a noite. Ele estava armado, e queria o dinheiro da família. Jorge tentou explicar para o homem que a família não tinha mais dinheiro, e que eles haviam gastado tudo, porém o homem não acreditou. E, como não conseguiu o dinheiro, atirou em Jorge a saiu correndo. A Família ficou muito triste, porém sabiam que Jorge havia morrido feliz. Pois ele tinha conseguido viajar para Holanda.
José Lara Rocha
José, um motoboy que faz entregas na Zona Leste, sempre teve o desejo de ter uma casa onde pudesse morar e ter conforto, porém, como ganhava pouco dinheiro com as entregas, não tinha dinheiro suficiente e acabou tendo que morar na rua. Seu dia sempre começava da mesma forma, entregava os pedidos nas casas da vizinhança, depois comprava algo para comer no fim do dia e quando chegava a noite montava seu cantinho em uma praça em que gostava de ficar e olhar o céu antes de dormir. Um dia, acabou terminando as entregas mais cedo, pois havia feito uma entrega que deu-lhe um maior lucro. Então, resolveu sentar na praça e descansar enquanto comia sua refeição, sentou-se no banco e abriu a marmita com o seu almoço. Quando olhou para o lado, viu uma senhora muito estranha, estava usando uma roupa preta e rasgada em péssimas condições e seu rosto e seu corpo tinham uma aparência quase cadavérica. Percebeu então que ela pedia comida às pessoas que passavam por ali e resolveu ir até ela e disse: - A senhora parece estar precisando de comida, gostaria de dividir esse almoço comigo? - Obrigada, meu jovem, você foi a única alma bondosa que me ofereceu alimento!- disse a velha com um certo brilho nos olhos e sentou-se ao lado de José. - E você, meu jovem, o que faz aqui nessa praça se não está procurando por caridade como eu? perguntou ela. - Eu moro aqui, senhora, porque, mesmo trabalhando duro todos os dias, nunca tenho dinheiro para comprar uma casa para mim - José respondeu com um olhar meio confuso por causa da pergunta. Eles conversaram por um longo tempo enquanto comiam a refeição e, quando terminaram, a senhora se levantou devagar, olhou para José e disse: - Muito obrigado por dividir esse almoço comigo, acho que você merece ser recompensado, vou ajudá-lo a realizar seu sonho de ter sua própria casa. - Agradeço, minha senhora, mas... como isso será possível?- perguntou José pois, mesmo agradecido, sabia que aquela senhora vivia em uma situação pior que a dele e não teria também o dinheiro para a casa. Ela então olhou para ele e tirou de das suas vestes pretas uma mala de entregar pizza e disse: - Essa mala te dará o tanto de dinheiro que você precisa, basta colocá-la nas suas costas e abri-lá. disse a estranha senhora. - Muito obrigada mesmo, senhora, nem sei como agradecer. Tem mais algo que eu possa fazer por você?- disse José espantado com a mala que ela deu para ele. - Já que perguntou, eu também não tenho casa assim como você então, quero pedir que sempre que eu bater em sua porta você me deixe entrar na sua casa para ficar e passar a noite!- disse ela com uma voz bem severa.
Continua...
- Tudo bem então, minha comadre - respondeu José com um certo medo desse pedido. E assim foi feito, José comprou uma bela casa com uma aparência bonita e aconchegante, com uma varanda, com uma rede para descansar e com o resto do dinheiro montou um aplicativo de entregas para dar emprego a outras pessoas que possuíam o mesmo trabalho que ele. Quanto à senhora, ela batia toda noite na porta da casa pedindo para entrar e ficar. Como prometido, José a convidava para entrar e preparava o quarto de hóspedes para que ela pudesse dormir a noite. Um dia ele foi viajar para a praia e deixou a chave da casa com a senhora, para que ela pudesse usufruir do quarto sem precisar que ele abrisse a porta para ela. Lá, ele ficou encantado com a beleza do mar e aproveitou o máximo para descansar, até que um dia foi a um bar que tinha à beira da praia e conheceu uma moça extremamente bonita. Ficou perdidamente apaixonado e não sabia o que fazer. Era uma moça linda de cabelos negros com um vestido florido e um sorriso radiante, ele estava pronto para falar com ela, até que viu chegar outro homem e abraça-lá romanticamente. Ele ficou abalado com aquilo e um dia depois acabou voltando para sua casa. Chegando lá, a comadre reparou na tristeza de José e perguntou: - O que te incomoda, meu jovem, a viagem não foi boa? - Não é isso, comadre, a viagem foi muito boa, mas fiquei pensando em uma mulher que conheci e fiquei perdidamente apaixonado, pois, mesmo com as senhora aqui, sinto falta de alguém que me ame e divida um lar e uma família comigo. Pensei que essa mulher poderia ser o amor da minha vida, mas ela já tinha um amor. - respondeu José com um olhar muito triste. - Sabe, eu posso te ajudar a ganhar o coração dessa mulher, mas você deve me prometer que quando você se casar e se mudar com ela terá de me deixar morar junto com vocês e que, quando chegar a hora de se despedir da moça, vai deixar que eu a leve - respondeu a senhora. - Eu prometo, comadre. Só deixe que eu fique com essa linda moça e que ela possa me amar tambémrespondeu José muito contente. Então assim foi, a senhora voltou trazendo a moça até ele, ela o beijou e depois de um ano e meio os dois se casaram e foram morar na casa da moça. A senhora foi junto com eles e acabou ficando com um quarto na casa. Tudo estava feliz ao longo desses 5 anos, a não ser o fato de a mulher achar estranho que José conversasse com essa senhora que ele via ao entrar no quarto e que ela nunca conseguiu ver. Um dia a mulher de José ficou doente, e a comadre disse: - Chegou a hora, José, vou ter que levá-la. - Mas já? Como assim? Ela nem tem a idade correta, ainda preciso passar mais tempo com ela! - disse José desesperado. - Trato é trato, você prometeu que não questionaria quando chegasse a hora e vocês já tiveram uma vida belíssima juntos. - Não, por favor eu imploro!! Me leve no lugar, não deixarei que faça isso com ela - gritou José, então a comadre pegou na mão de José e de sua amada e os arrastou para perto dela. José então acordou deitado no banco da praça sem memória do que havia acontecido todo aquele tempo, ele levantou meio desorientado e percebeu que, ao seu lado, estava a mala de entregador.
Filomeno Laura Beatrice
Filomeno, o menor desenhista da cidade de São Paulo, já trabalhava com desenhos a vida inteira e o maior sonho dele era ser reconhecido. Ele nasceu em uma família pobre mas unida. Seu pai trabalhava em obras e sua mãe como lavadeira. Seus pais sempre apoiaram o menino que descobriu sua paixão pela arte aos treze anos e, aos dezessete, contou-lhes que queria trabalhar com isso. Seu pai, enojado com a escolha de vida do garoto, o mandou embora. Filomeno foi morar com um amigo. Ele pagava suas despesas com a arte, não sobrava dinheiro, mas bastava. A única coisa que ele desejava era o reconhecimento de suas obras, ele batalhava todos os dias para isso acontecer, e nessa semana não tinha sido diferente. Pegou suas obras, sua máscara e andou quilômetros até chegar à Av. Paulista, montou sua barraca e começou as vendas, quero dizer, tentou vender, o dia estava fraco. Já estava anoitecendo e ninguém tinha parado para comprar, Filomeno decidiu voltar para casa, desmontou a barraca e andou até a estação. Entrou no trem e foi para casa, chegando lá, foi parado por um senhor que estava pedindo abrigo e comida por uma noite. Filomeno, que já esteve nessa situação, aceitou ajudar. A casa era pequena, mas conseguiu acomodar os dois. Na manhã seguinte, o senhor quis agradecer ao bom garoto com um presente, uma caneta mágica que poderia salvar vidas. Filomeno, curioso, quis mais explicações sobre ela, então o bom senhor começou dizendo que ele não era quem parecia ser, sua forma real era a Morte e estava dando a caneta como recompensa pela hospitalidade. Ela conseguiria salvar vidas com apenas um ponto no punho esquerdo, porém Filomeno tinha que tomar cuidado com duas condições, a primeira era: ele só conseguiria salvar a vida se ela estivesse no início da morte, se ele tentasse salvar no final da morte a Morte o pegaria. A outra, por sua vez, era: se a tinta da caneta acabasse e o garoto tentasse salvar alguém, a morte o pegaria. Feliz e empolgado, o menino agradeceu. Filomeno agora tinha uma relíquia na mão, um poder, e como ele utilizou, vou explicar. Ele andou de casa em casa perguntando se tinha alguém à beira da morte, e quando ele achava, salvava a vida e em troca pedia que comprassem uma obra dele e divulgassem nas redes sociais. Em menos de um ano já estava com quatro milhões de seguidores e estava sendo convidado para fazer exposições e curar pessoas em diversos lugares do mundo. Filomeno estava bem de vida, ele morava em Miami em um apartamento com vista para o mar, tinha arranjado um marido, seus números nas redes só cresciam, mas tinha um problema terrível: a tinta de sua caneta estava acabando. Nem sabia o certo se daria para salvar mais uma ou dua pessoas.
Continua...
Ele estava desesperado, desamparado. Filomeno decidiu guardar as últimas gotas para a família. Isso significava que, agora, ele teria que rejeitar todos os pedidos de ajuda. Um tempo depois, o mundo recebeu a notícia de que a rainha da Inglaterra ficara doente. Filomeno, então, resolveu ajudar e pegou o primeiro voo para a Inglaterra. Chegando lá, foi recepcionado por fãs e uma escolta policial, chegou ao palácio e foi direto aos aposentos da raiva e lhe pediu para estender o braço esquerdo. Em seguida, abriu a caneta e pintou a rainha. Ele nunca tinha ficado tão nervoso. De repente, a Morte surgiu do chão e olhou diretamente para Filomeno, que naquela hora já tinha entendido tudo, ele não conseguiria salvar a rainha. A rainha e Filomeno já estavam demorando, quando um mordomo resolveu entrar. O que ele encontrou? Dois corpos totalmente sem vida.
A Corrida com a Morte Livia Yano Dantas Januário era uma pessoa simples, motorista de aplicativo, morava na caótica cidade de São Paulo, mas nunca perdera a mente por isso. Vivia uma vida simples, quatro filhos e uma esposa que amava com todo seu coração, sabia que seu amor era retribuído, pois, apesar de pertencer a uma família extremamente religiosa, e noiva de um cristão bem-sucedido, ela deixou tudo para casar-se com ele, um ateu sem grandes perspectivas para o futuro, deixando sua família para trás. Januário fazia o máximo para espantar essa memória da cabeça. Certo dia, durante uma de suas corridas, um pai e sua filha começaram a conversar. A menina era pequena, cerca de quatro anos, foi ela quem puxou a conversa: “Papai, você tem algum sonho?”. Januário, olhando pelo retrovisor julgou que poderia ser uma rede social, mas não tinha certeza, não tinha tempo para esse tipo de coisa. O pai, que lia alguma coisa no celular, respondeu: “Por que a pergunta, filha? Você tem?”. “Tenho sim, papai, eu quero uma fonte de chocolate que nunca acabe”, respondeu a menina. O pai, muito distraído, não comentou, todos ficaram quietos até o fim do caminho. Voltando para casa, Januário refletia, coisa rara. Sua mente sempre estava em seu carro, nos caminhos e estradas daquele labirinto de cidade, cujos mapas ele sabia de cor. Mas de que adianta conhecer a cidade como a palma de suas mãos se não podia percorrê-la livremente? Pensava na resposta do pai. Talvez não tivesse respondido, pois sabia que a menina não o compreenderia, ou só estava muito concentrado e não queria que ela o distraísse. Mas não conseguia tirar da cabeça, a pergunta da menina. Nunca nenhum de seus filhos havia feito uma pergunta daquelas, tão pessoal. Mas o pior é que não sabia sobre o que seus filhos lhe perguntariam - sem ficarem decepcionados com a monótona vida do pai. Ao chegar em casa, tudo estava como sempre, a esposa estava cozinhando e, mesmo parecendo exausta, correu pegando o filho menor no colo, para cumprimentar o marido. Este, ainda pensativo, não retribuiu o cumprimento, ela não se alterou, já estava acostumada, mas naquele dia, ela notou que o olhar cansado e vazio do marido, estava diferente, como se visse alguma coisa no horizonte que ela não conseguia ver. Após o jantar, uma sopa de legumes e pão, a mulher, que lavava a louça enquanto cantarolava para ninar o filho, foi surpreendida com uma pergunta do marido, que largado em uma cadeira velha e desgastada, ainda com um olhar distante, disse: “Querida, você possui algum sonho?”. A mulher ficou pasma, nunca ele lhe fizera uma pergunta que não fosse sobre assuntos diários, ao abrir a boca depois de alguns instantes para responder, desistiu vendo que o marido já estava a dormir. No dia seguinte, ao sair de casa, ainda sonolento, com sua garrafinha descartável, bem desgastada devido ao reuso, já havia esquecido sobre o assunto que tanto o afligira na noite anterior. Até que, indo buscar um cliente no lado nobre da cidade, parou em frente a uma loja de chocolates, que nunca havia reparado antes, com uma grande fonte de chocolate na vitrine. Perto da mesma, grandes letras marrons que simulavam chocolate derretido, formavam a palavra “Fondue”, da qual Januário não sabia a pronúncia. De qualquer modo, o que lhe chamou atenção foi nunca ter visto aquela loja antes, sendo que podia lembrar quase de cor de todas as outras daquela rua. Intrigado, olhou um pouco mais para investigar e, lá dentro, viu a mesma menina do dia anterior. Talvez o pai a tivesse ouvido no fim das contas. Então, de repente ficou claro em sua cabeça que seu sonho seria realizar o desejo de todos os seus filhos. “Assim como minha esposa” pensou ele. Continua...
Ao voltar para a realidade, Januário ouviu diversas buzinas. Ainda um pouco perdido percebeu que o farol já estava aberto, e pela cara das pessoas há algum tempo. Ele apenas acelerou e foi buscar o cliente, receoso de que seu pequeno atraso pudesse lhe render uma avaliação ruim. Só havia recebido uma dessas nos 4 anos de trabalho, mas sabia que a segunda significaria demissão. Seus vizinhos brincavam, dizendo que ele cuidava mais do carro e dos clientes do que da família. Chegou ao local onde deveria buscar o cliente, que nem notou o atraso de Januário, pois ainda não havia chegado. Januário estava feliz de ter encontrado seu sonho, “satisfazer seus filhos com o melhor”, mesmo sabendo que no fundo isso não se tornaria realidade. Mais uma vez ele se distraíra com seus pensamentos, agora o cliente estava do lado de fora dando leves batidinhas na janela do carro. Ele ficou surpreso ao ver que o homem sentou-se no banco do passageiro ao seu lado, isso era tão incomum que até o assustou. Januário sabia que a maioria das pessoas daquela região preferiam ficar o mais longe possível. Sem reação, ele apenas começou a dirigir. Estava tão atônito que só foi reparar no homem alguns minutos depois que começou a viagem, era uma figura muito magra que usava roupas sociais escuras, que apesar de em bom estado pareciam ter vindo de um século atrás. Na cabeça de Januário, formou-se a imagem de uma criança vestindo o terno do pai, coisa que Januário nunca havia presenciado e, com certeza, não era só pela falta de um terno. O sujeito olhava pela janela e, por estar dirigindo, Januário só conseguia vê-lo de relance. Achou que estava alucinando, pois toda vez que o olhava parecia que seu rosto estava diferente, a única coisa que permanecia a mesma eram os olhos grandes e fundos. Após um longo silêncio, o indivíduo, que parecia querer dizer algo mas um pouco hesitante, como quem ainda está procurando um assunto, pergunta com um tom de voz rígido, porém calmo: “Você frequenta a igreja?”, parecendo aliviado com a esperança de começar uma conversa. “Na verdade não, sabe como é, sou um homem de pouca fé”, respondeu Januário. Ficou surpreso com a própria resposta, uma vez que o cliente poderia ser religioso e ficar ofendido. “Mas conheço várias igrejas na região”, disse ele apressado, tentando corrigir o possível erro. “Se não é cristão, por que possui um terço em sua… carruagem?” Ao ouvir isso Januário não conteve sua expressão de medo, arrependimento talvez, lembrou-se de sua única má avaliação, uma memória que há tempos tentava apagar. Quando um jovem daquela mesma região, entra no carro de Januário, calçando seus tênis brancos novinhos, a moda do momento, e começa a falar sobre como os mais necessitados da cidade eram mal agradecidos e folgados, como sua vida era péssima, pois precisava passar todos os dias por bairros feios, construídos para pobres, Januário apenas ouve. Mas, quando o jovem diz que Januário era um preguiçoso, assim como deviam ser seus filhos e sua mulher, e que o único carro que tinha era uma carruagem para servir pessoas nobres, evitando que elas se misturassem e infectassem com a pobreza das ruas, Januário não aguenta. Paro o carro, empurra os pés do menino do painel e o manda-o descer em meio a uma comunidade nos arredores. Aquilo quase o fez perder o emprego que lhe custara tanto para conseguir. Todos estes acontecimentos passaram como um relâmpago na cabeça de Januário, que, quando caiu em si, percebeu que estava quase passando um farol vermelho. E ainda devia uma resposta ao cliente “isso pertence à minha esposa, provavelmente deixou aí como uma forma de proteção, ela é muito religiosa, sabe?”, disse ele se autorrepreendendo por ter falado demais. “Sei... Me conte mais sobre ela” disse a figura que continuava misteriosa para Januário, que parecia estar evitando o silêncio. “Ela é uma boa pessoa, esposa esforçada” respondeu Januário tentando ser o mais direto possível, “Então a religião nunca foi um problema para vocês?”, “Não, respondeu Januário, “Na verdade, para se casar comigo, ela precisou deixar a sua família e o futuro noivo, eles nunca aceitariam que ela se casasse com alguém como eu… Mas mesmo assim ela deixou tudo para trás por mim, e eu mal consigo sustentá-la”. Continua...
O cliente balançou a cabeça em concordância. Januário, um pouco tenso e desesperado, olhou para o celular onde recebia as rotas e chamados do clientes, para ver onde ia, não gostava de recusar as chamadas e sabia que precisava fazer o maior número de viagens possível. Então, apenas seguia as direções vindas do aparelho, sem saber o destino. Esperava que não faltasse muito para chegar, sentia-se como se não pudesse segurar seus pensamentos perto daquele sujeito, contava tudo, era como um feitiço, uma maldição. A figura ainda olhava pela janela, praticamente imóvel, havia se instalado no banco como se soubesse que um longo caminho o aguardava pela frente, “Conte mais, Januário”, disse ele “E os seu filhos?”. Januário levou um susto “Como você sabe meu nome?” perguntou. “Estava no… aplicativo”, Januário soltou um pequeno suspiro de alívio, mas não podia deixar de pensar que, do jeito que a pergunta foi feita, parecia que o cliente falava com algum conhecido de longa data. “Meus filhos são ótimos meninos” respondeu contendo-se ao perceber que estava prestes a falar o nome das crianças. “E sobre o seu sonho?” perguntou aquela figura que permanecia estranha. Antes mesmo de formular a resposta em sua cabeça, respondeu apressado, “Sonho em poder satisfazer todos os desejos de meus filhos”, disse isso como se vomitando as palavras. “Eu, se fosse você, pensaria melhor” respondeu o sujeito com um tom um tanto sarcástico. Januário, um pouco irritado com a reação do cliente, interpretou-a como: você é mais egoísta que isso. Com seriedade disse “Por quê? O senhor possui algum desejo ou sonho?”. “Possuo vários desejos e sonhos, que provavelmente não passarão disso”, disse o homem, “Pois, há muito tempo atrás, fui egoísta e agora devo pagar, realizando o desejos dos outros sem o que o meu possa ser realizado”. Januário não entendeu muito bem, pensou que o sujeito talvez não estivesse em sua melhor forma, por assim dizer, então apenas não comentou. Ao perceber o desconforto de Januário,
a misteriosa figura tentou consertar a situação, “Não se
preocupe, só estou aqui para realizar seu mais profundo desejo” disse, “Você só precisa me dizer qual é”. Januário, ainda assustado, respondeu: “Senhor, você poderia me dizer para onde estamos indo?”. O homem disse “Como já disse, estou aqui em uma missão, conheço pessoas como você, sei o que você deseja, esse caminho apenas te levará até o seu sonho mais profundo”. Mais assustado e tentando não se distrair, ele novamente procurou olhar a rota no celular e tudo que viu foi uma longa linha para frente. Sem saber o que fazer, achando que seria roubado, Januário tentando distrair o cliente enquanto fazia sinais para uma viatura da polícia que passava. Voltou-se novamente ao passageiro “Se este caminho me levará até o meu sonho mais profundo, qual seria este sonho que você acha que estou preconizando?”. “Bem, isso não é claro? Por que você gosta de pegar os clientes o mais longe possível da sua casa, mesmo que isso te faça voltar tarde da noite?”. O carro da polícia já os havia passado, então Januário conseguiu prestar atenção o suficiente na conversa para se alterar com a pergunta, “O senhor estaria insinuando, que eu quero ficar longe da minha família!?”. “Não insinuei nada” respondeu o sujeito, “Mas que mal tem querer ficar um tempo sem a família se você já passa o dia trabalhando para o bem dela?”. Januário assentiu com a cabeça, o sujeito prosseguiu, “Seus filhos nunca sequer o agradecem por todo esse trabalho, mas aposto que entenderiam se o pai tirasse uma folga”. Januário parecia concordar ainda mais, “Sua mulher já cuida muito bem deles sozinha quando você está fora”.
Continua...
Januário, que a cada palavra parecia gostar mais da ideia, disse: “É, acho que eles não sentiriam minha falta por uma semana”. O homem assentiu e disse: “É isso que posso te oferecer Januário, a chance de sair daqui, ficar longe de todas as suas responsabilidades”. Januário sorriu, coisa que não fazia há muito tempo, o sorriso chegava a lembrar um desses de filmes de terror. “Então esse caminho pode me levar a isso?” ele perguntou, “Claro que pode, mas com uma condição, você terá de deixá-los para trás, uma vez indicado o caminho de ida não terá mais volta” respondeu o homem. O sorriso no rosto de Januário sumiu transformando-se em uma feição séria. Que demônio será esse que está tentando me afastar de minha família?, pensou. Tentava decidir o que fazer, mas percebia como era difícil se concentrar em uma decisão tão importante e dirigir ao mesmo tempo. “Januário” disse o sujeito “É uma chance única, o que tem de mau em realizar um desejo para si mesmo às vezes?”. O motorista, tentando não se convencer com as palavras daquela estranha criatura que percebe ter um poder sobre ele, se deixou levar. “Porém”, disse Januário, “E os meus filhos, como ficarão sem um pai?”. O passageiro respondeu “Não tem problema, todos os seus desejos serão realizados”. Januário permaneceu mais um tempo em silêncio, o homem um tanto impaciente mas com cautela disse “Acordo fechado?”, “Acordo fechado!” respondeu Januário num tom um tanto decepcionado e apreensivo, dando a mão para o sujeito apertar. Ainda com os olhos na estrada, num momento de susto e terror, sentiu a mão daquela criatura na sua, ossudas, geladas, mortas. Ao olhar para o lado viu que este o encarava. Agora ele via a criatura misteriosa com perfeição, ela possuía um rosto pálido, cadavérico, olhos cinzas e fundos. Januário não ousava soltar um suspiro sequer, sentiu a criatura apertar sua mão mais forte e sorrir, seu rosto mudava e antes que Januário pudesse gritar em terror viu o seu rosto refletido no olhos da morte. Depois de muitos anos, ele tentava lembrar do que havia acontecido naquele dia, mas suas últimas memórias eram de uma luz forte e ofuscante, acompanhada de um estrondo, e por fim pedaços cintilantes de vidro voando em sua direção. Quando deu por si, estava no meio da rua em vestes pretas, perdido, na frente de uma loja de chocolates, com uma palavra que só depois de anos aprendeu a pronunciar corretamente. Viu um pequeno grupo de
pessoas e, ao se aproximar, notou que estavam em volta de seu carro, estava
perdido e assustado. Correu até o veículo e olhando pela janela viu seu corpo morto. E então seu reflexo parecia, cadavérico, pálido e possuía olhos acinzentados. Terrivelmente assustado, sem saber o que fazer, tentou esconder seu rosto, e ir para um local mais discreto, ele se sentia cansado e faminto. Começou a olhar os bolsos à procura do seu celular para pelo menos saber o nome do tão estranho passageiro. Mas a única coisa que achou foi um papelzinho amarelado com a seguinte escrita: “Há muito tempo atrás, fui egoísta e agora devo pagar realizando o desejos dos outros sem que o meu possa ser realizado”. P.S. “Agora você poderá realizar o desejo das pessoas mais puras levando-as para uma vida de felicidade para toda a eternidade”. Ao ler isso, Januário foi transportado para um hospital onde realizaria seu primeiro trabalho.
A Vida e a Morte de um Quarentenado Lorenzo Pagani Legat
Seu nome, Macário. Sua vida, parada. Como estava entediado. Era só mais um dia de quarentena para ele, um tatuador com um pequeno negócio na cidade. Esse era seu primeiro dia de volta ao trabalho. Estava com pouquíssimo dinheiro, sua esposa não trabalhava, e tinha filhos. Despediu-se da esposa e dos filhos. Chegou ao estabelecimento vazio… empoeirado. Ele estava cansado, não estava acostumado a trabalhar fazia um tempo. O seu primeiro cliente chegou à loja, um homem bem vestido, com um penteado bonito, anéis dourados, resumidamente, um homem com uma grande quantia de dinheiro. Ele disse que queria uma tatuagem na suas costas. -Qual -Hum, -Vou
tatuagem pode preparar a
você ser máquina,
gostaria, do dê
esta me
um
senhor? pentagrama… minuto.
O homem estava tentando se distrair, olhando para o estabelecimento. Ele encontrou a marmita de Macário, e rudemente disse: -Senhor, você poderia me dar a sua marmita, posso lhe dar uma quantia de dinheiro significativa para seu tipo. -Me desculpe, mas essa é minha marmita. -Mas eu posso te dar dinheiro, então você pode comprar outras comidas, melhores do que essa. -Sim, eu poderia, mas essa marmita tem um valor sentimental, eu recebi ela de minha esposa. -Você está entendendo? Eu estou falando de di-nhei-ro. Macário respondeu furiosamente: -Senhor, não sou analfabeto, sei bem o que dinheiro significa, e é isso que estou tentando ganhar, mas não vendendo aquela marmita. O cliente se levantou, xingou Macário e saiu. Macário, confuso com a situação, se sentou esperando o próximo cliente, se alguém viesse. Depois de alguns minutos, alguém bateu em sua porta. Ele foi ver quem era. Era um homem alto, magro, cabelo curto, roupas simples. Macário perguntou: -Olá, o que o senhor deseja? -Olá, meu companheiro nesse mundo, eu vim aqui falar sobre Jeová, se o senhor me permitir! -Desculpe, mas estou em trabalho agora. -Ah, tudo bem! Espero que o senhor tenha um bom dia! Quando
Continua...
Macário
estava
fechando
a
porta,
o
homem
falou:
- Espere. O senhor tem comida? Eu estou há um tempo fora de casa, não tenho dinheiro para comprar um almoço, o senhor pode me dar pelo menos um pedaço insignificante de sua comida? -Me desculpe, amigo, mas não posso, isso é o único que trago para o trabalho, e às vezes passo fome em casa, então ter isso, é muito importante para mim. -Tudo bem… Eu espero que seu estado melhore, que Deus te abençõe. Macário se sentiu um pouco culpado por não lhe dar um pedaço, mas sabia que iria precisar comer aquilo depois. Foi ao banheiro, esperando o próximo cliente. Quando voltou para a sala principal, se deparou com um homem magro, a ponto de suas costelas aparecem em sua pele, com roupas rasgadas, cabelo bagunçado. Macário assumiu que era um mendigo.
-Olá, senhor, o que deseja? O senhor falou com uma voz rouca. -Olá, meu filho… Como você está? Eu estou procurando por alguém que seja gentil suficiente para me dar um pequeno pedacinho de comida…” Macário, já misturando emoções que esse dia maluco fez nele, estava disposto a ajudar o homem. -Olha, meu senhor, eu tenho um pouco de comida, mas não posso te dar tudo… -Muitíssimo obrigado, meu filho! Eu serei sempre grato a você... Eles
se
sentaram
e
-Você
apreciaram
a
marmita.
reparou
Enquanto
comiam,
o
senhor
nos
falou: outros?
-Que outros? -Satanás e Deus. -Me desculpe, mas não sei do que você está falando… O senhor deu uma risada. Macário estava achando que o velho estava louco. -Meu filho… acredite se quiser, ache que eu seja maluco, mas eu sou a Morte em pessoa… O primeiro homem era Satanás, por isso seu jeito arrogante, e o segundo homem era Deus, disfarçado de uma testemunha de Jeová, ele foi gentil com você. Por que não deu sea marmita para um deles?”
Macário ficou em choque, mas, como era muito religioso, ele acreditou, já tinha acontecido muita coisa nesse dia.
-Eu não sei o que dizer… -Não precisa dizer nada. Só quero dizer a você, que eu te ajudarei com seus problemas, do dia a dia. Eu conseguirei fazer com que você reviva alguém que está prestes a morrer, se eu estiver sentado do lado esquerdo da ser vivo, ele irá viver, se eu me sentar do lado direito, bem… Não terá um jeito… Mas eu não vou fazer tudo, você terá que fazer essa receita, e dar isso para o ou a pessoa.
Continua...
O senhor passa um papel pequeno a Macário, ele não falou nada, ficou completamente paralizado, era muita informação para ele. O senhor se levantou, sem falar nada, e saiu. Macário estava muito confuso, tentou se recompor, lavou sua cara, fechou a loja e voltou para casa. Quando chegou em casa, teve a notícia horrível de que seu filho estava com COVID, ele não sabia se aquilo era destino ou sorte. Ele estava muito preocupado na hora, colocou uma máscara, algumas luvas e foi ver o filho na cama. Ele não estava acreditando no que estava vendo, a morte estava lá, sentada, até parecia que estava esperando Macário. Ele estava preocupado, mas percebeu que a morte estava do lado esquerdo do filho, e ele ficou aliviado. O menino estava passando muito mal, pois ele tinha bronquite, mas ele sabia que conseguiria o curar, e ele o fez. Como esperado, ele salvou muitas vidas, a maioria, era considerado um médico, só não virava um, pois não tinha estudado para isso, e nem tinha dinheiro para isso.
Mas tudo que é bom uma hora acaba… Macário estava muito feliz com sua vida, familiar, situação económica,
tudo.
Mas
a
morte
quis
falar
com
ele,
e
disse:
-Muito bom, você usou seus poderes para o bem… Mas isso, a tantas vidas que tu salvastes, algo iria lhe custar. A sua vida irá custar...”
Macário estava confuso, pois a morte não tinha falado com ele sobre essa condição… Mas, infelizmente, Macário foi encontrado morto em seu estabelecimento. Ele estava intacto, tinha comido metade de sua marmita, e a outra metade inteira…
José e o seu Sonho de Comer um Hambúrguer Lucca Capella
José é um lixeiro que vive em São Paulo. Ele passa pelas ruas catando lixo. Ele é uma pessoa pobre, que ganha muito pouco e é uma boa pessoa. O que ele desejava, não era dinheiro, uma casa nova melhor do que a dele, e sim comer um hambúrguer. José nunca comeu um hambúrguer. E, depois de um tempo juntando seu dinheiro, conseguiu comprar um do McDonalds para comer. Depois de comprá-lo, José foi para o porão de sua casa, porque ninguém iria suspeitar de que ele estaria lá comendo. José arrumou o porão, e começou a comer. Quando ele ia começar a comer, apareceu uma perna na frente dele, e ele começou a olhar para cima devagar e com medo. Quando José viu quem era, percebeu que era o seu chefe do trabalho. O chefe disse: -O que me diz de me dar um pedaço desse seu hambúrguer? Em troca eu te darei um aumento, eu deixo você escolher qualquer coisa que eu tenho na minha casa, ou talvez eu possa te dar o meu cargo de chefe. -Não posso te dar, porque isso seria um ato desleal com a minha esposa. Ela trabalhou com tanto esforço para eu conseguir realizar o meu sonho. -Escuta aqui, eu darei o nome de todas as ruas de São Paulo de José, te dou qualquer coisa se você me der um pedaço de seu hambúrguer. - Você não é uma autoridade que tenha esse poder. Vá para onde você veio, e vê se não enche mais o meu saco. Depois do chefe ir embora, José ia começar a comer o seu hambúrguer, até que ele percebeu que tinha outra perna na frente dele. José foi olhando para cima, até descobrir quem era dessa vez. Era uma pessoa baixa, não muito velha, com roupas brancas...ele percebeu que era um padre. O padre disse: - Você não quer me dar um pedacinho desse hambúrguer? Eu estou com muita fome, eu passei muitos dias sem comer. Porque, um pedacinho do seu hambúrguer não vai fazer falta. -Infelizmente, você está errado. Esse hambúrguer foi me dado inteiro para ser comido inteiro. Ele não seria um hambúrguer se abrisse mão de um pedaço do tamanho menor do que de uma unha. E te dar um pedaço tiraria a felicidade da minha esposa, porque ela trabalhou duro para que eu conseguisse realizar o meu sonho. -Está bem, eu te entendo, meu querido vizinho. Que você e sua família sejam muito abençoados por Deus, pelo resto de sua vida. Depois do padre ir embora, José ia começar a comer, até que ele viu outra perna na frente dele, e ele foi olhando para cima para descobrir quem era dessa vez. A pessoa era meio baixa, com roupas rasgadas, um pouco velha, cabelos longos e barba comprida. José viu que era um mendigo. O mendigo disse:
Continua...
-Você não gostaria de me dar um pedaço desse seu hambúrguer? Eu estou com muita, muita, muita fome. -Não precisa me dizer, eu percebi logo que eu te encontrei. Bom, dessa vez eu não vou poder negar, você está com muita fome. José partiu o hambúrguer no meio, quando eu dividir você escolhe o pedaço que você quiser. Os dois jantaram juntos, foi um jantar muito alegre e divertido. -Bom, disse o mendigo, eu fiquei sabendo que você recebeu duas visitas antes de mim, não é? -Isso mesmo, como você sabe? -Eu sei de tudo, porque eu passo por todas as ruas dessa cidade. O primeiro era o Diabo. -Sim, eu percebi logo quando eu o vi. Aquele sujeito pode se disfarçar de qualquer pessoa. E o segundo era um padre da Igreja. -Bom, já que você foi tão bondoso comigo, em me dar um pedaço do seu hambúrguer, eu vou te recompensar com uma coisa. -Com o quê? -Eu vou te tornar um médico. Com esse líquido você poderá curar todas as doenças, até as que ainda não foram descobertas. Mas, uma vez o remédio acabado você não disporá mais dessa cura. -Olha, não sei se devo aceitar, eu levo uma vida feliz, não sei se devo aceitar. E comer um hambúrguer inteiro foi que eu sempre sonhei. -Por isso mesmo, você não comeu o hambúrguer inteiro. -Verdade, se eu não comer um hambúrguer sozinho eu morrerei muito triste, então eu vou aceitar. -Está bem, só tem umas coisas que você tem que saber antes de a gente se separar. -Diga-me. -Eu estarei em todas consultas que você fizer, e vou escolher se você vai dar o remédio pro paciente ou não. -Bom, agora teremos que nos despedir. -Está bem. Após o jantar José foi dormir. E, no dia seguinte, percebeu que sua mulher estava com os olhos inchados e vermelhos de tanto chorar, e perguntou: -O que aconteceu? -O meu filho está prestes a morrer. José percebeu que sua casa estava cheia de vizinhos da rua, eles estavam preocupados, porque a criança estava à beira da morte, e nenhum médico tinha a cura. José se lembrou de que o mendigo lhe deu um remédio que curava qualquer doença, então ele pegou o remédio e pediu para que todos os que estavam no quarto saíssem. Quando as pessoas saíram, o mendigo apareceu, e José perguntou:
Continua...
-Eu curo ele ou não? -Sim, pode curar. Então, José colocou a cura na boca do paciente, e logo após o paciente se recuperou. Depois do que aconteceu a mulher de José contou para todo mundo o que aconteceu, e depois disso as pessoas vieram ver se o que tinha acontecido era verdade José, no dia seguinte[,] continuou sua rotina normal, passou pelas ruas catando lixo da rua, e quando José estava voltando para casa, um vizinho estava procurando por ele. O vizinho disse desesperado: -José, eu fiquei sabendo do que aconteceu ontem. Você pode curar a minha esposa, ela está prestes a morrer. -Está bem vizinho, eu vou até a sua casa ver a sua esposa. José chegou na casa, e pediu para o vizinho ficar sozinho com a esposa dele, e o vizinho concordou, e levou José até o quarto onde a esposa estava e deixou os dois sozinhos. E de repente aparece o mendigo, e José pergunta: -Eu curo ela? -Sim, pode curar. Mas, o vizinho tem fama de ciumento, então ele ficou espiando pela porta, pra ver o que ia acontecer, mas José logo percebe e chama o vizinho, e diz: -Vizinho, isso não é coisa que se faz. Quer saber, só por isso eu posso não curar a sua esposa, sabia? Ela não te merece. -Está bem, não vou mais espionar. Então, José pegou o remédio e pingou uma gota na boca da mulher, e ela se recuperou na hora. De tanta felicidade e gratidão o vizinho disse: -Muito obrigado por curar a minha esposa, e por causa do que você fez eu vou te dar 10 reais. Após José ter curado a esposa de seu vizinho, percebeu que o remédio estava prestes a acabar, e decidiu que ia anunciar que ele ia abandonar a prática da medicina. Estava velho e achava que poderia viver o resto de sua vida em paz. José pretendia guardar as duas últimas gotas do remédio para a sua família, e principalmente para a sua esposa. Mas, nesse meio tempo, o filho do vice-prefeito estava muito doente. E nenhum médico conseguiu curar a doença, e é uma doença que nenhum médico conhece. Então, por causa da sua fama como médico, José foi chamado para tentar curar o filho do vice-prefeito. O vice-prefeito disse: -Para deixar bem claro, não foi eu quem te chamei, foi a minha mulher, que insistiu em trazê-lo para curar o nosso filho, que pelo que parece nenhum médico consegue curar. -
Caso você o cure, eu vou lhe ceder um quarto da minha fortuna para você, além disso você poderá escolher qualquer mobília da minha casa, independente do valor. E também lhe darei uma licença para exercer medicina em qualquer lugar de Jundiaí, com os mesmos direitos de um médico formado. Eu acho que é um pagamento justo pelo seu trabalho.
José faz que sim com a cabeça, e não diz nada. O vice-prefeito continua: -Mas tem um porém. Se você não conseguir curar o meu filho, vou te levar para o tribunal da Inquisição, e vou te acusar de prática de feitiçaria e pacto com o Diabo, e vou te matar. -Você entendeu tudo o que eu disse? -Sim, senhor, disse José tremendo e com medo. -Agora eu irei te levar para o aposento em que está o nosso filho. Siga-me. Quando José chegou, tinha duas enfermeiras que cuidavam do garoto. O menino estava deitado em uma cama, do tamanho dele e era feita de madeira. Para ter certeza de que as duas gotas do remédio estavam com ele, José deu um toque de leve no bolso da calça. Depois disso, José disse: -Senhor, você pode sair para que eu fique sozinho com o paciente? -Está bem, eu vou sair, disse o vice-presidente, com medo de que acontecesse algo de mau com o garoto. José se lembrou de quando ele foi curar a esposa de seu vizinho, que foi a sua primeira paciente fora da família. O vizinho hesitou do mesmo modo, quando pediu para que saísse do quarto e o deixasse sozinho com a sua esposa. De repente apareceu o seu sócio, o mendigo, e José perguntou: -Posso curá-lo? -Não, esse eu vou levar comigo, disse o mendigo. -Me dê essa criança, suplicou José, em nome de nossa velha amizade. Eu nunca te pedi nada. Me dê esse menino, para que eu possa curá-lo e depois disso, irei quebrar o frasco para que eu não tenha mais o remédio. Por um longo tempo fitou o vazio, como se o mendigo estivesse examinando a situação, para encontrar a solução. Obviamente as ordens eram de levar o menino. Depois disso, o mendigo disse: -José, infelizmente nesse caso eu não poderei te ajudar, sinto muito. -Não, você não pode levá-lo, eu não vou permitir que isso aconteça. De repente o mendigo desapareceu, e por um instante ele apareceu na cabeceira da cama, e mais que depressa, José girou a cama, de modo que o mendigo ficasse aos pés do enfermo.
Continua...
Novamente, mendigo desapareceu e reapareceu na cabeceira da cama da criança, e rapidamente José girou a cama, para que o mendigo ficasse aos pés da criança. Em desespero, José continuou a girar a cama, como se fosse uma roda, e toda vez que ele parava para tomar fôlego, ele via o mendigo na cabeceira da cama, e começava aquele jogo. Estava tão cansado de girar a cama, ao tocar no bolso, por impulso, ele percebeu que o frasco havia se quebrado no meio daquela brincadeira. Ao perceber que o frasco havia se quebrado, ele entrou em desespero, porque ele seria morto se ele não conseguisse curar o menino. Mas, o mendigo começou a tentar levar José junto com o menino, até que ele conseguiu. Depois de um tempo, a mulher de José ficou tão preocupada com ele, que ela começou a procurá-lo sem sucesso. Um mês depois, José foi encontrado, dormindo feliz, lá no porão em que ele estava comendo o seu hambúrguer.
Espelhos Isabel Bersou Ruão
Caíque chegou em casa, cansado de mais um dia de trabalho. Não podia dormir ainda, precisava] terminar aquele artigo. Jogou as chaves, casaco e pasta na mesa perto da porta, subiu as mangas e foi preparar alguma coisa para comer. Quando a comida estava pronta, sentou-se em sua escrivaninha, afastou os papéis, cartas e anotações, deixando todos amontoados num canto da mesa. Abriu seu computador, colocou o prato do lado e, quando ia começar a escrever o artigo, uma das cartas caiu do monte. Caíque abaixou-se para pegá-la e viu que a carta fora escrita a mão, mas com uma letra que ele não reconhecia. A carta estava endereçada a ele, porém não havia nada sobre quem a enviara. Resolveu abrir e apenas achou uma lista de nomes de conhecidos: Pedro Guimarães Rosa, Felipe Andrade, Amélia Gonçalves, João Costa, Henrique Araújo Rosa, Ana Ribeiro Guimarães e no final em letras menores “Risque cada um à medida que se forem”. Caíque não entendeu absolutamente nada, virou o papel para ver se tinha algo mais e nada, olhou o envelope e nada, mexeu no monte de papel e mais uma vez, nada. Saiu do apartamento, foi lá embaixo e falou com o porteiro, perguntando se alguém passara para vê-lo. O porteiro falou que não sabia de nada. O jornalista voltou ao seu apartamento confuso, não sabia de quem viera e nem o que significava, podia não ser coisa alguma. Não sabia nem quanto tempo aquela carta estivera em sua casa. Resolveu que não era nada demais. Acabou seu trabalho e foi dormir. Caíque demorou para pegar no sono, estava estranhamente inquieto. Dois dias depois, o homem tomava café da manhã e lia o jornal, ao virar a página sentou-se imediatamente ereto, colocou a xícara na mesa, ajeitou o óculos e releu a notícia. Em grandes letra o nome de seu irmão, Pedro Guimarães Rosa, e ao lado “assassinado”. O texto indicava que ele havia sido morto, por facadas, na noite anterior. Não falava por quem. Ao encostar na cadeira em choque, Caíque encarou a carta, ainda aberta e o nome de seu irmão no topo da folha. Levantou e pegou o papel, releu os nomes e a frase falando para riscar cada um quando se forem. Olhou para o lado e viu uma caneta, pensou em pegá-la, mas não o fez. Por fim, largou a carta e correu para o banheiro. Lá, apoiou-se na pia, ofegante, lavou o rosto e quando se ergueu, viu no espelho um homem encarando-o de volta. Caíque olhou para trás para ver se alguém estava ali, porém ele estava completamente sozinho. Ao voltar para o estranho, notou suas mãos ensaguentadas e a aliança que o irmão usava em uma corrente presa ao seu pescoço.
Continua....
Sufoca e cambaleia para trás. - Você….você…..vo-você…. O estranho apenas sorri. - Você fez isso - diz Caíque apoiado na parede. - Ah não… - responde o homem, balançando a cabeça - Você fez isso. Caíque fecha os olhos com força e tenta se acalmar, quando volta a abri-los, não há ninguém no espelho a não ser seu próprio reflexo. Dias ou até semanas depois, quatro nomes já estavam riscados, seu melhor amigo, sua namorada da adolescência, seu colega de trabalho e seu pai. Todos mortos agora. Durante esses dias, Caíque deixou a barba crescer, ou melhor, parou de fazer a barba, seu apartamento estava mais bagunçado do que o habitual, uma pilha de pratos bloqueava a pia, o sofá estava coberto por migalhas e uma das paredes do quarto estava cheia de anotações, notícias, pedaços de livro e revistas, todos interligados por fios e no centro, a carta. Caíque já tentara esconder o maldito pedaço de papel, trancá-lo, jogar fora, mas nada deu certo. Ele andava desleixado e nervoso, sempre olhando para os lados à procura do assassino. Caíque o via algumas vezes ao dia e não havia um dia sem que não tivesse que encará-lo. Perdera o emprego por isso também. Seu chefe o chamou para perguntar se estava indo bem, já que parecia meio perturbardo e seu rendimento no trabalho havia caído perceptivamente. O escritório tinha uma das paredes apenas de vidro e atrás da mesa, quadros envidraçados. Seu chefe estava de pé atrás da mesa, bem no meio das pinturas. Naquele momento Caíque viu o assassino atrás de seu patrão, em pé, com um terno e um sorriso no rosto. Sem pensar muito o empregado pulou para agarrá-lo, mas ele já não estava mais, então apenas atingiu seu chefe. Estava em casa agora, as janelas fechadas, os espelhos cobertos, os relógios guardados, já não usava mais óculos. O único espelho descoberto era o do banheiro. Caíque foi para lá, quando entrou não olhou diretamente para o espelho, sentou-se no chão, respirou e então levantou-se. Seguiu em frente, sem nem piscar e ficou a encarar o homem à sua frente. Ele sorria, maldito que sempre sorria! Suas expressões, o modo como se movia e o olhava, tudo provocava para que fizesse alguma coisa. Surtasse, falasse, quebrasse. Caíque começou a suar e perder o fôlego. - Por quê? Por quê? Por… - Você pergunta isso para mim? Ele só encarava o outro, sem conseguir dizer nada. - Por que não me deixa em paz? Por que me segue por todos os lado? - Mas não é óbvio? Estou te esperando.
Continua...
- Esperando que eu faça o quê? - Que me alcance. Nesse momento, Caíque pegou o copo em que guardava sua escova e atirou com tudo no homem. O espelho rachou. Poucos dias depois, Caíque agora estava sentado em uma cafeteria, tomando café e comendo um bolinho. Comprara três jornais diferentes para ver se algum noticiava o assassinato da última pessoa na lista. Folheava-os agoniadamente e até que ansioso, para aquele sofrimento pudesse acabar. Não ficaria mais à espera, sem poder fazer nada e só olhar todos serem mortos. Enquanto bebia seu café, viu um vulto passar correndo à sua frente, olhou para os lados e para trás e conseguiu focá-lo. Reconheceria aquele rosto em qualquer lugar. O assassino parou e sorriu. - Você não vem? E voltou a correr. Caíque levantou imediatamente e começou a persegui-lo. Seguiu-o por ruas tortas e estreitas, às vezes ele sumia de sua vista mas logo voltava a aparecer. Quando o perseguidor ia virar a esquina, ouviu um grito e estacou onde estava. Logo voltou a correr mais desesperado. Não podia ser… Ao virar a esquina, uns metros à frente, estava lá, mais uma vítima, morta no chão, encharcada no próprio sangue. Caíque caminhou até ela, sua própria mãe, lágrimas corriam por suas bochechas, fechou os olhos da morta delicadamente e levantou. Ele não podia escapar agora, ele não iria escapar agora. Voltou a persegui-lo. Correu, correu e correu. Subiu ladeiras, desceu morros, esbarrou em várias pessoas. Sangue subia-lhe à cabeça e mesmo ofegante não parava nem diminuía o ritmo, o outro corria veloz e gargalhava de se seu perseguidor, às vezes o esperava em uma esquina ou curva, só para logo depois recomeçar a corrida. Uma hora, entraram em um parque, corriam nos caminhos já definidos mas às vezes passavam pela grama e davam a volta em árvores. Por um glorioso momento, quando Caíque passava pelo rio do parque, encontou-se lado a lado com o outro homem. Chegando ao lugar em que o rio se transformava em um pequeno lago, o perseguido parou bem a sua frente. Sem pensar muito, num ato de puro ódio, pulou para agarrá-lo e bem… conseguiu. No dia seguinte, um corpo foi encontrado naquele lago. O corpo de um homem, de barba mal feita e aparência desleixada. A matéria no jornal dizia que o homem havia sido um jornalista renomado e seu nome era Caíque Guimarães Rosa.
Wellington Ryhan Santos dos Anjos
Wellington, o entregador de ifood da favela, havia quinze anos alimentava um desejo irreprimível. O que desejava não era riquezas, nem uma casa bem construída em lugar do velho barraco caindo aos pedaços em que morava com a mulher e os 5 filhos maltrapilhos e sempre esfomeados. A coisa com que ele mais sonhava neste mundo - pela qual seria capaz de vender a alma - era comer uma lasanha só para si e a oportunidade
de comê-la em paz, absolutamente sozinho embrenhado na
favela, longe dos olhos famintos dos seus 5 filhos. Sempre de estômago vazio, saía de casa toda manhã antes do amanhecer, de segunda a segunda, chovesse ou fizesse sol. Desaparecia nos becos e voltava ao anoitecer com duas marmitas[.] Essas marmitex, resultado de um dia de trabalho, ele entregava por cinquenta reais, às vezes até menos. Durante as épocas de chuvas, porém, quando a concorrência era menor, vez por outra consegui o dobro pelo mesma quantidade de marmitex. Cinquenta reais significava uma fortuna para sua mulher, que parecia mais faminta que Wellington e era conhecida na favela como A Mulher dos Olhos Tristes. Sua esposa, a companheira mais abnegada e mais fiel que um homem poderia desejar, tinha todos os motivos para considerá-lo um bom homem. Nunca batera nela e trabalhava duro. Apenas nas noites de sábado tomava um gole de dez centavos de 51, bebida que ela nunca deixava faltar, por mais que estivesse sem dinheiro. Ela a comprava no armazém porque custava metade do preço que ele pagaria se bebesse no bar da comunidade Reconhecendo o bom marido que ele era e o quanto trabalhava para manter a família, o quanto, à sua maneira, gostava dela e dos filhos, a mulher começou a guardar qualquer moedinha que conseguia economizar[,] fazendo pequenos trabalhos para outros moradores mais remediados que ela. Ao cabo de três anos, que lhe pareceram uma eternidade, ela finalmente conseguiu pôr as mãos no lasanha mais pesada que encontrou no mercado. Não cabendo em si de satisfação, levou-o para casa enquanto as crianças estavam fora e o escondeu para que ninguém visse. Não disse uma palavra quando o marido chegou em casa naquela noite, cansado, morto de fome como sempre, e para variar rogando aos céus que lhe dessem uma lasanha. Ela mandara os filhos para a cama cedo. Não temia que o marido visse o que estava preparando, porque ele já caíra no sono sobre a mesa e, como de costume, meia hora depois se levantaria sonolento e se arrastaria para a cama, onde cairia como se atingido por um porrete.
Continua...
Se algum dia uma lasanha foi preparada com uma sensação plena de felicidade e profunda alegria a guiar as mãos e o gosto da cozinheira, com certeza foi aquele. A mulher trabalhou a noite toda para aprontar a lasanha para antes do amanhecer. Wellington se levantou para o dia de trabalho e se sentou à mesa para o magro desjejum. Ele nunca se dava ao trabalho de dizer “bom dia” e não estava acostumado a ouvir isso da mulher nem de ninguém em sua casa. Wellington se pôs de pé, pronto para partir. Saiu à porta da choupana e, enquanto ali se demorou por alguns segundos, olhando a névoa da manhã cinzenta, sua mulher se colocou no caminho. Por um breve instante, ele olhou para ela, um tanto desconcertado por aquela atitude. Então ela lhe entregou uma velha cesta na qual se encontrava uma lasanha, cuidadosamente disposta e recheada, envolto em tenras folhas verdes de bananeira. “Aí está, querido marido, aí está a lasanha com que você sonhava há tantos anos. Leve-o com você para as profundezas da favela, onde ninguém irá incomodá-lo e onde possa comê-lo sozinho. Agora vá, antes que as crianças sintam o cheiro e descubram essa deliciosa comida e você não consiga se recusar a repartir. Vá embora, depressa. ” Ele a olhou com os olhos cansados e balançou a cabeça. Por favor e obrigado eram palavras que ele nunca usava. Nem lhe passou pela cabeça deixar que a mulher comesse um pedacinho, porque sua mente, incapaz de se ocupar com mais de um pensamento ao mesmo tempo, estava concentrada na necessidade de se afastar dali o mais depressa possível com a lasanha, antes que os filhos acordassem. Levou um bom tempo procurando um lugar bem escondido na favela. Depois de muito andar, sentia muita fome e estava pronto para comer a lasanha com gosto. Arranjou um lugar confortável para se sentar no chão e lavou as mãos numa pia perto dali. Tudo estava perfeito, como deveria ser naquela solene ocasião - isto é, a realização de um desejo formulado dia após dia ao longo de um número quase incontável de anos. Com um suspiro de grande felicidade, encostou-se em uma casa, tirou a lasanha da cesta, espalhou as grandes folhas de bananeira à sua frente e, com um gesto solene, pousou sobre elas a ave, como uma oferenda aos deuses. Ele planejava se deitar depois da refeição e passar o resto do dia dormindo, transformando-o em seu dia santo, um verdadeiro feriado - o primeiro em sua vida desde que se entendia por gente. Olhando para aquela comida preparada com tanto esmero e aspirando o doce aroma de uma lasanha com tanto cuidado e perícia, ele murmurou, cheio de admiração: “Tenho que reconhecer que ela é uma grande e maravilhosa cozinheira. Pena nunca ter tido a chance de mostrar o seu talento”. Em seu espírito, aquele era o maior elogio e a mais profunda expressão de gratidão que conseguiu formular. Sua mulher ficaria cheia de orgulho e felicíssima se algum dia dissesse isso a ela. Porém, ele nunca seria capaz de fazê-lo, porque na presença da esposa aquelas palavras simplesmente se recusariam a sair.
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Segurando a lasanha com a mão esquerda, agarrou com a direita uma faca para cortar um pedaço[.] Enquanto fazia isso, viu surgir subitamente dois pés bem à sua frente, a menos de dois metros de distância. Levantando os olhos devagar, foi descobrindo, sucessivamente, havaianas pretas, um short
e
finalmente um boné da Oakley, vestido a caráter, olhando-o arrancar um pedaço da lasanha. Quando os olhos de Wellington alcançaram seu rosto, o desconhecido deu um sorriso fino e um tanto malicioso. Era evidente que considerava o próprio sorriso absolutamente irresistível, capaz de seduzir qualquer ser humano, fosse ele homem ou mulher. “O que me diz, meu amigo, de oferecer um bom pedaço da sua deliciosa lasanha a um trabalhador faminto?”, disse ele com voz metálica. “Sabe, amigo, trabalhei durante a noite toda e agora estou morrendo de fome. Então, pelos diabos, convide- me a partilhar do seu almoço.” “Em primeiro lugar”, corrigiu Wellington, segurando a lasanha como se a qualquer momento ele pudesse sair voando, “isto aqui não é almoço. Em segundo lugar, este é o jantar do meu feriado particular, e não vou dividi-lo com ninguém, seja lá quem for. Está entendendo?” “Não, não estou. Escute aqui, amigo, eu lhe darei meu pesados colares de prata só por essa lasanha que você tem na mão”, umedecendo os lábios com uma fina língua vermelha que, caso fosse bipartida, poderia muito bem pertencer a uma cobra. “De nada me serve seu colar, seja ele de ferro, latão, prata ou ouro cravejado de diamantes, porque eu posso ser roubado”, retrucou Wellington. Para ele, que esperava por aquela refeição por tantos anos, a lasanha tinha um valor inestimável. Wellington, que não estava ligando a mínima para a insistência do charro, mais uma vez tentou cortar um pedaço da lasanha e começar a comer, mas o visitante o interrompeu novamente: “Escute aqui, amigo, sou dono desta casa, de todas as casas desta rua, e de todas as casas destas favela, e lhe concederei todas elas só por um pedaço da sua lasanha. Todas essas casas, pense bem.” “Agora você está mentindo, forasteiro. Estas casa não são suas, pertencem ao Senhor, senão eu não poderia andar aqui e vender marmitas aos moradores. E, ainda que fossem suas e você me desse todas elas ou as trocasse por parte da minha lasanha, eu ficaria mais rico, então você teria dinheiro para comprar uma lasanha” O homem disse: “Escute, meu bom amigo...” “Escute você”, interrompeu Wellington impaciente. “Você não é meu bom amigo e eu não sou nem quero ser um bom amigo seu, enquanto Deus me salvar a alma. Volte para o inferno de onde veio e me deixe desfrutar do meu jantar de feriado em paz.” O homem fez uma careta horrível e repulsiva, xingou Wellington e saiu amaldiçoando o mundo e toda a espécie humana.
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O entregador observou enquanto se afastava, balançou a cabeça e disse para si mesmo: “Quem iria imaginar encontrar um piadista como esse nestas casas? Bem, é de se imaginar que quando o Senhor criou o mundo precisou de todo tipo de gente e de criaturas”. Ele soltou um suspiro, pôs a mão esquerda na lasanha como antes e com a mão direita segurou com força uma de suas facas. E novamente notou dois pés bem à sua frente, no mesmo lugar em que, meio minuto antes, encontrava-se o homem. Os pés estavam calçados com chinelos comuns, feitos de couros, bastante gastos, como se pertencessem a um homem que tivesse feito uma longa e difícil viagem. Era possível perceber que seu dono estava muito cansado e esgotado, já que seus pés pareciam estar perdendo a firmeza. Wellington levantou a vista e viu um rosto de expressão muito amável, com uma barba rala. O viajante, que trajava uma calça de algodão branca bastante velha, mas bem limpa, e uma camisa do mesmo tecido, não parecia muito diferente dos moradores antigos da região. Os olhos de Wellington ficaram presos aos do viajante como se tivessem um poder mágico. Wellington sentiu que o coração do peregrino encerrava a maior bondade e amabilidade da terra e do céu, e vislumbrou em ambos os seus olhos um pequeno sol dourado, um orifício através do qual uma pessoa podia entrar diretamente no céu e ver o próprio Deus Pai em toda a Sua glória. Com uma voz que soava como a música longínqua de um gigantesco órgão, o viajante disse: “Dê-me alguma coisa, meu bom vizinho, e eu lhe retribuirei. Estou com fome, muita fome, porque vim de longe, meu querido irmão. Por favor, dê-me essa coxa que tem na mão e vou abençoá-lo por isso. Só essa coxa, nada mais. Isso matará minha fome e me dará novas forças, porque ainda tenho muito que andar para chegar à casa do meu pai”. “Você é um homem muito amável, peregrino, o mais amável que jamais existiu, existe e haverá de existir”, disse Wellington como se estivesse rezando diante da imagem da Virgem. “Por isso eu lhe peço, meu bom vizinho, dê-me apenas metade do peito da ave, porque certamente não lhe fará falta. ” “Oh, meu querido peregrino”, explicou Wellington como se estivesse falando com o arcebispo, que ele nunca virá e não conhecia, mas que supunha ser a mais destacada figura da Terra. “Se o senhor acha mesmo que isso não me fará grande falta, devo dizer que me sinto terrivelmente ferido em minha alma, porque não posso deixar de dizer que está muitíssimo enganado. Sei que não deveria falar assim ao senhor, porque é quase uma blasfêmia, mas não conseguiria agir de outra forma, ainda que isso me custasse o direito de entrar no céu, porque seus olhos e sua voz me obrigam a dizer a verdade. ”
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“Sabe, meu senhor”, continuou Wellington, “não devo me privar do menor pedaço desta lasanha. Esta lasanha, por favor entenda, meu senhor, foi-me dada inteira para ser comido inteiro. Ele já não seria uma lasanha inteira se eu abrisse mão mesmo de um pedacinho menor que uma unha. Uma lasanha inteira - foi isso o que desejei durante toda a minha vida, e não dispor dele agora, depois de uma vida rezando por isso, destruiria toda a felicidade de minha boa e fiel esposa, que fez sacrifícios indescritíveis para me dar este grande presente. Então, por favor, meu senhor e mestre, entenda as pobres razões de um pobre pecador. Por favor, eu lhe peço, entenda. ” O peregrino olhou para Wellington e disse: “Eu entendo, Wellington, meu nobre irmão e bom vizinho, eu o entendo de verdade. Coma o sua lasanha em paz, e que seja abençoado para todo o sempre. Agora tenho que ir, e ao passar pela comunidade irei até seu barraco abençoar sua boa esposa e seus filhos. Fique com o Senhor. Adeus”. Ele seguiu o peregrino com os olhos até seu vulto desaparecer no horizonte. Sacudiu a cabeça tristemente. “Sinto muitíssimo por ele. Ele estava tão cansado e faminto. Mas eu simplesmente não podia agir de outra forma, do contrário insultaria minha querida esposa. Além do mais, haja o que houver, não posso abrir mão parte da minha lasanha, porque então já não seria uma lasanha inteira. ” Mais uma vez ele segurou a lasanha para arrancá-la um pedaço e começar a comer, e de novo notou dois pés à sua frente, no mesmo lugar em que os outros estavam pouco tempo antes. Os dois pés calçavam sandálias de estilo antigo, e Wellington imaginou que o homem devia ser estrangeiro, e de terras bem distantes, porque nunca vira sandálias como aquelas. Levantou a vista e deparou com a expressão mais faminta que poderia existir no mundo. O rosto era puro osso, totalmente descarnado, assim como as mãos e as pernas. Os olhos pareciam não passar de dois buracos negros encovados, num rosto sem carne. A boca, sem lábios, mostrava apenas duas fileiras de dentes fortes. Usava um manto branco azulado esvoaçante que não era de algodão, de seda nem de nenhum tecido que ele conhecesse. O estrangeiro trazia uma grande vara na mão, que lhe servia de cajado. Do cinturão do desconhecido, que lhe cingia a cintura de forma displicente, amarrada na ponta de um cordão, pendia uma caixa de mogno toda arranhada, dentro da qual um relógio tiquetaqueava sem parar. Foi aquela caixa pendurada, em vez da ampulheta que Wellington esperava ver, que a princípio o confundiu, impedindo-o de saber qual seria a posição social do visitante. O recém-chegado falou. E o fez com uma voz que soava como duas varas batendo uma contra a outra. “Estou com muita fome, compadre, muita, muita fome. ” “Nem precisa me dizer isso. Nota-se perfeitamente, compadre”, respondeu Wellington, nem um pouco assustado com a horrível aparência do desconhecido.
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“Já que você nota que preciso de algo substancial em meu estômago, não se importaria de me dar essa coxa fatia de lasanha que tem na mão? ” Wellington soltou um forte gemido de desespero, sacudiu os ombros e levantou os braços num gesto de desamparo. “Bem”, respondeu num tom de lamento, “o que pode um pobre mortal contra o destino? Finalmente me pegaram. Agora não tem saída. Poderia ser uma grande aventura,
Deus lá no céu
bem o sabe, mas o destino decidiu o contrário. Eu nunca terei uma lasanha inteira só para mim, nunca, nunca e nunca. Então, o que posso fazer? Tenho que desistir. Tudo bem, compadre, pode encher a pança. Eu sei o que é passar fome. Sente-se, homem faminto, sente-se. Fique com metade da lasanha. Bom apetite”. “Oh, compadre, que bom, que bom”, disse o homem faminto, sentando-se no chão diante do entregador abrindo a fileira de dentes como se tentasse sorrir. Wellington não conseguiu saber ao certo se aquele sorriso era de gratidão ou de alegria por ter escapado de morrer de fome. “Vou partir a lasanha em duas”, apressou-se em dizer Wellington, temendo que o visitante se servisse e lhe deixasse só um terço. “Quando estiver partido em dois, você olha para o outro lado. Aí eu coloco o facão deitado entre as duas partes, e você me diz qual metade da lasanha você quer: a que estiver do lado do fio do facão ou a outra. Está bem assim, Homem de Osso?” “Está ótimo, compadre.” E os dois jantaram. E foi um jantar alegre e animado, com muitos ditos espirituosos por parte do convidado e muitas risadas por parte do anfitrião. “Sabe, compadre”, disse então Wellington . “A princípio fiquei meio confuso porque você não se encaixava na imagem que eu tinha em mente. A caixa de mogno pendurada na cintura com um relógio dentro me confundiu, impedindo-me de reconhecê-lo de pronto. O que houve com sua ampulheta, se não é segredo? ” “Não é segredo nenhum. Pode contar a todo mundo, se lhe der vontade. É o seguinte: houve uma grande batalha na Europa, região que, depois da China, é a que me rende maiores colheitas. E vou lhe dizer uma coisa, compadre, essa batalha me fez correr como se ainda fosse jovem. Eu corria de um lado para outro feito louco e terminei ficando exausto. Dessa maneira, claro, não fui capaz de me cuidar apropriadamente, como estou acostumado a fazer. Bem, parece que uma bala de canhão disparada na direção errada por um soldado britânico meio bêbado rebentou minha ampulheta de tal forma que não pôde ser consertada pelo velho ferreiro Plutão, que gosta de fazer esse tipo de serviço. Procurei por toda parte, mas não consegui comprar outra, porque já não se fabricam mais, salvo esses modelos de enfeite para consolos de lareira que, como todas essas bugigangas, não servem para nada. Tentei afanar uma num museu, mas, para meu horror, descobri que eram todas imitações, não havia uma só que fosse autêntica. ”
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Um tenro pedaço lasanha que ele estava mastigando naquele instante distraiu-o de sua história por um instante. Lembrando-se, então, de ter começado a contar alguma coisa e não ter terminado, ele perguntou: “Ah, bem, em que ponto da história eu parei? ” “Todas as ampulhetas de museu que você experimentou eram imitações. ” “Certo. Sim, mas você não acha uma pena que se construam esses enormes e magníficos museus para expor meras imitações? Voltando ao assunto: lá estava eu sem uma ampulheta confiável, e correndo o risco de cometer muitos erros. Aconteceu então que pouco depois visitei um capitão que estava sentado à cabine de seu navio, que afundava rapidamente. A tripulação já se instalara nos botes, mas o capitão se recusara a abandonar o navio, hasteara a bandeira de sua pátria e mantinha-se teimosamente a bordo, disposto a permanecer em qualquer circunstância, como era de praxe entre os capitães britânicos. E lá estava ele em sua cabine, escrevendo em seu diário de bordo. ” “Ao me ver diante dele”, continuou o visitante, “o capitão me sorriu e disse: ‘Bem, Homem de Osso, quer dizer, senhor, parece que meu tempo acabou.’ Acabou sim, capitão’, confirmei, retribuindo-lhe o sorriso para fazê-lo esquecer mais facilmente os entes queridos que deixaria para trás. Ele consultou seu cronômetro e disse: ‘Por favor, senhor, dê-me apenas quinze segundos para anotar a hora certa no diário de bordo. ’ ‘Está bem’, respondi, e ele ficou todo contente em poder anotar a hora certa. Vendo-o tão satisfeito, perguntei: ‘O que você acha de me dar o seu cronômetro, capitão? Imagino que não vai precisar mais dele, porque a bordo do navio em que você vai embarcar agora não terá mais que se preocupar com o tempo. Sabe, capitão, na verdade minha ampulheta foi despedaçada por uma bala de canhão disparada na direção errada por um artilheiro britânico embriagado. Assim sendo, nada mais justo que receber um cronômetro britânico em troca da minha ampulheta? ’ “Oh, então é assim que você chama esse pequeno relógio engraçado... um cronômetro. Eu não sabia disso”, interrompeu Wellington. “Sim, é assim que se chama”, confirmou o homem esfomeado rindo com os dentes descobertos. “A única diferença é que um cronômetro é cem vezes mais preciso que um relógio comum. Bem, compadre, onde eu estava mesmo? ” “Você pediu ao capitão o cro...” “Cronômetro. Exato. Então, quando lhe pedi aquele belo cronômetro ele disse: ‘Ora, você não podia ter pedido nada melhor, porque este cronômetro é propriedade minha e posso dispor dele como bem me aprouver. Se pertencesse à companhia, eu não poderia dar-lhe este belo companheiro meu. Foi acertado poucos dias antes de iniciarmos esta viagem desastrosa. Eu lhe garanto, senhor Homem de Osso, que pode confiar neste instrumento, que é cem vezes mais preciso que suas ampulhetas antigas’. Então peguei o relógio e saí do navio, que afundava depressa. E é por isso que agora uso este cronômetro em vez daquela ampulheta antiquada que costumava usar. ”
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“E vou lhe dizer uma coisa”, continuou o homem. “Este instrumento britânico funciona tão bem que nunca mais perdi um encontro desde que estou com ele, ao passo que antes muita gente cujo caixão, cesto ou saco velho já estava preparado me escapou. E lhe digo mais, compadre, escapar de mim é uma coisa que prejudica todo mundo, principalmente a mim, que além de tudo tenho minha reputação maculada quando acontece algo desse tipo. Mas agora isso não ocorrerá mais. ” E assim eles conversaram, contaram piadas, limpas e sujas, deram boas gargalhadas, sentindo-se como velhos amigos reunidos depois de uma longa separação. Com certeza o Homem de Osso gostou da lasanha, e não poupou elogios à esposa que fizera um assado tão delicioso. Inteiramente absorto na apreciação da excelente comida, o visitante se distraiu e tentou lamber os lábios que não existiam com uma língua que não tinha. Mas Wellington entendeu aquele gesto e o considerou um sinal inequívoco de que seu convidado estava satisfeito e feliz à sua estranha maneira. “Você teve duas visitas antes de mim, não foi? ”, perguntou o Homem de Osso no curso da conversa. “Sim. Como você descobriu, compadre? ” “Como descobri? Eu tenho que saber tudo o que acontece pelo mundo. Sabe, eu sou o chefe da polícia secreta de... de do Chefão. Não tenho permissão para pronunciar Seu nome. Você conhecia aqueles dois, quer dizer, os dois visitantes? ” “Claro que sim. Está pensando que sou um herege? ” “O primeiro é o que nos dá mais trabalho.” “Sim, era o Diabo. Eu logo percebi”, confidenciou Wellington. “Esse sujeito pode se disfarçar como quiser, mas eu o reconhecerei em qualquer lugar. Dessa vez ele se disfarçou de trabalhador, mas apesar de se julgar muito esperto cometeu alguns erros na maneira de trajar, como acontece com estrangeiros. Assim, não foi difícil perceber que era um impostor.” “Então por que você não lhe deu um pedacinho da lasanha, sabendo quem ele era? Você sabe que esse sacripanta pode lhe fazer muito mal. ” “A mim não, compadre. Eu conheço todos os seus truques, e ele não me pega. Por que eu lhe daria um pedaço da minha lasanha? Ele tinha tanto dinheiro que não cabia nos bolsos e teve que costurar moedas nas calças. Na próxima estalagem em que passar ele pode comprar meia dúzia de lasanhas e mais dois leitões assados. Ele não precisava de um pedaço da minha lasanha “Mas o segundo visitante era... bem, você sabe a Quem me refiro. Você O reconheceu? ” “Como não haveria de reconhecer? Eu sou cristão. Eu O reconheceria em qualquer lugar. Senti muitíssimo ter que Lhe negar um pedacinho, porque deu para notar que estava com muita fome e precisando comer alguma coisa. Mas quem sou eu, pobre pecador, para dar a Nosso Senhor um pedacinho da minha lasanha?
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O pai Dele é dono do mundo inteiro e de todas as aves, porque Ele criou tudo. Ele pode dar ao Seu filho quantas lasanhas quiser. E o que é mais importante: Nosso Senhor, que tem o poder de saciar a fome de cinco mil pessoas com dois peixes e cinco pães comuns numa mesma tarde e ainda ficar com algumas dezenas de sacos repletos de migalhas... bem, compadre, acho que se Ele quiser pode se saciar só com uma folhinha de relva, se estiver mesmo com fome. Eu consideraria um grave pecado dar-lhe um pedaço da minha lasanha. E tem mais. Ele, que tem o poder de transformar água em vinho, também é capaz de transformar aquela formiguinha que vai ali carregando uma migalha num peru assado com todos os recheios, acompanhamentos e molhos do céu. ” “Quem sou eu”, continuou Wellington, “pobre entregador com cinco pestinhas para alimentar, para humilhar Nosso Senhor oferecendo-lhe um pedaço de lasanha tocada por minhas mãos impuras? Sou um fiel filho da Igreja, e nessa qualidade tenho que respeitar a força, o poder e a nobreza de Nosso Senhor”. “Essa é uma filosofia interessante, compadre”, disse o Homem de Osso. “Noto que sua mente é poderosa, e que seu cérebro funciona perfeitamente, orientando-se para a virtude humana de salvaguardar o que possui. ” “Não sei do que está falando, compadre”, respondeu Wellington com ar impassível. “A única coisa que me espanta agora é sua atitude para comigo, compadre”, disse o Homem de Osso, enfiando os fortes dentes num pedaço da lasanha. “O que eu gostaria de saber é por que você me deu metade da sua lasanha, sendo que alguns minutos antes tinha se recusado a dar uma mera fatia da lasanha ao Diabo e também a Nosso Senhor. ” “Ah”, exclamou Wellington, levantando as mãos para reforçar a exclamação, e repetiu esse “Ah” antes de continuar. “Isso é diferente. Com você a coisa é muito diferente. Em primeiro lugar, porque sou um ser humano e sei o que é sentir fome. Além disso, nunca ouvi falar que você tem poder para criar ou realizar milagres. Você é apenas um obediente servo do Juiz Supremo e não tem dinheiro para comprar comida, porque suas roupas não têm bolsos. É verdade que eu recusei à minha mulher um pedaço dessa lasanha que ela preparou para mim, pondo nele todo o seu amor como um tempero a mais. Fiz isso porque ela, apesar de magra, parece não ter um décimo da fome que você tem. Tive de exercer toda a minha força de vontade para negar aos meus pobres filhos, que vivem pedindo comida, uns poucos pedaços da lasanha. Porém, por mais que meus filhos estejam famintos, nenhum deles parece ter um centésimo da sua fome.” “Ora, ora, compadre. Não me venha com essa história”, retrucou o convidado. “Conte a verdade sem receio de me melindrar. Você disse ‘em primeiro lugar’ quando começou a me explicar. Agora revele seus outros motivos, sem receio de me melindrar. ” “Tudo bem então”, disse Wellington calmamente. “Sabe, compadre, no momento em que bati o olho em você ali na minha frente, eu não tinha comido nem uma fatia, quanto mais a lasanha inteira. Então disse para mim mesmo: enquanto ele estiver comendo, vou poder comer também, por isso dividi meio a meio. ”
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“Sabe o que vou fazer para lhe dar a justa recompensa pelo jantar que me ofereceu?” “O quê, compadre? Oh, por favor, senhor, não me faça seu assistente. Não, por favor, tudo o que você quiser, mas não isso. ” “Não preciso de assistente e nunca tive um. Não, minha ideia é outra. Vou fazer de você um grande médico, um médico que vai pôr no chinelo todos esses especialistas pretensiosos que vivem aplicando seus pequenos truques sórdidos, achando que podem levar a melhor sobre mim. É isso o que vou fazer: transformá-lo num médico. E prometo que isso lhe valerá um milhão de vezes o preço da sua lasanha ” “Sabe o que vou fazer para lhe dar a justa recompensa pelo jantar que me ofereceu?” Assim falando ele se levantou, afastou-se alguns passos, abaixou os olhos e perscrutou a terra, que naquela época do ano era seca e arenosa. “Compadre”, gritou ele, “traga-me aqui sua garrafa de água. Sim, é essa tigela esquisita que parece um estranho tipo de abóbora. Mas primeiro jogue fora toda a água que ainda tem dentro”. Wellington obedeceu, aproximou-se do convidado e o esperou. O visitante cuspiu sete vezes no chão seco, ficou imóvel alguns minutos e de repente uma água cristalina brotou do solo arenoso. “Passe-me a garrafa ”, pediu o Homem de Osso. Ele se ajoelhou perto da pequena poça que se formava e se pôs a recolher a água com a mão e a derramá-la na garrafa de Wellington . Isso levou um bom tempo, porque a boca da garrafa era muito pequena. Quando a garrafa , que tinha capacidade de um quarto de litro, estava cheia, o Homem de Osso, ainda ajoelhado junto à poça, bateu no chão com uma mão, e a água desapareceu imediatamente. “Vamos voltar ao lugar onde estávamos comendo”, propôs o visitante. Mais uma vez os dois se sentaram juntos. O Homem de Osso passou a garrafa a Wellington . “Esse líquido que está na garrafa fará de você o maior médico deste século. Uma gota dele curará qualquer doença, até mesmo as consideradas fatais e as incuráveis. Mas preste atenção numa coisa, compadre, preste muita atenção: uma vez acabada a última gota, você não disporá mais desse medicamento, e seu poder de cura deixará de existir. ” Wellington não ficou nem um pouco animado com a grande dádiva recebida. “Não sei se devo aceitar esse seu presente. Sabe, compadre, levo uma vida feliz, à minha maneira. É verdade que passei a vida inteira com fome, cansado, lutando o tempo todo sem perspectiva de parar. Mas a vida da gente da minha classe social é assim mesmo. Aceitamos a vida porque nos foi dada. É por isso que nos sentimos felizes à nossa maneira - porque sempre procuramos tirar o melhor do pior. Essa lasanha que comemos hoje foi o ponto máximo da minha ambição na vida. Nunca desejei nada além de ter uma lasanha só para mim, com todos os recheios e as guarnições. Uma lasanha que pudesse comer em paz e sozinho, longe dos olhos famintos de crianças que contassem cada pedacinho que me caísse no estômago. ”
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É por isso mesmo. Você não comeu sua lasanha sozinho. Você me deu metade, por isso o desejo de sua mulher ainda não se realizou. ” “Sabe, compadre, quanto a isso não tive escolha. ” “Acho que você tem razão. De todo modo, seja lá por que motivo for, você ainda não realizou seu único desejo neste mundo. Você tem que reconhecer isso. Então, se quiser comprar outra lasanha sem precisar esperar mais quinze ou vinte anos, vai ter que curar alguém e assim conseguir o dinheiro para comprá-lo. ” “Não tinha pensado nisso”, murmurou Wellington , como se falasse consigo mesmo. Tenho mesmo que comer uma lasanha inteira sozinho, haja o que houver, senão vou morrer muito infeliz. ” “Naturalmente, compadre, você precisa saber mais algumas coisas antes que a gente se separe. ” “Sim, diga-me.” “Toda vez que você for chamado para atender um doente, eu também estarei lá.” Ao ouvir essa notícia inesperada, Wellington começou a tremer. “Não tenha medo, compadre, ninguém mais vai me ver. E preste atenção no que vou lhe dizer agora: se me vir aos pés da cama do paciente, ponha uma gota do seu remédio num copo de água, faça-o beber, e antes de se passarem dois dias ele estará são e salvo, e assim continuará por um longo tempo. ” “Entendo”, respondeu Wellington , balançando a cabeça pensativamente. “Mas se eu estiver ao lado da cabeceira do doente”, continuou o Homem de Osso, “não lhe dê o remédio, porque nesse caso ele vai morrer, e contra isso de nada valerão as suas tentativas, e as de quaisquer médicos, por mais brilhantes que sejam, de livrá-lo de mim. Assim sendo, não desperdice seu remédio com esse doente. Você deve entender, compadre, que esse divino poder de escolher aquele que deve deixar este mundo, ou aquele que deve permanecer, seja velho ou novo, esse poder de escolha não pode ser transferido para um ser humano, que é passível de errar ou se corromper. É por isso que a decisão final de cada caso tem que ficar comigo, e você deve acatar e respeitar minha escolha”. “Não me esquecerei disso, senhor”, respondeu Wellington. “É melhor mesmo. Bem, compadre, temos que nos despedir. O jantar estava excelente, eu diria até requintado, se é que você conhece essa palavra. Devo reconhecer, e o faço com grande prazer, que sua companhia me foi muito agradável. Sem dúvida, o jantar que você me ofereceu me restaurou as forças por mais uns cem anos. Oxalá eu encontre outro anfitrião tão generoso quando estiver com uma fome como a de hoje. Muito agradecido, compadre. E muitíssimo obrigado. Adeus.” “Adeus, compadre. ”
Continua...
Wellington falou como se estivesse acordando de um pesadelo, mas logo percebeu que não tinha dormido. Diante dele estavam a lasanha na metade faltando a metade que seu convidado comera com tanto gosto. Então, para que nada se desperdiçasse, recolheu os pedacinhos que tinham caído no chão e os meteu na boca, tentando entender o significado das muitas aventuras que povoavam o limitado espaço de sua mente. O mais difícil era entender como lhe fora possível falar tanto e de uma forma que, segundo lhe parecia, só um homem muito instruído poderia fazer. Mas então se lembrou de que, quando estava na casa, seus pensamentos eram muito mais claros. Em casa, porém, diante da mulher e dos filhos, seu cérebro se embotava, sua boca parecia grudada, e só a muito custo ele conseguia dizer uma frase completa. Logo se sentiu cansado e se deitou embaixo de uma árvore para dormir o resto do dia, como sempre pensou fazer depois da tão esperada refeição. Naquela noite, ele não levou para casa nenhuma marmita. Sua mulher não tinha um tostão para comprar comida para o dia seguinte. Mas ela não o recriminou por isso, como aliás nunca o recriminava por nada que fizesse ou deixasse de fazer. A verdade é que naquele dia ela estava sentindo uma imensa felicidade por estar viva. Isso porque, por volta do meio-dia, quando estava no quintal lavando os trapos dos filhos, um estranho raio dourado, que parecia não vir do Sol, mas de alguma fonte desconhecida, tocara todo o seu corpo, ao mesmo tempo em que ela ouvia no fundo de sua alma uma doce música, semelhante à de um órgão que estivesse tocando lá no alto, bem longe da terra. Daquele momento em diante e por todo o dia ela se sentiu flutuando, com uma paz de espírito que nunca experimentara em toda a vida. Não comentou nada disso com o marido. Guardou a sensação para si mesma como uma coisa sagrada que fosse só sua. Quando serviu o jantar, ainda se via um reflexo do raio dourado em seu rosto. Até o marido notou, quando lhe lançou um olhar distraído. Mas ele não disse nada, porque ainda estava refletindo sobre os muitos acontecimentos daquele dia. Naquela noite, antes de se deitar, mais tarde do que de costume por ter dormido durante o dia na viela, sua mulher lhe perguntou timidamente: “Como estava a lasanha, meu caro marido? ” “Por que me pergunta? O que quer dizer com isso? Havia alguma coisa errada com ela? Para mim estava muito boa, pelo que posso julgar com a pouca experiência que tenho em comer lasanha. ” Ele não fez a menor menção aos seus visitantes. Quando se virou na direção da cama, ela o olhou meio de lado, pensativa. Alguma coisa nele tinha mudado. Ele nunca falara tanto de uma só vez.
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“Está com nó nas tripas, não tem jeito”, corrigiu outra. “De jeito nenhum”, interveio uma terceira. “É uma infecção no estômago. Ele não escapa. “Fizemos o que foi possível, mas ele não tem nem uma hora de vida”, lamentou-se a que estava ao lado da última. “Eu sei porque um de nossos filhos morreu do mesmo jeito. Dá para ver pelo rosto encovado que ele já está de asas prontas para voar para o céu, como um anjo, pobre anjinho”, acrescentou com um ruidoso soluço. Sem dar a mínima atenção para a conversa das mulheres, Wellington voltou-se para o filhinho, que parecia ser seu preferido, por ser o caçula. Ele amava seu sorriso inocente e sentia-se imensamente feliz quando, às vezes, o pequeno se sentava em seu colo por alguns instantes e passava as mãozinhas em seu rosto. Com frequência ocorria a Wellington que a única razão para continuar vivendo era o fato de sempre ter um bebê em casa lhe sorrindo inocentemente e lhe batendo nas bochechas e no nariz com seus punhos minúsculos. A criança estava à beira da morte, não havia dúvida. O espelho que uma mulher pusera perto da boca do bebê não ficara com nenhuma marca de respiração. As mulheres que, uma após outra, encostaram o ouvido em seu peito, praticamente não ouviram as batidas de seu coração. Plantado no meio do quarto, o pai fitava o bebê sem saber se chegava mais perto e tocava o rosto do filho, se ficava no mesmo lugar, se dizia alguma coisa para a esposa ou para as outras mulheres, ou se falava com os outros filhos, timidamente encolhidos e quietos num canto do quarto, como se fossem culpados pela doença do bebê. Os pobrezinhos não tinham almoçado e sabiam que também não jantariam naquela noite, por causa do lamentável estado mental de sua mãe. Wellington voltou-se lentamente, foi até a porta e mergulhou na escuridão da noite. Sem saber o que fazer nem aonde ir com a sua casa naquela confusão, cansado que estava do duro dia de trabalho e sentindo as pernas fraquejarem, num movimento quase automático ele tomou o caminho da mata - seu reino, onde com certeza encontraria o sossego de que tanto precisava. Ao chegar ao local onde deixara seu remédio, parou, procurou pelo lugar exato, pegou a garrafa e, com uma rapidez de movimentos esquecida havia muitos anos, voltou para o barraco. “Tragam-me uma caneca cheia de água limpa”, ordenou ele com voz decidida ao abrir a porta. Sua mulher correu como se embalada por uma nova esperança, e em poucos segundos trouxe uma caneca de argila com água. “Agora, todos vocês, saiam do quarto. Saiam e me deixem sozinho com meu filho. Vou ver o que posso fazer. ” “Não adianta, Wellington, você não está vendo que lhe restam apenas alguns minutos? É melhor se ajoelhar e rezar conosco enquanto ele agoniza, para que sua alma possa ser salva”, disse uma das mulheres.
Continua...
Vocês ouviram o que eu disse, façam como mandei”, retrucou ele rispidamente, não deixando margem para nenhum outro protesto. Sua mulher nunca o vira falar de modo tão áspero e imperioso. Quase com medo do marido, insistiu para que as mulheres saíssem da choupana. Todas se foram. Wellington fechou a porta depois que elas saíram, retornou para perto da cama e quando levantou os olhos viu o ossudo convidado do jantar do outro lado da cama em que estava o bebê. "O visitante voltou para ele os buracos negros encovados que lhe serviam de olhos e sacudiu os ombros. Então, devagar - como se ainda tivesse ponderando sua decisão dirigiu-se ao pé da cama do menino e lá permaneceu durante os poucos segundos que o pai levou para colocar uma generosa dose do remédio na caneca com água. Vendo o parceiro balançar a cabeça num gesto de reprovação, Wellington lembrou-se de que apenas uma gota bastaria para a cura. Já era tarde, porém, e o líquido não podia ser recolocado na garrafa, porque já se misturara à água. Wellington levantou a cabeça do bebê, abriu-lhe a boca e deixou o líquido gotejar dentro dela, tomando cuidado para não desperdiçar nada. Para sua grande alegria, notou que, quando o líquido umedeceu a boca do bebê, ele começou a sugar o remédio voluntariamente e logo bebeu até a última gota. Mal o remédio lhe chegou ao estômago, começou a respirar livremente. Pouco a pouco, mas de forma perceptível, as cores voltaram-lhe às faces pálidas, e ele mexeu a cabeça buscando uma posição mais confortável. O pai esperou mais alguns minutos e, vendo que o bebê se recuperava miraculosamente rápido, chamou a mulher. Bastou à mãe um olhar para o bebê, e logo caiu de joelhos ao lado da cama exclamando “Louvados sejam Deus e a Virgem Maria. Eu lhe agradeço, Senhor do Céu. Meu bebê foi salvo”. Ouvindo os gritos exaltados da mãe, todas as mulheres que estavam esperando do lado de fora precipitaram-se barraco adentro. E, ao perceber o que acontecera enquanto o pai estivera sozinho com o filho, fizeram o sinal-da-cruz e olharam para Wellington como se ele fosse um estranho naquela casa, alguém que viam pela primeira vez. Uma hora depois, toda a favela estava reunido na casa do entregador para ver com os próprios olhos se era verdade o que as mulheres estavam espalhando na favela.
O bebê, com as faces rosadas e os pequenos punhos apertados contra o queixo, dormia profundamente, e todos percebiam que o perigo havia passado.
Continua...
Na manhã seguinte, Wellington levantou-se à hora de costume, sentou-se à mesa para o café-da-manhã, pegou a mochila térmica e a bike, taciturno como sempre, saiu de casa em direção as casa, para entregar marmitas para os moradores. Levou consigo a garrafa com o remédio e guardou no mesmo lugar de onde a tirara na noite anterior. Assim, continuou sua rotina de sempre durante seis semanas, ao cabo das quais, uma noite, ao voltar para casa, encontrou Ramiro esperando por ele. Ramiro lhe pediu que fosse a sua casa para ver se podia fazer alguma coisa por sua mulher, que estava doente havia vários dias e piorava cada vez mais depressa. Ramiro, o maior comerciante de toda a comunidade e o homem mais rico do município, explicou-lhe ter ouvido falar de seu poder de cura, e queria que o usasse para salvar sua jovem esposa. “Traga-me um frasco, um frasquinho bem pequeno de seu armazém. Vou esperar você aqui, enquanto penso no que talvez possa fazer por sua mulher. ” Ramiro trouxe um frasco vazio de remédio. “O que você vai fazer com o frasco, Wellington? ” Deixe isso comigo, Ramiro. Vá para casa e me espere lá. Primeiro tenho que ver a sua esposa para saber se posso ou não salvá-la. Ela vai resistir até eu chegar, pode ficar sossegado. Antes preciso ir até o mato procurar algumas ervas que têm poder de cura. ” Ele saiu na escuridão, procurou a garrafa, pôs no frasquinho de cristal um pouco do precioso líquido, guardou-a novamente e se dirigiu até a casa de Ramiro, que morava num dos três sobrados de alvenaria de que a comunidade tanto se orgulhava. Encontrou a mulher já agonizante, tão próxima da morte como estivera seu filho. Ramiro lançou a Wellington um olhar interrogativo. Como resposta, Wellington deu de ombros. E, depois de algum tempo, disse: “É melhor você sair e me deixar sozinho com ela”.
Ramiro saiu. Como, porém, tinha muito ciúme de sua jovem e bela esposa - bela mesmo à beira da morte ficou olhando por um buraco na porta para ver o que Wellington ia fazer. Wellington, que já estava perto da porta, voltou-se bruscamente para pedir um copo d’água. Ainda de olho colado na porta, Ramiro não teve tempo de se afastar quando Wellington abriu a porta com um vigoroso puxão, e estatelou-se no chão do quarto. “Isso não é coisa que se faça, Ramiro”, repreendeu Wellington ao perceber o que o ciumento estava fazendo. “Só por isso eu bem que podia me negar a salvar sua jovem esposa. Você sabe que não a merece, não sabe? ” Surpreso consigo mesmo, Wellington parou. Não conseguia entender o que lhe acontecera naquele instante. Por que ele, o homem mais pobre e humilde da comunidade, um mero lenhador, ousara falar ao homem mais rico, ao milionário do lugar, num tom que certamente o juiz daquela comarca não se atreveria a usar?
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Vendo aquele homem tão poderoso parado diante dele, humilhado, encolhido e trêmulo como se fosse um mendigo, temendo que ele se recusasse a curar sua esposa, Wellington de repente se deu conta de que ele próprio se tornara um homem poderoso, um grande médico de quem o arrogante Ramiro esperava milagres. Então, com toda humildade, Ramiro pediu desculpas a Wellington por tê-lo espionado, e implorou que salvasse a vida de sua esposa, que estava grávida e iria lhe dar seu primeiro filho em menos de quatro meses. “Quanto você quer para curá-la totalmente? ” “Eu não vendo minha medicina, não estabeleço preços. Isso é você, Ramiro, quem vai ter que determinar. Só você sabe o quanto sua mulher lhe vale. Portanto, diga você mesmo quanto vai pagar. ” “O que você acha de dez dobrões, meu bom Wellington? ” “É isso o que sua mulher vale para você? Só dez dobrões? ” “Não me entenda mal, Wellington. Claro que para mim ela vale mais do que todo o meu dinheiro. Posso ganhar mais dinheiro enquanto Deus me permitir viver. Mas, se minha mulher se for, onde vou encontrar outra igual a ela? Em nenhum lugar deste mundo. Pois bem, eu lhe darei cem dobrões, mas, por favor, salve-a.” Wellington conhecia Ramiro muitíssimo bem. Os dois cresceram na comunidade. Filho do mais rico comerciante da comunidade, Ramiro herdara o posto do pai; Wellington, por sua vez, era filho do mais pobre diarista da comunidade, o que fizera dele o mais pobre lenhador de toda a comunidade, com a família mais numerosa para sustentar. E, conhecendo Ramiro tão bem, ninguém o convenceria de que, uma vez curada a esposa, o marido não tentaria reduzir aqueles cem dobrões o mais que pudesse e, caso Wellington não cedesse, haveria de ter pela frente anos e anos de desentendimentos com o comerciante. Ciente disso, Wellington disse: “Eu aceito os dez dobrões que você me ofereceu antes”. “Oh, obrigado, Wellington, agradeço muito, sinceramente, e não por diminuir o preço, mas por se dispor a curá-la. Nunca esquecerei o que está fazendo por nós, não tenha dúvida, nunca vou esquecer. Só espero que a criança que está para nascer também se salve. ” “Com certeza se salvará”, disse Wellington, confiante de seu sucesso, já que acabara de ver seu ossudo conviva de pé, no lugar onde ele esperava que estivesse. “Agora traga-me um copo d’água”, pediu. Ramiro trouxe a água e Wellington recomendou ao comerciante: “Não fique me espionando, do contrário posso falhar e a culpa será toda sua. Por isso, lembre-se, nada de ficar espionando. Agora, deixe-me sozinho com a paciente”. Dessa vez Wellington teve o maior cuidado para não gastar mais que uma gota do valioso líquido e até tentou dividi-la em duas partes. Sua conversa com o comerciante de repente o fez entender o quanto valia aquele remédio, visto que um homem tão rico e arrogante como Ramiro se humilhava diante dele pela simples razão de querer que ele, um pobre lenhador, o administrasse a sua mulher.
Continua...
Ao perceber isso, imaginou como seria seu futuro se abandonasse o trabalho de entregador para se dedicar exclusivamente à medicina. E, naturalmente, a maior promessa desse futuro era uma inesgotável provisão de lasanhas para comer quando bem quisesse. Ao ver que ele tentava dividir a gota em duas, seu antigo convidado balançou a cabeça em sinal de aprovação quando Wellington olhou para ele como a consultá-lo. Dois dias depois, a mulher de Ramiro, já perfeitamente recuperada, disse ao marido ter certeza de que o bebê em nada fora prejudicado por sua doença. Não cabendo em si de contentamento, Ramiro entregou a Wellington as dez moedas de ouro, não apenas sem regatear, mas também enchendo-o de agradecimentos. Convidou toda a família de Wellington a ir a sua loja, onde todos - marido, mulher e filhos - poderiam levar para casa o que conseguissem carregar nos braços. Além disso, ofereceu um esplêndido jantar, a que o lenhador e sua família compareceram como convidados de honra. Wellington construiu uma casa de verdade para sua família, comprou boas terras e começou a cultivá-las, porque Ramiro lhe emprestara cem dobrões a juro muito baixo. Ramiro não fizera isso apenas por gratidão. Esperto negociante que era, não haveria de emprestar dinheiro sem a perspectiva de grandes lucros. Ele percebera que Wellington teria um grande futuro pela frente e que seria ótimo investimento mantê-lo na favela, onde as pessoas iriam procurá-lo, em vez de deixá-lo ir morar na cidade. E, quanto mais gente acorresse à comunidade em decorrência da fama de Wellington, mais os negócios de Ramiro iriam prosperar. Contando com a futura prosperidade do local, Ramiro ampliou seu ramo de negócios, passando a atuar também como banqueiro. Wellington consegui um emprego em um hospital público que estava sendo construído na comunidade, que estava sendo construído com os investimentos do Ramiro Depois dois anos o hospital ficou pronto e recebeu o nome de “ Wellington Da Silva” em homenagem ao Wellington. Wellington ficou famoso na comunidade por ser um ótimo médico e o hospital ficou conhecido regionalmente por ter uma baixa taxa de óbitos e uma alta taxa de cura, por isso o hospital vivia cheio Wellington ficou muito conhecido e salvava muitas pessoas, mas teve um garoto que estava muito doente estava deitado na maca e quando ficou Wellington e o enfermo Wellington viu o homem de osso na cabeceira da cama. sobrava uma gota do remédio Wellington virou o enfermo para o outro lado da maca assim o homem de osso estaria nos pés da maca mas ele apareceu de novo na cabeceira da maca, Wellington tentou várias vezes até que derrubou a garrafa contendo o remédio e perdendo a única forma de salvar o menino mas o homem de osso sumiu. Wellington fecha os olhos e comemora mas quando abre os olhos vê o homem de osso bem em cima da sua cabeça.
Continua...
Dois dias depois moradores encontram o corpo de Wellington em uma viela, chamam sua esposa. Quando ela chega no local encontram folhas de bananeira no chão como se fossem uma toalha, e em cima das folha tinha uma lasanha na metade. Ela suspira e diz. “Que estranho!”, grossas lágrimas brotando-lhe dos olhos tristes. “Por que ele dividiu a lasanha em duas? Ele sempre sonhou em ter uma lasanha inteira só para si! Eu só queria saber quem ele convidou para comer a outra metade. Fosse lá quem fosse, deve ter sido uma pessoa muito distinta, nobre e gentil, do contrário Wellington não teria morrido tão feliz.”
FIM
Mariano Sophia Casolari
Mariano era um pedreiro na cidade de São Paulo. Ele morava em uma pequena casa em uma comunidade, com sua esposa e dois filhos. Ele sempre foi muito leal à sua esposa e nunca ousou a bater nela. O homem não era muito bom com palavras perto da família, mas[,] apesar disso, se dedicava muito ao trabalho para poder sustentá-los. A mulher, sempre tomava conta da casa e dos filhos. Cozinhava e nunca questionava seu marido, ela tentava agradá-lo sempre que possível. Mesmo com Mariano indo trabalhar todos os dia bem cedo, a família era bem pobre, uma das mais pobres da comunidade, então era normal que passassem fome. O maior desejo de Mariano era poder comer sozinho um prato inteiro de lasanha. Uma lasanha quente, recheada de queijo, presunto e carne. Sempre esperava que um milagre acontecesse, e seu desejo fosse realizado. Ele dizia que morreria infeliz se não pudesse conquistar seu desejo até sua morte. Sua mulher sabia do maior desejo do homem, então às vezes, passava na casa dos vizinhos e limpava seus quintais. Com isso, ela ganhava um pouco de dinheiro e o guardava. Depois de um tempo, a mulher conseguiu guardar dinheiro o suficiente para comprar os ingredientes da lasanha. Foi ao mercado e comprou-os. No dia seguinte, de madrugada, antes que o marido e os filhos acordassem, a mulher começou a preparar a lasanha com todo amor e carinho. De manhã, quando Mariano estava partindo para o trabalho, a moça entregou, em um pote, a lasanha que o marido tanto queria. E disse: "Sei que este é o seu maior desejo, então como um agradecimento a tudo que você faz pela nossa família, aqui está uma lasanha inteira para que você possa comer sozinho!" Então, o marido sem muitas palavras, agradeceu, e partiu para o trabalho. Durante a caminhada, o homem se aproveitava da maravilhosa lasanha que sua mulher havia feito, até que ele se depara com um homem de terno preto, carregando uma mala. Ele aparentava ser bem elegante e saudável mas parecia estar cansado. Vindo em direção a Mariano, o homem implorou: "Por favor meu caro, dê-me um pedaço da sua lasanha! Eu imploro, estou em busca de um trabalho há 5 dias, não comi nada desde então. Imagino que essa lasanha não seja tão importante para você." Mariano não ficou contente e como resposta disse: "Que ignorante! Não vê que eu estou no meio de uma importantíssima refeição? Esse é o meu maior desejo, e você quer arruiná-lo!" "Não tenho nenhuma intenção de arruinar a sua refeição, só dê-me um pedaço, que irei embora. Se quiser, posso te dar dinheiro" Mariano recusou a oferta de qualquer jeito, dizendo que não importava quanto dinheiro o homem lhe desse, aquela lasanha era o seu maior desejo, e não abriria mão dela.
Continua…
Depois de mais ou menos 5 minutos, Mariano avista outro homem vindo em sua direção. Ele usava um jaleco branco e sandálias estilo hippie, possuía um cabelo castanho e longo. "Meu caro! Por favor, sou um homem muito bom e passei uma grande parte da minha vida ajudando pessoas que precisavam de comida ou acolhimento. Mas agora não tenho mais nada, estou sem rumo e com fome. Por favor me dê um pedaço de sua lasanha." Como resposta, Mariano disse: "Aprecio sua humildade e solidariedade, mas infelizmente não posso. Essa refeição me dará vida e me trará uma felicidade imensa" "Entendo. Mas,vejo que você é de uma família pobre, e só quero dizer que trago de uma mina, uma barra de ouro. O que acha de fazermos uma troca?" Convencido, Mariano disse-lhe que não desconfiado. Seguindo a caminhada, ele se deparou com mais uma pessoa vindo em sua direção. Era um homem envolvido em uma roupa preta, muito branco e muito magro, era possível ver alguns de seus ossos, parecia que estava à beira da morte. "Meu caro, por favor me ajude. Sou um homem que está sempre viajando para encontrar pessoas. Mal tenho tempo para comer, e..." Antes que o homem de osso continuasse, Mariano o interrompeu: "Não precisa continuar, só pela sua aparência já consigo notar. Junte-se comigo que dividiremos a refeição" "Muito obrigada meu amigo! Sou muito grato. Mas enfim, me conte um pouco sobre você! " "Bom, meu nome é Mariano e sou de uma família bem pobre. Trabalho como pedreiro, tenho dois filhos e uma esposa muito querida. Que inclusive juntou dinheiro para fazer essa maravilhosa lasanha apenas para mim. Mas isso nunca acontece. Como eu sou o único que trabalha na família, e ainda assim não tenho um salário muito bom, em casa normalmente passamos fome." "Bom, nesse caso não tenho escolha, estava esperando para dar essas sementes a alguém especial, e aqui está. Plante-as no seu quintal e regue-as uma vez ao dia, depois de 4 dias, alfaces, tomates, cenouras e cebolinhas nascerão. Uma parte delas você pode vender para o povo na sua comunidade e a outra, você e a sua família poderão comê-las e não irão passar mais fome." "Nossa! Muito obrigada, você é muito generoso. Mas... Eu tenho uma pergunta. O que é isso pendurado no seu pulso?"
Continua...
"Ah! Claro! É um cronômetro. Com isso, eu nunca perco o horário ao encontrar meus clientes. Antes tinha uma ampulheta, e costumava me atrasar, então meus clientes acabavam escapando. Hoje isso não acontece mais, quando está na hora de partir, não podemos atrasar." Mariano se assustou, mas tentou continuar a conversa. Depois de um tempo, estava na hora de ir, mas antes o homem de osso disse algo muito importante a Mariano. "Apenas lembre-se de uma coisa, se no futuro você me vir ao lado da sua cabeça, já sabe, né? " O homem assustado, agradeceu o presente e partiu. Após um dia de trabalho, Mariano decidiu plantar as sementes, cuidando muito bem, para que nada desse errado. Lembre-se de que sempre uma vez ao dia, as deveria molhá-las. Depois de quatro dias, sua plantação estava linda! Ele fez a colheita, lavou os vegetais, e chamou a família para provar. O resultado foi magnífico. Sem demora, a família plantava e vendia, plantava e vendia, e assim sucessivamente. A comunidade amava seus produtos, não tinham palavras, era a melhor comida que já haviam provado. Alguns pagavam o dobro só pela admiração. Com a plantação, a família de Mariano cresceu muito. O homem arranjou um emprego de arquiteto, e mais próximo à sua casa. A família já não passava mais fome, e todos estavam felizes. Mas depois do sétimo mês de sucesso, a comunidade começou a perceber que quem comia as hortaliças se intoxicava e morria. Mariano não sabia o porquê, mas mesmo assim a comunidade o culpava, chegando a uma conclusão que o mataria. Mariano muito assustado, saiu correndo para seu quintal, onde se encontrava a plantação. Não teve muito tempo para pensar, até que que seu amigo de osso apareceu ao lado de sua cabeça. Ele implorava para que não o matasse, mas a única coisa que a morte disse foi: "Esse é o seu destino e não tenho como mudá-lo. Mas antes da sua morte, eu lhe trouxe algo.." O corpo de Mariano foi achado jogado no chão de seu quintal, com um prato de lasanha comido pela metade.
Jornada Nova Maria Luisa Barbosa Nunes
José é um homem com condições financeiras ruins, tem 35 anos e vive junto com sua mãe para cuidar dela. Trabalha como carteiro e não recebe muito bem seu salário mesmo trabalhando por muito tempo. Esse homem queria ser mais bem-sucedido, e o seu maior desejo era ter um automóvel. Ele não tinha dinheiro o suficiente para comprar algo assim e gastava suas economias para comprar alimentos e cuidar da saúde de sua mãe. José arranjou outros empregos, a cada dia que passava ele ficava mais cansado, mas continuava trabalhando para melhorar suas condições e principalmente ter a chance de comprar o tão sonhado carro. Ele nunca pensou em ter uma esposa, criar uma nova família ou até mesmo ficar muito rico. Na verdade o que ele queria mesmo era um automóvel, mesmo que simples, assim poderia visitar diversos lugares, sem precisar ir em uma bicicleta ou transporte público lotado. Pensava a todo o momento em seu sonho até que chegou o grande dia em que José pode realizá-lo. Com o resultado de seu esforço e um dinheiro que sua mãe lhe deu, ele conseguiu finalmente o carro, agora ele tinha algo somente seu e poderia se aventurar pelas cidades. O homem conseguiu comprá-lo, apesar de ser um automóvel usado, ele estava totalmente satisfeito já que nunca tivera uma chance assim antes. Agora, José saía todos os dias, trabalhava com o veículo e tentava conhecer alguns lugares. Um dia, em sua folga no trabalho, ele saiu com seu automóvel e foi para um lugar distante, tentando somente aproveitar aquela experiência nova. Dirigia por uma estrada que não tinha praticamente ninguém. Porém, passados alguns minutos avistou uma pessoa caminhando pelo acostamento. José ficou preocupado e resolveu conversar com aquela pessoa para ver se precisava de ajuda. Ao parar o carro, José percebeu que o homem vestia roupas caras, tinha uma fala arrogante e em seus olhos não havia nenhum brilho. Após iniciar um diálogo, o homem exigiu uma carona, queria que José o levasse para sua casa. Mas, como o tal homem estava sendo mandão e o tratando como um qualquer, por isso, ele resolveu não ajudá-lo e disse ao homem que deveria ser mais educado e que também não queria prejudicar o seu passeio. Geralmente, ele não era alguém egoísta, mas realmente não queria dividir sua primeira conquista com ninguém. O homem ficou extremamente irritado, mas José o ignorou e continuou sua viagem, mas a imagem daquele homem não saía de seus em seus pensamentos, pois parecia com algo ruim ou que revelava um poder das trevas e ficou assustado, pois pensou imediatamente no diabo. Será que era possível uma aparição assim? De qualquer maneira, tentou esquecer o que ocorreu e aproveitou o seu momento de viagem e não tinha a menor vontade de compartilhar com ninguém.
Continua...
Depois de um tempo, avistou outra pessoa próxima a estrada, parecia pedir ajuda ou uma carona e assim o trabalhador foi obrigado a parar. O homem usava roupas claras e tinha uma face angelical e foi totalmente gentil ao pedir uma carona. José ficou calmo com aquela presença, sentiu-se bem ao lado dele,
mas achou muito estranho
alguém aparecer tão misteriosamente. Apesar de pedir gentilmente para ele uma carona, José também recusou, pois achava injusto ter que dar carona para um e não para o outro. Assim, deixou o segundo homem ir embora, mas no caminho começou a pensar que aqueles dois visitantes poderiam o Diabo e Deus, até que acreditou nessa possibilidade. Após percorrer por muito tempo, avistou uma terceira pessoa, que entrou na frente do carro, e novamente ele teve que parar e atender aquele ser. Era alguém que vestia roupas elegantes, parecia uma pessoa comum que pedia uma carona, assim como seus últimos andarilhos. Mas essa pessoa revelou que era morte e José ficou assustado, pois não sabia se acreditava naquele ser ou não. A morte começou a fazer alguns movimentos com suas mãos e conseguia se transformar em diversas formas e isso provou sua verdadeira identidade. Então disse para não se preocupar, porque não faria nada de mal com ele, apenas queria uma carona. Mesmo assim José continuou assustado. Temendo a morte, José prontamente resolveu dar uma carona, mas a verdade é que aceitou pela promessa de ter um emprego de sua escolha. Assim feito, José deu uma carona para a morte e como prometido ele recebeu um emprego. Escolheu ser um empresário de uma indústria automobilística e assim a morte realizou seu desejo. Após isso, José ficou muito conhecido por seus automóveis e por conseguir uma empresa somente sua, ele ficou muito famoso e recebia diversos clientes. Conseguiu casar, ter filhos, enfim ter um família. Tudo estava saindo como planejado. Mas sua vida começou a mudar, após aparecer diversos clientes que o acusavam de peças adulteradas e as queixas só aumentaram. Dia a dia havia pedidos de reembolso e mais clientes reclamando. Agora no caixa da empresa ao invés de receber dinheiro, só saia. Sua vida começou a se tornar um inferno, repórteres começaram a filmar a empresa e acusá-lo de contrabandista. A cada acusação, mais dinheiro ele perdia ao pagar para advogados e reembolsos. O nome da empresa apareceu em todos os jornais e sua reputação ficou de mal a pior. No meio de toda essa situação, seu filho ficou doente e precisava fazer uma cirurgia de urgência. Não conseguia compreender por que tudo aquilo estava acontecendo com ele.
Então, lembrou-se de toda a oferta da morte e no seu desespero foi para aquela estrada que tinha encontrado com a morte pela primeira vez, com a finalidade de reencontrá-la novamente. Logo que a avistou fez uma proposta à morte, disse que, se sua empresa voltasse ao normal e seu filho fizesse a cirurgia, ele até trocaria sua vida por isso. A morte ficou satisfeita com a proposta e assim foi feito. No dia seguinte, a família de José recebeu a notícia de sua morte, eles tiveram que lidar com uma péssima e triste perda mas se isso não fosse feito um de seus filhos morreriam.Então José faleceu, e ninguém além da morte ficou sabendo a morte.
Pastel Maria Luiza de Toledo Calil
Na capital de São Paulo, Jonas, um advogado bem-sucedido, morava em um apartamento bem grande com sua mulher e filhos. Um desejo que Jonas já havia compartilhado com sua mulher era que pela primeira vez em sua vida comesse uma comida simples, pois já nascera com dinheiro e isso não o agradava. Sempre desejou uma vida normal fora do luxo, então um dia sua mulher ligou para o escritório onde trabalhava e inventou uma desculpa falando que seu marido estava doente. E com esse passe de mágica o marido estava livre de seus compromissos, ela também o liberou do seu dia em casa falando que ele podia aproveitar no centro da cidade. Decidiu ir de ônibus para não parecer alguém de classe, querendo zombar dos outros. Como era dia de feira decidiu comer um pastel. Ele o comprou e foi comer em um beco deserto. Na primeira mordida que ia dar apareceu um morador da comunidade lhe pedindo um perdão: -Caro bom moço, será que você poderia me dar um pedaço deste pastel? Gastei todo meu dinheiro com a passagem do ônibus e agora só tenho para a volta e agora estou morrendo de fome. -Sinto lhe informar, meu jovem, mas não poderei dividir este pastel. Esta será uma das últimas chances que tenho de comer algo comum sozinho. -Te entendo, meu querido, mas agradeço pela forma que me respondeu, adeus! Agora Jonas estava sozinho novamente, e decidido em se deliciar no pastel. Quando foi dar a primeira mordida percebeu um morador de rua lhe olhando, e com isso ele falou: -Meu jovem, não como há dias, e não paro de andar. será que poderia me dar um mísero pedaço do seu pastel? Faz tempo que não vejo algo com a cara tão deliciosa. -Me desculpe, senhor, mas pretendo comer meu pastel sozinho, se o comprei inteiro serei eu que irei comer inteiro. -Entendo, mas negar um pedaço de comida para alguém necessitado não é certo, mas, pois bem, irei me retirar. Aproveite seu pastel. Logo depois da partida do mais velho, Jonas iria aproveitar por inteiro seu pastel. Novamente quando foi morder viu um par de pés parados em sua frente, que logo começaram a falar: -Estou com muita, muita fome meu jovem! Por favor, compartilhe sua comida com este velho moribundo. -Deu para perceber, senhor - sua aparência magra já esclareceu tudo- Por favor, sente aqui do meu lado, vou partilhar minha comida com você. Enquanto compartilhavam a comida o mais velho falou: -Vi que outros dois indivíduos passaram por aqui lhe pedindo a mesma coisa que eu, por que recusou a eles e não a mim?
Continua...
-Bom, você já deve saber o porquê, acho que se conhecem, o primeiro seria o diabo, certo? O disfarce não estava tão bom, e seus argumentos se contradizem, ele falou que só lhe restava dinheiro para a volta mas suas roupas lhe mostravam o oposto. E o segundo seria aquele que não citarei o nome por ser um critão firme. O mesmo também não possuía um disfarce tão bom, ele falara que andara por dias mas seus sapatos estavam novos, e não havia indícios de desidratação ou fome, e você também já sei de quem se trata. -Ou!- disse a morte com surpresa - não sabia que tinha os identificado. Bom, prazer, sou a morte, mas como você disse já sabia. Agora deixe-me explicar, isto tudo não passará de um teste para ver se você está apto para receber o que mais deseja, e pelo que observei falhou miseravelmente. Este teste tinha o intuito de ver como você reagiria a ver pessoas com necessidades, e só por saber quem eram negou tudo a eles, então tudo será negado a você, menos uma coisa. -O que seria? Minha vida já não pode piorar. -Mas é claro que pode, vou lhe conceder mais fama, mais dinheiro e tudo que se envolve nisso, sei que seu objetivo era o oposto, agora sofra com seu pior pesadelo. Ao completar essa frase a morte desapareceu, e Jonas começou a se sentir observado, como em um piscar de olhos vários paparazzis apareceram e começaram a caçoar dele, pois, como alguém tão rico e bom de vida está fazendo em um lugar desse? -SAIAM DE PERTO DE MIM AGORA!- ordenava Jonas já vermelho de raiva, e novamente como mágica uma limusine chegou para o levar em casa. Chegando em casa chorou no colo da esposa como nunca havia chorado antes, lhe pedindo desculpa e se culpando pelo acontecido, e assim continuou até o fim de seus dias. No último dia de sua vida os três companheiros foram lhe visitar e dizer adeus, acrescentando que a sua vida foi um inferno por escolha dele, e assim continuaria, pois o céu não era seu destino final.
Macário Adaptado Mariana Figueiredo Krausz
Marcário, um homem muito pobre, tinha que trabalhar muito, para ganhar dinheiro, pois com isso iria conseguir comprar o mínimo de comida para que sua esposa conseguisse cozinhar para sua grande família. A família vivia em uma casa muito pequena debaixo de uma escadaria nas ruas de São Paulo. Marcário, sendo um homem muito respeitoso, nunca havia tratado sua mulher com violência e sim com muito respeito. Por causa do trabalho como lixeiro ele praticamente nunca estava em casa, sempre estava tirando o lixo da rua. Certo dia, como em todos os outros, ele estava tirando o lixo da rua, o que ele não viu foi um carro vindo em sua direção. Marcário havia sido atropelado, depois disso ele foi ao hospital público mais perto e infelizmente teve que amputar uma de suas pernas. Por causa de seu acidente ele não conseguiu mais trabalhar no seu trabalho antigo. Então, seu único e mais forte desejo foi que algum dia ele conseguisse uma cadeira de rodas para arranjar outro trabalho e conseguir dinheiro novamente para alimentar sua família. Ele desejava isso todos os dias, e a cada dia ele falava isso mais desesperado. Então sua mulher teve a ideia de fazer um trabalho extra para que conseguisse comprar a tão desejada cadeira de rodas. Os dias foram se passando e, como de costume, Marcário continuava pedindo desesperadamente sua desejada cadeira de rodas. Para sua surpresa, sua mulher veio-lhe contar que há algum tempo ela estava trabalhando mais para realizar o desejo do marido. Um dia depois, ela chegou com uma cadeira de rodas em casa, Marcário, como um homem de poucas palavras, só agradeceu e foi em busca de um novo trabalho. Marcário andou muito a caminho de um novo emprego. Nesse caminho ele se deparou com um homem muito arrumado e chique, de terno preto e sapatos um tanto quanto desconfortáveis porém elegantes. Por causa de seus sapatos, o homem chique sentia uma dor no pé e por isso pediu a cadeira de rodas do Marcário em troca de uma muleta. Logo de cara Marcário havia dito não, então o homem começou a insistir mais ainda e começou a falar que se não chegasse a tempo no trabalho ele iria ser demitido. Essa desculpa não mudou em nada na resposta do Marcário, o que significa que a resposta dele ainda era não. Depois de muita insistência o homem cansou de pedir e foi embora. Depois de andar mais um pouco em busca de um trabalho, Marcário se deparou com uma pessoa bem mais diferente do que a primeira. Esse homem dizia ser um morador de rua, ele tinhas cabelos castanhos e longos, suas roupas eram brancas, mas estavam sujas e seus pés estavam sujos e machucados com cacos de vidro. Pelo fato de seus pés estarem machucados, o morador de rua pediu a Macário que desse a ele sua cadeira de rodas, não diferente da resposta anterior Macário, disse não. Ele insistiu mais um pouco e que nem o outro começou a exagerar um pouco na história que contava, ele disse que veio de muito longe a pé procurando uma vida melhor e que ainda não tinha achado e que seus pés estavam doendo de tanto andar. Depois de toda essa história a resposta de Marcário permaneceu a mesma, então o sujeito desistiu de insistir e foi embora.
Continua...
Depois de Marcário ter falado não para duas pessoas ele finalmente pensou que estava em paz, mas não estava. Ele foi andando e andando até que se deparou com outra pessoa, essa pessoa era magra, tinha uma capa preta e não mostrava muito o rosto. Os lugares que a capa não escondia em seu corpo dava para ver que a pessoa era pálida, sua voz era rouca e andava com uma bengala. Que nem as últimas duas pessoas, essa pessoa pediu a cadeira de rodas para Marcário, ele disse, que em troca da cadeira de rodas, daria uma muleta mágica que o ajudaria a andar sozinho, cada vez melhor, sem ajuda de nada nem ninguém. Marcário se interessou e, diferente das últimas respostas anteriores, ele faz a troca do o sujeito. Por um tempo, eles andaram juntos e, no meio do caminho, Marcário percebe um tipo de relógio no pulso do sujeito, ele decide perguntar o porquê daquele relógio. A pessoa ao lado dele começa a contar a história. Ele falou que é uma herança de família e que esse relógio faz com que ele nunca perca uma tragédia ou morte de alguém, ele contou de algumas tragédias em que ele estava presente e Macário começou a ficar com medo. Depois da história cada um seguiu seu caminho, Marcário com a muleta mágica e o outro com a cadeira de rodas. Um dias depois Marcário realmente começou a acreditar na história das muletas mágicas, e realmente percebeu a diferença, tanto que uns dias depois ele não precisava mais das muletas e as jogou fora. O que ele não sabia, até porque o sujeito que deu essas muletas a ele não contara, é que esse efeito de conseguir andar sem ajuda não era para sempre. Uma semana depois Marcário se sentiu muito mal, tanto que não conseguia nem levantar e por isso não foi para o trabalho. Esses dias sem trabalhar ele não ia conseguir dinheiro, sem dinheiro ele não iria conseguir comprar comida e sem comida a família que ele tinha para alimentar iria passar mais fome do que passavam. Então quando Macário estava deitado um dia morrendo de fome e com muita dor a morte apareceu e[,] sem muitas palavras, a única coisa que ela disse foi: - Você foi um homem muito leal a sua família mais infelizmente sua hora chegou. Minutos antes de Marcário morrer, com um pouco de suas forças que lhe restara, ele implorou e implorou mais nada adiantou.
Antônio Nina Schnaider Redondo
Saindo de uma de suas diversas consultas do dia, Antônio, que era um renomado psicólogo, trombou com uma senhora que estava vestida de preto dos pés à cabeça e segurava uma bengala da mesma cor, apenas com a empunhadura prateada. Ao contrário da coloração de seus trajes, sua pele era branca. Era um branco tão pálido que parecia até que ela estava morta. Por coincidência, ela seria a próxima paciente a ser atendida pelo mais conhecido psicólogo da cidade de São Paulo, com quem acabara de trombar. Ambos entraram na sala onde Antônio atendia e iniciaram a consulta. Quando o tempo da mesma estava acabando, a peculiar paciente comentou que estava cansada de viver. Ao desenrolar do assunto, ela perguntou ao médico, casualmente, se ele não se sentia da mesma forma. Ele hesitou e disse que essa era uma pergunta cuja resposta necessitaria de alguma reflexão. A mulher respondeu com a seguinte frase: “Essa hesitação me dá certeza da resposta”, e saiu da sala. Quando Antônio saiu de sua sala e foi para a recepção, a recepcionista, com quem falava quase todo dia, perguntou “Posso ajudar, senhor? Está procurando a sala onde será atendido?”. O homem, entendendo que aquilo era algum tipo de piada, começou a rir. A mulher entendeu que ele precisava ir ao psiquiatra e, como o psiquiatra estava fora, levou-o à sua própria sala e informou-lhe que logo o doutor estaria ali. Ele, achando que a funcionária ainda estava brincando, continuou rindo e saiu do local que frequentava quase todos os dias, já que estava em seu horário de almoço. Foi pegar sua Ferrari no estacionamento do prédio do escritório mas, quando chegou lá, percebeu que o cartão que indicava que o carro era realmente dele não estava no seu bolso. Imaginou ter esquecido-o no consultório e praguejou por isso. Como os operadores do estacionamento já o conheciam, não enxergou tanto problema em pedir-lhes que liberassem o carro e, caso o fizessem, daria-lhes uma pequena, aos olhos de alguém rico, quantia de dinheiro. Mas os homens riram de sua cara, alegando que o sujeito estava maluco e que não o conheciam. Como seu escritório se encontrava no trigésimo oitavo andar e seu condomínio não era tão distante de lá, decidiu que iria andando para casa, mesmo que tivesse de suportar os diversos olhares que recebia por conta de sua fama. Mas, ao contrário do que imaginava, isso não aconteceu: as pessoas nem sequer percebiam que ele, o mais famoso psicólogo de São Paulo, estava ali, diante delas. Conforme caminhava, o homem percebeu que seu traje mudava: o terno que usava se tornou uma bermuda esfarrapada e uma camisa velha. Seus caríssimos sapatos, sandálias desgastadas. Já sua maleta, desapareceu de suas mãos. Continua...
Como a firma de sua mãe era perto de onde estava e Antônio, que estava estranhando tudo o que estava acontecendo, ele decidiu encontrar-se com ela, surpreendê-la com uma visita. Quando chegou ao escritório, ela estava conversando com o assistente e, quando o psicólogo se aproximou com um sorriso, ele olhou-o, sem entender muito bem, e retribuiu com um meio sorriso. Quando ele se aproximou mais, dizendo que estava achando que seu dia estava muito esquisito, ela o olhou com estranheza e perguntou “Eu te conheço?”. Ele, atônito, sem saber como reagir pois percebeu que ela não estava de brincadeira, apenas foi embora, em direção a sua casa, onde poderia refletir sobre tudo que acontecera. O caminho para casa também mudou: mesmo que estivesse utilizando a mesma rota de sempre, as calçadas se tornaram irregulares, sujas, as ruas mais estreitas e as casas muito menores. Quando ele chega no local onde estaria seu luxuoso apartamento, há apenas uma pequena casa que estava caindo aos pedaços. Ele entra, deita na cama de molas barulhentas, que é, por sinal, o único móvel da casa, e passa a refletir, fazendo a si mesmo as seguintes perguntas: “Quem sou eu?”, “Qual é a minha verdadeira realidade?”, “Será que eu apenas sonhei em ter todo aquele luxo e ser bem-sucedido?”, “Ou será que meu atual estado não faz parte de um sonho e eu sou, na realidade, esse homem bem-sucedido?” e “Se esta última hipótese é a correta, espero que esse sonho acabe logo. Pensando bem, será que eu realmente quero despertar?”.
Macário Rafael Coutinho Talocchi
Macário, um humilde pedreiro que morava nas favelas de São Paulo, há muito tempo guardava um desejo incomum. O que desejava não era dinheiro, carros ou uma mansão luxuosa, seu desejo era ter um colchão que esquenta. Toda a trabalhava Deus que somente o
manhã, Macário saia para trabalhar bem cedo e só voltava quando já estava escuro, muito e ganhava pouco. Por isso, sempre chegava em casa muito cansado, jantava, pedia a tivesse seu tão sonhado colchão que esquenta e dormia. Macário falava muito pouco, necessário.
Sua mulher, que sempre soube o quanto ele queria aquele realizar seu sonho, resolveu começar a fazer diversos trabalhos para conseguir realizá-lo. Depois de muito tempo e trabalho duro, a mulher conseguiu comprá-lo. No dia seguinte, quando o marido chegou do trabalho, a mulher falou para ele que ela havia comprado o colchão e lhe aconselhou que fosse dormir na casinha que havia na parte de fora da casa, porém no mesmo terreno, pois era mais silencioso e assim ele poderia aproveitá-lo melhor. Foi exatamente isso que o homem fez, pegou o colchão e foi dormir. Tudo estava ocorrendo bem até que o homem foi acordado por um sujeito muito magro e pálido. Macário olhou para o desconhecido e perguntou: - O que faz aqui? Então o outro respondeu: - Desculpe entrar sem pedir licença, mas lá fora está muito frio e estou congelando, por isso gostaria de saber se você poderia me emprestar o seu colchão para que eu possa me aquecer. Macário acabou aceitando: - Tudo bem, pode dormir no meu colchão. Os dois conversaram por um bom tempo, e foi então que a morte disse: - Você é um homem muito bom e por isso vou lhe dar esta poção que pode fazer qualquer pessoa que esteja doente sobreviver, porém preste muita atenção: se você me vir no pé da cama do doente ele vai viver mas se eu aparecer na cabeceira da cama a pessoa não sobreviverá. A morte se despediu e foi embora. Macário guardou a poção e foi para mais um dia de trabalho. Trabalhou e voltou para casa ainda duvidando se o que ocorrera na noite passada realmente havia acontecido. Quando chegou em casa se deparou com muitas pessoas na porta e dentro da casa e logo descobriu que seu filho mais novo estava muito doente. Foi então que se lembrou da poção e foi rapidamente buscá-la e deu ao filho, que se recuperou. Continua...
Alguns dias depois a mulher do homem mais rico da cidade acabou adoecendo e Macário foi chamado para salvá-la. Macário foi até lá e decidiu que poderia ajudar, mas percebeu que o homem não estava confiando nele e disse que só conseguiria curar a mulher se ele confiasse em Macário. Macário curou a mulher e o homem rico falou que seria sócio de Macário e que faria ele ter muito dinheiro e reconhecimento. A partir daí, curou muitas outras pessoas, se tornou famoso e rico, porém continuou sendo uma pessoa humilde e bondosa e sempre ao lado da família. Certo dia, foi chamado para curar o filho do vice-presidente do país. Então, foi até lá e o governante. Os dois se cumprimentaram e então o vice-presidente falou: - Desconfio que você esteja enganando a todos e que na verdade seja um criminoso que não cura as pessoas de verdade. Por isso, decidi que se você não conseguir curar o meu filho, te colocarei na cadeia e você será condenado à morte. Logo, ele foi ver o menino e, na hora em que olhou para a cama, viu a morte na cabeceira. Macário, que nunca antes havia questionado a morte, desta vez tentou conversar com ela para que ela pudesse deixar o menino viver. A morte recusou e então ele começou a tentar inverter a cama para que a morte mudasse de lugar, mas ela sempre aparecia na cabeceira. Cansou-se e caiu no chão derramando a última gota do poção. A morte, que gostava dele e sabia que ele era muito bom e nunca tinha a questionado antes, propôs o seguinte: - Eu não posso deixar que o menino viva, porém posso te ajudar. Como você sempre foi bom, eu posso evitar que você seja queimado vivo. Então, abriu os olhos e viu a morte acima de sua cabeça. A mulher de Macário, desesperada pela demora do marido em voltar para a casa, pediu a ajuda de todos os homens da aldeia para procurá-lo. Depois de muita busca, acharam Macário morto com um largo sorriso ao lado de um peru assado comido pela metade.
Wilson, o Mágico da Morte Rafael Fonzaghi Barros
Wilson vivia em São Paulo e trabalhava como vendedor ambulante na rua 25 de Março. Ele era muito pobre e tinha quatro filhos, Wesley, Lucio, Claudio e Julio, e sua esposa chamada Ricarda. Seu maior sonho era era ter um peru assado só para si e não dividir com ninguém, ele venderia até sua própria alma para isso.
Wilson trabalhava 14 horas por dia e recebia apenas 1000 reais para sustentar sua família, às vezes mais e às vezes menos. Todos os dias das 6 às 20 ele trabalhava, e quando chegava em casa perguntava a sua mulher o que tinha para o jantar e ela respondia “salsicha e ovo” todo dia a mesma coisa, mas ele sempre perguntava para seus filhos não acharem que ele era mudo.
Quando o jantar estava na mesa ele já estava capotado no sofá e sua mulher dizia “Wilson, vem jantar”, eles agradeceram a deus pela comida e comiam com pressa. Depois de jantar, ele se sentava no sofá e dizia “Senhor, se ao menos uma vez em minha triste vida eu tivesse um peru assado só para mim, iria morrer feliz e descansar em paz. Amém”. E ia para a cama dormir.
Ele dizia tanto isso que seus filhos já estavam até acostumados, pois achavam que era o jeito dele de agradecer o jantar.
Ricarda, reconhecendo o trabalho do marido, juntou por 5 anos qualquer dinheiro que conseguisse fazendo bicos e pequenos trabalhos para compras o peru que Wilson tanto queria, e quando conseguiu comprou o maior peru que achou e deu para ele.
Ele, estourando de alegria, escondeu a refeição e, no dia seguinte, Ricarda mandou seus filhos mais cedo para a cama e Wilson saiu para comer seu peru em um beco perto do barraco em que moravam.
E na hora em que iria devora o peru, dois mendigos vieram lhe pedir um pedaço, um, depois o outro. No entanto, ele negou, quando chegou o terceiro, um homem esquelético, ele pensou “quem sou eu para negar meu destino?”. Então, deu metade do peru ao mendigo, ele deram muitas risadas durante o jantar e o mendigo disse: - Dois outros mendigos vieram aqui antes de mim certo? Wilson respondeu: - Sim, como sabe?
Continua...
- Eu sei de tudo. - respondeu o homem esquelético - Sabe quem eram eles? - perguntou. - Sim! - respondeu Wilson - O primeiro era o diabo e o segundo era Jesus - Mas como negou para eles… - Eles têm condições para comprar um peru. - respondeu Wilson. Depois de muitas risadas o mendigo falou: - Vou te contar uma coisa, um segredo que pode mudar sua vida: eu sou a Morte e vou te dar a oportunidade de ganhar muito dinheiro. Você será médico e saberá exatamente quando uma pessoa morrerá ou viverá, se eu estiver na cabeceira da cama do paciente, ele irá morrer, mas se eu estiver no pé da cama você dá esse remédio ao paciente e ele viverá. O que você me diz? - Perguntou o mendigo. Entusiasmado Wilson respondeu: - É claro que eu aceito! Então, a Morte deu o remédio para Wilson e disse: - Boa vida. - E desapareceu nas sombras do beco.
Dias depois seu filho Lúcio adoeceu e Wilson viu seu amigo aos pés da cama. Pegou o remédio, deu para seu filho e tudo se resolveu. O caso se popularizou e logo Wilson era um grande médico conhecido pelo mundo todo. Ganhou muito dinheiro, comprou uma grande casa e tinha grandes carros.
Muitos anos se passaram e Wilson já tinha netos e sempre cumpriu a fala de seu amigo, se a Morte estava na cabeça o paciente morria e, se ela estava no pé o paciente vivia. Ele até tinha perdido seu filho Cláudio, pois a morte estava na cabeça e ele aceitou sem questionar, mas já estava velho e pensando em se aposentar. Até que, um dia, o presidente da Coreia do Norte o convidou para salvar a vida de sua filha e lhe ofereceu 50 milhões de reais para Wilson salvá-la, mas disse que, caso não conseguisse, seria executado sem ninguém saber. Ele pensou “com essa quantia, posso me aposentar e deixar dinheiro tranquilamente para meus filhos”. Assim, ele entrou no quarto, mas quando o fez, se desesperou, pois viu seu velho amigo na cabeceira da cama então fez de tudo para impedir, virou a cama várias vezes, mas a morte sempre estava na cabeceira. Ele implorou dizendo: - Por favor, velho amigo, nunca te pedi nada. Mas a morte continuou calada e Wilson desmaiou. Quando acordou, viu a morte ao lado de sua cabeça dizendo: - Adeus, velho amigo, você cumpriu bem sua missão.
Ricarda, então, saiu do barraco em que sempre morou com sua família e viu o marido morto no beco com o peru dividido ao meio.
O Doce Encontro com a Morte
Ricardo Chrispim Cavalcanti de Albuquerque
Carlos, um homem trabalhador e simples, tinha um único desejo: ter um último Natal com seus pais. Em uma véspera de Natal, Carlos, com os seus 11 anos, pediu para que seu pai e sua mãe fossem comprar um panetone para comer no feriado. Como os pais de Carlos eram muito simples, não tinham dinheiro para comprar o panetone, pois era muito caro. O menino insistiu tanto que eles procuraram e juntaram seus últimos centavos. O casal pegou seu carro e foram comprar o panetone tão desejado pelo filho. No meio do caminho, o pai de Carlos, que estava no volante, se distraiu, passou no sinal vermelho e acabaram colidindo com um caminhão. Com isso, o casal acabou morrendo. Desde então, Carlos nunca foi o mesmo. A cada ano que se passava, o menino ia ficando mais triste e vazio. O humilde menino, tornou-se um homem, agora, tinha 29 anos. Já tinha uma esposa e uma filha linda de 10 anos. Meses foram se passando e sua filha fez 11 anos e isso sempre deixava Carlos mais triste, pois o aniversário dela era perto do Natal e isso fazia ele lembrar que a data que o marcara tristemente estava chegando. Porém, Carlos, que trabalhava como eletricista, queria que esse ano fosse diferente e que tentasse ver o lado bom deste dia. Faltava pouco para o feriado, a mulher, sabia da história - que ele nunca conseguiu comer o panetone - e que o homem nunca mais teve coragem de ir comprar um. A jovem moça tentou conseguir o dinheiro de tudo quanto é jeito. Chegado o tão esperado dia, o casal se reuniu depois que a filha foi dormir, pois a mulher sabia que a filha amava chocolate. De repente, quando os dois já estavam reunidos, a mulher chegou na cozinha com uma caixa de panetone e colocou na mesa. Carlos ficou deslumbrado, ele viu aquela caixa com a foto do panetone que era do mesmo gosto que ele tanto sonhava anos atrás, era o com gotas de chocolate. O homem ficou todo arrepiado, tudo isso enquanto ele lembrava daquele dia inesquecível, porém aliviado e realizado por ver aquela caixa na sua frente. Carlos, em uma gigantesca euforia, logo abriu a caixa e viu o tão sonhado panetone, seus olhos brilhavam como nunca, sua boca salivava como nunca, ele sentia o cheiro e já pensava como iria ser o gosto. Ele pegou a deliciosa sobremesa com as duas mãos bem abertas, bem embaixo, cuidadosamente, mesmo sabendo que se caísse no chão ele iria comer de qualquer jeito. Levando lentamente o doce para a sua boca e passando a língua entre seus lábios para secá-los, a sua esposa o interrompeu e disse: - Não, amor, não coma aqui em casa, porque, se a nossa filha acordar, ela vai querer comer um pedaço, pois ela ama chocolate! - disse a esposa silenciosamente.
Continua...
- Desculpe, meu senhor, é serio, eu gostaria de te dar um pedaço, porém não posso, pois minha mulher deu muito duro para conseguir comprar este panetone para mim. Mesmo arrependido, Carlos sabia que isso era o certo a se fazer, mesmo sabendo que perderia o seu caminho para o céu. O senhor pede mais um vez, porém bem mais cansado. - Por favor, meu jovem, estou caminhando faz horas e ainda falta muito para chegar até a casa do meu pai. - Desculpe, é sério, eu gostaria mesmo de te dar um pedaço, porém espero há anos para comê-lo. O senhor triste sai andando pelo corredor do beco e ao mesmo tempo quebrando o coração de Carlos. |De novo, quando estava prestes a comer, outro homem chega com uma roupa toda rasgada, com um chinelo todo ferrado e o mais esquisito, ele tinha uma cara tão magra que parecia que não tinha nem pele e que os ossos ficavam resaltados na cara, era puro osso. E diz: - Olá, meu caro jovem, eu estou com muita fome, preciso de algo para o meu estômago, sou um mero empregado de Deus. - Bom, o que a gente pode fazer contra o destino? Então pegou a metade do panetone e estendeu a mão e deu para o homem cabisbaixo e magricelo. De repente o homem diz: - Vieram outros dois homens antes de mim aqui, certo? O Carlos, se questionando, diz: - Sim! - Você sabia que o primeiro deles era o diabo, né? E você ainda nem deu um pedaço para ele. - Sim, pois eu sabia que ele não precisava mesmo de um pedaço e com o dinheiro que ele tinha ele poderia comprar vários doces depois. - E o segundo homem era o filho de Deus, e você também nem deu comida para ele, então por que deu para mim? - Pois, ele também não precisava, você é só um empregado de Deus, que trabalha muito e não tem dinheiro para comer, pois sua roupa não tem bolsos. - É verdade. - disse o homem de osso Carlos já havia aceitado o destino que nunca iria conseguir comer um panetone inteiro, começou a conversar com o homem, por um bom tempo. Até que ele descobriu que o homem de puro osso era a morte. A mulher de Carlos já preocupada, pois ele estava demorando foi à procura dele pelo bairro. Depois de muito tempo andando a mulher acha uma sombra de uma pessoa no final de um beco, então foi adentrando o escuro, até ver o Carlos no final morto, apoiado na parede e em seu colo uma metade do seu panetone.
E o Carlos mexe a cabeça para cima e para baixo como um gesto de afirmação. Ele nem conseguia dizer nada de tão fixado e sonhando no gosto daquelas gotas de chocolate espalhadas pelo doce. Então, ele vai para fora de casa à procura do melhor lugar para comer o seu delicioso doce. Depois de caminhar algumas horas, sua barriga estava roncando, até que ele achou um beco sem saída bem silencioso e calmo, com uma única iluminação, porém bem fraca, e também não era tão sujo, pois ele iria comer lá. Com muita vontade de comer o seu ganho, ele andou rapidamente até o final daquele corredor, sentou-se em uma elevação de concreto e dando um grande suspiro de alívio, pegou a caixa com o panetone dentro e o retirou. Colocou a caixa entre suas pernas para não deixar nenhuma migalha cair no chão. Finalmente levou o panetone até a sua boca, de repente, quando estava para fincar os seus dentes naquele doce macio, um homem de sapatos de couro de jacaré, uma calça social com um dos melhores e mais macios tecidos, um palito bem chique seguindo a linha de beleza e qualidade das outras vestimentas e uma cara bem persuasiva que poderia convencer todo mundo a tudo, diz: - Você poderia me dar este panetone? Voltei tarde do meu trabalho e estou andando há horas, pois minha casa é muito longe e estou com muita fome. - disse o homem bem vestido que apareceu na escuridão do beco. Carlos, com muita fome, rapidamente diz: - Desculpe, mas não posso, pois minha mulher deu muito duro para comprar este panetone. O homem retrucando disse: - Então, vamos fazer assim: como eu sou um homem muito rico, eu te dou 500 reais e você me dá metade do seu panetone. Carlos novamente recusou, pois o que só importava naquele momento era conseguir comer o panetone. O homem faz outra proposta: - Então, eu lhe dou esses 500 reais e mais um carro, que tal? - Não, obrigado. Eu quero muito comer este panetone. - retrucou Carlos. Então o homem bem vestido, já de saco cheio, fala: - Todas estas casas são minhas, se você me der o pantone eu lhe dou todas elas! - Cara, agora você foi longe demais, está mentindo para conseguir comer um panetone. E, também, quem que cai nessa sua mentira aí? Então, bravo e cansado, o misterioso homem some pela a escuridão do beco. Carlos, novamente de saco cheio desse papo furado, aproxima o panetone até a boca e outra pessoa de sandálias, uma longa túnica branca e uma cara tão bonita e tão pura, aproxima-se. Carlos pensava: “como que pode haver uma pessoa com os olhos tão belos e carinhosos que dava para ver o caminho até Deus em seus olhos?”. E o senhor diz: - Você poderia me dar um pedaço deste seu doce, por favor?
Continua...
Mara Sofia Colasanto Gonzalez Mara Silva, como muitas, era uma mulher negra, que vivia na maior favela da cidade de São Paulo desde que nasceu. Morava com sua mãe, Ednalva, de 60 anos e com seus filhos, um de nove, uma de quatorze e um de dezessete. Mara era mãe solo, o marido a abandonou quando, com dezenove anos, engravidou de seu primeiro filho. Ela era faxineira de um hospital público, trabalhava de segunda a sábado, era revendedora de uma certa marca de perfumes e, às vezes, fazia algumas faxinas em casas do outro lado da cidade. O maior sonho de Mara era que seus filhos estudassem, fizessem faculdade e que saíssem daquela favela, por isso, trabalhava muito e acabava não vendo seus filhos com tanta frequência, mas todos sabiam que existia um amor incondicional entre mãe e filhos. Certa noite de domingo, estava acontecendo uma troca de tiros entre a polícia e traficantes, perto de sua casa. Como já era de costume, todos na casa se deitaram no chão e torciam para o tiroteio acabar logo e que não atingissem pessoas queridas. Em meio de muitas rezas que faziam em silêncio, ouvem alguém bater na porta, com um desespero no ritmo em que se faziam as batidas, juntamente com gritos incompreensíveis, mas que soavam como um pedido de ajuda, um socorro. Por um momento, Mara hesitou em abrir a porta, mas depois de um pensamento rápido e empático de que talvez aquela pessoa seja alguém inocente que, se não tiver abrigo, irá morrer com os tiros disparados sem dó. Então, Mara se rastejou para abrir a porta, enquanto o resto da casa estava assustada com sua atitude, mas tentava não gritar para que não chamasse atenção. Depois de pegar a chave, Mara abriu a porta. Em sua frente, estava uma figura tinha uma magreza doentia, era pálida, e coberta com um tecido preto sujo e nada luxuoso. O que Mara pensou que fosse um morador de rua entrou rapidamente na casa e já se deitou no chão. Nisso, a mulher trancou rapidamente a porta, com medo que chamasse atenção. Quando todos finalmente podiam ficar em pé com uma tranquilidade um pouco maior, mas ainda com medo de alguma bala perdida, a visita disse: - Obrigada por me acolher, serei eternamente grata, mas, por curiosidade, por que abriu a porta para mim em meio a uma situação dessa? - Pensei que você pudesse ser uma pessoa inocente que não merece levar tiro nas costas. Pensei que, em certa situação, podia ser um dos meus filhos pedindo abrigo em alguma casa. Tive que te receber. Enquanto falavam, as duas já estavam se dirigindo à cozinha, onde Mara ofereceu uma sobra de carne de panela com arroz e feijão. A figura desnutrida aceitou muito agradecida o prato. Comeu sem expelir uma palavra. A avó e os netos estavam assustados com aquele ser misterioso, ficaram em um dos dois quarto da casa,
(continua)
esperando que aquele ser fosse embora quando acabasse a refeição. Depois de lamber os dedos, a criatura decadente chama Mara para um canto da cozinha um pouco mais afastado dos quartos e disse: - Sou imensamente grata por tua atitude. Demonstrou que é uma pessoa de bem, que se importa com o outro. Para retribuir seu acolhimento, tenho uma oferta a lhe fazer. - o ser místico pegou, de uma espécie de bolso que havia em seu cobertor, um frasco de vidro conta gotas - Aqui em minhas mãos tenho um remédio muito poderoso. Uma gota desse líquido poderoso pode curar qualquer doença ou ferimento. Você terá ele em suas mãos. Mas, tenho duas condições; se, quando você for curar a pessoa, eu estiver presente na sala, não a cure. Nem que você dê todo o líquido para a pessoa, ela não viverá, pois o líquido atuará como veneno. E, não mostre esse líquido para ninguém, senão, seus filhos morrerão. Então vá nos hospitais, salve vidas, ganhe dinheiro. A figura entregou o frasco para Mara, que, assustada, simplesmente aceitou. A criatura se dirigiu até a porta e foi embora. A mulher foi até a janela para ver onde a figura ia, mas ela já tinha sumido. No mesmo momento, o resto dos moradores exalaram o ar que estava preso em seus pulmões com tranquilidade e as pessoas se espalharam pela pequena casa. Não demorou muito tempo para Mara usar o remédio. Como trabalhava em um hospital público, no dia seguinte havia, entre outros feridos, um jovem baleado que estava em situação grave. O jovem nada mais era do que o filho de sua comadre e vizinha, Joelma, por quem tinha um carinho enorme. Mara não hesitou, quando no quarto só restava o menino, olhou rapidamente na sala para ver se a figura não estava lá e, ao ver que poderia salvar o menino, rapidamente lhe deu uma gota do líquido. A mulher saiu da sala imediatamente e tentou disfarçar que estava limpando por ali. Depois, quando as enfermeiras foram visitar, o menino já estava saudável e acordado. Obviamente, a cura repentina do jovem se espalhou por todo o bairro. Mara ficou certo tempo usando o remédio nos paciente do hospital, de forma sorrateira e escondida e, sempre respeitando a presença da figura nos quartos. A unidade ficou muito bem conhecida por, em alguns casos, terem essa melhora dos pacientes tão rápida. Mas, certo dia, a atendente do hospital começou a perceber a coincidência entre Mara entrar no quarto e, muitas vezes, os doentes se curarem. A notícia se espalhou; Mara era a salvadora de todos. Cada vez mais, ela começou a ser reconhecida e ganhar os créditos pela melhora dos pacientes, mas, obviamente, nunca mostrava para ninguém seu líquido mágico. Ela saiu da favela, foi convidada a trabalhar em um hospital privado, mas, sempre que conseguia, ia visitar hospitais públicos para tentar salvar o máximo de vidas que conseguiria. Sua história de mulher negra, faxineira de hospital público até médica reconhecida serviu de inspiração para muitas garotas. Seu líquido já estava acabando, restava somente uma gota e, depois, não poderia curar mais ninguém de forma mágica.
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Até que, certo dia, Mara é convidada a tratar a Presidenta do Brasil. A última gota, pensou ela, estava reservada para essa figura tão importante. Ao chegar ao hospital em que a Presidenta estava, em Brasília, ela pediu um momento a sós entre ela e a doente. Quando todos saíram da sala, apareceu a figura mística. Mara não queria acreditar, ela tinha que salvar a vida daquela mulher. Mesmo sabendo que, de nada adiantaria, ela deu a última gota para a pessoa mais importante do país. Obviamente, a Presidenta morreu. Depois de uma autópsia quase instantânea do corpo, foi comprovado a causa; envenenamento. Mara estava sozinha em uma sala do hospital. Ela estava desesperada, sabia que sua carreira estaria acabada, seria encriminada pelo assassinato. Em meio a tantos pensamentos, a figura mística aparece. - Chegou o momento, você sabe que não há nada que possa ser feito. Poucos minutos depois, a última notícia do jornal era: “Mãe de três filhos morre em tiroteio na favela. O corpo foi identificado como a cidadã Mara Silva”.
A Cabana Sophia Roveda Durante a Primeira Guerra Mundial, um grupo de cinco jovens passou por um bosque, com tantas árvores que ao entrar o dia virava noite. Depois de algumas horas caminhando, esses cinco jovens encontraram uma cabana. Eles decidiram entrar na casa, pois estavam mortos de fome. Pela porta ser muito estreita tinha que passar um a um, então os garotos formaram uma fila para entrar. Após quatro dos garotos entrarem, o último e mais novo da fila viu uma escritura em pequenas letras, que dizia: Só o justos proverão, não entre! O menino arregalou os olhos e gritou aos outros: -Saiam daí - Os outros cheios de comida na boca responderam. -Por quê? Isso é um presente de Deus, vamos comer até ficar fartos! se junte a nós. -Não, isso é o pão que o diabo amassou, se vocês não saírem daí não passarão pelo portão do Jordão- Alertou o garoto morrendo de medo de que algo diabólico acontecesse com seus companheiros. - Pff, deixe de besteira, se não quiser ficar aqui volte para o acampamento. Voltaremos logo. O mais novo não perdeu tempo, saiu em disparada para o acampamento. ao sair do bosque viu pelo céu que batia seis horas da tarde. Se eles não voltassem logo, ele voltaria para o bosque, ou para recolher os corpos deles ou para encontrar sei lá o quê. *** Batia meia-noite e os garotos ainda não tinham voltado, o mais novo sem nenhuma dúvida decidiu voltar para o bosque, com esperança de encontrá-los vivos. Por mais que já soubesse o que tivera acontecido. Ao chegar ao bosque, por mais forte o cheiro de morte, ele invadiu encorajado a encontrar seus amigos. E, quando ele estava chegando perto da cabana, ele tropeçou em algo semelhante a um tronco de árvore. Ele olhou para o chão, aproximou a velha e fraca luz de sua lamparina e viu pés. Já sabia o que acontecera, procurou ir direto ao rosto para saber quem era. Um asco profundo sentiu ao ver que os olhos tinham sido arrancados e seu pescoço totalmente degolado. Ele saiu em disparada e quanto mais perto da cabana mais de seus companheiros encontrava degolados e sem os olhos. Por fim, chegou à cabana e um vulto preto com mais de dois metros de altura unhas compridas e afiadas como uma espada toda ensanguentada. Sorriu na direção do garoto, se aproximou e sussurrou algo tão tenebroso que nem eu sou capaz de contar. Tão tenebroso que o garoto entrou em choque, pegou a coisa mais afiada que pode e escreveu em seu peito “não entre na cabana”. Foi até a entrada da floresta, pegou um cipó e se enforcou. Dias depois o encontraram, haviam rastros de sangue na floresta mas nenhum outro corpo. E, por mais que o garoto tenha avisado, a história se repetiu e se repete até hoje. Fim
Código Morse Theo Rocabado Zapella Andrade
Macário Flores era um homem de 68 anos que morava com sua esposa Eliza e seu gato Capim em um apartamento no bairro da Bela Vista, em São Paulo. Ele era um procurador e ela uma professora de física, já aposentados e sem filhos. Era conhecido como um velho ranzinza, mas todos sabiam que ele possuía bom coração. Seu estilo de vida era muito sossegado, só saía de casa para ir ao mercado. Quando pequeno, sempre gostou de ter animais de estimação e tinha uma ligação muito forte com eles. Sua falecida mãe Alba contava que, quando ele era criança, achava que tinha a habilidade de falar com os animais, e saía conversando com todos os bichos que via. Seus avós vieram do México, e sempre tiveram uma ligação forte com a morte. Em sua infância, seus primos contavam muitas histórias sobre o contato com os mortos ou sobre espíritos, mas ele nunca ligou muito pois sabia que estavam só tentando assustá-lo. Um certo dia, justo ele, que nunca saía de casa, que nunca ultrapassara a velocidade permitida enquanto estava dirigindo, e que nunca tinha cruzado um farol vermelho, morreu em um acidente de carro. Justo naquele momento, apenas por ter estado lá no minuto exato, o velho Macário havia sido atingido por um motorista claramente fora de controle. De repente, a única coisa que seus olhos conseguiam ver era uma luz, a mais brilhante que ele já tinha visto. Como se estivesse acordando de um sono profundo, levantou-se de sua cama. Na sala, havia muitos buquês e presentes em sua porta. Achou estranho, pois ele e Eliza não tinham muitos amigos ou parentes próximos. Encontrou seu grande companheiro Capim dormindo em cima de seus gastos sapatos. Queria ligar para sua esposa, pois ela não estava em casa. Ficou sentado em sua poltrona, sem saber o que fazer. De repente, escutou um barulho na cozinha, um barulho que ele não sabia identificar pois nunca tinha ouvido algo parecido antes. Foi se aproximando e viu uma figura - não havia entendido se era um homem ou uma espécie de monstro - alta, magra e muito pálida, vestindo roupas brancas e um grande chapéu. Então, depois de alguns segundos que Macário a estava encarando, a figura misteriosa, ainda de costas, disse “Então, sr. Flores, parece que finalmente nos encontramos!”. Houve um grande silêncio, até o velho perguntar, em seu esquisito portunhol “Quem é você?” “Eu? Eu sou quem te acompanhou desde a infância, porém você nunca me viu. Presenciei todas as suas conquistas, todos os seus fracassos, todos os acontecimentos de sua vida”, disse a figura. Macario estava confuso. Não estava entendendo se era algum tipo de pegadinha. Sentou-se cara a cara com o homem caveira, que serenamente fumava um cachimbo.
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O homem de ossos, ou melhor, a Morte, lhe explicou o que havia acontecido e revelou coisas. A família de Macário era diferente das outras, pois tinha uma atípica relação com a morte. A cada geração, algum membro era escolhido, e esse seria acompanhado pela Dona Morte desde o seu nascimento até seu fim. Não apenas isso, mas o escolhido poderia optar por uma habilidade para ter na vida após a morte. Eram muitas informações para o velho Macario entender de uma só vez, e ele estava totalmente perdido. Totalmente perdido não, totalmente morto! E para confundir ainda mais sua cabeça a família guardava um segredo milenar que iria mudar sua vida para sempre. Ele ficou apenas em silêncio, tentando assimilar tudo. “Bom, sem mais demora, você tem 3 escolhas de habilidades. Trate de decidir logo, pois tem muita gente morrendo e meu assistente de plantão nunca será tão bom quanto eu”, disse a morte, em um tom debochado. “Opção um: toda vez que você chorar, pode optar por onde suas lágrimas cairão como chuva. Opção dois: você pode escolher duas espécies de animais para se comunicar. Opção três: a cada dia de sua vida após a morte você pode transformar 1 litro de água salgada em água doce.” Depois de muito pensar, lembrou de sua infância, de como amava conversar com seus animais. Escolheu a segunda opção, pois tinha um plano em mente. “Morte, escolherei a opção dois e falarei com gatos e joaninhas.” A morte então disse “Que escolha diferente! Olhe, te deixarei aqui e na próxima semana eu volto para ir te guiando, mas vá se acostumando com a sua nova “vida”. Bem-vindo à morte, Macário Flores” e logo desapareceu, depois de uma longa risada maligna, como as dos filmes. Umas 5 horas depois, o velho já estava se acostumando com a vida de espírito. Foi no momento que ele ouviu o barulho da porta destrancando que seu coração bateu mais acelerado do que nunca. Ele encontrou sua amada Eliza, que ao ver o gato dormindo nos sapatos de seu falecido marido, se acabou de chorar. O marido também não conseguiu se conter e se afogou em lágrimas. Só ele sabia quanto seu amor por ela era profundo. Porém estava com seu plano em mente e estava focado. Uma curiosidade sobre Eliza e seu marido é que eles aprenderam código morse por diversão. No dia seguinte, a viúva saiu toda de preto, então Macário supôs que ela estava indo ao seu velório. Sem mais demora chamou seu gato, Capim. Estranhamente, ele conseguia entender tudo o que o felino dizia através de seus miados. Macário ordenou ao gato que estourasse o saco de ração, e foi orientando seu animal para que botasse cada floco de ração em um lugar no chão da sala. Depois de horas de trabalho, Macário conseguiu fazer com que o gato formasse uma desajeitada frase em código morse com os flocos de ração. Quando Eliza chegou em casa, estava prestes a ficar furiosa com o gato, pois havia ração espalhada por toda sala, até que ela enxergou o código e foi soletrando letra por letra, para descobrir a frase: “Isso não é um adeus. Te amarei para sempre. Macário.” Eliza por um momento ficou confusa e achou que estava louca, até o momento que o gato se deitou em seus pés e depois nos sapatos de seu falecido esposo.