2 minute read

Lorena Moreno João, o menino mais velho

Lorena Moreno

João, O menino mais velho

Advertisement

Ouvi minha mãe falar pela primeira vez em semanas, pude entender que estávamos chegando à capital. Já ouvia muito mais barulho do que silêncio e já notava mais olhares do que antes, sentia os olhos como lâminas, como se eu estivesse errado, como se eu não pertencesse àquele lugar.

Realmente não acredito que eu pertença a esta parte do mundo, mas sei que pertenço ao mundo e a algum lugar que ainda não conheço.

Andamos por mais um par de horas até chegarmos em um lugar, cheio de casebres, cheio de pessoas que agora me olhavam com uma igualdade que eu estranhava.

Chegamos a um casebre de cor azul, era um dos melhores que eu pude ver naquela área, à porta, minha mãe conversava com uma mulher de quadris largos, rosto redondo e um cabelo quase tão preto quanto o dela.

Eu fui apresentado como “o meu menino mais velho”, como minha mãe sempre me chama, e meu irmão foi apresentado como “o meu menino mais novo”. Meu pai cumprimentou a senhora e entrou na casa, seguido de minha mãe, eu e meu irmão para que a senhora entrasse por último. Me senti deslocado ao entrar na casa, era arrumada demais, tinha mais comida do que jamais vi na vida, e tinha uma cachorra, igualzinha a Baleia, apenas um pouco mais gorda. A cachorra se chamava Mel, olhar para ela me lembrava de Baleia com uma saudade que apertava os ossos de meu peito.

Alguns dias depois, não sei dizer quantos, mas definitivamente se somássemos todos daria algo próximo a um mês, a vida estava mais estável, eu ia à escola. Era um lugar estranho, ninguém me chamava de “menino” por lá, sempre me chamavam de João e meu irmão de Pedro. Não sou estúpido, sei que esses são nossos nomes, mas às vezes sinto que agora que tenho um nome e um lugar para ficar, sinto saudade de não ter nome e de perambular por aí. Agora meu pai tinha um emprego que o fazia voltar inteiro fedendo a lixo mas sempre com algum mísero tostão em mãos, que ganhava das latinhas que reciclava e vendia. Já minha mãe voltava cheirosa para casa, trabalhava como babá dos filhos de Dona Letícia, um menino de doze e outro de sete. Gostava de passar tempo na casa da Dona porque era bem acolhido nas horas em que eu estava fora da escola.

A vida agora era boa, difícil, porque mesmo que tivéssemos comida, casa e não passássemos calor todos os dias, ainda assim acordamos por vezes ouvindo sons de tiros ou de músicas altas que tocavam nos bailes da favela em que morávamos. Mas, definitivamente, a vida antes era exaustiva e desesperadora, agora ninguém passava fome por mais de dois dias, tínhamos a Mel, que nos fazia acreditar que um pedaço de Baleia sempre estará com a gente, tínhamos roupas e um quarto, como sempre apertado e estreito, mas era definitivamente melhor do que dormir em uma cama dura de varas no chão seco.

Acordava de manhã e via minha mãe realizada por poder dormir em uma cama confortável. Ela parecia mais calma, mais risonha, meu pai, mesmo

This article is from: