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Leonardo de Oliveira Pereira Heitor, João e Davi
Leonardo de Oliveira Pereira
Heitor, João e Davi
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Já faz um tempo desde que eu e a minha família saímos do nordeste e seguimos o caminho para chegar às grandes cidades, percorremos um caminho longo e cansativo, num momento seguíamos a pé, em outro pegávamos carona., Andamos e andamos até que as nossas pernas não conseguissem nem sequer se mover, mas no fim, nós chegamos à cidade, não sabia o que iria acontecer, talvez a nossa vida fosse pior que antes, não tínhamos casa, os meus pais não tinham emprego e não tínhamos Baleia conosco.
Com o tempo, nos estabelecemos, conseguimos uma forma de ganhar dinheiro e achamos um local para ficar, moramos debaixo de uma ponte em São Paulo, com uma tenda pequena onde passamos as noites, junto de diversas outras pessoas. O meu pai começou a trabalhar catando lixo nas ruas, ficando de manhã até o fim da tarde fora. A minha mãe fica de manhã até a tarde trabalhando como empregada na casa de um homem, enquanto eu e João Miguel, o meu irmão mais novo, saímos todos os dias com caixas de doces na mão vendendo-os no meio dos carros. Voltamos sempre quando começava a anoitecer, às vezes voltamos com a caixa sem nenhum doce, já houve outras em que voltamos com as caixas cheias.
Meu pai fala que trabalhamos vendendo doces para podermos sobreviver, enquanto a minha mãe fala que além de sobreviver, temos que trabalhar e conseguir dinheiro para tentar melhorar a nossa condição, ela espera que eu e meu irmão possamos ir para escola um dia, porém o meu pai fala que se conseguíssemos mudar a nossa condição de vida para poder ir à escola, isso só iria ocorrer em anos, e eu estaria velho demais, teria que ajudá-lo com o seu trabalho para que então, pelos menos, meu irmão possa frequentar uma escola um dia.
Vivíamos sempre uma mesma rotina, de manhã, eu e João Miguel íamos para as ruas e vendíamos os doces até o anoitecer, todos os dias seguíamos esse mesmo ciclo, saíamos, trabalhávamos, e voltávamos para casa. Com o passar do tempo essa rotina chegou a um nível que não aguentamos mais, porém, não podíamos fazer nada, a gente precisava trabalhar para trazer renda para a família, para termos a chance de ir à escola no futuro e principalmente precisávamos trabalhar para sobreviver.
Essa rotina só mudou quando encontramos um garoto perto de onde passávamos vendendo os doces, o seu nome era Davi, ele também trabalhava vendendo doces, um dia começamos a conversar, marcamos de nos encontrar quase todos os dias e quando nos encontrávamos, eu e João contávamos sobre como era nossa vida no nordeste antes de virmos para o sudeste, enquanto Davi dizia como era a vida de alguém que já nasceu em São Paulo. Um dia falamos sobre Baleia e sobre como ela fazia falta, ele disse que também tinha um cachorro chamado
Bolacha, dizia ser seu maior amigo, como Baleia era para mim e para João.
Continuamos a nos encontrar todos os dias para brincar enquanto trabalhávamos. Um dia, Davi disse ter o sonho de ir à escola, disse que a sua mãe fazia de tudo para arranjar dinheiro para fazer com que pudesse frequentar a escola, por isso também trabalhava nas ruas, eu disse que também queria ir à escola junto de João Miguel, mas, falei que a chance de eu ir era baixa, e o mais provável era João frequentar a escola sem mim, pois até a minha família conseguir dinheiro para eu poder entrar num colégio, eu já estaria velho, e teria que ajudar o meu pai a trabalhar. O tempo foi passando até chegar um dia muito importante: Eu e João Miguel estávamos vendendo doces enquanto íamos até o ponto onde nos encontrávamos com Davi, e quando o vimos, ele estava com um cachorro magro, com mancha pretas pelo corpo, ao seu lado, era Bolacha, eu e João estávamos tão empolgados de conhecê-lo que ficamos metade da tarde brincando com o cachorro junto de Davi, Bolacha lembrava-me Baleia, era leal com Davi assim como Baleia era comigo e o meu irmão.
Nesse mesmo dia, quando estava perto de anoitecer, eu e Davi começamos a falar sobre a escola, ele dizia que por mais que sonhasse em ir a um colégio, tinha medo de sofrer bullying das outras crianças por suas condições de vida, pelo fato de não ter uma casa, por usar roupas sujas e por não ter dinheiro para ter as coisas que as outras crianças tinham, então após ouvir o que ele me disse, decidi que iria dar o meu máximo para ir à escola junto dele e de João Miguel, prometi isso a Davi, prometi que estaríamos juntos na escola, e que iríamos ajudar uns aos outros. Continuamos a nos encontrar, às vezes Davi vinha junto de Bolacha, e ficávamos juntos vendendo doces e brincando, depois da nossa promessa, eu, Davi e João, começamos a dar o nosso melhor para voltar para casa sempre com as caixas de doces vazias, nem sempre dava certo, mas depois de alguns meses, começamos a ter uma certa quantia de dinheiro, não o suficiente para pagar uma escola, mas já era um começo, os dias continuaram e trabalhávamos mais e mais, estávamos com esperança de que iríamos conseguir e então os dias, as semanas e os meses foram se passando, e em um dia toda a esperança, todo esse sonho, foi embora.
Como sempre eu e João fomos encontrar Davi, porém ele não estava lá, ficamos vendendo os doces perto do ponto onde nos encontrávamos, e esperamos o dia inteiro, achávamos que ele só não tinha conseguido ter vindo naquele dia, mas, depois daquilo, esperamos mais e mais dias, e nenhum sinal de Davi, sabia que ele iria voltar, prometemos que iríamos à escola juntos, ele não poderia simplesmente sumir e não retornar, continuei esperançoso, mas essa esperança, não serviu de nada, e Davi… Nunca mais voltou.
Se passaram mais ou menos três anos desde que Davi sumiu, e eu finalmente consegui, finalmente iremos à escola, queria que Davi estivesse aqui, assim como Baleia, queria estar junto de Davi e João indo a caminho da escola, queria que a nossa promessa tivesse se concretizado, não sei o que houve com Davi, não sei se conseguiu ir à escola ou se continua até hoje trabalhando, ou até mesmo se ele morreu, mas eu sei que se ele não tiver conseguido realizar o seu sonho, ao lado de João, irei fazer isso por ele.