2ª Edição Samambaia, Distrito Federal Markão Aborígine 2015
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Dizem que meu Rap dá voz a quem não tem Na verdade dou ouvidos, pois não são ouvidos por ninguém 3
FICHA TÉCNICA Autor: Markão Aborígine Editora Popular Poesia em Coletivo Colaboração: Rodriggo Misquita e Sarentaty Inês Arte Capa: Peterson ‘ptr’ Piloto APOIO: Livraria Moinho de Vento CONTATO: aboriginerap@gmail.com
Markão Aborígine
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SUMÁRIO 07. Editora Popular Poesia em Coletivo 09. Apresentação
SEM ROSTO, FAMÍLIA OU NOME 13. Um bom dia se faz lutando 15. Coleiras 18. Jéssica 20. Invisíveis 23. Duas crianças 27. Do lixão nasce a dor 29. O Camburão e Sala de Aula 31. In-cômodo 33. Parte II: Nomenclatura Brasil 35. Andares 37. O Silêncio da violência 40. A Capital 43. Alienação em 42 polegadas 45. Melhor forma 48. Subterfúgio 51. Cumplicidade 52. Utopia 52. Derrota 52. Um ECA de vida 53. Diploma 53. Morfina 53. Vitória 54. TwiChe 5
54. Poesia pra mamãe 54. Mutação 55. Burros 55. Ingratidão em doses 55. Sim! 56. Evolução 56. Oçapse 56. Globalização do preconceito 57. Propaganda 57. Pel’USA 57. Boneca 58. Globo 58. Machismo sem vendas 58. Derrota – parte II 60. O deus 61. Uma boa ideia? 62. A Colônia 64. Compostos vertiginosos 68. Marcha fora dos palcos 69. Inimigo e suas armas 72. O Florão 75. Ei 77. Outra carreira 80. Gota de uma nuvem negra 83. A Lata 86. O AZUL DE UMA CANETA 98. O HIP HOP EM MIM Leitura sobre a origem contextual dos elementos da Cultura Hip Hop 6
EDITORA POPULAR POESIA EM COLETIVO O projeto Poesia em Coletivo teve início em meados de 2011 a partir da distribuição de poesias no Metrô e paradas de ônibus na cidade de Samambaia, Distrito Federal. A ação visava estimular o consumo e reflexão sobre a literatura produzida na cidade, bem como democratizar o acesso, pois muitos e muitas trabalhadoras não possuem – ainda – acesso à Internet e ou Biblioteca pública. A ação idealizada pelo MC e Educador Social Markão Aborígine, deu início a produção da primeira edição e Ebook ‘Sem rosto, família ou nome’. A partir de acúmulo sobre diagramação e ferramentas de publicação, sobretudo digitais, o projeto Poesia em Coletivo fora sistematizado e o autor passou a ministrar oficinas de formação sobre poesia e literatura marginal em escolas públicas, Unidades de atendimento em meio aberto, movimentos sociais, etc. Em setembro de 2014 fora lançado o segundo livro do projeto chamado ‘Favela como você nunca viu’, do autor Fernando Borges, um jovem poeta morador da cidade Estrutural, umas das regiões de maior vulnerabilidade social do Distrito Federal. Assim como as poesias que eram distribuídas por meio de fotocópias, os livros produzidos e lançados pelo projeto são feitos de maneira artesanal e popular, através de impressões, recortes e colagens, além claro, que são 7
disponibilizadas gratuitamente páginas específicas.
para
download
em
A partir do projeto já foram lançados três livros: Ebook Sem rosto, família ou nome I Markão Aborígine Favela como ninguém viu I Fernando Borges Lascô poético I Coletânea de jovens assentados e assentadas do MST e Contag de Unaí - MG. Estão em fase de diagramação mais três obras: A fábrica, de Tarcísio Pinheiro, poeta e ativista cultural de Samambaia, DF; Letras rebeldes, coletânea de poesias de jovens de Cuiabá, que participaram de oficina sobre Literatura Marginal no 1º Encontro Intermunicipal da Juventude, realizada em Mato Grosso; Brasília Periferia, coletânea de poetas e poetizas moradoras do Distrito Federal que já participaram do Sarau Samambaia Poética, projeto organizado pelo Coletivo ArtSam.
Poesia em Coletivo Literatura Marginal e Resistência
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APRESENTAÇÃO Conheci o trabalho do Markão em 2009, em um evento de RAP, numa casa de shows em São Sebastião/DF. Lá estava Marcus Dantas divulgando seu CD “Dia e noite. Dia açoite. Noite Fria”, num “stand” montado com duas mesas de bar. A primeira, forrada com uma bandeira do Brasil grafitada, e a segunda, com uma bandeira do MST. Logo percebi que não era apenas mais um Rapper no meio de tantos presentes, mas sim um militante que se utiliza de ritmo e poesia para incomodar quem não se incomoda mais, pra movimentar os estáticos, pra dar um tapa no comodismo e na passividade e convocar a juventude para protagonizar as mudanças que nossa sociedade tanto precisa. O “trampo” do Aborígine vai muito além de mero denuncismo. É ativismo puro! Por intermédio do Coletivo ArtSam, promove Cineclube nas quebradas, Saraus nas garagens das periferias de Brasília, intervenções pedagógicas nas Escolas Públicas e apresentações em atos promovidos pelos movimentos sociais. Parafraseando Paulo Freire “temos que encurtar a distância entre o discurso e a prática, até que o nosso discurso seja a nossa prática”. E é isso que esse herdeiro do “repente” faz. Sua prática é referência para muitos que o enxergam como um verdadeiro líder que não está preocupado em ter muitos seguidores, mas sim em 9
formar novas transformação.
lideranças
comprometidas
com
a
Sérgio Vaz, com certeza, o definiria como um revolucionário, ou seja, “que tem vontade de transformar o mundo e coragem para começar por si”. É com muito orgulho que apresento essa obra que, sem dúvidas, é um marco para o HIP HOP de Brasília. “Sem Rosto, Família ou Nome” resgata nossa capacidade de nos indignar com as mazelas e violências que nos cercam. Porém, o despertar dessa “fúria” vem regado de muito amor. Apropriar-me-ei de um trocadilho muito utilizado pelo Markão para afirmar que as poesias presentes neste livro são indispensáveis para todos os “amadores”, não por falta de profissionalismo, mas por excesso de amor. É com muito amor e muita fúria que convido todos a mergulhar na poesia revolucionária de Markão Aborígine. Boa leitura!
Francisco Celso Leitão Freitas Professor de História, especialista em Educação Inclusiva, atua como formador de Mediadores Sociais do Programa Estudar em Paz e como Coordenador Intermediário de Direitos Humanos e Diversidade da Coordenação Regional de Ensino do Recanto das Emas/DF. 10
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UM BOM DIA SE FAZ LUTANDO Sim, um feliz ano novo! Mas tenha certeza que tal felicidade parte de teus esforços. Comum não? Mas não é este esforço convencional do melhor para si. É o esforço para sermos cada vez melhores para nossos filhos e filhas, melhores para nossa família, melhor para nossa cidade. Ou seja, é bom reaprender a sorrir, olhar para a vizinha e desejar um bom dia. É bom reaprender a falar, pois saiba que as teclas não beijam, seja presente! Pensa assim: esse ano foi apenas um ensaio, independente do que houve, foi apenas um ensaio, agora sim vou subir no palco para brilhar, mas num teatro onde todos e todas também são protagonistas! Enquanto minha felicidade for só minha, não será felicidade! Então que venha esse tal ano novo e que eu possa partilhar prosperidade, que eu possa ter uma vida saudável, que me alimente cada vez mais de utopias e rebeldia, que venha a vitória! É sim um texto cheio de exclamações, pois para felicidade não importa se há ou não concordância, pois a vida não é tão certinha assim não, afinal ainda não somos máquinas como o Opressor quer, e se depender de mim, vou desligar monitores e sair pra rua, olhar os fogos, beijar 13
como nunca minha mulher e meus filhos, brindar com amigos. E que seja assim, que caminhemos com a certeza que um bom dia se faz lutando, sorrindo e cantando, que se deixarmos de fazer isto num dia sequer continuaremos apenas ensaiando uma felicidade, apenas esperando um ano novo e nunca o construindo. Ent達o, vambora, m達os a obra!
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COLEIRAS E nós domesticamos animais Logo esses animais ocuparam nossos lares Mas nossos lares foram ficando menores Menores Menores Logo não havia ruas, praças, árvores Apenas prédios E os animais domesticados Tornaram-se animais domesticados sem teto Os devolvemos as ruas Agora não enfrentavam apenas pulgas Mas mau tratos Carne com veneno e vidro quebrado Chuva, frio, morte. E nós ficamos carentes, como pode? Mas como somos inteligentes, logo criamos o Tamagoshi E estávamos ali Demos banho, comida, carinho Aquecemos durante o frio A mulher rica logo avisou: não quero mais filho! Mas logo o Tamagoshi ficou ultrapassado E fizemos com o animal virtual O mesmo que fizemos ao animal domesticado
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E mais uma vez ficamos carentes, como pode? Mas como somos inteligentes, criamos o computador, iphone, ipod É bem melhor! O celular não sente o mau hálito Ao acordar logo conferimos se tá carregado Antes mesmo do bom dia Antes mesmo do abraço Ainda sonolentos Mesmos sem o velho e bom alongamento Daqueles que num passado você se revirava na cama O seu perfil social, aliás, virtual Lhe afasta de uma face humana E um dia domesticamos animais E um dia criamos tecnologias E hoje em dia Esta mesma tecnologia, nos domestica É o beijo no filho trocado pelo computador É o silêncio infernal de uma viagem no metrô São as faces em tom azul Os dedos que deslizam um a um Num ambiente de isolação e desamor E um dia tivemos relações sociais Logo haviam visitas em nossos lares Mas foram ficando menores Menores Menores 16
Logo n達o haviam frango frito no domingo Pular fogueira na festa junina, ter madrinha e padrinho Adedonha, pared達o, pular el叩stico Trocar o vale transporte por ficha O garraf達o ou o primeiro beijo sabor salada mista Mas quem liga? Melhor compartilhar com o mouse Do que compartilhar a vida.
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JÉSSICA Jéssica Teve tudo que quis, nem tudo precisava Convite pra balada, aceitava Uma latinha balançava No cartão de crédito uma carreira cheirava Mas não a carreira que o pai lhe desejava Seu José foi mãe e pai criou sozinho Vaga em escola, fila do posto de saúde enfrentando o frio Em lan house fez currículo 3x4 tirou Distribuiu com fé em cada Agencia do trabalhador Enquanto isso Jéssica se revolta Pelo celular presenteado que não era da moda Quando vai à escola logo o desliga Faltava aula e lá está Seu José preocupado com a filha E faz três dias, que não volta pra casa Na mochila, panfletos e mais panfletos de baladas Cama revirada Celular inúmeras chamadas O pai atende ao som de Ela tá virada “Ai loirinha, a chola ta pronta Tem escama, uns lança, maconha Muito som do bom, funk e muito Rap Lhe enviei o endereço por SMS” 18
Seu José não acredita no que ler Entre a caixa de entrada há vários não lidos: Cadê você? Mensagem que ele envia desde sexta Foi à cômoda e pegou uma caneta Escreveu o endereço E foi atrás do amor de sua vida E grita: Jéssica minha filha Responde, por favor, precisa de ajuda Papai te ama, por favor, me desculpa Faltou trabalho, foi demitido Dormiu na rua, sentindo frio Preocupações e calafrio Atrás do amor que o mesmo amor lhe omitiu Jéssica Pela primeira vez chegou em casa Não tinha café da manhã ou mesa feita E lá está a mesma preocupada Pensando no local onde o pai esteja Pegou o celular leu cada mensagem Envergonhou-se do pai, de cada bobagem Tomou coragem e fez à ligação: Pai cadê você? Ele atende e diz: Estou em qualquer lugar, menos no seu coração. 19
INVISÍVEIS Olhe nos olhos daquele daquela Que distribui panfletos Receba-os Para aquele Para aquela Traz o pão, é emprego Não vê a criança Com halls Chiclé Jujuba? Dá importância Pensa no mal Sobe o fumê Chama viatura Qual a cor De quem está na rua Ou limpa o piso da loja? Qual a cor Da sala do Galois, Da Vinci ou da Católica? 20
Metamorfose Nosso povo se transformou em: Homem placa Mulher placa Exame admissional Compro ouro Dentista-quase de graça Pra construtora Balança bandeira Anuncia suposta promoção Enquanto é Afastado para lonas e madeiras No Entorno da Especulação Na ficção A invisibilidade é poder Heróis e Heroínas Na nação A invisibilidade é morrer Doenças e chacinas Viu o sanfoneiro? 80 anos Debaixo do sol Pele queimada 21
Perfil brasileiro Roubado por bancos Coisa normal Cena diária: Sou cego Mas não me entrego Canto forró Toco sanfona em troca de moedas Futuro incerto Não nego Pois quem passa Também não enxerga! Resta Um alerta O mais difícil é olhar pra si E se Foi invisibilizado, invisibilizada É hora de reagir!
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DUAS CRIANÇAS Duas crianças se encontraram Uma dentro, outra fora do carro importado Que estava ali sorridente Havia passeado num natal abençoado com pai, mãe e parentes No banco traseiro Vários presentes Diversas cores Fitas reluzentes No encosto do banco tem até um vídeo game E ela hipnotizada não desviava o olhar a frente Mal notou a outra criança Parada na janela Que ao ver a cena Ficou alerta Nunca tinha visto uma tela Tão pequena Suspirou um encanto de uma forma tão serena E enfim as duas crianças se encontraram Uma dentro e outra fora do carro Importado O Local? Precisamente um semáforo Tão vermelho como o rosto do João queimado 23
João olhava no carro como se fosse um espelho Equilibrava balinhas, chicletes e um pouco dinheiro Nos poucos segundos desta cena João sonhou Com o vídeo game que nunca jogou Se perguntou Se eu fosse ele e se ele fosse eu? O mesmo respondeu Seria tão bom experimentar o Danone Sem o gosto azedo, trazido do aterro desde ontem Fome? Acho que ele não tem Problemas? Acho que ele não tem Um pai? Com certeza ele tem Mas ‘peraí’ pensando bem Tanto eletrônico pra esse menino brincar Ninguém olha para ele, ambos no celular O menino me viu, chamou o pai tocando no ombro Ele respondeu gritando, quase tive um assombro O pai dele parece com o meu Que nesta manhã mesmo me bateu Pois acordei tarde pra trabalhar Queria ter um pai que brigasse comigo pra eu estudar 24
E duas crianças se encontraram Uma dentro e outra fora do carro Importado E mesmo com o fumê se enxergaram Por alguns segundos se olharam Davi Sempre quis brincar na rua Pensou em pipa quando viu João com aquela roupa suja Por incrível que pareça tá cansado De apenas brincar dentro de um quarto Davi olhava pra fora Como se fugisse d’uma prisão Queria jogar bola Com os pés no chão Nos poucos segundos desta cena Davi sonhou Com o banho de chuva que nunca tomou Se perguntou Se eu fosse ele e se ele fosse eu? O mesmo respondeu Seria tão bom me divertir com amigos Sem chegar em casa e ficar de castigo Amigo? Acho que ele tem? Pipas? Acho que ele tem? 25
Pais? Com certeza ele tem Mas ‘peraí’ não tô vendo ninguém O que ele faz com doce, balinha? Batendo no vidro do carro num calor de meio dia? Não está com uniforme de escolinha Qual será a melhor vida, a dele ou a minha? São apenas crianças São apenas crianças Querem pais de verdade Mães de verdade Família de verdade Querem infância! Duas crianças se encontraram Uma dentro e outra fora do carro Por alguns segundos se olharam E um pequeno sorriso trocaram Até o sinal abrir Uma seguir Outra ficar Uma para possivelmente se “divertir” Outra pra trabalhar Por estes segundos sonhados Ambas vão apanhar, vão sofrer Uma por preconceito do pai A outra por balinha não vender! 26
DO LIXÃO NASCE A DOR As pipas dividem espaço com urubus Na pista não há rolimãs, mas carretas O dia se passa em pouca luz Se respira em um eclipse de poeira Lonas, madeiras, pedaços de telha, pregos expostos O piso batido, fios, emendas, sustentam esforços Trabalho diário, raro descanso, sonho pretérito Pra que no futuro Não aja trator ou tumulto, a derrubar o lar, o teto Singela morada que externiza orgulho Apenas uns palmos num canto do mundo Apenas a mata que fica nos fundos Da Câmara, Senado ou debaixo de viadutos Sobras de obras viram carroças que por horas trafegam Levam pra casa o que sua casa nega O resto, o podre, o que se perdeu Que a promoção não vendeu Fora de moda agora são velhas A compra do voto em camisa impressa Comumente usada de sul a norte Trazem a certeza de falsas promessas Pois vestem elas e não uniformes
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Pro aumento da renda a infância não dorme Na noite procura, vasculha o lixo Aguarda descarga proveniente do shopping Mas o cansaço é forte acaba dormindo Em cima do monte de produto vencido Faz deste mesmo lixo o seu cobertor Ao amanhecer família chora Criança foi morta, esmagada por um trator
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O CAMBURÃO E A SALA DE AULA O Governo anuncia Compra de 300 viaturas Construção de mais 04 presídios Enquanto isso: Escolas vazias Vazias de que E não de quem Pois as crianças nem merenda têm Nem livro Nem cadeira Nem professor Educadas para quando forem abordadas Chamarem o polícia de Doutor! Aliás… Vivemos num tempo moderno Viatura tem ar condicionado Um só clima no verão e no inverno Mas a sala de aula Cumpre outra função: de sauna Graças às paredes de zinco Governo anuncia Que hoje as viaturas tem internet banda larga Enquanto as crianças não tem computador na sala Mas será que só existem diferenças? E a proximidade? As escolas não possuem algemas Mas também são cercadas por grades 29
Quem está dentro do camburão tem toda facilidade Ticket, bom salário Se não está de carro, nem no ônibus paga passagem Enquanto isso professor faz… Greve, Greve, Greve Quem educou o policial menos que o policial recebe E eu? Ei de viver o bastante pra ver um Brasil com justiça Onde um professor receba mais que um polícia
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IN-CÔMODO A casa Não tem sala Não tem cozinha Não tem quarto Mas tem Copa A casa Não tem teto Não tem terra Não tem fossa Mas tem Copa A casa Não tem telha Não tem janela Não tem porta Mas tem Copa E a cidade Não tem teatro Não tem Hospital Não tem escola Mas tem Copa E a Copa O que que tem?
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Mesa? Pratos, talheres? Almoço? Não! Nesta Copa tem jogo E em campo Por enquanto Enriquecimento ilícito E higienização social E agora qual será Seu estádio emocional?
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PARTE II: NOMENCLATURA BRASIL Que país é esse? Que país é esse? Em canções e escritas indagam burgueses Eu apresento! É o Brasil de caboclo, de mãe preta e pai João No sertão onde a palma de gado se faz alimentação Feijão é cozido na lata de alumínio, verdade Em outra parte, berço dezoito quilates, foi Sustagem Tecle SAP! Entenda que os brasis são bem parecidos Não existem diferenças entre pobres e ricos Apenas erros em substantivos? Um é bandido e o outro cleptomaníaco Frutos perdidos da família que não conversa Uma muito pouco e a outra através da teclas E nessa terra Nesse contexto Escrevo texto Com pretexto De voltar à ação em uma ação com efeito Pois meus feitos são bem feitos denunciam os defeitos Encontrados em senadores deputados, vereadores, prefeitos... 33
Estes da indústria da seca e enchentes Produzem atingidos por barragem Destroem a memória desta gente Indigentes que migram em busca de gabinetes e escritórios Logo o sonho se desvia a cidades dormitórios Óbvio! Aceita-se currículo com foto A aparência leva a competência a óbito Triste episódio Mamãe me dá uma boneca Papai me dá uma bicicleta Ao pranto se entregam, encharcam a terra Onde floresce o subemprego, o viaduto habitat A resistência vem em pequenas sementes que se tornam um belo colar Eu canto e em meu canto pronuncio a esperança Tocada em latas de tintas por jovens e crianças E quem canta? O natural da Terra Pindorama Em luta nomenclatura: Um Silva Uma Souza Um Marcus, um Dantas.
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ANDARES Onde vivo? Em um contexto de conformismo e exclusão Construídos a partir de uma falsa educação Que não partilha com o outro segue em uma linha vertical Manipula e enriquece com uma servidão social Mutação: homens e mulheres transformadas em ferramentas Globalização: somente a dor sustenta Escravidão: por três centavos a criança costura A blusa exposta no outdoor, na rua Vendida e usada nos templos da cifra, do níquel Em um natal que se espera por neve E não por um certo Cristo Gestos de carinhos e abraços quentes Trocados por fumaças, entorpecentes, aguardentes Deprimente! Procura-se aquecimento em grandes saunas Enquanto em carvoaria se queima a pele Não se aquece a alma Do trabalhador, dia a dia, braço a braço A brasa aquecida Não alimenta sua família em rodízio farto
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Sempre abaixo O povo se encontra em uma pirâmide de fome Enquanto no pico os faraós comem Pra enganar o organismo cheiram cola Drogas consomem É a juventude da rodoviária Sem Rosto, Família ou Nome E por onde caminharam? Ruas tortas e barracos De madeirite é o palco a pique modernizado Nômades: num cerrado, num florão Mudam-se, mas o lar foi sugado pela erosão Pés no chão, carroça, mas não são animais Papelão, PET, vidros, metais Futuro aproximado, escola existe, mas não vai Crianças comercializadas, amadas? Não mais Mas desejadas, sexualmente falando Por seres que não devem ser chamados de humanos Mas como 2, 3, 4 mulheres não saciam Logo procuram éguas, galinhas, cadelas: animais em cio Nojo fabricado por cada campanha publicitária Não se mostra os pés ao venderem sandália E a inocência cai andares, sangra em maletas É aprisionada em porões nos coroes da tristeza Ao mesmo tempo em que é despesa gera lucro por hora É a infância brasileira traficada E explorada em bordeis na Europa 36
O SILÊNCIO DA VIOLÊNCIA Nós crescemos achando divertido A violência entre o Chaves e Kiko... As agressões que sofrem os professores também tem origem histórica Lembra-se das palmatórias? Nossos pais foram educados na violência Nos educaram na violência E agora só pedem paciência Família não existe Estado se omite Polícia reprime O jornal imprime Mídia faz novela, desenho e filme... E a toda violência na TV meu filho também assiste! Onde isso irá chegar? No crânio quebrado após o soco da menina super poderosa Violência colorida- infantizada em tom de rosa Nega-se atenção! Meu filho agora não, estou no computador Ao filho resta a violenta tela de um televisor Que neste momento traz o BOPE Faca na caveira O violento policial é herói de uma geração inteira
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Tá reclamando menino? Não há diálogo, só castigo Professor, pai, mãe, dizem: Ajoelha no milho E o estado faz por onde Desvia Esconde Sonega Criminaliza, mas não cumpre o ECA Que pra muitos é o responsável pelo "menor" assassino e que "trampa" no tráfico Mas cadê o estado que nunca ofereceu escola e flores no parque Que nunca tratou a infância como prioridade? Por que do silêncio? Talvez porque você também é violento São antônimos: Violência e silêncio A violência física é fruto de outra violência Do pensamento Ou seja Da negação ao conhecimento Das potencialidades não trabalhadas Da infância sem alimento Da falta de água Da água que invade o barraco Da mulher que não estuda Não assinou um cabeçalho Tem o polegar como assinatura 38
A violência midiática é só pra silenciar esta verdade a muito escondida... E você... Se silencia?
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A CAPITAL Políticos, médicos, arquitetos, burgueses, engenheiros Confortavelmente conhecidos como pioneiros Nós? Pedreiros, serventes, pau de arara, mãos calejando Expulsos do centro, Discriminadamente chamados de candangos A eles há o verde, arborização Local para esporte, diversão O nosso verde há muito tempo utilizado por eles, como lixão Possuem praças, jardins Irrigados com a mesma água que falta por aqui Três meninas tomba! Noroeste ergue-se Cerrado ao chão, condomínio prevalece Destinação de equipamento público, por lei modificada Para construção de Shopping na área pelo parlamentar comprada Fauna e flora extintas Menos os animais selvagens da nova câmara legislativa Lá na capital, eles têm o lago Paranoá para elevar a umidade do ar, facilitando a respiração
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Lá na Estrutural, nós temos um lago de chorume que sempre que chove, transborda e invade a casa da população Quão bom é possuir plano de saúde convênio Para que nossas crianças não nasçam em corredores Ou morram nos banheiros É a falta de leito e higiene misturados a placenta A capital grita de dor, pede socorro, mas não aguenta Aqui o natal não tem chester, ceia E sim um misto de tristeza e fome E lá na capital governador distribui panetones Uma Brasília ora pedindo ajuda, proteção Uma outra ora agradecendo o cifrão O enriquecimento, a corrupção Brasília é uma festa Mas poucos comemoram, poucos sorriem A capital é um filme no cinema Alguns assistem, enquanto tantos vivem: De um lado final feliz, de outro trágico Eles têm pontos turísticos e aqui pontos de tráfico Comum entre as Brasílias Porém eles possuem dinheiro pra pagar a clinica De recuperação aos seus dependentes E pra gente
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Não há clinica de recuperação pra crianças viciadas, somente: rua, redução da maioridade penal, prisão: correntes E esta gente Não recebeu convites para a festa! Há 54 anos catam guardanapos sujos de batom Do champanhe, restou apenas a garrafa Enfileirados numa bilheteria... Não do Centro de Convenções Mas da Rodoviária!
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ALIENAÇÃO EM 42 POLEGADAS Parei... Olhei pra mim, tive nojo Peguei-me assistindo ao Pânico e rindo de meu povo Tornou-se normal, preconceito lidera audiência Enxergamos defeitos na diversidade ou deficiência RISOS Do outro lado 'feliz' comentário do galã das oito O negro quando dança passar a ser branco Olhos verdes, louro Ai vejo que é tudo igual Não importa o canal Tanto no pessoal quanto no profissional
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MELHOR FORMA O que acontece? Vivo, respiro Rap, Rap a gente canta Primeira música! Nossa já tá doendo a garganta? Por favor, o microfone ta baixo, aumenta o retorno To rouco! Desço do palco e logo escuto: Markão você tá muito gordo Sua camisa ta puro suor, parece que tomou ‘banhe’ Não, não, vou lhe falar o melhor uma fã jogou champanhe Nossa que louco você conhecia a mina? Nada, estava indignada, pois havia pedido era pinga Já previa, na rotina artística surpreendente O talento não importa, na hora escuto, oh o MC Fat Family Eis o MC Amedrontado num palco de madeirite Joga a mão pra cima e diga How Willy Verdadeira saga encontrar uma roupa GG Minúscula, mas digo a vendedora, acho que vai caber Entro no provador, do pescoço sequer passou Mas não me entrego! Moça não vou levar, não gostei da cor Em meio à insistência, compro e saiu sorrindo Levo a costureira e digo De cada lado aumenta 10 cm
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E o povo pergunta: Modelo novo? Que luxo Lógico, excesso de gostosura, estilo único Caminho com a camiseta, sob uma social aberta Não por moda, mas é que o botão não fecha Corpo de atleta, disputa acirrada dependente do menu Levantamento de talheres, competidor número um E aê Markão, vamos jogar futebol parceiro? Atacante? Você escolhe goleiro ou zagueiro Torneio na escola... Vários gritando Mau entrava no jogo e já ouvia: Juiz tem duas bolas em campo Em meio à ironia quantas vezes eu choro Olho minha família, minha vida, cá estou obeso mórbido Excluído num canto, o olhar, o julgamento, a roleta do ônibus Fora do padrão da sociedade flácida, sem neurônio Pra sociedade falta-me apenas vontade pra redução do peso O que dói não é a doença da obesidade mas o preconceito Covarde, com bulling, que machuca por dentro Prefiro meu peso, meu jeito, ao ser anencéfalo sem sentimento
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Quais investimentos em políticas de segurança alimentar Da 1ª a 8ª série só fritura, gordura, açúcar e o controle remoto pra trocar De canal... Durante a propaganda da guloseima divertida Brinde, embalagem colorida, tazomania, 1ª infância – milicalorias Pra onde ir agora? Senhores e Senhoras Grato pela atenção Markão: em sua melhor forma
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SUBTERFÚGIO Se sou um espelho Qual imagem devo Refletir Seus segredos Seus medos Ou o melhor de si? Calma Olho nos olhos Respire fundo Enxergue a alma Sua Suja Fuga Luta Que a imagem reflita Procura Se a imagem limita Fuja Não! Você é tão bela Que não é o espelho de uma tela Que dirá o contrário Não! Você é tão forte Que não é um horário nobre Que dirá o contrário 48
Enquanto o espelho Refletir utopias As imagens serão Alegrias Feche os olhos Imagine-se em frente ao espelho Responda pra si Quais são seus erros? Feche os olhos Imagine-se em frente ao espelho Responda pra si Vivo porque, pra que e por quem mesmo? Se vivo Qual imagem reflito? Aliás... Feche os olhos e responde pra mim Qual imagem devemos refletir? Pensa Nas crianças E seus sorrisos Na natureza e no nosso futuro Pensa Enquanto Respira este ar puro Responda Será que teremos natureza num futuro? 49
Feche os olhos e responde pra mim Qual imagem devemos refletir? Pensa Em sua mãe Acariciando a barriga Aguardando o primeiro filho Pensa Que este filho Reflete a imagem da mãe Em um asilo Sei É difícil Enquanto escrevo isto Meus filhos brincam A distância é a imagem que reflito?
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CUMPLICIDADE Falaram-me de mentiras Eu de verdades Falaram-me de intrigas Eu de amizade Falaram-me de tristezas Eu de alegria Falaram-me de solidão Eu de sua companhia Falaram-me de lágrimas Eu de sorrisos Falaram-me de riquezas Eu em espírito Falaram-me do rancor Eu do perdão Viraram-me a face Eu estendi a mão Falaram-me de pesadelos Eu estou sonhando Falaram-me “Eu odeio” Respondi “Eu te amo” Porque enquanto capitalizam a realidade Eu socializo meus sonhos. *
* Trecho de Sérgio Vaz 51
UTOPIA Queria ter o dobro de tempo metade dos problemas... ... e transformar vidas em poemas!
DERROTA Construção pra Copa, Construção pra Olimpíadas Estádio, vias Milhões em cédulas Mas nenhum investimento em nossos atletas!
Um ECA de vida. Sem creche Sem escola Pai tem que trabalhar e agora? Sem emprego Sem comida E a mesma criança? Chora
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DIPLOMA Felicidade imensa que me invade Mais um jovem de Samambaia na Universidade
MORFINA O sistema anestesia Vai Vendo... Pra teu silêncio você pode comprar Tênis, LCD em 36 meses Mas se não pode tem outro lote cesta básica pão e leite
VITÓRIA Mais que ver a seleção corrupta de Teixeira ganhar o Hexa prefiro minhas crianças ocupando bibliotecas
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TWI’CHE A revolução não será televisionada twitada sequer um scrap Ou mesmo trechos de uma letra de Rap Será Vida Viva e Vivida (e compartilhada)
POESIA PRA MAMÃE Mãe me desculpe, mas não serei o jovem concurseiro pra me tornar um profissional infeliz, somente por dinheiro
MUTAÇÃO Culpa compartilhada mutação irmão, água é vassoura Varre a folha do chão do palácio, mas não irriga a lavoura
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BURROS Tratamos como velho aquilo antigo sem valor É assim que chamamos nossas avós e avôs
INGRATIDÃO EM DOSES E a garoa cai junto à múmia que cai Sentindo o gosto do asfalto lembra-se da mãe dizendo: Filho já vai? Que Deus lhe proteja Ela acordada lendo a bíblia preocupada ele nas caixas com brêja...
SIM! Eu posso também ser feliz de meu jeito e não do seu Entendeu?
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EVOLUÇÃO? Eu lembro que: Quando criança inventava brincadeiras Por não ter condição de comprar brinquedo da estrela E hoje nossos filhos não andam nem de bicicleta Mas dominam como qualquer adulto as teclas
OÇAPSE Ocupar é diferente de encher espaço!
GLOBALIZAÇÃO DO PRECONCEITO Maquiam os preconceitos Aos negros dão estatos Papéis principais? É claro! Quando o título é da cor do pecado
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PROPAGANDA A embalagem pode até ser bonita mas a validade pode está vencida
Pel'USA' Ursinhos constantemente entregue a namoradas Na fauna brasileira não existem E mesmo assim não vejo pelúcias de araras
BONECA Sempre quis dizer onde o preconceito nasce a boneca não é preta criança penteia uma Barbie
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GLOBO hoje a festa é sua? A festa é nossa!
MACHISMO SEM VENDAS Quando for lutar contra o machismo não proteste postando fotos do Oriente Médio Basta olhar pra nosso Congresso *Há mais mulheres no parlamento árabe que no Brasileiro.
DERROTA – PARTE II Hoje TVs e DVDs dividem espaço Com os livros nas estantes Porém o controle remoto vem sendo Visto como mais importante!
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O DEUS Thor O rico, acha mesmo que é um deus Atropela, mata, ainda sai queimando pneus! Thor, o da ficção Tem poder a partir de um martelo na mão Thor, de nossa nação Tem poder a partir de um martelo... Da justiça a disposição Observação! Os deuses devem estar loucos... Aliás, são 'apenas' milionários!
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UMA BOA IDEIA? Mas eu vejo é claro as casas invadidas pelo álcool Os tapas Os gritos Abusos E sonhos arruinados E ao fundo? A fala de uma senhora entristecida Num álbum velho de fotografias Com lágrimas nos olhos Ajoelha, Faz jejum E diz: Pro meu casamento nunca convidei a 51
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A COLÔNIA O saber me é negado Desprezaram minha raiz Nas argolas do submundo me amarraram Fui esquecido pelo país Restou-me ler nos livros A história de um povo submisso Cabisbaixo e preguiçoso Uma colônia de conformismo Li que o invasor é o herói Que o natural da terra é selvagem Esta nação não foi erguida por nós Mas por coroas de coragem Que entravam mata adentro Bandeirantes, catequistas Encontravam minérios e frutos Mas estupravam as indígenas Esta parte não foi contada Pra muitos não existe Pois a educação foi comprada Por gravatas imundas da elite Puseram um quadro negro Depois trouxeram o giz Na senzala vejo cadeiras A cada sentar uma cicatriz 62
Mais que chibatadas e correntes A desigualdade muito me fere Ao saber que governadores e presidentes Em educação nada investem Pois o conhecimento não é de interesse Melhorias no ambiente da escola Predominaria nos gabinetes o medo Pois o jovem saberia em quem vota
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COMPOSTOS VERTIGINOSOS Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza Li isto num livro onde a capa É ilustrada por nossa bandeira Besteira, fantasia. Tal artigo de nada serve Disto estou convicto Pois vivencio O banditismo do GDF Mas é claro, os laços de amizade são mais fortes tarifa zero não! Pois o amigo empresário sentiria nos cofres Como pode? Constantes derrubadas de barracos Mas no alto do planalto permanecem intactas, Construções irregulares As margens do lago Cerrado devastado, especulação Erguem reinados com a construção Integram o estado com a eleição Terrenos destinados a outros fins Lógica macabra há negociação Que se abra, a licitação Propina revestida de doação À honesta campanha que enfim 64
Acolhem em palácios, emergentes Num gabinete repleto de parentes O criador e criatura desmascarados Herança ou malditos atos Praticados cotidianamente Que se prendam os culpados Respeitem o artigo Atendimento personalizado É barra pesada pra você meu amigo? Quem o escreveu o artigo sonhou demais Ou é ineficaz minha leitura A culpa? Provém de incapazes de governar uma república Incompetência ou proveito próprio? Escolha a alternativa Em uma escala de zero a dez Pontuação máxima atingida Números... Lembram-me de certa conta Que englobam a divisão e descartam a soma Desigualdade televisiva, Matemática racista Dois negros do Big Brother Casa dos Artistas
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Criminalizam o caráter Visualizando a roupa que visto Encontram a maneira mais fácil de ignorar meninas e meninos Privando-se da culpa e responsabilidade A cegueira social entrega-os as ruas e não aos lares A fome e o frio são vencidos aos maus olhos burga De um lado material escolar, de outro fuga Intitulados delinquentes Entregues ao vício Quem vende? Responsabilizando comerciantes Mas e os coniventes? Que se omitem perante as práticas corruptas e mandatos Que só assistem o próprio suicídio a prazo E somente quatro anos depois se lembram de cobrá-los Senão colocarem em risco seus cargos comissionados Eis a questão! Quem sabe faz a hora Sai muito caro Saúde e trabalho Nossa ambição e demora Caso sejamos iguais em uma natureza Que não sejamos animais selvagens Que aceitemos a beleza Da vida e não do capital sujo e covarde 66
Que o ensinamento individualista Seja apagado de nossos livros Que reine em nossas atitudes A vida, mas em coletivo!
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MARCHA FORA DOS PALCOS No país da ficha limpa é fácil esconder um crime Siga Luiz Estevão, compre um time Jaqueline e duas centenas de comparsas Sobrenome traz a vocação, quadrilha organizada O congresso é uma piada, mas ao contrário Os eleitores que carregam o nariz de palhaço Tornam-se pescador sem peixe na rede Graças à indústria da seca, a criança sente sede É o homem sem trabalho, um escravo para o burguês Na roça de cimento, vive sem sustento o camponês Desrespeitam as leis e estatutos A criança é espancada, o deficiente não tem estudo Me dói muito, visto-me de preto, porém luto Ao ver que o mundo é governado por pessoas sem escrúpulos Sem caráter, sem ética, só mentira Corrupção: Berço da dor, enterro da vida E por isso vai siga! Punhos ao alto Rap inflamável, marchando fora dos palcos Insurreição, ação libertária Respondendo violência com violência literária A cada parlamentar sequestrado, um direito adquirido Meu Rap declara: Forca aos políticos Pra nós, não basta somente o fim da corrupção Mas sim o capitalismo em extinção! 68
INIMIGO E SUAS ARMAS Como seres em Congresso entregam ao fruto do adultério Capa, nudez insensata? Aqui a traição leva ao sucesso Privilégio, do formando, estudou toda vida Pra tornar-se o jornalista que publica em revista o número de sapatos que possui a artista Se denuncia? Com certeza não é a criança de pé descalço Mas a falta da peça íntima de um astro já apagado Que só assim reluz, Com algo que a luz do Sol não toca E faz a nação que não tem sequer guarda roupa viciar-se na última moda E a moda de viola, o repente, catira e sertanejo? Foram transformados em brega. O chique é The book is the table
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“Morda a foca” o boto cor de rosa triste prática chuva ácida A patente é da Ásia, estatua da liberdade prende a Amazônia da pátria Culpa compartilhada, mutação, água é vassoura Varre a folha do chão do palácio, mas não irriga a lavoura Me responda esta nação em espasmos quanto Vale? _ Talvez o preço de privatizações irregulares Que segue desde sua invasão Terra que foi destinada a exploração E não colonização Exploração que persiste Não mais em busca pedras preciosas Pra quê cavar Se posso plantar eucalipto, soja? Contratar Meia dúzia de alienados Dar-lhes pólvora E ter jagunço armados
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Expulsar Torturar Enforcar Assassinar Verbos cotidianos Ă?ndios Negros Pobres Ativistas Alvos que miramos Alvos que somos!
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O FLORÃO Aqui apresento a Capital Sem maquiagem ou máscara Sua face é facilmente notada Em suas entradas O ar que se respira E a terra que pisa são divididaos por muralhas Conforto para as aves, Mas pau de arara aos burros de carga Gramas a mais Que desviam a rota do líquido dos bovinos Vão a outras terras e a outros intestinos E é isso que incomoda Reflexo feio no espelho d’água Excrementos no lago Lavadores de carro Pedintes da rodoviária Não se iluda com novo mundo Boa vida só discurso Venha se gostar do calor E belo aconchego de viadutos Sorte sua se conseguir Pois é grande o povo Cuja esperança fora desviada ao entorno
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Aqui as coisas são mais fáceis Caderno Uniforme Lápis Mas com a alta qualidade Aproxima-se um lado do cárcere Outro das grades E o maior IDH A propaganda anuncia sua verdade Mas será que as colocações batem? Eis o contraste! Para a alta classe: Película Monólogos Páginas Teclas Orçamento não garantido Para a vizinhança em que a enxada à mão caleja Constroem andares Piscinas, suítes Trocaram o pau a pique Por lona preta e madeirite Triste saber
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O sofrimento que deixou a caatinga O sertão, o nordeste Não esperou chegar aqui Passou por cada buraco das BR´s Isso é apenas um trecho Apenas um trecho... Da realidade que não acaba, nunca some Somente é escondida atrás de mentiras Palácios e pontes.
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Ei Oh pátria armada Estagnada Um berço hostil Inocente sensualidade Contraste infantojuvenil No Brasil Sem censura Sem vergonha Sem caráter Em close Televisores ensinam posições Em sessões à tarde Modernidade Infância com vestimentas adultas Normalidade Danças eróticas e crianças seminuas Como se não bastasse A triste gramática da vida Jovens ligados às palavras Crime, drogas e bebida
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Fotografia construída Da juventude que não se interessa Afoitos por uma pobre conversa Mas não pra uma palestra Desértica mentalidade Repleta de futilidade Pensa que é uma fase da vida Mas transforma a vida em fase Terminal! Vivem na Terra do nunca Nunca crescem Nunca amadurecem Ao mesmo tempo em que envelhecem Ei garoto Me responda o que é ser brega 14 anos em escola 14 anos em uma cela? Ei garota Me responda o que é ser brega 14 anos virgem 14 anos aidética?
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OUTRA CARREIRA ... Victória, filha de Esdras Daquelas com sobrenome difícil Desde o início, teve de tudo Mas preferiu outra carreira... Sumiu no mundo Escola faltava, pro pai não ligava Num Camaro amarelo dançava Convites, copos de uísque Camarotes Vips e baladas Vestido chique e caro, Sexo sem segurança Mas hoje tá aqui ó Em cima de uma cama ... Os olhos fechados que refletem o passado Um rosto enrugado que apresenta a tristeza e cansaço Doenças.... Várias dores no corpo Um leito com cheiro de fezes, urina e mofo Não lembra o passado formoso Sorrisos e flashes Baladas e beck Shopping e cash, Cartões e cheques
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Uma vida rica, desde a infância Castelo da Barbie, viagens... Disney, fim de semana Glamour! Roupas de marca, escola particular Num piso de mármore Da Vinci e Galois Mas o pai onde tá? A mãe onde tá? Criada por programas de TV e por babás Ironia! Babá cria a filha de um rico E na periferia Quem cuida de seus próprios filhos? Talvez por isto, é talvez A patricinha mimadinha siga suas próprias leis Aos dezesseis, gravidez, primeiro aborto Mas não é apenas um feto que surge em seu corpo Sente dor ao urinar Sem um pai pra conversar Sente vergonha de falar com a babá Que lhe foi mãe de leite Acalanto troca fraldas A mesma chamada de suja e negra-ladra
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Quando trocou a joia de debutante Por gramas de maconha na escola, com um boy traficante Mas nada é como antes No leito do hospital sente o fel Queria o café da manhã com o pai Mas lhe resta um coquetel Com quase trinta, aparenta o dobro Pele queimada, descabelada, na veia um soro Que lhe alimenta Já faz uns dias Enquanto enfrenta A Síndrome da imune deficiência adquirida Da Victória, filha rica? Nem a aparência A Victória enfrenta a derrota na crise de abstinência Nessas horas, nem dinheiro compra solução Fecha os olhos e se arrepende... Enquanto doente Sente o último pulsar... Do coração!
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GOTA DE UMA NUVEM NEGRA Lembro-me do cheiro que exalava a terra seca Ao ser tocada por uma gota de chuva Dos cantos dos pássaros que transmitiam Suas alegrias em forma de música Vi os animais correndo de um lado ao outro Juntos como se fosse dança Nos rachões do chão corriam rios que se encontravam E desaguavam no mar de minha esperança O azul belo e triste do céu foi tomado Por nuvens negras feitas pra chorar Como um passe de mágica, vi o cinza dá lugar ao verde A terra virar tapete e eu poder plantar Num instante vi o mandacaru florar E o avelós ter suas forças renovadas A cacimba foi bebendo e o lamento foi cessado Em meu telhado: bicas d’água O barro das paredes de minha morada foi se perfumando Como se fosse incenso Ajoelhado à imagem de Cristo menino Chorei sorrindo em pleno agradecimento
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Pela enxada enlameada Ao cultivar o roçado Pela cacimba com água Pra dar ao gado Pelo verde do umbuzeiro Pela rede e o candeeiro Um balancear entre afagos A lenha no quintal encharcada Não é motivo de lamentação Prefiro a lenha sem utilidade Do que tê-la e não ter feijão Meu teto num tem modernidade Um cheiro no cangote da veia à tarde Só um ‘radin’ de pilha é diversão Minha vida é simples, sou trabalhador brasileiro Pião com gibão tangendo garrote Chamado de home do campo, valente sertanejo Pião de boiadeiro, nordestino forte Minha geladeira é um pote de barro A água resfria, mas não gela Se a dispensa estiver vazia, sem prato Junto uns trocados e vou na bodega
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Escambo do norte. Eu troco a saca de milho Por farinha, sequilho, soda e manteiga Andando uma légua e logo eu avisto Que dia de domingo é dia de feira Engraçado como a chuva nos traz felicidade Minha parede tem imagem fazendo oração Mesmo na seca alegria me invade É a face da esperança e da fé no sertão Aqui me despeço em verso fazendo reza Pela prosa singela, milagre e beleza Pela vida do céu que traz vida a terra Obrigado pela gota de chuva daquela nuvem negra.
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A LATA Assim componho Entre utopias e cicatrizes Emocionado em cada estrofe Transformo verso em calibre Em prol de um povo livre! Não são notas bancárias São notas altas na escola E em provas universitárias Inspiro-me na favelada Que cata lata, alumínio Mais que alimento pra alma, Busca mudar destino Imposto pelo esgoto Que escorre a céu aberto Por olhar em seu bairro Não ter escola por perto Pra estudar? Mais de uma hora de condução Mas concentrada, vira as páginas do livro na mão Ler, Reler, Estuda, Questiona Hoje a favelada não empunha latas, Mas um diploma! 83
É luta! Não tem nada ver sorte É assim que se faz reintegração de posse! É ocupar! Não apenas preencher espaço É importante demais que nosso povo pleiteie cargos Pois é o boy que nunca pisou nesse chão Que vai atender em Clínica Particular após bater o cartão E nós, aqui: Há 10hs na fila da UPA Sem atendimento Pois não há seringa ou luva Então ocupa! Por direitos, por terra, por vida Então resista! Por um teto e moradia (É necessário) Reintegrar O povo, a classe, a nós Multiplicar: A força, a raiva, a voz Conquistar Justiça, a paz, o pão Vamos lá, Juntos e juntas, nesta construção!
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O AZUL DE UMA CANETA Conto Baseado na Musica Homônima de Markão Aborígine
O celular toca como despertador, diariamente, antes mesmo do sol despertar. As dificuldades eram as mesmas, ele estava feliz em mais um dia poder olhar sua esposa e beijar seu filho antes de sair para a rotina: procurar emprego para o sustento familiar. Uma parada na padaria e, fazendo cálculos, retirou do pouco dinheiro que tinha acumulado a sua passagem. O que sobrou deu apenas para comprar um mero café preto. O ‘’café da manhã’’ com sabor de sofrimento. ‘’ Que eu comesse pouco, meu Deus, mas que nunca falte à minha família’’. Café tomado, hora de começar a batalha. O importante é que ele encontre logo o emprego tão ansiado. Parada de ônibus lotada de outros guerreiros, cada um com seus objetivos, seus sonhos e suas historias de vida. Depois de muitas lutas perdidas, a esperança de um dia diferente. Ele voltaria para casa e contaria à mulher que conseguira um emprego, que na segunda já começaria, que não precisariam mais dormir pensando nas inúmeras contas atrasadas e, quem sabe, até daria para comprar uma bola que o filho tanto pedia... Queria ao menos ter uma certeza de mudança de vida a partir daquela oportunidade, mas confiante ele vai, apertado entre as pessoas, com o currículo na mão. Alguém haveria de gostar, e ele estaria disposto a tudo para poder superar aquela fase de azar. 86
Adormece, sonha com sua infância, saudades dos pais e da vida simples que levam. Com o dinheiro do novo emprego, conseguiria viajar para ver os parentes que ficaram no Nordeste, e os quais não via há mais de uma década. Estariam todos vivos? Todos bem? O sono acaba, mas a viagem não, a ‘’civilização’’ é longe de onde mora. Enfim o dia fica claro, e o destino é chegado. Olha para o prédio grande e pensa como o homem poderia construir algo deste tamanho. Não entende como o ser humano consegue ser tão supremo e tão medíocre, mas não fala nada,.somente.pensa. - Por favor, senhora, eu vim para a vaga de emprego que está no jornal. – Ela nem sequer olhou para ele, nem por um.segundo. - A identidade, por favor. – Depois de alguns minutos, disse que poderia entrar e aguardar a vez de ser chamado. Ao chegar à sala de espera, qual foi sua surpresa a identificar milhões de seres iguais a ele. Uns altos, outros baixos, alguns gordos, outros magros, mas todos com a mesma necessidade. Mas a fé em Deus era superior ao medo. Deviam ser vagas diferentes. Com o pouco estudo que tinha, não estariam concorrendo todos à mesma vaga. A hora já ia adiantada, sentia fome, mas tinha que suportar, não sabia a hora que comeria novamente, e nem o que seria. A sala estava ficando mais vazia. Logo o chamariam, ele estava disposto a prestar qualquer serviço e o salário que pagassem seria aceito. Não estava em condições de 87
exigir. Já fizera tanta coisa para o sustento familiar, que não se envergonhava do que lhe fosse ordenado. - Sinto muito, senhores, mas a vaga para serviços gerais já foi preenchida. Nunca poucas palavras pesaram tanto. Não pensava em outra coisa a não ser na feição de sua esposa ao chegar a casa sem ter conseguido emprego. Saiu pelas ruas sem destino, apenas com a esperança de ler em algum lugar: “precisa-se de ajudante”. O sol quente lhe fazia sentir cansado. Quando se viu em frente a um restaurante, pensou que não lhe negariam um prato de comida, caso pedisse. Caso dessem poderia levar um pouco para casa, será que o filho já havia comido? - Senhor, desde ontem que não como. Poderia me pagar um prato de comida. – Como estava errado. Não só não lhe deram comida, nem resposta lhe deram. Entendeu a resposta. Aquele senhor bem vestido saindo daquele carro bonito não poderia lhe negar. “Ele deve ganhar muito bem”, pensou. Mas a resposta não foi diferente. Nada de comida. “Qual o problema das pessoas. Será que elas pensam que não é dever delas ajudar o próximo. Elas devem achar que eu peço porque gosto, porque quero”. Melhor oferecer trabalho por comida. O dono do restaurante ficou com pena, mas empresário é empresário. Ele não poderia dar esse exemplo, o que as 88
pessoas iriam pensar? Não poderia dar comida a ele, por mais que lhe partisse o coração ver alguém com fome, e saber que um terço do que está nas mesas não vai ser comido. Saiu de lá triste, ainda caminhou um pouco, pensando nas possibilidades. Mas elas não eram muitas. Encontrou uma senhora numa lanchonete, que enfim lhe pagou um lanche. A fome passara, ao menos é no que ele queria acreditar. Não poderia ficar pensando em comida, não na situação na qual se encontrava. O dia passou, assim como as suas oportunidades. Na verdade não vira nenhuma. Para a maioria das pessoas ele era apenas um “preto” que não tinha trabalho e nem nada para oferecer. Mas como ele ofereceria algo, se nunca lhe davam a oportunidade? Era difícil entender as pessoas, elas eram sempre muito estranhas para ele. Melhor voltar para casa. A mulher haveria de entender que não fora um bom dia. Mas amanhã seria melhor. Ainda esta noite conseguiria o dinheiro da passagem de amanhã e as coisas se ajeitariam. O ônibus para a cidade em que mora só passa até às 18h, não tinha ideia de que horas eram, mas devia ser tarde. 18h20.” Deve passar atrasado hoje, vou esperar”. Após as 19h ele cansara de esperar, só amanhã cedo passaria outro. Precisava de um lugar seguro para passar a noite. Mas onde? Lembrou que a três quadras passara por uma construção, um prédio abandonado, com certeza ninguém se 89
incomodaria se ele passasse algumas horas ali, fora do perigo noturno. Logo iria amanhecer ele sabia disso. Ali sentado, enrolado em si mesmo, de cabeça baixa, um casal prende a sua atenção. Além deles, mais ninguém na rua. É quando começa a sonhar acordado, se levantando, armado, levando tudo que o casal possuía, agredindo, verbalmente e fisicamente. Um barulho o faz acordar de seu transe e sentir medo e nojo por esse pensamento. Estavam começando os seus momentos de descontrole. Como poderia? O que estava acontecendo? Será que o desespero era tão grande ao ponto de começar a pensar em roubo? E batendo em seu próprio peito fixou na sua mente que jamais passaria esse pensamento de novo na sua cabeça e junto a isso a lembrança de seu pai, seu grande conselheiro. Não conseguiu dormir a madrugada inteira, na sua cabeça somente a imagem da sua mulher e do seu filho. O que sua esposa estaria pensando agora? Não tendo como ligar pra ela, ficava difícil dizer que estava bem. Lembrou que havia em sua carteira, um cartão com poucas ligações. Qual foi sua surpresa quando viu que tinha perdido sua carteira, salvando seus documentos que estavam junto ao seu currículo já amassado. Sem cartão telefônico, pior, sem como voltar pra casa. Já que estava ali mesmo, não tinha outra escolha, o jeito era tentar mais uma vez. Fome, cansaço, sono, falta de fé, a mente cansada já fazia ouvir e ver coisas. Confundiu um garoto com seu filho, 90
ouviu alguém chamar seu nome, a visão embaçava, precisava comer e descansar. Com o corpo no seu limite, o jeito foi tentar pedir a alguém alguns trocados: -- Senhor, eu lhe imploro, preciso de comer. Estou cansado. Perdi o dinheiro da minha passagem. Estou aqui à procura de emprego. -- Você acha que eu não escuto isso todo dia? Pessoas como você sempre vem com essa desculpa. Sai fora vagabundo! Acha que vou patrocinar teu crack e tua maconha, é? -- Senhor, eu sou pai de família, eu trabalho. Ajude-me! -- Escute aqui seu preto. Eu não vou ajudar você em nada! Seu maconheiro! E você sai daqui, antes que eu chame a policia! Desolado e julgado, sentou em um lugar qualquer. Um senhor, com seus cinquenta e poucos anos, sujo e com barba e cabelos por fazer, sentou-se ao seu lado. -- O que o senhor quer? Não tenho nada. - Disse sem saber o que o senhor queria com ele. -- Eu percebi. Vim aqui perguntar. O que você esta fazendo aqui? -- Sai da minha cidade para procurar emprego e já estou aqui no meu segundo dia. Sem dinheiro, sem comida, sem emprego. Nada! Não tenho absolutamente nada!
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-- Você se parece muito comigo, meu filho. Só tenho uma coisa a dizer pra você: vá embora enquanto tem tempo! Aqui não tem nada pra você. Cheguei aqui com quinze anos de idade, fugido de casa. Humilhava minha mãe e todos os meus irmãos. Vim procurando trabalho e ninguém me empregou. O pouco dinheiro que tive foi pra me alimentar. Morava na rua mesmo! Até que um dia para dormir na rua, com o frio que era muito, comecei a ficar bêbado para conseguir dormir. Ai acabei aqui, mendigo, pedindo para sustentar o vício e de vez em quando tentar comer algo. Vá embora meu filho. Você é novo. Volte pra sua cidadezinha, peça ajuda aos seus pais se puder. Eu, por orgulho, nunca fui atrás de minha mãe e meus irmãos. Vá! O Sonho romântico aqui já acabou faz tempo. Agradecido pela conversa, mas não totalmente convencido, foi em todos os lugares onde houvesse uma porta aberta, um porteiro, pessoas na frente. Estava tão convencido que acharia algo, que esqueceu fome, cansaço e procurou incansavelmente. O resultado seria mais um dia de batalha perdido. O sol estava se pondo. Tentou mais uma vez pedir dinheiro para ver se pelo menos conseguia voltar pra casa. Sem sucesso... Como não sabia notícias do marido há dois dias, Maria e a criança resolveram sair pela vizinhança para perguntar se alguém o vira. Ela não tinha noção do que poderia ter acontecido. Em uma das visitas, o filho brincava no chão da sala, enquanto a televisão noticiava a morte de um homem numa construção abandonada. A vítima havia sido espancada e incendiada por alguns vândalos ainda 92
não identificados. O repórter falava de maneira rápida a informação, que só chegou até Maria quando ela ouviu o nome do marido e a foto que havia em seu único documento encontrado: a carteira de trabalho. - Mãe, olha o papai na TV! Nesta semana os jornais venderam e faturaram com a história da família, diferente dos mesmos, pois sequer pensão restou para os filhos, pois a Carteira de Trabalho dele, não tinha assinatura de um contratante, apenas o relato de quem usou a mesma como Diário. A esposa não teve acesso, mas semanas depois viu novamente o rosto de seu companheiro estampando a capa de uma grande Revista com os dizeres “O azul de uma caneta – as últimas horas de vida de um desempregado brasileiro”. O Seu Joaquim da Banca reconheceu a jovem Maria e bastante emocionado lhe presenteou com a revista. A matéria principal expõe: “Brasília Capital da Esperança 20 de abril de um ano qualquer Acordo bem cedo, missão encontrar emprego Ônibus lotado, mal alimentado, vários do mesmo jeito Olhares em que só vejo insegurança O corpo de pé, mas adormecida a esperança 93
Pela janela noto boas condições, privilégios Contando moedas para o meu retorno ao inferno Nessa curta viagem vejo dois mundos Onde sou um degrau a ser pisado na escada do futuro Sirvo pra servir, do básico ao acabamento. Barrado na entrada, porta fechada, suspeito, elemento Minhas mãos calejadas deram o nó em muitas gravatas O suor de meu rosto ainda limpa suas privadas A procura de mais uma chance... Aqui estou Chegou minha parada minha jornada começou Avenidas, endereços, entrevistas, imploro Dou meu sangue por um subemprego, por favor, vem logo. Currículo não tenho, mas me empenho palavra de homem Minha agonia se soma a de todos os meus clones. Nunca, nunca, nunca posso desistir Por minha família eu não desisto O que será de minha esposa? O que será de meu filho? Bater de porta em porta e o que vier aceito Lavador de chão, peão, servente, pedreiro Aceito o que tiver de braços abertos Só pra ver meu filho com um caderno
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Não ei de me render, pois meu Senhor és forte Um centavo honesto é um milhão perante o ouro do revolver Mesmo que do lixo tire meu sustento Da sobra do restaurante meu alimento O dinheiro é necessário pro comer, pro vestuário Me contento com diárias, mas meu sonho é um salário E na carteira de trabalho ver o azul de uma caneta Hoje não realizado! No céu estrelas Que iluminam meu desgosto, meu entristecer Juntamente a uma pergunta: Emprego algum por quê? Talvez porque o segundo grau não tenha completado Ou pelo endereço do meu lar, do meu bairro Entre o endereço de firmas perdi meu vale transporte Dormi fora de casa não pode Se eu pedir eu sei que alguém vai me ajudar “Sai fora vagabundo tu quer é si drogar” Nunca, nunca, nunca posso desistir Por minha família eu não desisto O que será de minha esposa? O que será de meu filho? Achei uma cobertura vou deitar, tenta dormir Espero que ninguém venha se divertir Minha carteira de trabalho em branco vira um diário Onde a caneta azul escreve o triste fato
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Mais um dia cansado, sem emprego Portas se fechando, o caminho mais estreito Escutando insultos, vítima do preconceito “Não contrato bandido, não contrato preto” Pros homens um suspeito, humilhado pela madame Soco, sangue, e como se não fosse o bastante. Sem emprego, sem experiência Será que acordar com consciência? E ver minha família sem um salário Ou será que esta noite morrerei queimado? Nunca, nunca, nunca posso desistir Por minha família eu não desisto O que será de minha esposa? O que será de meu filho? Não posso desistir Vou ter que prosseguir Pois a caminhada é árdua na nação É triste meu irmão Ver meu filho sem um pão Mas se hoje eu não consigo amanhã eu vou atrás Meu filho não vai mais chorar Minha mulher vai se alegrar Uma vida boa eu vou lhes dar
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E tirarei as amarguras O sofrimento, a dor sem cura E lhes trarei tudo de bom eu sei Derrotado nunca serei!
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O HIP HOP EM MIM Leitura sobre a origem contextual dos elementos da Cultura Hip Hop
Este artigo trata-se de uma leitura e vivência da prática e transformação revolucionária que o Hip Hop pode causar. Quando cito revolucionária, dialogo com a presença, pois o mesmo socializa e garante direito a fala, sonho e autoestima, pois num contexto individualista a presença é insurgência, o questionamento é insurgência. E neste sentido o texto transcorrerá, questionamentos e insurgência. Sempre ouvimos falar que o Hip Hop nasceo nos Estados Unidos da América e isto vem sendo empurrado “goela abaixo” cada vez que há uma aparição de indivíduos ou individuas na mídia corporativa, sempre exaltando a década de 70 daquele país. É uma inverdade histórica? Sim e não. É importante entendermos que a exemplo do sertanejo universitário a burguesia/capital sempre tenta se apoderar da fala e cultura do povo para entretê-lo enquanto o explora. Quantos e quantas de nós já não ouvimos falar que ‘Garota de Ipanema’ é a música mais ouvida no mundo? Agora me responda quantas vezes você já ouviu tal canção nas periferias brasileiras? Aqui em Samambaia, na Estrutural ou no Pinheirinho? Historicamente a Bossa Nova é elitista, branca, tão logo é nossa melhor música? Tão logo representa a diversidade brasileira? Não julgo aqui o mérito da vertente musical, que é brasileira, rica e linda, questiono a apropriação e multiplicação desta verdade pela burguesia, pois ao 98
tempo que a garota de Ipanema, mulher com beleza estereotipada e padronizada, desfila em área nobre de um estado tão plural, mulheres frutas deste mesmo estado são tidas como vadias e pornográficas. Isto é o mesmo fio condutor que traz os Estados Unidos como berço da Cultura Hip Hop, ou seja, uma manifestação cultural, social e política da juventude – em maioria – negra, pobre e periférica com certeza nasceu no país ou nação mais evoluída do mundo, para não dizer imperialista e genocida. Entendendo isto como dominação ideológica, partimos para uma análise da origem histórica dos elementos da cultura Hip Hop, nossa dança, nossa música e nossa arte. Esta mesma dominação ideológica cita que o Rap, como por exemplo, surgiu como entretenimento e hoje é plausível a existência de músicas que atuem apenas desta forma e frases como “militar o que?” tornam-se coerentes e cada vez mais presentes. A existência hoje de um Rap ostentação, por mais que isto não seja consenso ou discutido parte desta mesma dominação ideológica, parte do processo de alienação histórica, através da mídia burguesa, educação bancária e todo contexto social que a juventude encontra-se incluída. O Rap ostentação é reflexo do consumismo, materialismo e individualismo pregado pelo Capital. Como percebem dialogaremos com o ou a MC [maestrina ou mestre de cerimônia] que desenvolvem junto aos e as Dj’s [do inglês disk jockey] nossa música: O Rap. Mas antes de entrar no que este texto propõe, cito que não 99
sou sociólogo, bem como historiador, assim este texto não trata-se de um texto ou verdade cientifica, mas uma leitura e mais que isto um diálogo, não apenas sobre o Hip Hop em mim, mas o Hip Hop em nós. O Rap tem como berço a Jamaica, uma ilha menor que o estado do Sergipe, com quantidade populacional semelhante a do Distrito Federal. A Jamaica, a reflexo do continente americano fora invadida por navegações europeias e por séculos alimentou a escravidão, tornando-se grande exportadora de açúcar, bem como sua população aborígine, os aruaques foram exterminados. Em 1670 a partir de um tratado, a Espanha reconheceu a Inglaterra como soberana da ilha, passando a Inglaterra a controlar a escravidão, tornando-se um dos maiores centros de tráfico negreiro para a América do sul, e uma economia fortalecendo-se na produção de cacau e cana de açúcar. Com a “pressão” para se extinguir a prática da escravidão, num contexto mundial, sobretudo com a proibição do tráfico negreiro e posteriormente a abolição da escravatura na ilha, que ocorreu dentre 1833/1838, ou seja 50 anos antes do mesmo ocorrer no Brasil, a economia, pautada em exploração entrou em crise. Sem a mão de obra escrava surge alto custo na produção resultando em grande decadência econômica. Assim, a partir de enfrentamentos negros e negras escravizadas, 100
que também se organizavam e lutavam por liberdade, enfim conquistaram em a abolição da escravatura. Já no século 20, o povo jamaicano passa a lutar por independência, pois ainda era considerada colônia inglesa. É importante resgatar esta história para compreendermos as lutas, o contexto e as pessoas que atuaram e possibilitaram o surgimento do Rap. Neste contexto de luta por soberania/dominação inglesa o Rap surge, mas é importante ressaltar o grande valor que as músicas populares jamaicanas carregam. Basta olharmos para o Ska, Reggae, etc. e o conteúdo das letras. Ao ouvirmos Prince Buster, nos deparamos com músicas alegres, mas também identificamos conteúdos políticos, discursos e protesto, como por exemplo, em e Judge Dread, onde num aparente diálogo com o europeu opressor diz: “Vocês roubam as escolas das crianças... casa das pessoas. Você atirou em pessoas negras”. Na década de 50 há a febre dos Sound Systems [sistemas de som], sobretudo nas regiões mais pobres, onde as pessoas não tinha acesso à rádio, como por exemplo. Paredões de caixa de som, DJ’s e Toaster’s [toasting] passam a animar as pessoas em festas populares. Toaster era um adjetivo utilizado para o mestre de cerimônia do Sound System. Aí nascem nossos e nossas MC’s. Diferente a narrativa que diz que tais MC’s apenas anunciavam atrações da festa ou animavam o público, durante um intervalo da música onde não havia vocalistas, os Toaster’s falavam sobre violência e miséria, 101
bem como sobre a independência conquistada apenas em 1958.
jamaicana,
PONTO 1. Ao olharmos para isto identificamos que num primeiro momento a forma de se cantar [canto falado] Rap surgiu num contexto de dominação de uma nação contra outra, onde se protestavam contra isto e todas consequências causadas por esta mesma dominação, utilizando o microfone para tal. PONTO 2. Neste mesmo contexto temos a presença dos Deejays, elemento fundamental da cultura Hip Hop, propiciando ao povo mais pobre acesso e entretenimento. Ou seja, a nossa musica surge num movimento de descentralização, acesso e luta por independência. O Rap dialoga com o repente, com o griô africano, com os Ilíadas. É o uso oral para transmitir informações, cultura a outros povos, a outros tempos. Ritmo e poesia [rhytm and poetry] que entretém e proporciona consciência critica. Partindo desta tradução que resulta na palavra Rap, desembarcamos enfim nos Estados Unidos e nos aproximamos de um adolescente apelidado de Hércules, por sua estatura e consciência acima da média para sua idade. Hércules em inglês é Herc. Sim, estamos falando de DJ Kool Herc. Herc nasceu na Jamaica em 1955 mudando-se para os Estados Unidos em 1967, aos 12 anos de idade. Já na adolescência entra em uma Crew de grafite onde pela primeira vez assina Kool Herc. Nasceu e cresceu na terra dos Sound System, ouvindo e assistindo os Toster’s e como toda criança passa a imitar as músicas. Convence o 102
pai a comprar um par de toca-discos e começa a apresentar-se em festas escolares. Com o amadurecimento, estudo e crescimento artístico passa a inserir esse canto falado em suas apresentações, além de popularizar o uso do loop de trechos com apenas instrumentais das músicas, sobretudo funk, tais loops serviram de modelo para a criação de nossa música. Outros contemporâneos a Herc como GrandMaster Flash e Afrika Bambataa tem papéis importantíssimos no Hip Hop, seja na criação do Scratch – técnica usada por DJ’s onde “arranham” vinis com fins a criar sonoridade, seja no batismo à Cultura, unindo seus 04 elementos originais e pautando a organização do movimento, criando a Zulu Nation. Não irei me ater no que é de conhecimento geral e as especificidades da época, mas destaco alguns pontos. Primeiro quão simbólico é o fato de um ADOLESCENTE levar a prática do toasting aos Estados Unidos, demonstrando que a música e cultura são ferramentas imprescindíveis de protagonismo e inclusão. Segundo o simbolismo por traz de Scratch. Quando Herc, diga-se o Rap desembarcou nos Estados Unidos encontrou ali um ambiente de luta por direitos civis e direitos dos negros, luta por superação do preconceito histórico na nação. Em 1966 surgiu o Partido dos Panteras Negras no sentido de organização da comunidade e proteção aos negros e negras vítimas de extrema violência policial, além de inúmeras pautas como moradia decente e educação. 103
Os Black Panther’s foram fundados a partir da leitura que após escravidão os negros e negras nunca foram detentores e detentoras de liberdade e que, ao contrário, houve crescimento de uma oposição branca emergida através da Klu Klux Klan, e da própria política burguesa [presidência e parlamento] que perpetuavam o racismo. Linchamentos públicos, incêndios, enforcamentos, estupro a mulheres e homens negros eram cotidianos, sem a efetiva investigação policial, sem condenações. Havia proibição ao voto, ao trabalho e o livre acesso a ambientes públicos. O caso de Rosa Parks é bastante simbólico, pois traz no ato de não levantar-se de um banco de ônibus, cedendo lugar ao homem e mulher branca, a desobediência e resistência popular como fundamentais num processo revolucionário. Antes do surgimento do Black Panther’s outras inúmeras lutas foram travadas, importantes organizações foram criadas, surgiram líderes como Martin Luther King Jr. e Malcom X. No ano em que Kool Herc chega ao país haviam mais de 100 rebeliões negras por todo o país. PONTO 1. O discurso político do Rap, o protesto, a consciência crítica, a denuncia das mazelas sociais e humanas e a auto estima do povo pobre e negro tem como berço este contexto. Quando o toasting chega aos E.U.A é este ambiente de luta e organização do povo que encontra, tão logo o início da música é marcada assim. No exposto, nossa música Rap nasce da luta do povo explorado pelo grande Capital, nasce da luta por liberdade, por igualdade e equidade. Quando olhamos 104
para o primeiro Rap gravado no Brasil, o Melô do Tagarela de 1980, falamos de um contexto onde o pais encontra-se sob ditadura militar. No mesmo período em que o Rap é alimentado e desenvolvido nos E.U.A o Brasil passa por um período de suspensão/cassação dos direitos, da liberdade de expressão, do abuso e da tortura, financiada por este mesmo país. Com a globalização da mídia corporativa nas décadas de 70 e 80, sobretudo com a TV a população brasileira passa a ser bombardeada por costumes e produtos americanizados que incluíam em seus comercias o Breaking, por exemplo, não por interesse na cultura, mas numa tentativa de cooptação desta juventude negra e periférica que já se organizava. Qualquer semelhança com a mídia brasileira e as relações atuais com o Rap brasileiro não é coincidência. Voltando ao tema, na década de 70 as manifestações da juventude periférica e negra eram totalmente reprimidas pela Polícia Militar. Rodas de Breaking eram proibidas, dançarinos eram espancados, bailes black’s eram invadidos. A história de luta é contada apenas a partir da ótica de jovens de classe média ou universitários burgueses que lutaram contra a ditadura, a periferia é excluída de qualquer citação, como método de eugenia. Neste ambiente é impossível afirmar que o Rap no Brasil surgiu como entretenimento ou descontração. O próprio Melô do Tagarela [Miele – 1980] diz: 105
“A praça é do povo, que ouve de novo / Na face política, a frase tão crítica / E o MDB? Terminou, é Arena [...] Continua a coisa preta ,tanta sigla, tanta letra que o povo esperançoso que só quer voto direto vai vivendo de teimoso e continua analfabeto.” É fato afirmar que o Rap brasileiro e a cultura Hip Hop surgiu no país como meio de organização da juventude, por mais que não houvesse tal planejamento. E isto se fortaleceu após as repressões policiais. Um ótimo material que acrescenta elementos ao debate é um documentário produzindo pelo grupo Racionais MC’s disponível nos extras do DVD ‘Mil trutas, mil tretas’, também disponibilizado na internet, onde narra a história e importância dos Bailes Black’s, sobretudo nas periferias paulistas. Eu poderia aqui escrever muito mais, sobre os primeiros álbuns e músicas lançadas desde o Melo do Tagarela, passando por Pepeu e Mike, Vila Box, quando não chamavam de Rap, mas de “Música Break”, Black Juniors e as famosas coletâneas “A ousadia do Rap” e “Hip Hop Cultura de Rua”, Thaíde e DJ Hum, e tantos LP’s das equipes de Som, mas vou partilhar trechos de um Rap gravado em 1989, ‘Tributo ao governo’. “Tú não faz nada, vai fica parado? / A sua acomodação me deixa revoltado / Ele não quer saber da nossa situação / Já não liga para o povo que não come nem mais pão / Nos juntos talvez podemos resolver/ Com força e união tirar 106
eles do poder / Vão saber de quem estou falando / Não me olhe com essa cara, não me fique me perguntando / Eles juntos não sabem governar / Não aguento mais isto tem que mudar [...] Eu sozinho nada posso fazer / A luta é difícil eu preciso de você / Tu agora não vai me abandonar / Você também está sofrendo e tem que lutar /Ele fica rico com nossa pobreza / E nem se manca mais que tristeza / Nós com fome estamos ficando / Pois os preços todos dias estão aumentando [...]” Que riqueza esta música nos traz. Antes de refletir sobre a mesma e a conjuntura política no Brasil, cito que escolher um grupo do Distrito Federal foi uma escolha política, pois a leitura que se faz é que o Hip Hop chega ao Brasil através do Eixo Rio-São Paulo reforçando tal centralismo. O Hip Hop chega ao Brasil em um todo, desde 82 haviam dançarinos no Distrito Federal e em estados nordestinos, o próprio Nelson Triunfo teve seu primeiro grupo enquanto morava no Distrito Federal. Retornando a canção do Baseado nas Ruas, grupo pioneiro o Rap Brasiliense e brasileiro, escrita em 1989, ano de eleições e num contexto em que o país passava por momento de instabilidade econômica e política decorrente de duas décadas de ditadura e falso desenvolvimento. Em 1989 houve as primeiras eleições diretas após este período, tendo como “principais” personagens o Fernando Collor que mais a frente seria alvo de impecheament e Luís Inácio Lula da Silva. 107
No início deste artigo citei que esta reflexão, não se trata de um texto científico é muito mais que isto, é um diálogo, não apenas sobre o Hip Hop em mim, mas o Hip Hop em nós. E o Hip Hop agrega tamanha riqueza e diversidade. Já citamos acima a origem do Rap passando pelo DJ e MC, como já pincelamos algo sobre o Breaking no Brasil. E falando sobre nossa dança, destaco alguns pontos interessantes que me fizeram e me fazem apaixonar-me diariamente por seus passos e manobras. Hoje o Hip Hop, além do Breaking, Locking e Popping, possui inúmeras outras vertentes da dança, como o freestyle, krumping, dentre outros. Assim eu defendo o termo Dança de Rua como elemento da cultura Hip Hop, diferente a artigos que referem-se ao termo B.Boy como tal. E muitos defendem isto com grande energia, omitindo até a presença de B.girls. O termo dança de rua dialoga com sua origem. Sabemos, por exemplo, que o Breaking traz em si inúmeros elementos como Capoeira de Angola, artes marciais, ballet, ginástica olímpica dentre outros – e é mais um elemento que não nasce propriamente no E.U.A, e sim nesta construção diversa, complexa e mundial. Em 1929 houve a tão estudada por nós nos livros de história, Grande depressão mundial. Crise econômica no mundo capitalista que causou alto número de
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desemprego, quedas na produção mundial e do PIB. A mesma chegou ao fim após a 2ª Guerra Mundial e quando olhamos para a história vimos que o Capitalismo sempre enfrenta suas crises arremessando bombas sobre alguma outra nação, aliás, a fabricação e comercialização armamentista geram bons lucros. Voltando à dança, com crise econômica instaurada e atingindo todos os ramos inclusive artísticos e de lazer, boates e bares têm suas portas fechadas, tão logo demitem seus dançarinos e dançarinas. Nos E.U.A eram conhecidos como Tap Dancer’s. E numa resposta ao desemprego passam a dançar na rua em troca de gorjetas. Quão simbólico é isto. A expressão Street Dance ou Dança de rua surge a partir de um ato de resistência. A dança no Hip Hop surge a partir da luta contra o desemprego, e mais uma vez nos deparamos com a bagagem histórica e possibilidades históricas que podem ser trabalhadas a partir do Hip Hop em sala de aula, por exemplo. Talvez discutir com estudantes crise econômica não seja tão chato daqui pra frente. Abrindo um parêntese é importantíssimo que nossas periferias e nosso povo tenha consciência sobre a Economia, pois é a partir das falas não compreendidas de Miriam Leitão que dominam nosso povo. É a partir de um Superávit primário, tão comentado, ouvido, mas não compreendido que o Capitalismo age e gera miséria.
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A partir, então, desta luta contra o desemprego a dança vem sendo acrescida de inúmeros elementos já citados, que passaram pelo Soul e pelo Funk, pela energia e até mesmo a sensualidade destes passos. Chegando a década de 60, jovens dançarinos e dançarinas eram levados para o Vietnã, para combater um movimento comunista que ganhava e disputava poder no país. Sem querer prolongar a discussão, sendo que esta é extremamente necessária e quando este texto estiver sendo lido ou debatido em quaisquer esferas, peço que o façam, é importante salientar que os valores comunistas perpassam na reforma agrária e divisão de riqueza – sendo simplista, e assim, vemos quão sanguinário o Capitalismo é a ponto de gerar guerras contra quem pensa diferente. Nesta mesma década os E.U.A não pouparam esforços e financiaram inúmeras ditaduras na América Latina, incluindo o Brasil e no restante do mundo. Em nosso país, João Goulart, então presidente, tinha como plataforma de governo a Reforma Agrária dentre outros projetos progressistas, tão logo uma ameaça à burguesia e ao capitalismo, sendo logo instaurada a Ditadura Militar. Jango anos depois “morreu” misteriosamente em exílio. Identificando estas ações opressoras de seu país, a juventude estadunidense passa a protestar de diversas formas e inclusive através da dança. Agregando ao Funk uma manobra da ginástica olímpica, depois batizada de moinho de vento, um movimento onde os dançarinos e dançarinas rodopiam no chão com as pernas arremessadas ao ar, protestam contra a Guerra do Vietnã, sendo que tal movimento simboliza as hélices dos 110
helicópteros que levavam a juventude para uma Guerra que sequer entendiam. DESTAQUE: Nossa dança surge num primeiro contexto de luta contra o desemprego. Diferente a outras, agrega valor a sua forma mesclando elementos diversos e isto resulta em protesto. Este elemento da cultura Hip Hop carrega em si a resistência do povo. E a resistência também é presença em nosso Grafite. Certa vez, durante palestra uma criança me perguntou o porque de ser Grafite se não era feito com lapiseira (risos). Mas aquilo me fez pesquisar um pouco mais sobre a arte. Lamento, pois hoje isto vem se perdendo. Eu lembro que quando iniciei meus primeiros passos no Rap, não havia uma cartilha obrigando, mas sim uma cultura que dizia que devíamos pesquisar a cultura Hip Hop, conhecer seus elementos, conhecer seus fundamentos. Hoje vejo tantos MC’s e personagens sem conhecimento algum, que apenas soltam rimas descomprometidas. E foi a partir da fala daquele garoto que eu quis mais, talvez esta inocência resultou neste texto e agora reflito, que este livro só foi possível porque eu quando criança, também questionava muito minhas professoras, na quarta série minhas redações eram as melhores, até que uma professora me apresentou a poesia e hoje estamos aqui conversando através do “Sem rosto, família ou nome”. 111
Pesquisando sobre o grafite vi que a palavra deriva do latim ‘grafito’ ou seja, escrita em rochas com carvão. Ao pensarmos nisto, nos remetemos a épocas onde desenhávamos em paredes de cavernas as formas como caçávamos e como vivíamos. Parece loucura imaginar isto, mas o grafite tem este mesmo significado e motivo: transmitir uma mensagem, um costume. E como não poderia deixar de dizer, o grafite não nasce nos Estados Unidos é uma contribuição mundial. Já no início do século XX havia indivíduos e movimentos que lutam no México pelo de direito de arte na rua, onde faziam pinturas nas paredes das casas. Em nosso país o grande Di Cavalcante pintava muros de até 15 metros na década de 50. A partir dos anos 60/70 o uso do Spray tornou-se presente em diversas manifestações, na França e no Brasil. Quem de nós nunca viu a foto com um jovem escrevendo “Abaixo a ditadura”? Tudo isto contribuiu para a criação deste grafite contemporâneo. Sabemos e louvo aqui a importância do Bronx e Brooklyn para o desenvolvimento da Cultura Hip Hop em todo mundo, pois sendo estes bairros localizados em Nova York, no maior país capitalista do mundo, serviam de reflexo para outras nações. Finalizando a leitura destaco que o grafite possibilitou e possibilita o acesso à arte de gerações inteiras que foram proibidas de entrar em teatros, em museus ou salas de 112
arte. Possibilitou a utilização de um instrumento antes criado para pinturas/pequenos reparos automobilísticos como ferramenta de arte contemporânea, como ferramenta de acessibilidade a arte e liberdade de expressão. Que importância isto tem pra nós? Nosso Grafite surge num contexto de multiplicação escrita e artística de saberes, e nos primórdios sistematizando a forma como vivíamos, fazendo memória a nossa história de vida. Milhares de anos a frente, estamos lutando por direito à arte na rua, e mais a frente protestando contra ditaduras e possibilitando acesso a arte, transformando ruas em galerias. E esta é a força do Hip Hop! Nos move. Na rede pública de ensino fiquei do ensino fundamental ao médio tentando aprender o verbo to be, numa tentativa de aprendizagem do inglês, que era desastrosa, pois não havia e não há materiais pedagógicos necessários. Digo isto, pois nossa cultura fora batizada com dois verbos desta língua, To hip e To hop, ou seja, saltar, pular ou mexer o quadril. E isto não tem nada haver com rebolados ou danças. Quando nos rebelamos, quando enfrentamos a opressão, quando nos levantamos, nós mechemos o quadril. E fica o convite, após ler este artigo ou livro, que não fiquemos mais parados. Que nossa história de vida e arte seja 113
sistematizada cotidianamente, senão escreverão por nós e “Garota de Ipanema” ainda será a música mais ouvida no mundo. Podemos sim em nossa cultura ter diversas expressões, mas a classe é apenas uma, a trabalhadora.
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