Hip Hop em Mim VOL. 1

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HIP HOP EM MIM

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1ª EDIÇÃO SAMAMBAIA, DISTRITO FEDERAL MARKÃO ABORÍGINE –

2017


HIP HOP EM MIM Diálogo sobre a origem sociopolítica dos elementos da cultura Hip Hop Publicação – Editora Poesia em Coletivo Apoio – Manifesto Marginal e Resistance Design Revisão – Erick Pitt Arte e capa – Peterson resistancedesign.com@gmail.com Diagramação – Dnego | Manifesto Marginal


Esse livro segue as regras da ABNT ARTE BAIRRISTA, NUA E TRANSGRESSORA


Dedicado a meus filhos Marcus e Carlos principais alicerces de minha utopia


Dedicado a todos os grupos e artistas que construĂ­ram o Hip Hop em Samambaia, minha cidade.


Minha poesia não visa direitos autorais, visa garantir direitos. MARKÃO ABORÍGINE

Qualquer parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida em todos meios existentes, citando apenas a fonte. Pode-se copiar, piratear, divulgar, difundir e samplea-lo.

FOTOS DJ Celsão, DJ Raffa, FabGirl, GOG, Miah e Prix

Markão Aborígine contatoaborigine@gmail.com


sumário EDITORA POPULAR POESIA EM COLETIVO

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APRESENTAÇÃO

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O HIP HOP EM MIM

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SE LIGA AÍ VÉI

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EDITORA POPULAR POESIA EM COLETIVO O projeto Poesia em Coletivo teve início em meados de 2011 a partir da distribuição de poesias no Metrô e paradas de ônibus na cidade de Samambaia, no Distrito Federal. A ação visava estimular o consumo e reflexão sobre a literatura produzida na cidade, bem como democratizar o acesso, pois muitos e muitas trabalhadoras não possuem – ainda – acesso à Internet e ou Bibliotecas públicas. A ação idealizada pelo MC e Educador Social Markão Aborígine, deu início a produção da primeira edição do E-book ‘Sem rosto, família ou nome’. A partir de acúmulo sobre diagramação e ferramentas de publicação, sobretudo digitais, o projeto Poesia em Coletivo fora sistematizado e o autor passou a ministrar oficinas de formação sobre poesia e literatura marginal em escolas públicas, Unidades de atendimento em meio aberto, movimentos sociais, etc. Em setembro de 2014 fora lançado o segundo livro do projeto, chamado ‘Favela como você nunca viu’, do autor Fernando Borges, um jovem poeta morador da cidade Estrutural, umas das regiões de maior vulnerabilidade social do Distrito Federal. Assim como as poesias que eram distribuídas por meio de fotocópias, os livros produzidos e lançados pelo projeto são feitos de maneira artesanal e popular, através de impressões, recortes e colagens, bem como disponibilizadas gratuitamente para download em páginas específicas e redes sociais. Em dezembro de 2015 fora lançado o livro Mulher Quebrada, uma coletânea com diversas poetisas do Distrito Federal e entorno.


PRÓXIMOS LANÇAMENTOS O sonho de um poeta, Luiz Vieira. Hip Hop em mim: Coletânea periférica brasileira Mulher Quebrada 2ª Edição O que vejo, MC Metralha. Brasília Periferia Velhos Espíritos e outros textos, Rose Elaine.


APRESENTAÇÃO Ao ser convidado pelo meu irmão Markão Aborígine para escrever esse prefácio logo me veio à indagação: HIP HOP EM MIM? E em instantes vieram várias coisas na memória. Como me envolvi? Quem me influenciou? Veio-me as lembranças de quando criança, eu e um amigo, ficávamos curtindo na vitrola da casa dele o vinil do James Brown que pertencia ao seu tio, que frequentava os bailes black´s e nos contava as histórias das gangues Adidas, Balão mágico, Mavoca a galera das quadras 30 e 50 do setor leste e do setor sul, e demais quadras do Gama - DF. Se não me falha a memória, o primeiro Rap que escutei deve ter sido do RAPPER PEPEU, o clássico “Nome de meninas”, não sabia e nem entendia que aquilo era Rap. Lembro-me dos moleques treinando os passos de Breaking no meio da rua em cima de papelão, alguns com seus tênis M.2000 de cano longo, que era meu sonho de consumo. Recordo-me dos meus primeiros rascunhos de letra que compunha inspirado no Cirurgia Moral e Código Penal, de ter ido pela primeira vez na loja Discovery e ter comprado fitas k7 do C. X. A, Cirurgia Moral e GOG que até hoje estão guardadas na casa da minha mãe. Não podia esquecer a nossa saudosa GNR (Grafiteiros do Novo Reinado), nossa gangue de pichadores que me possibilitou conhecer meus irmãos Smoken, Rubu e Leley, que juntos compartilhamos o sonho de construir um coletivo de Hip Hop (Família Hip Hop) e logo esse sonho se ampliou, rompendo as fronteiras de Santa Maria - DF, e fomos construir esse sonho com meu irmão Marcus Dantas, MARKÃO ABORIGINE, um cara que tenho grande respeito e admiração pelo seu trabalho, pela sua figura humana e um dos maiores Rapper’s e militante do país. Todas essas memórias/vivencias fez surgir o HIP HOP EM


MIM que de uma forma natural me deu caráter, responsabilidade, compromisso, consciência de classe, respeito ao diferente, me fez acreditar e ter fé nas pessoas e lutar por um mundo onde possa ter justiça social. PARABÉNS MARKÃO por esta obra. Que o HIP HOP EM MIM vire o HIP HOP EM NÓS e que se transforme em mais um instrumento de luta na defesa dos manos e das manas de todas as periferias/quebradas espalhadas pelo nosso Brasil.

ALEX SUBURBANO MC do grupo Suburbano’S Núcleo de Formação Popular Família Hip Hop Professor de História


DJ CELSÃO


BORA!


Este livro trata-se de uma leitura e vivência da prática e transformação revolucionária que o Hip Hop pode causar. Quando cito revolucionária, dialogo com a presença, pois o mesmo socializa e garante direito à fala, sonho e autoestima, pois num contexto individualista a presença é insurgência, o questionamento é insurgência. E neste sentido o texto transcorrerá: questionamentos e insurgência. Sempre ouvimos falar que o Hip Hop nasceu nos Estados Unidos da América e isto vem sendo empurrado “goela abaixo” cada vez que há uma aparição de praticantes do Hip Hop na mídia corporativa, sempre exaltando a década de 70 daquele país. É uma inverdade histórica? Sim e não. É importante entendermos que a exemplo do sertanejo universitário a burguesia/ capital sempre tenta se apoderar da fala e cultura do povo para entretê-lo enquanto o explora. Quantos e quantas de nós não ouvimos falar que ‘Garota de Ipanema’ é a música mais ouvida no mundo? Agora me responda quantas vezes você já ouviu tal canção nas periferias brasileiras? Aqui em Samambaia, na Estrutural ou no Pinheirinho? Historicamente a Bossa Nova é elitista, branca, tão logo é nossa melhor música? Tão logo representa a diversidade brasileira? Não julgo aqui o mérito da vertente musical, que é brasileira, rica e linda, questiono a apropriação e multiplicação desta verdade pela burguesia, pois ao tempo que a garota de Ipanema, mulher com beleza estereotipada e padronizada, desfila em área nobre de um estado tão plural, mulheres frutas deste mesmo estado são tidas como vadias e pornográficas. Isto é o mesmo fio condutor que traz os Estados Unidos como berço da Cultura Hip Hop, ou seja, uma manifestação cultural, social e política da juventude – em maioria – negra, pobre e periférica com certeza nasceu no país ou nação mais evoluída do mundo, para não dizer imperialista e genocida.

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Entendendo isto como dominação ideológica, partimos para uma análise da origem histórica dos elementos da cultura Hip Hop, nossa dança, nossa música e nossa arte. Esta mesma dominação ideológica cita que o Rap, por exemplo, surgiu como entretenimento e hoje é plausível a existência de músicas que atuem apenas desta forma e frases como “militar o que?” tornam-se coerentes e cada vez mais presentes. A existência hoje de um Rap ostentação, por mais que isto não seja consenso ou discutido, parte desta mesma dominação ideológica, parte do processo de alienação histórica, através da mídia burguesa, educação bancária e todo contexto social que a juventude encontra-se inserida. O Rap ostentação é reflexo do consumismo, materialismo e individualismo pregado pelo Capital. Como percebem dialogaremos aqui com a ou o MC [maestrina ou mestre de cerimônia] que desenvolvem junto aos e as DJ’s [do inglês disk jockey] nossa música: O Rap. Mas antes de entrar no que este texto propõe, cito que não sou sociólogo ou historiador, assim, este livro não se trata de uma verdade cientifica, mas é uma leitura e mais que isto, um diálogo, não apenas sobre o Hip Hop em mim, mas o Hip Hop em nós. O Rap tem como berço a Jamaica, uma ilha menor que o estado do Sergipe, com quantidade populacional semelhante a do Distrito Federal. A Jamaica, assim como o continente americano fora invadida por navegações europeias e por séculos alimentou a escravidão, tornando-se grande exportadora de açúcar, bem como sua população aborígine, os aruaques foram exterminada. A partir de um tratado de 1670, a Espanha reconheceu a Inglaterra como soberana da ilha, passando a Inglaterra a controlar a escravidão, tornando-se um dos maiores centros de tráfico humano para a América do sul, e uma economia fortalecida na produção de cacau e cana de açúcar. Com a “pressão” para se extinguir a prática da escravidão, num

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DJ RAFFA


contexto mundial, sobretudo com a proibição do tráfico humano e posteriormente a abolição da escravatura na ilha, que ocorreu dentre 1833/1838, ou seja, 50 anos antes do mesmo ocorrer no Brasil, à economia, pautada em exploração entrou em crise. Sem a mão de obra escrava surge o alto custo na produção resultando em grande decadência econômica. Assim, a partir de enfrentamentos negros e negras escravizadas, que também se organizavam e lutavam por liberdade, enfim conquistaram a abolição da escravatura. Já no século XX, o povo jamaicano passa a lutar por independência, pois ainda era considerada colônia inglesa. É importante resgatar esta história para compreendermos as lutas, o contexto e as pessoas que atuaram e possibilitaram o surgimento do Rap. Neste contexto de luta por soberania VS dominação inglesa o Rap surge, mas é importante ressaltar o grande valor que as músicas populares jamaicanas carregam. Basta olharmos para o Ska, Reggae, etc. e o conteúdo das letras. Ao ouvirmos Prince Buster, nos deparamos com músicas alegres, mas também identificamos conteúdos políticos, discursos e protesto, por exemplo, em e Judge Dread, onde num aparente diálogo com o europeu opressor diz: “Vocês roubam as escolas das crianças... casa das pessoas. Você atirou em pessoas negras”. Na década de 50 há a febre dos Sound Systems [sistemas de som], sobretudo nas regiões mais pobres, onde as pessoas não tinham acesso à rádio, por exemplo. Paredões de caixa de som, DJ’s e Toaster’s [toasting] passam a animar as pessoas em festas populares. Toaster era um adjetivo utilizado para o mestre de cerimônia do Sound System. Aí nascem nossos e nossas MC’s. Diferente da narrativa que diz que tais MC’s apenas anunciavam atrações da festa ou animavam o público, durante um intervalo da música onde não haviam vocalistas, os Toaster’s fa-

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lavam sobre violência e miséria, bem como sobre a independência jamaicana, conquistada apenas em 1958. 1. Ao olharmos para isto identificamos que num primeiro momento a forma de se cantar [canto falado] Rap surgiu num contexto de dominação de uma nação contra outra, onde se protestavam contra isto e todas as consequências causadas por esta mesma dominação, utilizando o microfone para tal. 2. Neste mesmo contexto temos a presença dos Deejays, elemento fundamental da cultura Hip Hop, propiciando ao povo mais pobre acesso e entretenimento. Ou seja, a nossa musica surge num movimento de descentralização, acesso e luta por independência.

O Rap dialoga com o repente, com o griô africano, com as Ilíadas. É o uso oral para transmitir informações e cultura a outros povos, a outros tempos. Ritmo e poesia [rhytm and poetry] que entretém e proporcionam consciência crítica. Partindo desta tradução que resulta na palavra Rap, desembarcamos enfim nos Estados Unidos e nos aproximamos de um adolescente apelidado de Hércules, por sua estatura e consciência acima da média para sua idade. Hércules em inglês é Herc. Sim, estamos falando de DJ Kool Herc. Herc nasceu na Jamaica em 1955, mudando-se para os Estados Unidos em 1967, aos 12 anos de idade. Já na adolescência entra em uma Crew [grupo] de grafite onde pela primeira vez assina Kool Herc. Nasceu e cresceu na terra dos Sound System, ouvindo e assistindo os Toster’s e como toda criança passa a imitar as músicas. Convence o pai a comprar um par de toca-discos e começa a apresentar-se em festas escolares.

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Com o amadurecimento, estudo e crescimento artístico passam a inserir esse canto falado em suas apresentações, além de popularizar o uso do loop de trechos com apenas instrumentais das músicas, sobretudo funk, tais loops serviram de modelo para a criação de nossa música. Outros contemporâneos a Herc como GrandMaster Flash e Afrika Bambataa tem papéis importantíssimos no Hip Hop, seja na criação do Scratch – técnica usada por DJ’s onde “arranham” vinis com fins a criar sonoridade, seja no batismo à Cultura, unindo seus 04 elementos originais e pautando a organização do movimento, criando a Zulu Nation. Não irei me ater no que é de conhecimento geral e as especificidades da época, mas destaco alguns pontos. Primeiro quão simbólico é o fato de um ADOLESCENTE levar a prática do toasting aos Estados Unidos, demonstrando que a música e cultura são ferramentas imprescindíveis de protagonismo e inclusão. Segundo o simbolismo por traz de Scratch. Quando Herc, aliás, o Rap desembarcou nos Estados Unidos encontrou ali um ambiente de luta por direitos civis e direitos dos negros e negras, luta por superação do preconceito histórico na nação. Em 1966 surgiu o Partido dos Panteras Negras com intuito de fomentar a organização da comunidade e proteção aos negros e negras vítimas da extrema violência policial, além de inúmeras pautas como moradia decente e educação. Os Black Panther’s foram fundados a partir da leitura que após escravidão os negros e negras nunca foram detentores e detentoras de liberdade e que, ao contrário, houve crescimento de uma oposição branca emergida através da Klu Klux Klan, e da própria política burguesa [presidência e parlamento] que perpetuavam o racismo. Linchamentos públicos, incêndios, enforcamentos, estupro a mulheres e homens negros eram cotidianos, sem a efetiva in-

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FABGIRL


vestigação policial, sem condenações. Havia proibição ao voto, ao trabalho e o livre acesso a ambientes públicos. O caso de Rosa Parks é bastante simbólico, pois traz no ato de não levantar-se de um banco de ônibus, cedendo lugar ao homem e mulher branca, a desobediência e resistência popular como fundamentais num processo revolucionário. Antes do surgimento do Black Panther’s outras inúmeras lutas foram travadas, importantes organizações foram criadas, surgiram líderes como Martin Luther King Jr. e Malcom X. No ano em que Kool Herc chega ao país havia mais de 100 rebeliões negras por todo o país. 1. O discurso político do Rap, o protesto, a consciência crítica, a denúncia das mazelas sociais e humanas e a autoestima do povo pobre e negro tem como berço este contexto. Quando o toasting chega aos E.U.A é este ambiente de luta e organização do povo que encontra, tão logo o início da música é marcada assim.

No exposto, nossa música Rap nasce da luta do povo explorado pelo grande Capital, nasce da luta por liberdade, por igualdade e equidade. Quando olhamos para o primeiro Rap gravado no Brasil, o Melô do Tagarela de 1980, falamos de um contexto onde o país encontra-se sob ditadura militar. No mesmo período em que o Rap é alimentado e desenvolvido nos E.U.A, o Brasil passa por um período de suspensão/ cassação dos direitos, da liberdade de expressão, do abuso e da tortura, financiada por este mesmo país. Com a globalização da mídia corporativa nas décadas de 70 e 80, sobretudo a TV, a população brasileira passa a ser bombardeada por costumes e produtos americanizados que incluíam ou usavam em seus comercias o Breaking, não por in-

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teresse na cultura, mas numa tentativa de cooptação desta juventude negra e periférica que já se organizava. Qualquer semelhança com a mídia brasileira e as relações atuais com o Rap brasileiro não é coincidência. Nesta mesma época as manifestações da juventude periférica e negra eram totalmente reprimidas pela Polícia Militar. Rodas de Breaking eram proibidas, dançarinos eram espancados, bailes black’s eram invadidos. A história de luta é contada apenas a partir da ótica de jovens de classe média ou universitários burgueses que lutaram contra a ditadura, a periferia é excluída de qualquer citação, pois, invisibilizá-la é estratégia de dominação. Neste ambiente é impossível afirmar que o Rap no Brasil surgiu como entretenimento ou descontração. O próprio Melô do Tagarela [Miele – 1980] diz: A praça é do povo, que ouve de novo Na face política, a frase tão crítica E o MDB? Terminou, é Arena (...) Continua a coisa preta Tanta sigla, tanta letra Que o povo esperançoso que só quer voto direto Vai vivendo de teimoso e continua analfabeto.

É fato afirmar que o Rap brasileiro e a cultura Hip Hop surgiram no país como meio de organização da juventude, por mais que não houvesse tal planejamento. E isto se fortaleceu após as repressões policiais. Um ótimo material que acrescenta elementos ao debate é um documentário produzindo pelo grupo Racionais MC’s disponível nos extras do DVD ‘Mil trutas, mil tretas’, também disponibilizado na internet, onde narra a história e importância dos Bailes Black’s, sobretudo nas peri-

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ferias paulistas. Eu poderia aqui escrever muito mais, sobre os primeiros álbuns e músicas lançadas desde o Melô do Tagarela, passando por Pepeu e Mike, Vila Box, quando não chamavam de Rap, mas de “Música Break”, Black Juniors e as famosas coletâneas “A ousadia do Rap” e “Hip Hop Cultura de Rua”, Thaíde e DJ Hum, e tantos LP’s das equipes de Som, mas vou partilhar trechos de um Rap gravado em 1989, ‘Tributo ao governo’. Tu não faz nada, vai fica parado? A sua acomodação me deixa revoltado Ele não quer saber da nossa situação Já não liga para o povo que não come nem mais pão Nós juntos talvez podemos resolver Com força e união tirar eles do poder Vão saber de quem estou falando Não me olhe com essa cara, não me fique me perguntando Eles juntos não sabem governar Não aguento mais isto tem que mudar (...) Eu sozinho nada posso fazer A luta é difícil eu preciso de você Tu agora não vai me abandonar Você também está sofrendo e tem que lutar Ele fica rico com nossa pobreza E nem se manca mais que tristeza Nós com fome estamos ficando Pois os preços todos dias estão aumentando (...)

Que riqueza esta música nos traz! Antes de refletir sobre a mesma e a conjuntura política no Brasil, digo que citar um grupo do Distrito Federal foi uma escolha política, pois a leitura que

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GOG


se faz é que o Hip Hop chega ao Brasil através do Eixo Rio-São Paulo reforçando certo centralismo. O Hip Hop chega ao Brasil em um todo, desde 82 haviam dançarinos no Distrito Federal e em estados nordestinos, o próprio Nelson Triunfo teve seu primeiro grupo enquanto morava no Distrito Federal. Retornando a canção do Baseado nas Ruas, grupo pioneiro do Rap Brasiliense e brasileiro, escrita em 1989, ano de eleições e num contexto em que o país passava por momento de instabilidade econômica e política decorrente de duas décadas de ditadura e falso desenvolvimento. Os “principais” personagens deste período foram Fernando Collor, que mais a frente seria alvo de impecheament e Luís Inácio Lula da Silva. No início deste texto citei que esta reflexão, não se trata de um texto científico, pois é muito mais que isto, é um diálogo, não apenas sobre o Hip Hop em mim, mas o Hip Hop em nós. E o Hip Hop agrega tamanha riqueza e diversidade. Já citamos acima a origem do Rap passando pelo DJ e MC, como já pincelamos algo sobre o Breaking no Brasil. Falando sobre nossa dança, destaco alguns pontos interessantes que me fizeram e me fazem apaixonar-me diariamente por seus passos e manobras. Hoje o Hip Hop, além do Breaking, Locking e Popping, possui inúmeras outras vertentes da dança, como o freestyle, krumping, dentre outros. Assim eu defendo o termo Danças Urbanas como elemento da cultura Hip Hop, diferente a artigos que referem-se ao termo B.Boy como tal. E muitos defendem isto com grande energia, omitindo até a presença de B.girls. O termo dança urbana dialoga com sua origem. Sabemos, por exemplo, que o Breaking traz em si inúmeros elementos como Capoeira de Angola, artes marciais, ballet, ginástica olímpica dentre outros – e é mais um elemento que não nasce propriamente no E.U.A, e sim nesta construção diversa, complexa e mundial.

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Em 1929 houve a tão estudada por nós, nos livros de história, Grande depressão mundial, uma crise econômica do mundo capitalista que causou alto número de desemprego, quedas na produção mundial e do PIB. A mesma chegou ao fim após a 2ª Guerra Mundial. Quando olhamos para a história vimos que o Capitalismo sempre enfrenta suas crises arremessando bombas sobre alguma outra nação, aliás, a fabricação e comercialização armamentista geram bons lucros.

Voltando à dança, com a crise econômica instaurada e atingindo todos os ramos inclusive artísticos e de lazer, boates e bares têm suas portas fechadas, tão logo demitem seus dançarinos e dançarinas. Nos E.U.A eles e elas eram conhecidos como Tap Dancer’s. E numa resposta ao desemprego passam a dançar na rua em troca de gorjetas. Quão simbólico é isto. A expressão Street Dance ou Dança de rua surge a partir de um ato de resistência. A dança no Hip Hop surge a partir da luta contra o desemprego, e mais uma vez nos deparamos com a bagagem histórica e possibilidades históricas que podem ser trabalhadas a partir do Hip Hop em sala de aula, por exemplo. Talvez discutir com estudantes crise econômica não seja tão chato daqui pra frente. Abrindo um parêntese, é importantíssimo que nossas periferias e nosso povo tenha consciência sobre a Economia, pois é a partir das falas não compreendidas de Miriam Leitão que dominam nosso povo. É a partir de um Superávit primário, tão comentado, ouvido, mas não compreendido que o Capitalismo age e gera miséria. A partir, então, desta luta contra o desemprego a dança vem sendo acrescida de inúmeros elementos já citados, que passa-

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ram pelo Soul e pelo Funk, pela energia e até mesmo a sensualidade destes passos. Chegando a década de 60, jovens dançarinos e dançarinas eram levados para o Vietnã, para combater um movimento comunista que ganhava e disputava poder no país. Sem querer prolongar a discussão, sendo que esta é extremamente necessária e quando este texto estiver sendo lido ou debatido em quaisquer esferas, peço que o façam, é importante salientar que os valores comunistas perpassam na reforma agrária e divisão de riqueza – sendo simplista, e assim, enxergamos quão sanguinário o Capitalismo é a ponto de gerar guerras contra quem pensa diferente. Nesta mesma década os E.U.A não pouparam esforços e financiaram inúmeras ditaduras na América Latina, incluindo o Brasil. Em 1973, ano que Bambataa batizava o Hip Hop, os E.U.A instaurava a Ditadura de Pinochet no Chile, vai vendo. Em nosso país, João Goulart, então presidente, tinha como plataforma de governo a Reforma Agrária dentre outros projetos progressistas, tão logo uma ameaça à burguesia e ao Capitalismo, sendo logo instaurada a Ditadura Militar. Jango anos depois “morreu” misteriosamente em exílio. Identificando estas ações opressoras de seu país, a juventude estadunidense passa a protestar de diversas formas e inclusive através da dança. Agregando ao Funk uma manobra da ginástica olímpica, depois batizada de moinho de vento, um movimento onde os dançarinos e dançarinas rodopiam no chão com as pernas arremessadas ao ar. Uma teoria afirma que tal movimento simbolizava as hélices dos helicópteros que levavam a juventude para uma Guerra que sequer entendiam. Nossa dança surge num primeiro contexto de luta contra o desemprego. Diferente a outras, agrega valor a sua forma mesclando elementos diversos e isto resulta em protesto. Este elemento da cultura

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MIAH


Hip Hop carrega em si a resistência do povo

E a resistência também é presença em nosso Grafite. Certa vez, durante palestra uma criança me perguntou o porquê de ser Grafite se não era feito com lapiseira (risos). Mas aquilo me fez pesquisar um pouco mais sobre a arte. Eu lembro que quando iniciei meus primeiros passos no Rap, não havia uma cartilha obrigando, mas sim uma cultura ou costume que devíamos pesquisar a cultura Hip Hop, conhecer seus elementos, conhecer seus fundamentos. Hoje vejo tantos MC’s e personagens sem conhecimento algum, que apenas soltam rimas descomprometidas.

Pesquisando sobre o grafite vi que a palavra deriva do latim ‘grafito’ ou seja, escrita em rochas com carvão. Ao pensarmos nisto, nos remetemos a épocas onde desenhávamos em paredes de cavernas as formas como caçávamos e como vivíamos. Parece loucura imaginar isto, mas o grafite tem este mesmo significado e motivo: transmitir uma mensagem, um costume. E como não poderia deixar de dizer, o grafite não nasce nos Estados Unidos é uma contribuição mundial. O Muralismo Mexicano no início do século XX promovia intervenções artísticas, sociais e políticas através de pinturas nas paredes das casas, pautados nas lutas populares. No Brasil, Di Cavalcante pintava muros de até 15 metros na década de 50. A partir dos anos 60/70 o uso do Spray tornou-se presente em diversas manifestações, na França e no Brasil. Quem de nós nunca viu a foto com um jovem escrevendo “Abaixo a ditadura”? Tudo isto contribuiu para a criação deste grafite contemporâneo. Sabemos e louvo aqui a importância do Bronx e Brooklyn para o desenvolvimento da Cultura Hip Hop em todo mundo, pois são bairros

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localizados em Nova York, no maior país capitalista do mundo, serviram de reflexo para outras nações. Finalizando a leitura, destaco que o grafite possibilitou e possibilita o acesso à arte de gerações inteiras que foram proibidas de entrar em teatros, em museus ou galerias de arte. Possibilitou a utilização de um instrumento criado para pinturas e pequenos reparos automobilísticos como ferramenta de arte contemporânea, como ferramenta de acessibilidade a arte e liberdade de expressão. Que importância isto tem pra nós? Nosso Grafite surge num contexto de multiplicação escrita e artística de saberes, e nos primórdios sistematizando a forma como vivíamos, fazendo memória a nossa história de vida. Milhares de anos à frente, estamos lutando por direito à arte na rua, e mais a frente protestando contra ditaduras e possibilitando acesso à arte, transformando ruas em galerias, e enfrentando o cinza de tucanos paulistas.

Quando eu era apenas um estudante, fiquei do ensino fundamental ao médio tentando aprender o verbo to be, durante as aulas de inglês, que eram desastrosas, pois não havia e não há os materiais pedagógicos necessários. Digo isto, pois nossa cultura fora batizada com dois verbos desta língua, To hip e To hop, ou seja, saltar, pular ou mexer o quadril. E isto não tem nada haver com rebolados ou danças. Quando nos rebelamos, quando enfrentamos a opressão, quando nos levantamos, nós mechemos o quadril. E fica o convite, após ler este artigo ou livro, que não fiquemos mais parados. Que nossa história de vida e arte seja sistematizada cotidianamente, senão escreverão por nós e “Garota de Ipanema” ainda será a música mais ouvida no mundo. Podemos sim possuir diversas expressões, mas a classe é apenas uma, a trabalhadora.

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PRIX


SE LIGA AÍ VÉI ASSISTA

Rap, O Canto da Ceilândia https://www.youtube.com/watch?v=KumGrymun8s Triunfo https://www.youtube.com/watch?v=6Rk3PncRvqs A cultura Hip Hop vive em Alagoas https://www.youtube.com/watch?v=-j4Q3Sr59F8 Marco zero do Hip Hop https://www.youtube.com/watch?v=g4f5Hwz6Voc Rubble Kings https://www.youtube.com/watch?v=y8BhLAU4kN4 Encontro com Milton Santos https://www.youtube.com/watch?v=-UUB5DW_mnM Hip Hop evolution Disponível na NetFlix A 13ª Emenda Disponível na NetFlix The GetDown Disponível na NetFlix Stretch and Bobbito Disponível na NetFlix Sabotage: maestro do Canão


LEIA Do sertão ao Hip Hop – Gilberto Yoshinaga A trajetória de um guerreiro – DJ Raffa O livro vermelho do Hip Hop – Spencil Pimentel O Hip Hop está morto – Toni C. Pergunte a quem conhece – Thaíde Teatro Hip Hop – Roberta Estrela D’alva O Hip Hop em Mim VOL. 2 – Markão Aborígine e outrxs rebeldes.


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