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Marina Prieto Moriya Tia contra sobrinha
tentativa de se enturmar ao grupo e receber sua proteção. Foi dessa forma que o menino passou a traficar e consumir drogas ilícitas, claro que escondido dos pais.
Fabiano continuava desempregado, de vez em quando fazendo algum trabalho pequeno para o próprio dono da lanchonete, como conserto de móveis e vigia noturno. A situação estava razoável, talvez melhor para a família, porém agonizante para Fabiano, que passava os dias se sentindo inútil e impotente, forçado a falar mais do que conseguia e ouvir mais do que gostaria.
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Pelo menos o chefe temporário era menos arrogante e suas contas batiam com as de Sinhá Vitória. Nem cobrou juros sobre o aluguel da casa. Foi em uma noite silenciosa, na qual Fabiano estava vigiando, que a lanchonete foi assaltada e ele, desacordado por socos e chutes. Acordou com os gritos do dono, “Caipira inútil e mal agradecido! Burro como bicho!”.
Fabiano seria sempre bicho. Marina Prieto Moriya
Tia contra sobrinha
Morar com a minha sobrinha a vida inteira não foi fácil. Ela é filha de minha irmã, uma pessoa que sempre desprezei. Na minha infância, minha família era composta por mim, meu pai e minha irmã. Esta era onze anos mais velha do que eu, e sempre foi muito distante. Nós éramos muito pobres, meu pai é que trazia o dinheiro para casa, e eu, assim que pude, o ajudei. Mas minha irmã, mesmo sendo mais velha, nunca quis trabalhar. Era uma folgada que vivia debaixo do teto do meu pai. Por conta disso, ela apanhava muito dele, e bem que ela merecia. Ela só queria saber de namorar e vagabundear pelas ruas.
Anos passados, eu engravidei, e ela não ficou feliz por mim, pelo contrário, disse que era um custo a mais para nós bancarmos. Ela estava, em parte, certa, pois quando meu filho nasceu nós não tínhamos dinheiro para ficar com a criança, e tive que dá-lo para a Roda dos Enjeitados. Depois de algum tempo, foi a vez de a minha irmã engravidar, e ela morreu no parto de sua filha, Clara. Meu pai já tinha falecido nessa época, e como nem a própria mãe da criança sabia quem era o pai, sobrou para mim ficar com a menina.
Clara tinha vinte e dois anos quando finalmente se casou. O nome do tal era Cândido Neves. Não sei o que minha sobrinha viu nele, além de não ser nada interessante, seu trabalho não garantia nada em questão de estabilidade econômica: era um caçador de escravos.
Mal tinham se casado e começaram com um papo de ter filhos. Não sei o que os fez pensar que era uma boa ideia, nossa condição econômica era muito difícil, eu que trazia a renda para casa enquanto o marido da Clara não fazia nada o dia inteiro. Ela, tola e ingênua, disse que Deus os ajudaria quando precisassem, mas com isso ela estava negando uma realidade inevitável: nos faltaria dinheiro.
De nada adiantaram os meus avisos, demorou um pouco mas Clara engravidou. E como se já não bastassem as preocupações com o futuro próximo no qual a criança seria um custo a mais para nós, eu tinha que ajudar Clara a fazer o enxoval. Certo dia, eu confrontei, avisando-a de que a nossa situação só iria piorar dali pra frente. E falei sobre o seu marido, cuja ocupação não era de nenhuma ajuda em termos de dinheiro.
Cândido ficou sabendo da minha crítica e veio discutir comigo, mais áspero do que o normal:
– A senhora ainda não jejuou senão pela Semana Santa, e isso mesmo quando não quer jantar comigo. Nunca deixamos de ter nosso bacalhau.
Como se ele pagasse pela nossa comida um dia sequer! Segurei-me para não responder algo que o deixasse nervoso, e ele terminou a conversa dizendo que qualquer dia ele conseguiria alguma remuneração que compensaria tudo e nos sustentaria por semanas. Fingi acreditar nele.
Como uma ironia do destino, nas próximas semanas Cândido teve muita dificuldade para ganhar dinheiro apanhando escravos. Falei para ele, de novo, ir atrás de outro emprego, mas ele ignorou.
Naturalmente, o tempo ia passando e o feto dentro de Clara ia crescendo. Estávamos passando mais necessidade do que o normal, e tive que lembrá-los de que Clara ainda poderia se desfazer da criança. Tanto ela quanto o pai ficaram chocados com a minha suposta audácia em fazer tal sugestão, mas eis que passou mais um mês e nada melhorou para nós, então lembrei-lhes de outra solução: levar a criança para a Roda dos enjeitados. Novamente, os dois acharam um absurdo, tanto que Cândido deu um murro na mesa de jantar. São dois mimados.
Mais tarde, naquele dia, fiquei sabendo que o proprietário da casa havia nos feito uma visita e deu cinco dias para pormos o aluguel em dia, caso contrário seríamos expulsos. Arranjei um lugar para ficarmos. Apesar de nessa semana Cândido ter se esforçado para procurar uma fonte de dinheiro, era inevitável: fomos postos para fora da casa. Fomos morar no lugar que eu havia arranjado, e mal se passaram dois dias, a criança tão esperada nasceu. Era um menino. No mesmo dia, falei que precisávamos levá-lo à Roda, e disse que se Cândido não tivesse coragem de levá-lo, eu mesma o levaria. Alguém precisava tomar uma atitude. O pai disse que não precisava, que ele mesmo o faria, na noite do dia seguinte.