Hip Hop em Mim VOL. 2

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1ª EDIÇÃO SAMAMBAIA, DISTRITO FEDERAL MARKÃO ABORÍGINE –

2017


HIP HOP EM MIM Diálogo sobre a origem sociopolítica dos elementos da cultura Hip Hop Publicação – Editora Poesia em Coletivo Apoio – Manifesto Marginal e Resistance Design Revisão – Erick Pitt Arte e capa – Peterson resistancedesign.com@gmail.com Diagramação – Dnego | Manifesto Marginal


Esse livro segue as regras da ABNT ARTE BAIRRISTA, NUA E TRANSGRESSORA


Dedicado a meus filhos Marcus e Carlos principais alicerces de minha utopia


Dedicado a todos os grupos e artistas que construĂ­ram o Hip Hop em Samambaia, minha cidade.


Minha poesia não visa direitos autorais, visa garantir direitos. MARKÃO ABORÍGINE

Qualquer parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida em todos meios existentes, citando apenas a fonte. Pode-se copiar, piratear, divulgar, difundir e samplea-lo.

HIP HOP EM MIM poesiaemcoletivo@gmail.com


sumário EDITORA POPULAR POESIA EM COLETIVO

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APRESENTAÇÃO

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EU, GRAFITEIRA NORDESTINA, (R) EXISTO!

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GABI BRUCE, PERNAMBUCO ASSIM NASCE UM REPPER

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GAS-PA,RIO DE JANEIRO GUERREIRA DA (DE) QUEBRADA: POETISA DESDE O ABC

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PRETHAÍS, BAHIA O RIMADOR URBANO MAIS FRACASSADO DO BRASIL

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SINGELO MC, DISTRITO FEDERAL POR QUE ESCREVO?

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CAMILA ROCHA, PARAÍBA HIP HOP CAPIXABA

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SAGAZ BICHO SOLTO, ESPÍRITO SANTO QUAL CULTURA?

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ISSA PAZ, SÃO PAULO TRE TRAGÉDIAS E RIMAS, VENCI!

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MADIN MC, SAMAMBAIA – DF A TRAJETÓRIA DE UM SONHO

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GUERREIRA LILIAN, ENTORNO SUL – GOIÁS O FILHO DO AMPARO TARCÍSIO PINHEIRO, SAMAMBAIA – DF

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QUER CASAR COMIGO?

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SARA DONATO, SÃO PAULO A CIDADE DAS CACHOEIRAS

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MC MURCEGO, GOIÁS O HIP HOP SALVOU MINHA VIDA

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MANO RAP, MATO GROSSO RELATOS DO NORTE

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F’DOIS, PORTO VELHO – RO CANTANDO PESADO... COMO MULHER!

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ARIANE, MINAS DO GUETO, DISTRITO FEDERAL NA QUEBRADA ERA O BATIDÃO BLACK

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P MC, MINAS GERAIS O BREAKING EM MIM

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B.GIRL / DJ PRIX, DISTRITO FEDERAL UMA HISTÓRIA E UPLANO

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PRETTU JOE, GOIÁS SALVE MUNDO!

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RAFA RAFUAGI, RIO GRANDE DO SUL O RAP EM MIM

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EURI MANIA, JUAZEIRO - BA RESGATE A PERIFERIA

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EDIN DDR, GAMA - DF HOMENAGEM MARKÃO ABORÍGINE, DISTRITO FEDERAL

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EDITORA POPULAR POESIA EM COLETIVO O projeto Poesia em Coletivo teve início em meados de 2011 a partir da distribuição de poesias no Metrô e paradas de ônibus na cidade de Samambaia, no Distrito Federal. A ação visava estimular o consumo e reflexão sobre a literatura produzida na cidade, bem como democratizar o acesso, pois muitos e muitas trabalhadoras não possuem – ainda – acesso à Internet e ou Bibliotecas públicas. A ação idealizada pelo MC e Educador Social Markão Aborígine, deu início a produção da primeira edição do E-book ‘Sem rosto, família ou nome’. A partir de acúmulo sobre diagramação e ferramentas de publicação, sobretudo digitais, o projeto Poesia em Coletivo fora sistematizado e o autor passou a ministrar oficinas de formação sobre poesia e literatura marginal em escolas públicas, Unidades de atendimento em meio aberto, movimentos sociais, etc. Em setembro de 2014 fora lançado o segundo livro do projeto, chamado ‘Favela como você nunca viu’, do autor Fernando Borges, um jovem poeta morador da cidade Estrutural, umas das regiões de maior vulnerabilidade social do Distrito Federal. Assim como as poesias que eram distribuídas por meio de fotocópias, os livros produzidos e lançados pelo projeto são feitos de maneira artesanal e popular, através de impressões, recortes e colagens, bem como disponibilizadas gratuitamente para download em páginas específicas e redes sociais. Em dezembro de 2015 fora lançado o livro Mulher Quebrada, uma coletânea com diversas poetisas do Distrito Federal e entorno.


PRÓXIMOS LANÇAMENTOS: O sonho de um poeta, Luiz Vieira. Hip Hop em mim: Coletânea periférica brasileira Mulher Quebrada 2ª Edição O que vejo, MC Metralha. Brasília Periferia Velhos Espíritos e outros textos, Rose Elaine.


APRESENTAÇÃO Ao ser convidado pelo meu irmão Markão Aborígine para escrever esse prefácio logo me veio à indagação: HIP HOP EM MIM? E em instantes vieram várias coisas na memória. Como me envolvi? Quem me influenciou? Veio-me as lembranças de quando criança, eu e um amigo, ficávamos curtindo na vitrola da casa dele o vinil do James Brown que pertencia ao seu tio, que frequentava os bailes black´s e nos contava as histórias das gangues Adidas, Balão mágico, Mavoca a galera das quadras 30 e 50 do setor leste e do setor sul, e demais quadras do Gama - DF. Se não me falha a memória, o primeiro Rap que escutei deve ter sido do RAPPER PEPEU, o clássico “Nome de meninas”, não sabia e nem entendia que aquilo era Rap. Lembro-me dos moleques treinando os passos de Breaking no meio da rua em cima de papelão, alguns com seus tênis M.2000 de cano longo, que era meu sonho de consumo. Recordo-me dos meus primeiros rascunhos de letra que compunha inspirado no Cirurgia Moral e Código Penal, de ter ido pela primeira vez na loja Discovery e ter comprado fitas k7 do C. X. A, Cirurgia Moral e GOG que até hoje estão guardadas na casa da minha mãe. Não podia esquecer a nossa saudosa GNR (Grafiteiros do Novo Reinado), nossa gangue de pichadores que me possibilitou conhecer meus irmãos Smoken, Rubu e Leley, que juntos compartilhamos o sonho de construir um coletivo de Hip Hop (Família Hip Hop) e logo esse sonho se ampliou, rompendo as fronteiras de Santa Maria - DF, e fomos construir esse sonho com meu irmão Marcus Dantas, MARKÃO ABORIGINE, um cara que tenho grande respeito e admiração pelo seu trabalho, pela sua figura humana e um dos maiores Rapper’s e militante do país. Todas essas memórias/vivencias fez surgir o HIP HOP EM

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MIM que de uma forma natural me deu caráter, responsabilidade, compromisso, consciência de classe, respeito ao diferente, me fez acreditar e ter fé nas pessoas e lutar por um mundo onde possa ter justiça social. PARABÉNS MARKÃO por esta obra. Que o HIP HOP EM MIM vire o HIP HOP EM NÓS e que se transforme em mais um instrumento de luta na defesa dos manos e das manas de todas as periferias/quebradas espalhadas pelo nosso Brasil.

ALEX SUBURBANO MC do grupo Suburbano’S Núcleo de Formação Popular Família Hip Hop Professor de História

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EU, GRAFITEIRA NORDESTINA, (R) EXISTO! Por Gabi Bruce, Recife PE Quando comecei a escrever esse texto estava com a cabeça à milhão, meio mundo de coisas para resolver, a saúde para cuidar, procurando um lugar para meus gatos ficarem por uns meses, e vocês devem estar pensando: “Lá vem meio mundo de chorumelas e lamentos sobre ser mulher no Hip Hop.” Pois é minhas amigas e meus amigos, lá vem uma pororoca de situações vividas dentro de um movimento sócio político-cultural, que se autointitula inclusivo, mas deixa a desejar em muitos aspectos. Mas uma coisa eu garanto a vocês: vale a pena ler o texto até o final, e se gostar, repassar para geral. Resolvi dividir por partes. Serão três partes de uma história muito real, de muitos corres, de muito choro, de muitas risadas e muros pixados e grafitados. Então bora lá!

1ª PARTE: “O HIP HOP ME DEU VOZ”

O ano era 2004, entre um emprego e estudar, “escolhi” trabalhar. Aquela pressão invisível ou mesmo visível que nossa família nos faz para que tenhamos nossa liberdade financeira ou mesmo que possamos contribuir nas contas de casa, dai já viu, estudo ficou bem enrolado, e os trampos cada um “melhor” que o outro. Depois de passar cerca de seis meses trampando num hotelzinho, eu não aguentava mais ser mordida por crianças e passar por tantas situações de racismo velado naquele espaço, decidi retomar os estudos e ouvir tudo que todo mundo ia falar por eu estar sem trampo. Minha escola era pública e mais parecia um terreno baldio, não tinha nada além de bancas quebradas e um mundo de capim, eram poucos alunos, raros profes-

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sores e aulas extintas. Um professor de sociologia me falou depois da aula, que observava que eu passava muito tempo na biblioteca, e que já tinha me visto lendo mais do que conversando com os demais alunos da turma, esse professor mudou muita coisa na minha vida! Ele me falou que aquela escola não me ajudaria em nada, que se eu dependesse daquele espaço, eu não chegaria nem na metade do caminho que eu tinha que trilhar. Falou mais meio mundo de coisas, que quando voltei pra casa, passei a noite acordada rabiscando no papel possibilidades de estudar em outra escola. Infelizmente foi sem sucesso, tive que terminar o ensino médio todo nessa maldita escola, mas com a ajuda desse professor de sociologia, que se chama Constantino, conheci o Instituto Vida, uma ONG que oferecia oficinas artísticas. Me inscrevi no curso de rima, achei que era Rap, não que eu gostasse de cantar, mas já era algo diferente na minha rotina, por um tempo estudei música então acreditei que poderia unir uma coisa com a outra. Quando o curso começou, era um curso de Poesia Popular, literatura de cordel e demais vertentes da poesia nordestina, putz! Pirei geral, mas através desse curso, desse espaço, conheci o Hip Hop. Eu, que tinha poucos amigos, já que era tímida demais e sofria muito bullying de familiares e colegas de classe por conta dos meus longos momentos de silêncio, estava com a oportunidade de expressar todas as angústias e ideias mirabolantes de minha cabeça, e por influência dos amigos do nosso espaço, me inscrevi no curso de Graffiti. Sem saber desenhar, sem ter nenhuma noção básica de desenho me joguei nesse curso e conheci mais pessoas que provocavam minha fala, que perguntavam mais de mim do que falavam delas, até ai tudo bem. Mas essas pessoas não paravam quietas na vida, elas pintavam na rua, ocupavam praças para dançar e recitar poesias, gente, quem pessoas são essas? Maravilhosas.

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E foi com essas pessoas que comecei a pintar na rua, foi com o Rosas Urbanas Crew, um grupo de mulheres que cantavam Rap, dançavam Breaking e faziam Graffiti, poesias, fanzines e uma porção de coisas que tive a oportunidade de aprender o que danado é o Hip Hop; todas da zona norte de Recife, o que facilitava pra mim, morava na época no Córrego do Deodato, uma favela brabíssima da zona norte. Eu que era tímida, me vi num grupo onde eu perguntava mais as pessoas do que falava de minha vida. No papel e na parede iam versos, desenhos e frases que antes eram guardadas em agendas e cadernos secretos. Na rua, comecei a falar as inquietações sobre o machismo e racismo que passava no dia a dia. Eu que o mais longe que ia era fora da região metropolitana de Recife, iniciei um intercâmbio pelo nordeste brasileiro, pintando em eventos de Graffiti e realizando oficinas, conhecendo mais mulheres que somaram tanto na minha caminhada. O Hip Hop havia me curado do silêncio que a baixa estima tinha me jogado. O Hip Hop me deu voz!

2ª PARTE: “O HIP HOP QUIS ME SILENCIAR!”

Depois de tanto tempo lutando e relutando contra tantas situações vividas, quando pude respirar fundo e acreditar que tinha achado um movimento que me identifico e que posso me expressar, senti que o baque era virado, senti que o mesmo movimento que reunia pessoas, que nos dava as mãos e fortalecia nossa fala, era o mesmo movimento que tentava, e muitas vezes, conseguia silenciar a mim e outras mulheres. O Hip Hop que nos dava espaço para cantar, grafitar, discotecar, dançar e dialogar, era o mesmo que silenciava muitos casos de violência doméstica, violência sexual, violência moral,

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psicológica e patrimonial. Quando me inscrevi para um evento nacional de Graffiti, um dos caras, que produzia o evento, entrou em contato, falando que queria muito aprovar minha inscrição, mas, só se tivesse certeza de que, quando eu chegasse, no estado dele (onde aconteceria o evento), eu ficasse com ele. A cabeça deu um nó, até que uma irmã do Graffiti me falou que já havia passado diversas vezes por isso, que seu trabalho sempre era posto a prova, que as pessoas a convidavam para pintar de graça, mas quando tinham recurso convidavam um GRAFITEIRO pra pintar. Foi aí que peguei umas folhas e fui listando os eventos que eu já havia participado, não só de Graffiti, mas de Hip Hop e arte em geral, listei o número de mulheres e o número de homens participantes, e qual era a função de cada um dentro dos eventos, minha ficha caiu gera! Percebi graças à iluminação de minha amiga, que estava numa zona de conforto de acreditar que todas as minas tinham oportunidade dentro do Hip Hop. Que ilusão! Já vi muitas situações de silenciamento, de casos violentos e abafados, e o que fiz? Disponibilizei-me para ajudar à mana. Reuni outras mulheres para que juntas pudéssemos pensar formas de nos fortalecer, de organizar nossas ações sem excluir nenhuma irmã, todas que quisessem participar, era só chegar junto. Cada vez que uma mulher deixa de praticar um elemento do Hip Hop, essa mulher está sendo silenciada. É através dos elementos que expressamos nossa luta, dores, amores e conquistas. Assim realizamos em 2009 o “Trincheira Tinta - I Encontro de grafiteiras e mulheres artistas urbanas em Pernambuco”. Reunimos grafiteiras, mulheres do Hip Hop, das artes urbanas, dança afro, poetisas e outras tantas mulheres que somaram. De 2009, em diante, Recife ferve de eventos realizados por mulheres do Hip Hop.

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A capital nordestina que mais tem mulheres na rua grafitando, tem sido palco para encontros maravilhosos, como o “FLORESendo Ideias”, um festival de juventudes que já reuniu em Recife, cerca de 50 coletivos de diversos estados e países, com o intuito de construir pautas de fortalecimento para juventudes do Hip Hop. Em 2015 realizamos também a eliminatória Pernambuco da Liga Feminina de MC’s, e também o “Máfia do Batom”, um projeto que tinha como objetivo fomentar que mulheres do Hip Hop, produzissem seus próprios eventos, que saíssemos da plateia. Assim, com o Coletivo Flores Crew, tive forças para seguir em frente com as ideias mais mirabolantes que me vinham na cabeça. A luta por espaços de fala, por protagonismo feminino, dentro do Hip Hop, é uma constante. Já fomos boicotadas, já fomos silenciadas, mas seguimos nos ouvindo, nos visibilizando, focando no nosso fortalecimento, enquanto mulheres artistas urbanas.

3ª PARTE: EU GRAFITEIRA NORDESTINA, (R) EXISTO! Passamos muitos B.O’s por ser mulher, e quando tu decides, colocar a mochila nas costas cheia de spray e bater perna pelo mundo, o caldo engrossa pro teu lado. Eu sou mulher negra e levei um tempão para entender e assumir minha negritude. Nasci no dia 20 de novembro e não fazia a mínima ideia da importância da data. Eu sou filha de Oyá, e como toda filha de Oyá, não paro quieta num canto. De 2007 a 2016, conheci cerca de 470 cidades do Brasil, viajei todo o Nordeste, alguns estados nas demais macrorregiões, pintei em 305 eventos, dentro e fora do Brasil. Em 2013 tive a honra de participar da segunda edição do livro Perifeminas - Sem Fronteira, organizado pela FNMH2, que

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em 2016, durante o V Fórum Nacional de Mulheres no Hip Hop, recebi uma homenagem pela minha contribuição ao Hip Hop de Pernambuco e do Nordeste. Fiz desses caminhos difíceis, caminhos coloridos e floridos, momentos de trocas de ideias com meninas e mulheres, repassando que podemos sim, usar o Hip Hop como ferramenta de empoderamento feminino, de geração de emprego e renda para as mulheres cis e trans. Há quem diz que foco muito meu trabalho e militância nas mulheres, se você acha isso, pode começar a ter certeza. Somos ensinadas a sermos quietas, educadas, caladinhas, e isso não faz bem pra ninguém. O Hip Hop é um movimento urbano, e é um direito nosso, enquanto cidadãs, ocuparmos as ruas, seja com nossa arte, com nossos corpos, com nossas vozes. Instigue as meninas, escutem as meninas, ofereça spray para as meninas desenharem nas paredes, faça com que as meninas se expressem desde pequeninas. Com o tempo, longas conversas com amigas e amigos, muitas noites rabiscando muros pelo mundo a fora, aprendi que o Hip Hop é um movimento igualitário, cabe a cada um de nós fazer com que assim seja. Antes de falar para uma menina que um passo de breaking é difícil, fale que ela consegue. Vamos repassar tudo que sabemos para quem tá chegando, de uma ideia boa, uma dica de um livro ou filme, até aquela manha de fazer um pito mais fino. Somos a velha e a nova escola, não a escola eterna. Vamos passar adiante o Hip Hop que queremos. Sem racismo, sem xenofobia, sem machismo e transfobia. E mesmo com tantos tsunamis políticos, que nosso país vem sofrendo, com tanto massacre da juventude negra, com tanta violência contra as mulheres. Pela crença que a ideia de rochedo, é usar o Graffiti como meio de comunicação e resistência fe-

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minina, em reconhecimento as mulheres que vieram antes de mim, que passaram por tantos maus bocados em Recife para estar pintando nas ruas, para tá garantindo espaço de fala nos eventos de Hip Hop, pela luta do Coletivo Flores Crew, pela luta das mulheres do Rosas Urbanas, do Coletivo 08 de Março, pela Rede de Resistência Solidária, eu, grafiteira negra e nordestina (R)Existo.


ASSIM NASCE UM REPPER Por Gas-PA, Rio de Janeiro Lá em 1987 eu praticava BMX sem mermo saber que esse era o nome da modalidade esportiva. Na época o único acesso que eu tinha aos vídeos de BMX, era via Vibração, um programa de esportes de ação, que só muito de vez em quando, dava espaço às bikes. E na maioria das vezes a trilha sonora era essa música falada por sobre um instrumental de funk. Também nem imaginava o nome daquele gênero musical que, assim como o BMX, era cultura de rua. Fato é que, também assim como o BMX, o RAP ganhou um espaço no meu coração. Mais adiante, na merma época em que ouvi em alguma estação de rádio um RAP, cujo refrão repetia no nome de quem o cantava (Thaíde), no programa Domingão do Faustão, apareciam dois irmãos (um deles é conhecido hoje como Lino Krizz) cantando um RAP que dizia que “se hoje eu pareço um vilão pra você é porque antes não me deram chance de vencer”. Foi nesse momento que eu percebi o óbvio: o RAP também podia ser feito em português. O ano era 1990 e eu brincava de fazer algumas rimas com os amigos. Experimentei fazer uma letra. Expressava a aversão que um jovem de 17 anos tinha à escola. Como este era um sentimento comum na minha região e na minha faixa etária, o RAP era bem aceito onde era apresentado. Este foi também o ano da chegada da MTV ao Brasil. Com a emissora consegui conhecer mais artistas, dentre eles, aqueles do grupo que marcaria de vez o meu ingresso na cultura Hip Hop. Sem entender quase nada de inglês, eu tinha que me valer dos vídeo-clips, pra tentar entender qual mensagem trazia cada música. Um grupo me chamou muita atenção pela contundência nas imagens de seus clips que combinavam muito com sua

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musicalidade. Com o Public Enemy percebi que o RAP era algo muito além da música. Tinha ali muita rebeldia, muita indignação e proposta de superação da nossa situação de opressão. Em 1991 Public Enemy (grupo nova-iorquino) veio fazer um show em São Paulo. Sabendo que tão cedo eles não apareceriam pelo Rio (achava até que isso nunca fosse acontecer, considerando que o RAP e o Hip Hop em geral eram conhecidos por bem poucos por aqui nessa época). Viajei pra “terra da garoa” e me taquei no Ibirapuera com mais 4.000 pessoas naquela sexta feira. Fiquei maravilhado ao conhecer uma cidade que respirava os ares de uma cultura que eu só conhecia dos clipes de RAP’s gringos. Os Graffitis estavam por toda parte e a vestimenta da juventude preta caguetava suas preferências. Uma estação de rádio transmitia ao vivo do local do show e a programação era 100% RAP. Rodas de Break se abriam próximas a mim. Tudo parecia um sonho praquele “carica” que vivia na capital do “funk”. Cada música que tocava era cantada por centenas, não só por mim e por minha dúzia de amigos fãs desse tipo de som. Quando enfim, o Public Enemy sobe ao palco, o alvoroço é geral e todo o repertório era familiar a cada presente. Um momento inesquecível foi quando o show parou pra que entrassem no palco quatro rapazes que eu nunca tinha visto em lugar algum, mas que eram conhecidos de todo o restante do público, que gritava “Racionais”. E junto com 4.000 pessoas (menos eu!) eles cantaram Pânico na Zona Sul. Já dentro do ônibus, que me trazia de volta ao Rio, eu tentava processar tudo que tinha me acontecido nas últimas 24 horas. Aquela música, que era apenas trilha sonora pra minha prática esportiva, me conduziu por um caminho sem volta pra cultura Hip Hop. Aquela experiência mudaria de vez a minha vida. De volta à capital fluminense, fui pesquisar sobre RAP/Hip

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Hop. Tive acesso a tantos outros discos e, principalmente, do tal Racionais, que tanto me impressionou naquele show do Public. O que muito me intrigou foi que: 1º, três daqueles quatro jovens, mermu tendo a tonalidade da pele igual a de um “moreno” como eu, se reivindicavam pretos; e 2º que, como aqueles quatro malucos que regulavam idade comigo e que deviam viver em condições parecidas com a minha, conseguiam se expressar com tanto discernimento e com tamanha profundidade sobre uma realidade que me era familiar, mas que ao mermu tempo, nunca tinha provocado uma mínima análise crítica de minha parte? Desconfiei que a leitura tivesse algo a ver com isso e tratei de buscar os livros (outro caminho sem volta na minha vida). Minha desconfiança ganhou ares de certeza no ano seguinte, quando os caras lançaram o disco Escolha o Seu Caminho. O EP com apenas duas músicas, mas que pra mim foi o disco mais importante deles, trazia na capa os quatro integrantes entre drogas, armas e dinheiro (numa quantidade rara de se ver entre nós). Já na contracapa eles apareciam num outro ambiente, todos diante de livros. Aquilo foi profundamente inspirador pra mim (anos mais tarde, viajando pelo país, descobri que também tinha sido inspirador pra uma porrada de maluco da minha idade). A partir dali entendi que os livros tinham a ver com os RAP’s dos meus artistas favoritos, e, assim, passaram a ter tudo a ver com os meus RAP’s também. Eu já não era aquele cara que escrevia umas letras só pra brincar com a realidade. Minhas pretensões cresceram. Achava que se os RAP’s dos caras que vieram antes de mim, foram capazes de mudar tanto minha vida pra melhor, os meus RAP’s também poderiam fazer isso com quem os ouvisse. Por isso fui lendo e estudando cada vez mais sobre as coisas que determinavam o rumo de nossas vidas. Como já dizia Gerson King Combo, “semelhante atrai seu se-

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melhante”. Logo eu estava no meio de gente que tava na merma sintonia. Com Gilmar formei o grupo “Artigo 288”, mas foi de passagem. Foi no “Filhos do Gueto”, que vivi minhas primeiras experiências de maior relevo. Foi por iniciativa de meu parceiro de palco – que na época atendia por Caê MC – que procurou uma entidade do Movimento Negro para mediar uma reunião dos artistas “catalogados” no Rio, que se fundou a ATCON (Associação Hip Hop Atitude Consciente). Nessa época nos apresentávamos em eventos dos movimentos Negro, sindical, estudantil, festas de rua e nos ensaios dos Blocos Afro. Os shows do Filhos do Gueto acabaram despertando interesse de uma equipe da revista Time que viajava por alguns países pra reportar como era o “RAP Around The Globe”, ou seja, como era o RAP fora dos EUA. No que tocava ao RAP brasileiro a matéria acabou dando destaque ao Filhos do Gueto. Nessa altura (1992), já dávamos palestras em escolas sobre o Hip Hop como importante conjunto de expressões artísticas da diáspora africana e ferramenta de luta anti-racismo (nesse momento o Hip Hop já tinha me libertado da minha “morenisse”). Da ATCON, acabou nascendo o primeiro disco de RAP do Hip Hop carioca, a coletânea Tiro Inicial (1993) que, além do meu Filhos do Gueto, ainda trazia Damas do RAP, NAT, Consciência Urbana, Geração Futuro (grupo do Rapper MV Bill) e Poesia Sobre Ruinas. A compilação veio com uma faixa de cada grupo e outra com todos os grupos juntos, mais a participação de Gabriel o Pensador. Ao nosso grupo coube denunciar a violência e a corrupção policial, com a música A Diferença é a Farda. Minha carreira como rapper completa 27 anos. De lá pra cá já coloquei músicas em outras cinco coletâneas, já gravei quatro discos (um pelo Veredito do Gueto e três pelo O Levante), fundei o Coletivo de Hip Hop Lutarmada, que, além de atuar diretamente nas lutas junto aos movimentos sociais, partidos e sin-

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dicatos, ajudou a formar outros artistas – mas sempre priorizando o fomento do senso crítico e o resgate da essência do Hip Hop, que já nos idos de 2004 dava sinais de definhamento. Mas isso tudo fica pra outra ocasião. Numa época em que brota Repper de qualquer play ground de qualquer condomínio da branca classe média, minha tarefa aqui era relatar como o RAP surgiu pra mim, e como eu surgi pro RAP. Mermu que minha aurora tenha sido bem peculiar, assim também nascia um Repper. Cada vez mais vermelho, sem deixar de ser preto,

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GUERREIRA DA (DE) QUEBRADA: POETISA DESDE O ABC Por PreThaís, Barreiras – BA Tudo que eu queria era descobrir um mundo novo ou construir um, em que as minhas palavras ditas e vistas como diferentes, fossem ao menos cabíveis. Como se não bastasse o modelo eurocêntrico para viver uma vida, Luis Eduardo Magalhães, a cidade em que eu nasci e todo o oeste da Bahia, são territórios apropriados pelos povos gaúchos e vários migrantes que por ali passam, deixando claro (bem claro) que o axé, a cultura afro-brasileira não iriam coincidir com os ensinamentos do catolicismo predominante na cidade, e Hip Hop, a coisa de malandro, no meu caso totalmente fora dos conceitos: mulher, preta e periférica. Participei de vários desses concursos de poesia durante meu ensino fundamental. Rainha da pipoca, das parodias e das discordâncias. Conheci feminismo, palavra cujo até então eu não conhecia, vendo a Dona Laete (minha mãe) cozinhar pra ‘pião’ para conquistar e me dar um ensino de boa qualidade. A escola particular em que fui alfabetizada, mesmo com a triste cena de me ver sendo a única criança filha de empregado dali, me proporcionou uma base sólida. Atenciosa às aulas de português, pois o que eu queria era ter domínio sob as palavras! Escrevia meu diário, escrevia cartas de amor (pra esses namorados que querem impressionar as minas), jingles para as empresas na rádio. Escrever era natural e um hábito ao qual eu tinha muito amor, mas nunca me vi MC, nem mesmo poetisa, pois pra mim era um hobby e eu queria ser alguém que as pessoas tivessem reverência ao falar comigo! Eu queria ser grande, meritíssima, juíza. Sonho ou imposição? Reflexo de uma infância marcada por

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racismo, bullying, e preconceitos. Ansiava por respeito. Envolvida na arte, toda maneira nova de explorar meu eu e expandir conhecimento me ganhava. Teatro, capoeira, dança, saxofone, percussão. Meu prazer era ser a única mulher em vários desses espaços promovidos pela Secretaria de Cultura da cidade, me parecia desafiador e desafios me impulsionam a ser mais. ESCOLA PÚBLICA Na semana da consciência negra, era quando surgia oportunidade de ser eu. Eram os dias em que via pessoas se enfeitarem com o que eu sempre fui: preta. Era tosco ver aquela gente branca acostumada a dançar catira, aparecer com os turbantes cheios de cor, mas na cena da peça que contariam a historia da escravidão, eu ficaria muito bem com peças feitas de saco: adolescência, puberdade, silhuetas, mucama perfeita. O que não esperavam era que naquele dia além dos meninos que estavam na Batalha de Breaking e de rima - que já era uma afronta - uma mina cantaria Rap! Cantei ‘Carta à mãe África’ do GOG, música que faz parte do meu processo de reconstrução de identidade quanto mulher negra, que não aceitaria mais ser a carne mais barata. Recebi um abraço forte de alguém no meio daquele povo a vida tava ruim. Então eu escolhi nascer de novo.

Caminhos cruéis e vivencias violentas, marcas em um corpo negro! A depressão que fez minha mãe me colocar em um quarto trancado com um lápis e uma caneta. Pra além de terapia, escrever e cantar, me dava porta de saída.

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Na igreja eu pude ter contato direto com a música, com o microfone e instrumentos. Onde nasceu: As Thabitas. Eu, a Lavínia, Cristiane, Keyse e quem chegassem pra somar! Levando a pauta da nossa ancestralidade, assumindo os crespos, levando alimentos a quem tinha fome e abraços solidários as minas que necessitavam. Mas eu não podia me limitar a tantas regras, submeter-me a ser doutrinada. Eu nunca quis ser a mulher sábia que edifica o lar! Rebelde. Naquele mundo não cabia minhas rimas! De volta pra casa, busquei os meus, resgatei minhas raízes e reconheci quem sou! Mãe África respondeu a carta, e eu preciso dizer de onde vim. PreThaís nasce onde não há conformismo, onde venta e faz bagunça! Onde a ameaça é simplesmente ser. E o beat e a poesia são as armas. Fugiu uma preta Vomitou-se berros A morada fazia agora, nas palavras Alforria em versos Nem flandres, nem anjinhos podem me recuar a cativa Borracha nenhuma apaga a minha escrita Atabaque que bate tão forte quanto meu coração a pulsar Passos dos meus iguais Pés a perfurar Mas segue guerreira, faceira Enquanto houver traços Nzinga Haverá poesia preta

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SINGELO MC: O RIMADOR URBANO MAIS FRACASSADO DO BRASIL Por Singelo MC, Samambaia – DF “É fácil ser temível, difícil é ser amável” (Nissin) “[...] Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu” (Darcy Ribeiro) “Se a história é nossa, deixa que nóis escreve” (Inquérito) “Nas adversidades o crer não pode ser morto, | pois a vida vem do azul do céu em forma de sopro” (Aborígine)

Salvê! Primeiramente, é uma grande honra constar nas páginas desta obra de Aborígine, que pra mim é um dos grandes paladinos do Hip Hop samambaiense. Ainda terá o reconhecimento que lhe é devido. Escrever sobre si, exige necessariamente, que retomemos conquistas e derrotas, alegrias e tristezas. A juventude brasileira é tão convidada a não ser protagonista de sua própria história, que fazer memória de nossos trajetos é uma tarefa difícil. Convite recusado. Sou Rafael Felix Leite (nas ruas, procure por Singelo), nasci em 1993, natural de Taguatinga, mas residente em “SamambaYork”, Samambaia, Região Administrativa XII, criada em 1989, fruto de conquista de direitos de acesso à moradia. Com o avanço monstro da especulação imobiliária, Samambaia vê-se transformada em um polo de alugueis e reduto de comércios; é uma região periférica, mas não uma favela, com exceção da Expansão da cidade. Fui uma criança agressiva, problemática e brigona, etiqueta-

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da com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hipertatividade) e por esta razão, minha mãe, dona Fátima, me inscreveu nas aulas de Taekwondo - esporte que fiz por 7 anos, em que acumulo muitas medalhas de bronze, das quais me orgulho e também conquistas regionais, como ser campeão de várias etapas do ranking brasiliense. Também sou fruto dos projetos sociais (salve, Instituto Arte Cia e Cidadania e Equipe Superar, salve Mestre Willian, tekon!). Meu primeiro contato com o Rap nacional foi por volta dos 13 ou 14 anos, ao ouvir “Holocausto urbano” (1993) do Racionais MC’s, “O Beck e o Contracheque” do Tropa de Elite, além de “A ocasião faz o ladrão” do Cirurgia Moral; desde então me encantei com a realidade que me fora apresentada. Minha mãe, superprotetora que era, me privou de inúmeras situações e, exagerada ou não, me fizeram tomar um rumo diferente e agir de um modo diferente frente a inúmeras coisas. “Neguim, tu não curte lombra, não cola em frevo, não pega mina, quê que tu faz? Tu é um bosta!”, na pracinha perto de casa, disse-me um dos maiores traficantes da época. Lembro do primeiro beck que recusei quando criança, dos lança perfume, dos “bolo doido” e brigas entre quadras que evitei. Não sei se eu era medroso ou esperto, mas deu certo. Eis-me aqui! Mesmo com os problemas típicos da região, como alcoolismo e machismo, não dá para negar que tive um bom suporte familiar. Minha origem é afrosertaneja e indígena. Meu pai, seu Matias é preto, minha mãe era parda, do interior do Goiás, e sua avó era Dona Maria, uma índia que foi deixada num cesto na região que fica entre Divinópolis e São Domingos. Nossa origem é humilde e eu sou o primeiro da geração da família da minha mãe - se pá, do meu pai também - a ter acesso ao ensino superior, graças a malabarismos financeiros que impressionariam até Gustavo Cerbasi e Warren Buffet.

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Vamos ao Hip Hop: this is my shit! Desde sempre fiz rimas para meus amigos (cada um tinha uma letra), mas apenas desde agosto de 2012, participo das chamadas batalhas de MC. Minhas primeiras influências nesse contexto foram os vídeos do Emicida, do Duelo de MC’s em BH e as noções dos hiphoppers Gilberto Yoshinaga (Gilponês) e Aborígine. Me considero um verdadeiro fracasso: fui campeão da Batalha de MC’s Calango Pensante (2013), a maior batalha de rimas da região Centro-Oeste (minha opinião); Bi-campeão da Batalha do Neurônio (2014), tetra-campeão da Batalha do Museu (2012, 2014, 2016), Campeão da Batalha de MC’s Samurai Marginal (2015) em Maceió e recentemente sagrei-me campeão regional da eliminatória pra Mic Master Brasil, batalha a nível nacional que premiará seu campeão com um carro 0km (na próxima edição do presente livro, já estarei motorizado, anota aí, rapá!). Os vídeos em que apareço no Youtube somam algo em torno de 430 mil visualizações – nunca tinha feito essa contagem, até me assustei aqui. Agora a pergunta: por que me considero um fracasso? Qualquer MC diria que eu tenho uma carreira meteórica pra 4 anos de rima aqui na capital federal (que é tida como uma referência nas Batalhas de MC, sendo difícil se destacar. Lhe respondo já, firma). Desde que o Hip Hop fez sentido pra mim, foi um estalo na minha mente, os títulos e as conquistas como MC vieram, mas era preciso mais do que denunciar problemas ou rimar soluções, era preciso se dispor a fazer parte delas. Em 2012, resolvi também me envolver com a cidade, através do Coletivo ArtSam (Arte Autônoma, Solidária e Militante), comecei a participar dos saraus promovidos e fui adquirindo sabedoria urbana através da Escola de Formação do Hip Hop, com a ajuda dos membros, consegui me envolver com a execução de cineclubes pela cidade, a realização do tradicional Sarau

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Samambaia Poética, que foi um dos pioneiros no movimento de saraus no DF. Eu me senti samambaiense a partir daí e incluí minha família nesse movimento. Não sei se “eu tenho meu conceito nos progressos da quebrada”, mas sou grato pela oportunidade de assumir um protagonismo e me entregar de forma honesta e até pura aos avanços da cultura na cidade. Como MC, é muito bom ouvir pessoas lembrando de rimas que foram mandadas há 3 anos, ouvir B-boys que já foram no Brooklyn dizerem que sentem o Hip Hop quando lhe escutam rimar, ouvir que sou um dos únicos MC’s cujo freestyle tem um ponto teórico (salve Escola de Formação do Hip Hop), mas a maior conquista me parece ter rimado nas entrequadras da Chaparral e os irmãos com treta levantarem bandeira branca enquanto ocorria o evento de Hip Hop. O verdadeiro real talk tá ali em poder aproveitar as brechas das batalhas pra dar a letra que agressão física não é a melhor prática educativa ou que devemos SIM nos preocupar com as desigualdades sociais. Hoje a cena de batalha de MC’s vai de vento, em popa. Temos a Batalha de MC’s SamambaStreet e Batalha do Tanque, organizada e movimentada pela juventude organizada, mas é necessário a juventude entender o sentido da apropriação de espaços urbanos, de se envolver com a própria cidade, de se formar e informar e mostrar que a batalha de MC’s, ao contrário do que pensam e defendem, pode sim ser uma ferramenta de mobilização de juventude, de modo saudável. Nois!

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POR QUE ESCREVO? Por Camila Rocha, Paraíba Camila Rocha. 35 anos. MC do estado da Paraíba, atualmente residente da cidade de “Jampa”, João Pessoa, capital e natural da cidade de Campina Grande, interior. Feminista. Solteira. Três filhos adolescentes nas respectivas idades de 16, 15 e 13 anos. Meninos, todos. Isso tudo é relevante? SIM! Por que escrevo? Bom... desde que aprendi a escrever tenho essa prática. Talvez por conta da assídua leitura e da solidão infantil. Agora nesse momento escuto um REP enquanto escrevo. E qual é a ligação entre o ato de escrever e o Hip Hop? Tudo! AHH! E me desculpem por falar “REP”, gosto de abrasileirar as coisas. Desde quando comecei a fazer letras destinadas ao REP que me pergunto se sou digna de o estar fazendo. Já que não sou preta, não sou do gueto (apesar de sempre ter circulado pelo gueto, devido às raízes inquestionáveis). Mas sempre fiz poemas... Sempre escrevi e sempre busquei ritmos e métricas. Tipo um vício. Eu sempre fui alheia ao mundo, desde muito pequena. Sempre tive meu universo particular bem restrito e sempre me senti diferente ou “desencaixada”. Não tinha terra, já que nasci em uma cidade e fui criada em outra, que alimentavam uma rixa irracional de capital/interior. Então me sentia meio “solta” no espaço. Esses são alguns dados que definiram minha personalidade. Tímida ao extremo até a fase adulta. Até perceber que precisava sobreviver sem ser engolida pela selva urbana. Pra mim o ato de escrever sempre foi libertador. Eu precisava dele como preciso de água, ou ar pra respirar. Se for poesia então, nossa, é quase uma terapia. Ou É TERAPIA! E dar vida a sentimentos, faz com que eles se libertem da gente. É como uma

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DESAPROPRIAÇÃO, entendem? É como se ela deixasse de ser só minha pra ser de quem quiser. De quem sentir! De quem entender e tomar pra si. Acho que essa é a intenção da poesia. O fato é que o REP nasceu na favela e ganhou ouvidos e gargantas além do previsto. Ganhou mercado inclusive e isso me parece ótimo. São horas diárias de dedicação pra quem leva a sério e acredita no que faz. Eu por exemplo como mãe, filha, mulher e cidadã, tenho uma demanda gigantesca pra dar conta! “Como você consegue?” é o que me perguntam sempre! Bom, a resposta é: VC JÁ SE SENTIU APAIXONADA/O A PONTO DE FAZER QUALQUER COISA? Assim que me sinto e que vivo. Uma incorrigível apaixonada pela poesia e pelo Rep. Você pode tá se perguntando no que isso pode influenciar na tua vida e eu respondo que em nada, se você não sentir a mesma paixão que eu sinto. E necessidade. Porque, poxa, a realidade já tá aí e nós a vivemos, mesmo que quando inconscientes dela. Mas a poesia é arte! E arte engrandece. Arte nos leva lugares. Vários lugares, contanto que seja longe ou fora do que a sociedade nos apresenta, porque arte é outra ótica! Outra lógica! Outros mundos! Então, sendo assim, eu escrevo porque esse mundo aqui não me basta, não me cabe e não pertenço a ele. Nunca pertenci! Mas preciso me fazer entender aqui! E preciso fazer com que isso tudo ganhe outros sentidos, porque os sentidos que me deram foram absolutamente insuficientes para permanecer aqui sem enlouquecer totalmente. A arte é minha tarja preta, o REP meu divã. Um caso grave e irremediável. Daí eu penso sobre LICENÇA POÉTICA e até onde ela é válida. E como que MC’s utilizam mal o potencial e o poder que possuem para reproduzirem apenas “mais do mesmo”, reproduzindo discursos e conteúdos já disponíveis na sociedade, que diga-se de passagem tem graves problemas de preconceitos e paradigmas retrógrados

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que nos amarram à antigos valores que já não funcionam numa sociedade tão variada. Falo de machismo. Falo de racismo. Falo de tudo que empurra a humanidade para a desumanização. Eu já pensei em desisti algumas vezes, ou várias vezes por me sentir fraca de tanta luta. Cansada de bater de frente e sempre na mesma tecla e, por fim, estar sempre tão errada por cobrar respeito à arte, muito além de cobrar respeito humano. Estou aqui escrevendo e pensando em como te alcançar. Em como te convencer que a vida é tão profunda e que você precisa mergulhar! E que não tenha tanto medo, só o suficiente pra te manter minimamente “intacta/o”. Que escreva sim e sempre! Mostre ou não mostre a alguém, mas escreva. Acredito por experiência própria que a palavra tem poder de transformação e cura. É como lágrima. Já percebeu que às vezes só é preciso chorar pra fazer a tristeza escorrer olho abaixo até um dia se diluir por completo? Eu gasto sentimentos nas linhas. Gasto tudo que posso gastar. Preciso gastar, Você também precisa, seja escrevendo ou apenas lendo/ cantando/ recitando a poesia de alguém! É por isso que escrevo. Porque serve pra mim, porque serve pra você e porque podemos nos encontrar de alguma forma, em algum lugar, em algumas linhas. E podemos nos entender e nos consolar. Podemos também rir juntxs e fazer festa também! Porque aqui, onde escrevemos, nós podemos tudo. A única coisa que desejo é que seja sempre bom e produtivo e que nosso caminho não seja contaminado por nada que nos desvie da verdadeira finalidade da arte: viver! Aprender! Compartilhar e transformar! Escrevamos, queridas, queridos, porque esta é, sem dúvida, a parte que nos cabe neste enorme latifúndio! E pra não perder a oportunidade: FORA TEMER! SAUDAÇÕES!

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O HIP HOP CAPIXABA Por Sagaz Bicho Solto Anos 80, o Hip-Hop encontrava-se atuante no estado Capixaba, através das rodas-Cyphers de Breackings, formadas por apreciadorxs em sua maioria moradorxs da periferia e favelas da Região Metropolitana (Grande Vix) como também muitos dos morros de Vitória-ES ao Centro da Cidade. O Local em comum Parque Moscoso; Ambiente perfeito pra ser ocupado por jovens sedentos por cultura e nesse caso o Hip Hop era a novidade, trazida pelas ondas sonoras do radio em outros momentos por revistas, capas de vinis, clipes, Filmes e programas de TV, enfim, tudo que de alguma forma pudéssemos usar como influência. Funcionou muito bem durante um bom tempo, mas precisávamos de um lugar só nosso, onde pudéssemos dizer que era o nosso espaço de criação. Após muitos encontros e com o crescimento da cultura tivemos a necessidade de ocuparmos o Centro Cultural Carmélia Maria de Souza, onde ficamos sediados por algum tempo, e isso nos deu uma nova perspectiva e visão de profissionalismo sobre todo o movimento, nesse período criamos a primeira Crew Capixaba de B.Boys intitulada Furious Funk, onde tivemos o primeiro painel rabiscado por um coletivo de artistas autênticos da cultura de rua, alguns já grafitavam pelos escombros e viadutos da cidade, mas foi nesse espaço que o Movimento Hip Hop ganhou força. Foi ali onde começamos a ocupar os bailes e provocar os campeonatos de dança, por final as rodas nestes bailes eram organizadas por nós, os finais de semanas eram disputados por 2 bailes concorrentes, Náutico Brasil e Pop Rio, esse último, foi onde tive a oportunidade de ver uma verdadeira roda de rua

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acontecer. Na porta do baile, passamos o chapéu e geral ajudou os dançarinos de rua a inteirarem seus ingressos, foi neste mesmo dia, que aconteceu algo inusitado no baile - que realmente me emociona em dizer - comandado por DJ Guri, artista residente, convocou-nos ao centro do baile e formaram uma enorme roda com os seguranças, isso nos pôs em um ponto do baile que nem uma artista já tinha ganhado este espaço, sempre fomos provocados em seus campeonatos de dança, mas nesse dia foi diferente, fomos tratados com respeito. As rodas ainda aconteciam com frequência no Parque Moscoso, mas agora com uma nova visão de tudo, com uma nova postura, pessoas que estão guardadas na memória desta cultura nesse período são: Paulo Black Morador do Morro do Quadro, dono de uma pipoqueira que ficava instalada na frente do Cine São Luiz, onde também foi palco da primeira Cypher coordenada espontaneamente por Alex FM e Luiz Augusto mais conhecido como Lukian. Outros que passaram por esse momento histórico foram: Geraldo Cobra Rey do morro Santos Dumont-Grande Maruípe-Vitória, Mônica Fm de Itaenga-Viana, mana de muita atitude, Chicão e Rogerinho Dance Nyte de Feu Rosa-Serra, Edson Sagaz, Paulinho e Maron Funk Nyte de Vale Encantado-Vila Velha, Paulo Cyborg de Santa Cecilia-Campo Grande-Cariacica, Dudu du Rap, Tigrinho, Anderson Baixinho, Ditinho de Castelo Branco-Cariacica, L. Brau, Manel e Faustão de Serra DouradaSerra, Finado Juninho Lamentavelmente morto na porta de um baile, um dos mais completos dançarinos desta época, BarcelonaSerra e muitos outros. Foi no Espaço do Carmélia que decidimos as primeiras viagens pra fora do estado, tínhamos como referência, estados como Minas e DF, grandes potenciais desta cultura, e que são Paulo era na verdade mais um polo do Hip Hop. Também já tínhamos notícias que o Rio, já andava com suas próprias pernas.

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À primeira viagem fomos pra BH onde tivemos uma pequena proximidade, é nesse mesmo ambiente onde L. Brau e Paulo Black resolvem ir pra Sampa e fazer um contato direto com outras crew’s, já que tivemos uma breve experiência com a cena de Minas Gerias. Mas foi em Sampa que participamos do maior encontro de Breackings de todos os tempos marcados na memória de muitos ainda vivos; estes grandes encontros aconteciam na São Bento e fomos Representados por: Paulo Cyborg, Choros, Alex Fm, Paulo Black, L. Brau e Pequeno. Esses marcaram seus nomes na História como os primeiros dançarinos representando o estado, num grande evento externo; o Ano por volta de 92, o velho grupo Furious Funk foi novamente batizado por Sagaz de, Black Street. A década de 90 é marcada por grandes eventos e acontecimentos vindo numa caminhada crescente, e aproximação de outras figuras no Hip Hop capixaba, era quase que obrigatório representar na integra os 4 elementos fundamentais, foi aê que algumas figuras que representavam a dança, resolvem dedicar o seu tempo ao elemento, MC - Mestre de Cerimônia, ou melhor dizendo o elemento da música Rap; Assim surgem os Grupos: Suspeitos na mira: Formado por L. Brau, Dudu Du Rap, Edson Sagaz e por final DJ-Ld. Fli; Negritude Ativa: por Gl Preto, Zumba, Jeff e Dj Paraju; Observadores: Nego Borys; Comando negro Atual: Paulo Black, Renato Cyborg e outros. Renegrado: Jorge foi uma das figuras emblemáticas desta cultura, por vários momentos deu sua devolutiva ao movimento construindo e ocupando espaços nas rádios, o primeiro foi num programa de Miami Beat na Rádio Tropical FM todos os sábados, acho que não preciso dizer que havia treta com o diretor todas às vezes que ele tocava o Rap, logo foi Banido com um grande desacerto no ar. Mais à frente tivemos a ascensão de um programa na Rádio

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Cidade, também aos sábados à tarde, nesse período já fazíamos as reuniões no Centro Supletivo de Vitória na ladeira São Bento, Centro-Vix. A maioria destes grupos eram formados por B.Boys, porém já não estavam mais na função, se dedicavam integralmente a este elemento, em apresentações agora convidados pelo Movimento Negro Organizado, houve uma aproximação de duas figuras chaves, hoje conhecida como Pandora e Izomar Vidal, ambos ativistas e militantes do mesmo movimento, figuras chaves pra fundarmos uma entidade intitulada: Nação Zumbi - Organização da Juventude Afro-Brasileira e futuramente articularmos a produção do disco coletânea em Vinil Tributo a Zumbi. Este disco marcava o ano centenário de sua morte e uma sequência de ações por todo país, fechando a homenagem a essa grande liderança com a Marcha dos 100 mil negros e negras no Congresso Nacional em Brasília; com várias pautas e uma delas a polêmica da “Reparações já” que previa o ressarcimento da dívida que o país tinha (e tem) com os povos negros e indígenas. Lá pedíamos o acerto em quantia real de todos esses anos que o Estado Brasileiro deve a cada cidadão negro, cada cidadã negra pelo país, e isto gerou grandes polêmicas e conflitos, e até hoje tem provocado discussões dentro e fora do movimento negro, pois a dívida que o país tem com o povo negro e indígenas vai além de simples pedaço de chão, ou simples quantia em dinheiro, e até hoje não estamos resumidos a simples sistema de cotas. Após essa aproximação ao movimento negro o Hip Hop Capixaba foi aproximar-se de outros movimentos sociais como Direitos Humanos, Sem Terra e Sem Teto, como tantos outros que lutam por direitos pra maioria, isso ajudou o Hip Hop a construir um discurso mais politizado e contundente.

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Ao final da década de 90 com o bum de algumas tecnologias, principalmente o CD e a Internet. Tudo mudou. O cenário capixaba já firmado por um movimento consistente e de grupos que viam, além de produzir os eventos nacionais, onde tinham a presença de artistas renomados do meio, ainda primavam em dar qualidade em suas produções musicais e firmarem como produtores culturais. Hoje um agente proliferador da música Rap e da cultura Hip Hop (Breaking, Graffiti, DJ, e MC) nacional e internacional, o Universo Hip Hop iniciado pelas mãos do Renegrado Jorge e L. Brau é pioneiro do gênero no estado e um dos pioneiros no Brasil. No ar desde 13 de março de 1997, o programa realiza sorteios semanais, promove entrevistas ocasionais e divulga lançamentos e informações sobre eventos ligados à cultura urbana local. O programa conta com os quadros: Papo-reto, que tem a apresentação especial de Pandora e produção de Edson Sagaz e o Hip Hop Notícias, com a Jornalista Duane, todos os domingos, de 18h às 20h, apresentação: L.Brau, Fredone. Assim fecho essa parte de nossa história dizendo o seguinte: se queres mais informações sobre a cultura Hip Hop continue voltando, pois mais será revelado. Nossa história tem uma enorme reticência, sendo contada pela nova escola... E se não for pra somar nem entre na conta... suma!

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QUAL CULTURA? Por Issa Paz, São Paulo De qual cultura ele é? Qual cultura? A que luta pela periferia, com arte, educação ou a que cultua mulher nua em objetificação? A que combate opressão como forma de expressão ou a que não se move nem se comove com a vítima da agressão? Em qual cultura é que ele atua? Aquela que só trás culpa pra quem sofre nessa estrutura ou a que transforma, a que mutua Alicerce que emerge e não recua? Qual cultura que me conceitua pra que a mente evolua? E qual me chama de puta pra que me diminua? Assuma! Qual sua cultura? Que vem da quebrada da rua que milita e o prédio ocupa que constrói contra a ditadura ou a que aponta e machuca? Não reflete, não atura minha luta Não entende? Não situa? Se situa! Cultura em movimento do intelecto presente É diferente da cultura que estupra e que consente Que apreende e não aprende, muito diferente da cultura que me acolhe e eu escolho consciente

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Então responde! Uma cultura acrescenta e outra reduz nosso valor e é impossível ser das duas ao mesmo tempo ou você é da cultura dos 5 elementos ou é da cultura de Jack e estuprador Aprende uma coisa, anota e se importe: quem é da cultura do estupro não pode ser da Cultura Hip Hop!

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ENTRE TRAGÉDIAS E RIMAS, VENCI! Por Madin MC, Samambaia - DF Sou o Douglas, conhecido como Madin MC, 17 anos, morador de Samambaia, mais uma periferia de Brasília. Cresci com pai, irmãos e primos envolvidos com a música, samba e pagode. Minha mãe? Uma das maiores poetisas da comunidade onde morava, chegou a ganhar um Concurso de Poesias com alunxs escritorxs da Rede Pública de Ensino de Brasília. Se hoje faço rimas, posso afirmar que a música e o “talento” estão cravados em meu DNA, e esta herança me fez querer cada vez mais participar deste “mundo cultural”. Contrariando os gostos de uma família pagodeira, desde os 4 anos de idade me interessava pela dança e música do Hip Hop. Eu causava, me sentia fantástico! Ainda tão pequeno sentia-me feliz, pulava e cantava, bastava tocar um som do Akon, do Nelly ou Chris Brown. Se existiu felicidade em minha infância, digo que foi essa. O tempo foi passando e dos 8 aos 11 anos estava sempre em Casas de Shows acompanhando a carreira do meu pai. Nunca deixei de amar o samba e o pagode e isso nunca deixou de ser fascinante para mim. Treinava, insistia, mas nunca consegui tocar nenhum instrumento. O pagode é uma música calorosa e amorosa, mas infelizmente, esse calor e amor ficaram apenas no cavaco. Meus pais brigavam muito, foram se afastando até que a separação foi definitiva, mas “tragédia” maior estava por vir. Em 2011 eu sofri um acidente doméstico envolvendo queimaduras de 3° grau, no qual queimei 35 % do meu corpo. Fui levado de Brasília em uma ambulância a base de morfina rumo a Goiânia, para o único hospital com UTI que tratava pacientes com queimaduras e que poderia, naquele momento, me tratar.

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Fiquei 15 dias UTI entre transfusão de sangue, raspagens e cirurgias a cada 2 dias. Não foi fácil para mim e para meus pais. Minha mãe chegou a ouvir o médico dizer para ela se apegar em Deus e que só por um milagre eu sobreviveria, pois a bactéria que estava em minhas queimaduras se espalhava cada vez mais em meu corpo. Quase fiquei cego e quase perdi meu cabelo que foi por onde o fogo começou. Graças a Deus eu sobrevivi, e como os médicos disseram, eu fui um milagre. Fora meus pais, só eu sei a grande dor em que passei, principalmente com as fisioterapias e cirurgias, que ao todo foram nove. Recentemente passei por mais um procedimento, pois não conseguia esticar meu braço esquerdo, sendo necessária uma cirurgia no tendão, pois conforme vou crescendo vai me atrofiando. Após 1 ano do acidente era vergonhoso, doloroso e depressivo frequentar a escola, pois era o alvo predileto de piadas, insultos e apelidos. Aprendi não nos livros ou em aulas, mas na prática o que é o Bullyng. Lembro-me de apaixonar-me por uma garota, mas esta sentia nojo de minhas cicatrizes, me discriminar. Não foi a primeira e nem a última. Era difícil lutar contra isso, como se eu fosse um monstro. Mas um dia resolvi assistir uma batalha de rimas que funcionava da seguinte forma: Um oponente canta/improvisa de 4 a 8 versos de rimas para atacar e ou responder o adversário com rimas ideológicas ou rimas de zoeira, contendo criatividade e conteúdo. Assistindo, me interessei e procurei o nome de alguns MC’s no facebook. Descobri que eram de Brasília e as batalhas também aconteciam na cidade, foi aí que passei a assistir inúmeros vídeos, pedi dicas para minha mãe e fui criando coragem pra meter a cara e ir a uma destas batalhas.

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Isso tomou uma proporção enorme. Fui ficando conhecido nesse ramo, venci algumas batalhas em evento grandes, até que chegou às escolas, nas redes e o Bullyng diminuiu, passei a ser respeitado. Não focavam mais nas minhas queimaduras e sim no garoto que sabia rimar, que fazia Freestyle. As batalhas de rima e o Rap me ajudaram a me aceitar, a combater essa dificuldade. Nas batalhas hoje em dia ainda usam trocadilhos e piadas em relação a minha queimadura, ignorando todo o sofrimento que passei, mas mantenho a cabeça erguida, sei que minha postura firme é a melhor pedagogia para combater ignorância e intolerância. “É fácil me derrubar difícil é fazer com que eu fique no chão” Tenho alegria de dizer que sou conhecido em cidades e diversos estados, seja com as rimas improvisadas ou mesmo um música gravada de forma amadora, que alcançou dezenas de milhares de visualizações, algo que me orgulha, pois sendo um jovem negro e periférico, sem condições financeiras pra pagar impulsionamentos ou divulgação, atingi um grande número de pessoas. E a estas pessoas sou grato, principalmente a minha mãe, pois sem ela nada disso seria possível. Das tragédias e desrespeitos que enfrentei, posso dizer que estou vencendo, estou trabalhando! Nos últimos meses venho realizando meu sonho de gravar minhas músicas e realmente fazer acontecer. Com trabalho e esforço lançarei meu primeiro EP em 2017 e farei dar certo! Sonho em ver meu som tocando nos lugares, fazer shows e mostrar pra aqueles que me discriminam que EU SOU CAPAZ. Sou o Douglas, conhecido como Madin MC, 17 anos, morador de Samambaia, mais uma periferia de Brasília. Saiba que independente da idade, dificuldades ou tristezas que nos ro-

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deiam, podemos sonhar, podemos trabalhar, sorrir e curtir. Por aqui, eu sei que vou bancar aquela casa dos sonhos de minha coroa, eu sei!

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A TRAJETÓRIA DE UM SONHO Por Guerreira Lilian, Entorno Sul - Goiás Desde pequena notei que minha família tinha um elo, uma ligação muito forte com as músicas, ouviam belas canções. Meu pai ouvia muito jazz, blues e soul, cresci ouvindo Ray Charles. Já meus irmãos sempre ouviam músicas românticas dos anos 70 e 80, bem como funk, charme e R&B. E eu lá, bem pequena, admirando a riqueza e beleza da música. Mas aos 12 anos de idade algo bateu mais forte, quando ouvi aqueles pesos, algo mexeu comigo. Até aí não compreendia a dimensão ou o significado, pois ainda era imatura. Em minha rua tinha uma galera sonhadora, cheia de desejos e paixões pelo Miami Bass e eu, bem nova e curiosa, ficava perto, mas bem perto observando e sentindo toda a vibração, ficava ansiosa esperando o final de semana para vê-los dançar. Essa paixão eu dividia com os domingos de banho no córrego, brincando e ouvindo os toca fitas, até às 5 da tarde quando falava junto com a vinheta: Mix Mania, com um sorriso lindo e pequeno no rosto. O tempo foi passando e eu ali na minha casa, no meu mundo, no meu cotidiano, com um objetivo na mente: o Rap. Minha família achava que eu era meio maluca, pois ouvia a todo o momento essa música, lembro até de vezes que saia da escola ou matava aula para ir à casa de pessoas que tinham mais fitas, revistas e matérias sobre o Hip Hop, eu a pequena Lilian no meio dos grandes, era demais! Fui crescendo e comecei a frequentar Bailes Rap, mesmo muito tímida e com poucas amizades, ficava no canto do baile e ali pensamentos voavam como ventos. Fui mergulhando neste universo e arrisquei a própria vida nas madrugadas pra ficar perto deste amor. Lembro que já fui

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a pé de uma cidade para outra, pois não tinha recursos, nem para o ônibus, nem para entrar nos eventos, porém, uma coisa não faltava: a esperança de alguém colocar-me dentro do salão (risos). Em 1999 tudo mudou no Entorno Sul, região próxima ao Distrito Federal. Surgiram inúmeros grupos, talentos... E eu queria mais, queria mais que assistir os grupos debaixo de um palco, me perguntava: por que não posso passar minha mensagem também, por que nunca vejo uma mulher ali? Sonhadora, mas não sabia da missa a metade. Daí passei a pesquisar sobre a real história dos elementos do Hip Hop, prestei mais atenção nas letras dos grupos, nas mensagens, não tínhamos um Google, revistas; era difícil, mas garimpava tudo. Conhecia pessoas que possuíam aparelhos videocassete, estes, gravavam documentários sobre o Rap, clipes que passavam esporadicamente na TV, comerciais e me mostravam. Aquela garotinha pequena foi crescendo, a mente mudou tudo com um propósito: RAP NA VEIA. Acredito que em nossas vidas sempre vem algo pra nos mudar, e minha mudança foi pra melhor. Eu conheci um cara que mudou a minha vida, me fez enxergar mais lindo, me fez acreditar que tudo é possível na vida, “acredita, nós somos capazes” ele dizia. DJ WRap, meu amigo, cúmplice de toda minha história, meu namorado, meu esposo, me alimentou e me ensinou quando e como prosseguir sem pisar em ninguém. Eu crescia, amadurecia, até que em 2001 fui chamada para compor um grupo de Rap Feminino, senti um baque tão forte, pois nem sabia como segurar um microfone, como manusea-lo em minhas mãos. Ficava muito assustada e nervosa, tanto que me tiraram do grupo, pois entendiam que eu não

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levava jeito pra coisa, e ali, retornei ao público. Mas o mundo gira. Em 2003 o Preto Nagô, meu cunhado, havia formado um grupo no Pedregal, chamado RDF. Ele sabia que eu cantava, já tinha até escutado gravação feita por mim, logo me chamou pra participar de uma música. Foi através desta música chamada ‘A resistência tá chamando pra guerra’, que nasceu a Sra. GUERREIRA LILIAN. Não parei mais! Eu, meu esposo, meu cunhado. Nossa história, nossa cidade, nossas lutas. Decidimos formar o grupo AfroDinâmincaRima. “Negra Ativa” e “Tu colhes o que plantas”, foram nossas primeiras músicas. No decorrer de mais de treze anos no Rap participei de vários projetos e muitas colaborações. Sempre com profissionalismo e respeito a todas e todos, tanto que, a maioria de minhas amizades adquiri no Hip Hop. São vários corres, vários cantos, seja ao lado da grande Vera Verônika, seja ao lado do Coletivo Donas da Rima, trabalho solo ou em grupo, sigo sonhando e lutando contra este sistema. De minha infância à juventude, sofri a dor do racismo e machismo, sendo mulher negra, pobre e moradora do Céu Azul – GO, fui discriminada, mas o Rap me acolheu, ajudou-me a alicerçar minha vida, oportunizou conhecimento e reconhecimento, mas isto não me livrou de também vivenciar o machismo no mesmo Rap. Por fim, eu, Guerreira Lílian, luto pra ser uma referência para que outras mulheres negras sigam seus objetivos, lutem, acreditem, saibam que somos muitas! Sejamos determinadas e sábias. Minha gratidão.

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O FILHO DO AMPARO Por Tarcísio Pinheiro, Samambaia - DF Sobrevivente de uma prole negra e pobre mais um filho nascido de uma mãe explorada por uma classe nobre Órfão de pai aos seis de idade dura realidade minha mãe foi uma heroína de verdade. Viúva aos 36 em julho de 1986 Uma fatalidade em meio à dor e Lamento sentindo um vazio por dentro rompeu-se um elo de ligamento meu pai vítima de atropelamento Tempo difícil! Início de uma trajetória severa nada fazia sentido eu estava perdido na terra sem referência paterna Dias depois do sepultamento aumentou o tormento fomos despejados ficamos ao relento eu e meus irmãos, chorávamos do lado de fora e minha mãe gritava do lado de dentro Arrastada por policiais golpes brutais desespero e clemência não contiveram a truculência desses animais a ordem de despejo foi eficaz

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derrubaram o madeirite e deixaram só entulho para traz E agora como é que vai ficar? O que fazer? Impotente diante dos lacaios do poder Mais uma família desabrigada sem lar sem saída, sem um teto para habitar oito crianças em idade escolar com tanta treta nem dava para raciocinar De repente uma solução emergente minha mãe mandou um filho para casa de cada parente Depois de muita luta a família se junta sem muita perspectiva O trampo de faxineira foi à única maneira achada para retomar a vida embora minha mãe, uma senhora depressiva entregue a bebida mesmo assim em casa nunca faltava comida A mesa não era sortida mas não faltavam arroz e feijão no café da manhã às vezes não tinha pão mas se pá no jantar tinha até ovos com macarrão simplicidade que me traz recordação Vivendo uma vida sofrida correndo atrás de uma saída que lhe traga outra perspectiva Futuro obscuro cheio de ilusão sobrevivendo nessa guerra em uma batalha eterna

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sem referência paterna junto com seus irmãos O tempo passa, mas as dificuldades não resistência num cenário de exclusão e as dificuldades viram superação Mas na vida nada vem de graça essa história se passa na cidade na caça no trampo na raça nas ruas nas praças na infância perdida desassistida crescendo no meio de tanta injustiça As andanças da vida foram transformando o menino inocente em um filho do gueto de mente consciente Mas nem sempre foi assim às vezes a raiva e o ódio depositados em mim queimavam como pólvora em chamas ao acender do estopim De repente me pego pensando nessa loucura sem censura faço uma mistura de insanidades e devaneios com a mente em ebulição sem direção desgovernada feito uma locomotiva sem freios Transformo o ódio em versos à raiva em protesto e a fúria em rima

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nasce o Hip Hop em Mim que me trouxe ensinamentos disciplina e conhecimento Enfim me ensinou a direcionar a revolta ao opressor e não cair nas armadilhas que fizeram pra mim Minha mãe fazia tudo que podia nunca vi ela se lamentar depois de muito batalhar ela nos garantiu um lar mas não tinha tempo para nos educar faltava estrutura familiar Mesmo assim resolvi não me entregar quando moleque eu já conseguia conciliar um tempo entre a escola a bola e a caixa de engraxar O tempo passava e a situação não mudava trabalhava na obra estudava pra prova meu currículo era foda! experiência profissional: vendedor de amendoim jujuba e paçoca Lá estava eu no sinal gritando é três por um real honrando a memória de meu pai Sr. Demerval pai de família trabalhador até hoje a minha referência no senhor Várias coisas vendia era muita correria na Rodô olha a cerveja no isopor

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corre que o rapa chegou malandro que vacila perde a mercadoria Vichiiiiii Maria se eu perder minha caixa Ai eu quero só ver se a AGEFIS vai devolver de graça vou ter que pagar uma taxa vender em outra praça para refazer o caixa Domingo na feira não era brincadeira, levantava as três para montar a banca de verduras do japonês Ganhava mixaria mas no final do dia ele me dava muita mercadoria pra eu levar pra casa e quanto chegava era só alegria Isso acontecia em meados de 1996 eu tinha entre 15 e 16 trabalhava estudava mas a grana não dava e acabava logo no começo do mês Logicamente hoje não é muito diferente trabalho trabalho trabalho mas nunca é o suficiente para garantir uma renda decente A adolescência foi foda mas logo passou

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com 20 uma nova família se formou o meu primeiro filho nasceu e recebeu o nome do avô com 28 veio à filha Gabriela e foi o irmão quem deu esse nome para ela Agora o bang é mais louco desempregado no maior sufoco de obra em obra conseguia garimpar um troco Depois de trampar de servente de pedreiro arrumei um emprego de faxineiro na faculdade eu era o cara que varria a sala e lavava o banheiro Mas não desisti do canudo não larguei os estudos apesar disso tudo Não me entreguei ao opressor ouvi os conselhos do meu professor mesmo perseguido pela classe e pela cor com alcunha de bandido não fiz o jogo do inimigo Na mesma faculdade onde eu varria o chão e lavava banheiro eu me graduei e arrumei outro emprego agora minha capacitação profissional não se restringe a serviço braçal porém ainda refém da segregação social minha qualificação profissional de nada vale quando olham meu endereço para contrariar o sistema

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eu pago um alto preço Sigo sonhando com um futuro melhor porque sei que não estou só são vários parceiros que como eu também sofreram e não se entregaram nas nossas veias correm sangue de guerreiros escravizados que lutaram e se libertaram Não fui para o crime porque este destino eu já conheço para garantir um pouco de grana ainda preciso levantar a cinco em ponto da cama mas não vou me render porque o sistema não me arrebanha Ei opressor tenho um recado para você: as pancadas que você me deu não me matou só me fortaleceu Histórias gravadas na memória que não saem da minha mente agora retratam e relatam a biografia de mais um sobrevivente.

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QUER CASAR COMIGO? Por Sara Donato, São Paulo Podemos dizer que nós dois temos certa intimidade sabe? Apaixonei-me desde a primeira vez que ouvi sua voz, como podia ser tão sincero e expressivo? Primeira vez que o vi me chamou atenção, aliás, alguém de cabeça pra baixo rodando no chão é bem chamativo né? Pois bem, eu parei e observei cada passo, eu procurei e finalmente encontrei. Eu queria estar nos lugares que você frequentava e meio sem jeito queria te trazer pra perto. Lembro como se fosse hoje o dia em que te vi no centro da cidade, uma roda e você ali, trasbordando energia e com cada passo me fascinava. Sabe amor, eu sou grata por ter você em minha vida e me sinto até privilegiada por lhe ter ao meu lado desde meus 13 anos de idade. Lembro de cada show, lembro de cada multa no busão pra ir te ver, lembro de quantas horas eu passei dentro de um ônibus esperando ansiosamente pra chegar e ter você por perto. E seus riscos pelas paredes matavam um pouco minha saudade e mesmo longe te sentia presente. Você foi ferramenta essencial pra nossa desconstrução, pro meu crescimento pessoal e profissional, dá pra acreditar? Hoje comemoramos uma década juntos, hoje comemoro poder lhe ter em minha vida, sem ciúmes e traições, nosso amor é livre. Acredito que todos deveriam ter a experiência de compartilhar vidas e sonhos. Construí nossa casa no interior para onde fujo pra me acalmar da selva de pedra. E hoje viajamos pelo Brasil, juntos e com um só ideal: TRANSFORMAR VIDAS! E sou eternamente grata

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por vocĂŞ ter me salvado. HIP HOP, obrigada por existir e resistir! Meu amor ĂŠ incondicional, aceita casar comigo?

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A CIDADE DAS CACHOEIRAS Por MC Murcego, Goiás A caminhada sempre foi dura com o Hip Hop ou sem o Hip Hop. Fico pensando em como o movimento pode transformar a realidade de uma cidade/comunidade. PIRENÓPOLIS, cidade turística do interior goiano em sua plenitude sempre foi e ainda é uma cidade preconceituosa, xenófoba, tradicionalista, coronelista e racista. Cidade esta que reconhece apenas os seus cidadãos (homens) de famílias tradicionais, geralmente famílias ricas. Em 2007, quando fui realizar a primeira edição do PiriRap Seminário da Cultura Hip Hop, enfrentamos todos os tipos de problemas: primeiro a Prefeitura não queria liberar o alvará, a polícia civil e a militar não quiseram assinar pedidos de colaboração, a população atacava a realização do evento - que por sinal foi um sucesso. Hoje com 10 edições realizadas, consigo ver a mudança e o crescente respeito que o evento já conquistou, pois colhemos os frutos em ver, cada vez mais pessoas aderindo e simpatizando com as práticas e colaborações que o Hip Hop traz em sua riqueza e diversidade. Lembro que no começo eu achava que tudo era festa, não pensava no momento seguinte, não pensava no próximo. Gostava mesmo era de curtir, ficar bêbado, azarar as minas. Há sim certo saudosismo, mas mudei realmente quando comecei a entender o real e verdadeiro sentido de fazer, viver e ser Hip Hop. Hoje me deparo com crianças e adolescentes que vi crescer e se criar, muitos estão juntos desde a quarta edição do PiriRap, momento em que inserimos as oficinas dos 4 elementos e palestras sobre cidadania e temas voltados à juventude e adolescência.

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É muito bom ver a cidade e a comunidade começando a quebrar os tabus impostos por uma política e tradição egoísta que não reconhece os talentos e nem a criatividade do povo pobre, descendentes de negros e negras escravizadas, que construíram as belezas da cidade turística. É muito bom ver a cidade e a comunidade começando a quebrar os tabus impostos por uma política e tradição egoísta que não reconhece os talentos e nem a criatividade do povo pobre, principalmente daqueles e daquelas que moram no bairro do Bonfim, considerado a periferia e o lugar problema do município. Como todos e todas sabem sempre há dois lados da história e em PIRENÓPOLIS não é diferente, há outra face da história e esta outra face é longa, cheia de crimes, preconceitos e muita traição. Fundada em 1727, hoje Piri, como é carinhosamente conhecida, é considerada o berço da cultura e da imprensa goiana, cidade de Matutino Meia Pontense, primeiro jornal impresso do estado, terra de cavaleiros mascarados, das pedras, casarões e cachoeiras. Terra de Minas do Rosário, lendas das pepitas de esmeralda amarelo, dos cachos de banana fundidos a ouro puro a mando de Portugal. Terra de Coronel Sargento Mor e de todo poderoso Frota, homem rico ao ponto das filhas andarem com pó de ouro nos cabelos. Terra de Veiga Vale, Ita e Alaor, Zezé de Camargo e Luciano. “O berço da cultura goiana”, berço que surrou, matou e roubou os negros até por volta de 1916, como dizem alguns historiadores, cidade esta que não aceita mudar e acrescentar novas formas de expressões e nem de novas lideranças culturais. O Hip Hop veio pra ficar, pra mudar e quebrar todos os paradigmas desse império criado pra manter Casa Grande, seja na pedreira, na roça ou até mesmo no turismo onde as mesmas pessoas de sempre detém todos os lucros e mantém trabalho quase escravo.

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(...) Na cidade das cachoeiras os moleques vivem na neurose Os donos do centro histórico não conhecem a silicose. A alegria no rosário vem através do copo de conhaque Onde quem usufrui não é atormentado pelo crack Nunca vi num cartão postal rua cheia de dependente E turista embriagado? Não faz parte da nossa gente A viatura posicionada só multa o povo da cidade Os ricos que bebem e prostituem, tem liberdade Quantos flashes, quantos risos, presentes e lembranças Cidade turística, verde da esperança Na terra dos pireneus, Piri tem boa hospitalidade Cidade foi vendida ao visitante e falta a liberdade Seria muito bom se fosse assim Mas a realidade é diferente pra quem vive no Bonfim Trabalho e escravos, dependência do patrão Que explora a montanha de pedra em meio à multidão. A diferença se destaca em quem nasceu em berço de ouro Herdou da família o nome que é dono do tesouro A mesma que espanca moleque de rua com arame Moram em casas antigas, faz jus à Casa Grande. Na cidade das cachoeiras o

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sobrenome tem prestígio, Não leva bacú dos homi nem é chamado de bandido. A alegria dos moleques é a folia e a cachaça Onde meninas de 16 engravidam nas barracas Na cidade das cachoeiras o sobrenome tem prestígio, Não leva bacú dos homi nem é chamado de bandido. A alegria dos moleques é a cachaça e o cigarro Na folia entorta o caneco pra morrer em acidente de carro. (...)

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O HIP HOP SALVOU MINHA VIDA Por Mano Rap, Mato Grosso Salvê rapaziada! Salvê periferia! De cá Adriano Monteiro, vulgo Mano Rap, diretamente do Estado de Mato Grosso, mais precisamente Bairro Mapim - Cidade de Várzea Grande. Nosso diálogo tem um mote, saca? Trata sobre como “o Movimento Hip Hop salvou Minha vida”, mas antes quero agradecer esse mano que faz muito pela cultura Hip Hop do DF, Markão Aborígine, nos conhecemos na RECID - Rede de Educação Cidadã no ano de 2010, onde até a data de hoje nossas correntes são fortalecidas através da consciência e união existente dentro do Hip Hop. Meu primeiro contato com o Hip Hop aconteceu quando tinha uns 12 anos de idade, onde meu irmão Luiz Carlos, cantava para mim a música do rapper Thaíde, chamada “Corpo fechado”, e eu me identificava demais com este trecho da música: Meu Nome é Thaíde e não tenho RG não tenho CIC, perdi a profissional nasci numa favela de parto natural (...)

Em seguida conheci os Irmãos Metralha, Ndee Naldinho. O Hip Hop foi algo que surgiu de forma muito forte em minha vida. O poder da música Rap fez nascer, outra pessoa dentro de mim, me levando a observar a realidade da vida de uma forma bem diferente. Nessa época, já com 14 anos de idade, conhecia bem a realidade das ruas, aliás, a rua sempre foi parceira, nunca me deixou enganado, sempre mostrou sua face perigosa, violenta e cheia de armadilhas, a rua sempre foi bem clara comigo, mostrando seus labirintos, seus campos minados e suas

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caixinhas de surpresa. Entender a realidade da rua era algo muito fácil, difícil é você caminhar sobre ela, sonhando em ser alguém morando em uma comunidade bem pobre. O Hip Hop me fez entender que na periferia você pode encontrar diversos caminhos diferentes, caminho estes que te levam a morte precoce, caminhos que te levam a uma vida de dependência, caminhos que te levam a viver uma vida privada e ao mesmo tempo caminhos de sonhos e lutas, pois são nesses momentos que a cultura Hip Hop vem dialogando de forma verdadeira sobre as realidades das ruas, salvando vidas e apresentado para os jovens um caminho diferente. Caminhos de paz, amor, justiça e liberdade, gerando uma razão para se viver, por isso digo que o Movimento Hip Hop salvou minha vida! Acredito, eu, que os manos da minha época, que entraram para o movimento Hip Hop, eram em maioria membros de gangues, pois nesse tempo era comum tal participação, bem como, as guerras entre os bairros. As tretas sempre aconteciam na saída da escola, na saída dos bailes, nessa hora bicho pegava, mas silenciosamente ou pedagogicamente nossas diferenças eram resolvidas através da dança, com isso várias gangues se transformaram em grupos de Funk original. Aqui em Mato Grosso as festas eram sempre realizadas nas escolas e foi lá onde tudo começou, onde eu cantei meu primeiro Rap. Sabe por que o movimento Hip Hop salvou minha vida? Porque é comum ele se manifestar nos lugares mais distantes do centro da cidade, entre ruas, becos, vielas e valados, onde a juventude é criminalizada. São nesses lugares que o movimento Hip Hop salva vidas. Sobreviver na periferia da cidade de Várzea Grande é um desafio para qualquer jovem negro e pobre, pois a realidade é du-

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ra, você precisa ser forte, matar um leão todo dia, a cada instante tomar uma decisão, que não é uma coisa fácil, diga-se de passagem! Que caminho seguir? Como seguir? O que vou ser na vida? Perguntas que fazemos constantemente para nós mesmos, até de forma sufocante. Uma vez sabendo que o crime e as drogas estão muito próximos do nosso cotidiano de vida, fugir dessa realidade para alguns jovens se torna algo extremamente difícil, não é fácil, não foi fácil para mim, quando se ouve, que você é fruto do meio em que vive aí o bagulho é louco! Onde trilha sonora é tiro, você se encontra sem perspectiva, sem rumo, desacreditado sobrevivendo em meio a uma guerra não declarada, aonde a qualquer momento você pode ser o próximo da lista ou carta marcada de um jogo manipulado pelo sistema, onde você pode ser o próximo a ser exterminado antes dos 20 anos, sem ter comprado uma panela de pressão para sua mãe. Mas mais uma vez vem o Hip Hop dizendo para você: é possível caminhar, vem comigo que o caminho é por aqui, você vai andar pelas ruas de terra, mas não vai consumir drogas, você vai andar pelas casas de compensados, mas não vai consumir bebidas, você vai andar no meio da função sem prática de furto, sem latrocínio. O HipHop é foda! Sim, o Hip Hop salvou minha vida, me transformou em um Rapper, só que um Rapper consciente, com um discurso político forte e contundente, capaz de confrontar o sistema, abrindo novas portas para a juventude da periferia, pois quando eu me dei conta, eu já era o Mano Rap, e já estava organizando meu primeiro evento HIP HOP Comunidade. Estavam comigo um exército de jovens e todos trabalhando em comunidade. Nessa época eu cantava um dos clássicos do Rap cuiabano chamado Eu sou o Rap!

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Eu sou do Rap tô na cena maloqueiro eu rimo com os manos, eu rimo com os parceiro eu sou do Rap, sou do soul, eu sou do Black quem é de verdade representa não esquece quem é de mentira a cabeça enlouquece viaja todo instante e na rima aborrece.

Foram dois anos de muitos trabalhos e formação política, eu sabia que eu tinha uma missão, então fundamos a Nação Hip Hop Brasil MT, e saímos nas escolas realizando oficinas de Hip Hop alcançando outros jovens, difundindo os elementos. Atualmente desenvolvo um projeto social em minha comunidade, por meio de oficinas de Hip Hop semanais. Transformação social, aglutinação de jovens. Nesse processo todo surgiram diversos grupos de Rap, onde destaco: “Conduta do Gueto” e “Quadra 8”. Quando eu vejo esses manos cantando, fazendo seus corre, fico maravilhado, pois eu vejo a continuidade do trabalho nas vidas deles, isso não tem preço. Hoje tudo isso tem um peso e uma certeza: O HIP HOP SALVOU MINHA VIDA!

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RELATOS DO NORTE Por F’DOIS – Porto Velho, RO Porto Velho, 05 de outubro de 1996. Foi nesse dia que Fábio Carvalho da Silva, nascido em Porto Velho – Rondônia, extremo norte do país, teve o primeiro contato com o Rap. Sei que a região norte nunca foi – infelizmente – acolhedora ao Hip Hop, pois esta cultura era tratada como algo de arruaceiro, malandros e marginais, era visto como abominação pelos mais velhos. Por aqui predominavam e predominam o Forró, Carimbó, Sertanejo, Quadrilhas e ritmos culturais da terra. Mas foram com as músicas polêmicas, versos e batidas fortes, dança única e extravagante que me identifiquei. Daqui, da região norte do país, que não é apenas a Floresta Amazônica, mas sim o território de Rondônia, Roraima, Amazonas e Acre, saíram grandes nomes, grandes atores, músicos e escritores, mas você já ouviu falar de um Rapper vindo desta região? Eu sou do norte tenho que ser três vezes melhor.

Esta frase sintetiza a dificuldade que enfrentamos cotidianamente, não apenas na cultura, no Rap, mas também no acesso a políticas públicas. Temos aqui grandes monstros da poesia, compositores, músicos e Rapper’s que no entanto, não conseguem o destaque ou reconhecimento devido dado à hegemonia ou centralização do acesso e do olhar no Brasil. É bem mais fácil um artista de outro lugar, caracterizar-se e ou apropriar-se de nossa cultura, cantar as belezas da região amazônica e ser aplaudido, que um nortista ser reconhecido.

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Dito isto, refletindo a diferença no tratamento e no olhar, gostaria de apresentar um pouco de minha história. Iniciei minha trajetória no Rap em 2005 ao lado de dois amigos d’um grupo de Breaking que fiz parte, porém acabei seguindo sozinho. Nunca tinha escrito nada, mas era íntimo do Rap, então fiz o que todo bom Rapper faz: falei sobre minha quebrada. Sem recursos, nem profissionais capacitados, gravei a música ‘Lado Leste’, utilizando um microfone que também era fone de ouvido em cima de uma instrumental que era a introdução de um programa de produção musical. Gravamos 10 CD’s e espalhamos esta única música para os amigos, logo, o ‘Lado Leste’ espalhava-se por inúmeros celulares. Por aqui havia grupos como: “FAMÍLIA ATITUDE CENTRAL”, “B.O.C.A”, “QUILOMBOCLADA”, “MUMU DE ROCHA”, “MR. RIMADOR”, aconteciam grandes eventos com Racionais MC’s e Facção Central, bem como encontros e rodas de Breaking. Em 2010, numa parceria com o grupo de apoio ‘Etno Ambiental KANINDÉ’ o MHF - Movimento Hip Hop da Floresta, trouxe para Porto Velho o Renomado produtor musical brasiliense Claudio Raffaello Santoro, conhecido como DJ RAFFA para atuar num Ponto de Cultura da região. A proposta inicial era produzir uma Coletânea com grupos locais, mas acabou não acontecendo. Eu fui convidado para acompanhar o trabalho e acabei entrando no projeto e o que seria uma Coletânea tornou-se dois CD’s solos de F’DOIS e COMUNIDADE MANOÁ, um grupo diretamente ligado ao regionalismo local. DJ Raffa viu em mim, algo que nem eu mesmo tinha visto, acreditou e me apoiou, gravamos nosso primeiro vídeo clipe. Era um corre deslocar-me para o Ponto de Cultura. Faltava muito para terminar o CD e o tempo era curtíssimo, assim resolvi arrumar as malas, fazer as contas e descer pra Brasília. De cara participei do Festival Hip Hop do Cerrado, levando o nome de mi-

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nha cidade e de meu estado. Ali conheci grandes nomes e fiz parcerias musicais, mas por dificuldades financeiras interrompemos o sonho e tive que retornar. Em meados de 2014 fui mais uma vez a Brasília, trabalhamos firme, terminamos a gravação, mas surgiu a grande pergunta: e agora, o que fazer, como prensar o CD? Entre as calculadoras, folhas rabiscadas e planejamentos, recebi a notícia que seria pai. Ser pai não lhe impede de sonhar, pelo contrário, lhe dá mais força para vencer, mas isso requer responsabilidade, coloquei o projeto do CD numa gaveta e pensei em minha filha, que nasceu em 02 de novembro de 2015. É treta! Por aqui cê tem que ser ligeiro, se não logo será esquecido. Mas em 2016 recebi a notícia do meu grande amigo DJ Raffa que meu CD seria prensado. Alguns meses depois recebi as caixas, abri, olhei apaixonadamente para o CD, folheava e cheirava o encarte, louco. Mas logo surgiu a questão: se eu trabalhei tanto pra fazer um nome, produzir um trabalho digno de falar “eu sou do norte” e não tenho reconhecimento dos meus, onde errei, por que eu fiz? Obtive essa resposta quando fiz um Show em Brasília e vi as pessoas cantando meu som e querendo o meu trabalho. Descobri que o reconhecimento de casa é importantíssimo, mas só é legítimo quando o aplauso é daquele que nunca viu você! Não basta vir aqui ou ler e falar daqui, tem que viver para saber. Ser nortista é mais que sotaque, é mais que um horário, é mais do que o verde intenso. Ser do norte é uma honra em meio a um mundo cinzento. Eu faço cada verso acreditando que um dia a minha hora, aliás, que nossa hora vai chegar; que as cores, riquezas e sabores do norte vão ecoar pelo Brasil, mas que, os problemas e sofrimento do povo norte, também serão considerados problemas e sofrimento do povo do Brasil.

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CANTANDO PESADO... COMO MULHER! Por Ariane, Minas do Gueto, Distrito Federal Eu tinha apenas 12 anos e já era extremamente apaixonada por tudo que via e ouvia sobre o Hip Hop, sua dança, suas tintas e principalmente sua música. Era lindo ver o Breaking... Entrei na roda. Era lindo ouvir as rimas... Me fiz MC. No início foram inúmeras críticas e descrença, pois eu jamais seria capaz de cantar igual aos homens, cantar pesado igual aos homens. Dizem que preconceito é ignorância, certo? Concordo, pois nunca quis cantar como homens, quis cantar pesado como mulher, pesado como a vida pesada das mulheres. Não desisti, mesmo ouvindo que “aquilo lá é música de malandro”. Enfrentava não apenas o machismo como sistema de exclusão, mas o preconceito também dentro de casa. Não desisti, mas nem imaginava que a caminhada seria tão difícil, porém havia em mim um sonho e queria continuar. Durante minha trajetória encontrei vários obstáculos, mas também muitos parceiros talentosos e que me ajudaram a prosseguir. Lembra-se do preconceito dentro de casa? Foi vencido, pois o Rap me ajudou e muito a não me envolver na malandragem, porque nascida e criada na periferia, filha de uma cozinheira e mãe solteira, ele me disse que eu era maior do que tudo que o sistema me oferecia. Em 2004 formei o grupo MINAS DO GUETO, época que conheci uma pessoa maravilhosa e até hoje um grande amigo: Lio, do grupo Liberdade Condicional. Ele confiou em meu talento e me ajudou, logo vi minha música nas rádios, shows, convites, reconhecimento nos quatro cantos das periferias brasileiras. Tenho 14 anos no Rap e não pretendo parar. O Rap me acalma, entende? Me acalma. Sinto orgulho em fazer parte desta cultura, que cresce cotidianamente, escuta o silêncio das vozes,

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colore nossas quebradas e resgata vidas. (...) Mãe me desculpe pela dor que te fiz passar Por tantas noites em claro Que te fiz chorar Eu quero tanto mãe o teu perdão Me desculpe pela dor que te fiz passar Por tantas noites em claro Que te fiz chorar Eu quero tanto mãe o teu perdão Perdoa mãe pela dor Que te fiz sentir nas madrugadas Quantas vezes cheguei tarde E você preocupada Eu devia ter te escutado Quando me aconselhou Agora estou sozinha Longe do teu amor, do seu olhar De suas mãos para me tocar Como é triste pra mim Ficar longe de você Mãe, mãe, me desculpe pela dor, por te fazer sofrer (...)

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NA QUEBRADA ERA O BATIDÃO BLACK Por P MC, Minas Gerais “Lembro-me muito bem” Lembro-me muito bem, década de 80 nos bailes de periferia lá para os lados de Juiz de Fora/MG, tocavam o original funk style que para nós da quebrada era o “Batidão Black”. E eu ainda moleque em 78, aprendia uns passos nas rodas de soul com os mais velhos de 19 e 23 anos, isso quando conseguia entrar escondido no baile, pois os “Di menor” da minha geração, tinha medo da Kombi do juizado de menores. Mesmo assim a gente colava e às vezes até fumava um careta escondido. Goró era só pra adulto. Das rodas de soul, fui testar meu swing e meus giros nas rodas de Breaking, mas tinha que saber dançar no alto (Popping/ Locking) e no chão (Breaking) tinha que se virar. E a molecada chegava junto. Ah! Era bão demais da conta, com toda aquela fusão musical, conceitual e muita identidade, isso eu afirmo com gosto. A trilha sonora era da pesada. Vinil? Até nas Lojas Americanas uma época vendia. Os LP’s, as fitas K-7 e também compacto duplo e simples, que quando se encontrava com a agulha dos toca-discos e a mão do DJ, as caixas de som suportavam com dignidade a porrada sonora nos alto-falantes. E olha que a galera curtia, dançava, suava, até treta tinha, mas muitxs de nós resolvia na dança ao som de: Michael Jackson, Black Júnior’s, Afrika Bambaata & Soul Sonic Force, Irmãos Metralhas, Shannon, Spyder-D e muito, muito mais sons que ecoavam nas periferias de várias cidades do país. O playlist era bem parecido, sê não, o código Black das quebradas era o mesmo. Os BPM’s das músicas, os arranjos, os vocais melódicos e agressivos traziam lamento, amor e denúncia.

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E ainda hoje a musicalidade NEGRA faz com que a gente sinta saudades dos ‘flash back’ e conviva com samba-rock, samba-canção, partido-alto, funk, boombap, trap, reggae, Rap e variados estilos. No baque virado, no samba e no soul Temos aqui uma herança que a mãe africana mandou A cultura Hip Hop em mim Com muito respeito por aqui ainda estou! P.MC Jigaboo negão Du cabelo duro!

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O BREAKING EM MIM Por B.Girl / DJ Prix, Distrito Federal Sempre gostei de dançar. Pratiquei esportes coletivos, futebol, e nas corridas de 100 metros me destacava. Fiz balé, parece que toda menina quando se interessa por esportes, os pais logo se preocupam e nos jogam no balé. Mas a minha paixão foi a Capoeira, os instrumentos musicais, a ladainha, dança, luta e a querida samba de roda, englobava tudo o que eu gostava em uma coisa só. Prestativa e calada no meu canto, só observava os passos que assistia nos clipes, imitar as coreografias era comigo mesmo. Lembro-me até hoje quando meu irmão me presenteou com um DVD de Breaking ‘Red Bull Bc One’, nossa como eu fiquei encantada com aquela dança, e os movimentos de força, com giros, e flexíveis que os caras faziam, e na minha mente não era impossível fazer tudo aquilo, já que a capoeira tinha me dado força e o balé a flexibilidade e consciência corporal para executar alguns movimentos que eu assistia naquele instante. O primeiro freeze que eu aprendi era uma lá do Hong Ten que ele segurava a perna e se dobrava todinho, era uma loucura. Eu queria mesmo era dançar freestyle e ‘Hip Hop dance’, me amarrava na cantora Ciara dançando, mas na minha cidade nem sabia aonde encontrar esse estilo de dança para aprender. Fiz minha primeira oficina de Hip Hop em 2006, puxada pelo rapper Markão Aborígine, na garagem de sua casa onde eram ministradas as oficinas, ele me ensinou o Indian Step, conheci o Breaking, mal ele sabia o que veio a crescer dentro de mim, o interesse pelo ritmo, batida e passos que despertaram uma grande paixão pela dança, e assim começou uma história que me levou para competições nacionais e internacionais. E foi em Samambaia mesmo, ao conhecer alguns amigos que

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também estavam seguindo os caminhos da dança, que se iniciaram os treinos com frequência em 2008. Era comum ver o Breaking sendo praticado por jovens nas ruas. Na calçada de uma loja comecei a treinar junto ao grupo Original Stylers, mesmo com chuva, no frio e até tarde da noite. Tive facilidade em aprender alguns movimentos rápidos pela semelhança aos da capoeira, passei assim a integrar a Crew, que conseguiu espaço junto a um instituto da cidade para realizar os treinos. Em 2009 comecei a participar do programa Jovem de Expressão na Ceilândia, que oferecia oficinas de Breaking com FuzzyBoy e Hip Hop com Will, passava a tarde toda lá, dançando e se divertindo com amigos, nesse mesmo ano participei da ‘Batlle Of the Year 2x2’ umas das maiores batalhas de Breaking realizadas na época em São Paulo, na primeira batalha eu e minha parceira perdemos para a outra dupla de Bgirls que também eram de Brasília, o que serviu de incentivo e aprendizado para alimentar o desejo de evolução e construção do meu espaço dentro do movimento. O ano ficou marcado por vários acontecimentos, junto com outras Bgirls decidimos montar uma Crew, um grupo só de meninas chamado ‘Beat Of the Soul, nesse mesmo ano viajei para diversas competições, que mesmo sem experiência fiz questão de participar, pois a bagagem que estava construindo me chamava cada dia mais para o que a dança já representava no meu cotidiano, comecei a fazer das batalhas meu local de luta e resistência, ocupando o lugar que até então era predominantemente masculino. O ano que se seguiu foi de treino intenso e dedicação total, a dança não tinha pra mim o único sentido de disputa e competição tão visado pela maioria dos participantes das batalhas. E foi com sentimento de pertença que participei da Batlle Of the Year 1x1, batalha que ficou marcada na minha trajetória,

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venci e fui considerada destaque pela organização do evento. Trazendo o título de campeã nacional para minha cidade. Foi essa vitória que trouxe o aprendizado de que a dança significaria muito mais na minha caminhada do que apenas, batalhar e receber premiações, pois pude perceber que a minha personalidade e amor pela dança devem ser inseridas nos meus movimentos e passos, criando assim minha identidade. Os treinos e a prática de atividades físicas reforçaram a antiga vontade de cursar educação física, curso o qual me formei e tive como tema do trabalho de conclusão de curso: Treinamento funcional aplicado a dançarinas de breaking. Devido aos estudos, a rotina e intensidade de treinos foi diminuída, devido a uma lesão que sofri por excesso de esforço físico, mesmo lesionada fui para a Argentina onde competi na minha primeira batalha latino-americana, alcançando o segundo lugar nas batalhas 2x2. Daí em diante resolvi dar um tempo na dança devido a lesão, saí da Crew ‘Beat of the soul’, mas tive um interesse em comandar um toca disco, ao fazer um breve curso de disque jockey com o D.J Liso, vi que poderia continuar parte da cultura e somar não somente na dança, mas como DJ dentro das batalhas de breaking. Foi um tempo corrido de dedicação nos estudos, cursos, trabalhos, oficinas e eventos. Nesse tempo comprei minha primeira controladora, mas vendi tempos depois, pois não conseguia ter tanta dedicação aos treinos de DJ, queria treinar era Breaking, mesmo sentindo dores. Viajei para a Europa em 2014, participei de um dos maiores eventos de lá “Outbreak”, que experiência inacreditável, a melhor de todas, nunca pensei que a dança pudesse me proporcionar conhecer lugares assim. Entrei no grupo Brasil Styler Bgirls um grupo formado apenas por mulheres, com forte atuação na cena Hip Hop.

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Em 2015 tudo mudou, ao saber que seria “Mamãe”, veio um sentimento de insegurança, medo, alegria tudo misturado. Mas mesmo assim isso não foi um impedimento para deixar de dançar, continuei dançando, treinando e fortalecendo o que eu tanto amo. Viajei de novo para a Europa mesmo grávida, mas a experiência foi ainda melhor, foram todas as integrantes do BsbGirls nessa viagem, participamos do Cacth the flava, Outbreak e IBE. Crescemos juntas, individual, pessoal e artisticamente nessa viagem. Ao passar por uma gravidez estressante, um parto prematuro devido à pré-eclâmpsia, suspeita de depressão pós-parto, quando minha filha fez três meses, estava eu ali de volta a dançar Breaking, trabalhando e superando as dificuldades da vida normal, não aguentava ficar parada, mas a lesão do joelho me incomodava muito, voltei a fazer o curso de DJ para relembrar o que eu tinha aprendido anos atrás e ali eu vi que naquele momento queria tocar e assumir o posto de DJ nos eventos já que a falta de mulheres nos tocas discos é grande. Convidada a estar presentes nos eventos não só com a minha dança mas também como DJ. Hoje sou uma Mulher, Mãe, Bgirl, DJ e todos os elementos que o Hip Hop deixou estampado no meu rosto ao ver que vitória não é apenas um troféu e sim o espírito de liberdade e prazer de dever cumprido dentro de si.

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UMA HISTÓRIA E UPLANO Prettu Joe, Goiás Em 1993 aos 13 anos de idade, através de um rádio toca-fitas e uma fita K7, emprestados por um amigo da escola, ouvi pela primeira vez o Rap brasileiro. Nunca esqueci que as primeiras músicas que escutei naquele dia eram dos Racionais MC’s; pela mensagem me identifiquei imediatamente, apesar de já conhecer o Rap estadunidense. Mas por falta de informação eu nem sabia que aquele estilo se chamava Rap, pois eu curtia mais pela batida e nem compreendia o que eles falavam nas letras. Depois que conheci o Rap brasileiro fui adquirindo outras fitas e conhecendo músicas de outros artistas como: Gabriel O Pensador, N’Dee Naldinho, Cambio Negro e vários outros. Nessa época eu já gostava de música, pois frequentava igreja evangélica desde criança com meus pais, mas me identificava demais era com o samba, pagode e também o Funk Carioca que traziam em suas letras umas mensagens bem mais construtivas. Como Sempre gostei de escrever, compunha timidamente algumas letras de samba em um caderno e foi a partir dali que comecei a compor os meus Rap’s. Escrevia sem compromisso e apenas pra mim. Algumas vezes mostrava para amigos da minha rua. Não tinha a mínima intenção de gravar um dia. Não conhecia ninguém que cantava Rap ou frequentava as festas do movimento Hip Hop. Como eu estava entrando na adolescência eu ouvia os Rap’s apenas em casa e escondido do meu pai, pois ele era bem rígido, chegou até quebrar algumas de minhas K7’s. Nem sabia o que era Hip Hop. Eu lembro que as informações sobre a cultura eram muito escassas e pra me manter informado sobre o assunto, eu tinha que juntar recortes de jornais e re-

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vistas velhas, que de vez enquanto, eu encontrava pela rua. Aos poucos fui entendendo mais sobre a cultura e os seus elementos. Com o tempo fui tentando me envolver, adquirir conhecimento, até atingir a minha maioridade e poder sair pros bailes Rap nas quebradas e ter a convicção de dizer que eu era um membro do Movimento Hip Hop. Em meu aniversário de 18 anos fui presenteado com um CD chamado ‘’Bases para Rappers’’. Tentamos montar um grupo de Rap na minha quebrada com o nome ‘’Adeptos do Rap’ e a partir dali tratei minha curiosidade ou talento com seriedade. Anos depois fundei outro grupo, o ‘’Lendas de Rua’’, onde gravamos um ensaio numa fita K7 e por amizades em comum, essa gravação chegou na mão do Uzzy, líder do grupo ‘Caçadores de Harmonia’ que nos convidou para fazer a abertura do show de lançamento do primeiro CD do grupo. Comecei ali a conhecer o pessoal da cultura Hip Hop, me envolver e participar de reuniões realizadas pela ‘’União do MovimentoHip Hop Organizado do Estado de Goiás – UMH2OGO. Em 2001 uma música do grupo ‘’Lendas de Rua’’, foi selecionada pra compor um CD/Coletânea de Rap com grupos da cidade de Goiânia e região metropolitana. Começou ali as várias apresentações do grupo pela cidade até o término do mesmo. Como o Movimento Hip Hop, através da arte, está sempre envolvido com as causas e lutas das periferias, sempre protestando ou colaborando com a comunidade, eu fui me envolvendo mais com a militância; acompanhando e interagindo com Movimentos Sociais, eventos beneficentes, ocupações, palestras, oficinas, conhecendo mais sobre as histórias de personalidades que dedicaram a sua vida as causas sociais ou dedicaram a sua vida para a expansão da Cultura Hip Hop no Brasil e no Mundo. Logo, em 2003, me tornei um editor de fanzine e mantinha contato com vários editores e leitores espalhados pelo país. Eu

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fazia questão de enviar as edições por correspondência como carta social. Formei em seguida outro grupo ‘’Comando Negro Revolucionário’’. Seguia uma linha mais politizada. Fizemos abertura de alguns Shows e esse grupo também não prosseguiu. Em 2004 começamos o grupo UPlano que leva uma linha mais musical e com mensagens incentivadoras, celebrando no ano corrente 13 anos de carreira. Um ano após o surgimento do UPlano comecei a montar uma produtora de vídeos junto com o DJ Fox. Atuando na área de produção comecei a produzir beat’s, bem como vídeo clipes dos grupos de Goiânia e região metropolitana. Produzimos DVD’s coletânea e distribuímos nas quebradas. Ministramos ainda algumas oficinas de audiovisual nas comunidades e escolas. Já em 2007 criei uma marca que se chama D’Responsa modificada posteriormente para Hip Hop D’Responsa, atuando com Produções Audiovisuais, camisetas, Mix Tapes, divulgações [Blogs e Palco Mp3] e eventos. E nestas reticências em 2016 fui indicado a receber o troféu ‘Arte e Movimento’ em Diadema - SP. São estes trechos e partes de minha trajetória junto ao Hip Hop

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SALVE MUNDO! Por Rafa Rafuagi, Rio Grande do Sul Sou Rafael Diogo dos Santos, vulgo Rafa Rafuagi, jovem negro com 28 anos de idade, nascido em 13 de setembro de 1988 em Porto Alegre, a capital do estado do Rio Grande do Sul/Brasil. Morador da pequena, mais pulsante cidade de “Este-YO”, desde o primeiro dia de vida. Membro fundador do grupo de Rap Rafuagi desde 2004, nome do qual me fez chegar até você através deste livro, caro amigo e amiga. Ainda hoje vivo com os meus pais, e com muito orgulho, como cantou a poeta Elis Regina, “como nossos pais”, no caso, como os meus pais... Que na verdade nunca foram só meus, mas de uma legião de amigos pelo mundo a fora, sempre me lembrando, que onde comem dois, comem três, e assim por diante. Minha mãe é Odete Diogo, mulher negra, guerreira, meu sul, meu norte, atual presidente do Grupo Unir Raças, nascida em 21 de julho de 1965 em Camaquã, sul do estado. Meu pai é Juarez Antônio dos Santos, nascido em 12 de outubro de 1950 (dia da criança), em São Francisco de Paula, na serra gaúcha. Homem negro, digno, guerreiro, inteligente, meu protetor, reconhecido como grande jogador de futebol que foi nos campos de várzea, na região. Ambos me deram Natália Diogo dos Santos como a melhor irmã do mundo, nascida em 28 de dezembro de 1992 em Sapucaia do Sul/RS. Hoje casada e feliz da vida. Como disse Esteio/RS, carinhosamente apelidada de “EsteYO” pelos amantes da Cultura Hip Hop local, é a menor cidade em território da região Sul do Brasil, tem apenas 27 KM². Só existem 14 cidades menores que Esteio em todo Brasil. Nossa quebrada é composta por todos os aspectos bons e ruins como qualquer quebrada, porém sempre destaco os bons. Temos mais de 20 grupos de rap na ativa; a maior batalha de freestyle da região

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metropolitana, a Resta 1, que paga R$ 2.000,00 ao vencedor final; uma Associação da Cultura Hip Hop da qual fomenta o estado com ações e parcerias; além da primeira Casa da Cultura Hip Hop do Estado do RS. O tamanho da cidade comparado ao número de bandas e ações, dá um valor muito maior para tudo que temos feito aqui. Na moral, Esteio merecia o título com mais grupos de rap por KM quadrado (risos). A cidade tem como referencial latino americano, o parque de exposições Assis Brasil, que promove anualmente o evento Expointer, um evento do estado, que beneficia apenas o estado, feito num grande pedaço de terra do estado, dentro do nosso pequeno pedaço de terra esteiense, deixando para nós moradores da cidade apenas lixo e sujeira nas ruas. Atualmente Esteio vive um momento único na sua vida cultural e precisamos seguir avançando, um exemplo são os expressivos festivais e eventos variados/segmentados e coletivos que evidenciam a cidade para o Brasil e o mundo, através da Cultura do Hip Hop, Rock, Skate, Movimento Negro, Teatro, Capoeira, dentre outros movimentos. É importante salientar que, os movimentos sociais organizados independentes da cidade, têm um amplo diálogo e cooperação entre si para que o todo cresça e não apenas um lado, o que dá condições de enxergarmos na prática os avanços esperados por toda uma sociedade. A música Rap chegou a mim antes da cultura Hip Hop, porém o que me arrebatou de amores foi de fato o Hip Hop, cultura essa que me ensinou a ser um homem digno, honrado, batalhador, e muito mais do que isso, coletivo e não individualista. Ás vezes me pego pensando, dentre estas classificações de escolas, onde todos da minha geração se encontram?! Veja bem, comecei a fazer Rap com treze anos, atualmente tenho vinte e oito anos de idade e longos quinze anos de estrada, alguns dizem que sou da velha escola, mas considerando todos os fatores, me

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obriguei a criar a média escola da Cultura Hip Hop (risos). Através do trabalho coletivo e graças à cultura Hip Hop, meu caráter e personalidade foram moldados para o bem, me tornei uma pessoa mais consciente e ativa dentro da minha comunidade, melhor para os meus e os próximos, hoje o Rafael Diogo dos Santos, vulgo RafaRafuagi, esse que vos escreve, esta completando em 2017 seus primeiros 15 anos de atuação artística e social em âmbito nacional e internacional. Sou Mc (mestre de cerimônias) do grupo de RapRafuagi, premiado nome da Cultura Hip Hop do Brasil, reconhecido internacionalmente em países do continente Americano e Europeu, atualmente uma das maiores referências do Hip Hop gaúcho em atividade. Sou Compositor, Escritor, Promotor da Cultura de Paz, Vencedor do Prêmio Estadual de Direitos Humanos 2013, na categoria Garantia dos Direitos da Juventude, promovido pela Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul. Sou Arte Educador Social, Mobilizador Social, Ativista Social do Hip Hop, Produtor Musical, Produtor Cultural, Integrante do Fórum de Enfrentamento ao Extermínio da Juventude no RS e também fui um dos criadores do Fórum Permanente do Hip Hop Gaúcho. Estudante Universitário de Publicidade e Propaganda, Técnico em Publicidade e Propaganda, Fundador da (Associação da Cultura Hip Hop de Esteio) e atual Coordenador de Auto Gestão e Sustentabilidade. Idealizador e parte proponente do Projeto de Lei, que instituiu a Semana Hip Hop em 7 municípios do estado do RS (Esteio, Canoas, Pelotas, Cidreira, São Leopoldo, Novo Hamburgo e Montenegro) como eventos oficiais no período de 2011, 2012 e 2013. Idealizador do projeto Casa do Hip Hop de Esteio (Primeira do estado do Rio Grande do Sul), após a conquista de recursos na Consulta Popular RS em agosto de 2013, mobilizando mais de 18 mil votos para a demanda de Garantia

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de Direitos Humanos e Promoção da Cidadania. Atuei como o Delegado - mais jovem e único representante da cultura Hip Hop - na delegação gaúcha presente na III Conferência Nacional de Cultura, realizada de 27/11 a 01/12 de 2013 em Brasília/DF. Elaborei e desenvolvi os projetos “Observatório Comunitário de Editais” e “Incubadora Social” nos bairros Guajuviras e Mathias Velho, ambos Territórios de Paz em Canoas/RS, atendendo mais de 800 jovens da região metropolitana de POA, tornando este espaço uma referência no fortalecimento juvenil e na garantia de direitos humanos através de parceria com a rede de atendimento municipal e estadual. Atualmente estou como Conselheiro da Igualdade Racial em Esteio/RS. Sou Militante do Movimento Negro, através das ações do grupo Unir Raças, do qual minha mãe, Maria Odete Diogo dos Santos esta como Presidente. Entre parcerias musicais destacam-se nomes como Emicida, Rashid, Daniel Drexler, MV Bill, RAPadura Xique Chico, Rappin Hood, Da Guedes, SNJ, Professor Boa Ventura de Souza Santos dentre outros.

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O RAP EM MIM Por Euri Mania, Juazeiro - BA Nasci em 1987 em Juazeiro da Bahia, filho de Maria Isabel da Silva. Passava boa parte do tempo da minha infância no vale do Salitre, distrito rural da cidade na comunidade de Aldeia onde minha mãe nasceu. Fui morar no Bairro Piranga 1 com mais ou menos 5 anos de idade. No período escolar eu e meu irmão mais velho ficávamos na cidade e nas férias, no Salitre. Minha irmã mais nova ficou com uma tia para facilitar a vida da minha mãe, recém-separada e com 3 crianças para criar. Um conjunto habitacional repleto de problemas estruturais, com muito crime e drogas, mas cheio de pessoas trabalhadoras e com muita força de vontade para superar os problemas. Lá pelos anos 2000 eu conheci o Breaking e os outros elementos da cultura Hip Hop, muito pelo Rap e filmes americanos. Já escutava o Rap nacional, no meu caso, Racionais MC’s, mas não sabia do contexto histórico dessa Cultura/Movimento. Junto com alguns manos da cidade vizinha, Petrolina/PE e alguns amigos, fomos treinando o Breaking, saíamos para competir em outras cidades e com isso cada dia mais se aproximando dos outros elementos da cultura Hip Hop. Como eu já desenhava desde criança, foi natural meus desenhos virarem Graffiti, mas algo faltava! Dançava, grafitava, mas ainda não conseguia levar para as pessoas minhas inquietações e o Rap foi o último elemento a entrar em minha vida. Quando criança minha mãe me deu um CD com histórias infantis, e o bacana, é que todas eram rimadas e aquela forma de contar história me fascinou. Anos depois conheci a embolada de Caju e Castanha, que um namorado de minha mãe escutava, outra referência rimada importantíssima na minha vida.

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Em 2012 com o movimento Hip Hop já em alta na cidade, sim, movimento, pois já estávamos pautando politicamente nossas vidas através da arte, e de tanto escutar Rap falando de temas sociopolíticos, criminalidade e extermínio da juventude, eu percebi que poderia fazer algo do tipo, pois já escrevia uns versos mesmo sem saber que era Rap, só que dessa vez eu ia falar da minha quebrada, da minha vida e dos meus amigos, aí surge o P1 Rappers, P1 é a abreviação do Bairro Piranga 1, local onde cresci. Enfrentamos dificuldades por ser o primeiro grupo de Rap da cidade a levar esse ritmo como profissão, falar de problemas da cidade e exaltar o povo pobre e periférico do semiárido. Hoje o vale do São Francisco já conta com diversos grupos de Rap e MC’s. Hoje somos reconhecidos como artistas, como pessoas protagonistas e que acreditam na mudança através da educação popular, e o Rap do P1 é um mix de experiências populares. Sonhamos com o dia em que possamos viver de nossa música, e para isso estamos trabalhando como nunca. Cada dia mais profissionais e fazendo do P1 Rappers uma empresa, que além de música, fazemos ações sociais para conscientizar nossa juventude. Como costumamos dizer por aqui: 4M’s – Mais Man@s Mudando o Mundo!

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RESGATE A PERIFERIA Por Edin DDR, Gama - DF O ano era 1993, Feira dos Goianos, Setor leste do Gama, periferia de Brasília. Filho mais novo de três, eu, sempre tive minha família por perto, meu pai mais ausente devido à missão diária de trazer o alimento pra mesa, que nunca foi farto, às vezes escasso, mas que nunca nos deixou passar fome. A cidade onde nasci e que resido até hoje, sempre foi problemática em termos de segurança, falta de lazer, estrutura. A época já marcava o término das guerras entre as gangues Balão Mágico, Adidas, Mavoca (entre as mais conhecidas). Foi ali, bem ali naquela feira que começaria uma trajetória que resiste e persiste até hoje, foi quando meu irmão pediu para comprar uma Fita K7 com os dizeres ‘Racionais MC’s’; a partir desse dia entrei em um horizonte ímpar, aquilo foi como sinfonia pros meus ouvidos e mudou a minha vida. Cidade periférica, violência que persiste, poucas condições e desestrutura familiar foram outros ingredientes que fizeram alguns de nossos amigos se apegarem ao mundo do ilícito, alguns sem volta infelizmente. O Hip Hop sim foi uma válvula de escape, um psicólogo e um professor na minha vida, me lembro, eu ainda pequeno e quase sem conhecimento anotar toda palavra difícil que ouvia nos Rap’s e buscar seu significado no dicionário, mas apesar de tudo nunca pensei em cantar, foi através de um convite inesperado em 1999 do meu mano Blade que decidi, mas a essa altura já tínhamos muitos grupos de renome aqui no Entorno Sul do DF (entorno sul é composto por duas cidades do DF, Gama e Santa Maria mais algumas do Goiás) como Ideologia e Tal, Revolução Rap, Articuladores, Gueto Hábil, Vera Verônika, dentre tantos outros e outras. Nessa caminhada perdemos muitos parceiros de microfone.

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Alguns deles me ensinaram bastante. Culpa do descaso com a saúde pública dessa vez, onde também perdemos nossa rainha Dina Di. Não é só pela pelo péssimo serviço público de saúde que perdemos amigos, mas também através da violência que assola nossas quebradas, você sabe o que é perder uma pessoa muito querida em frente a sua casa com os sangues sugas tratando o corpo dele como ibope pra matéria? Sim, é muito desalmada a situação em que nos encontramos. Por mais que nosso movimento resgate, o Estado sempre está pronto pra exterminar a juventude pobre de periferia. Acredito que o Rap, assim como a cultura Hip Hop já tenham salvado muitas vidas e já feito mais revolução do que qualquer programa de governo. Eu como um bom observador notei a diferença do que a classe oprimida exigia e tem exigido antes e depois do Hip Hop. Hoje vejo que o Rap é liberdade e não deve ser presa a nenhuma etiqueta, contanto que você cante o que acredite, pois não devemos taxar outro Rapper de inimigo só por ele ou ela cantar o que você não gosta de ouvir, se não gosta apenas não ouça, mas apesar desse novo entendimento que nos traz a tolerância, ainda acredito que o Rap politizado é o mais viável, aliás, necessário e urgente. Sei que independente de qualquer coisa o Rap, sempre estará revolucionando, mas não devemos nos dividir, já que sabemos que um reino dividido vem a desabar e queremos que nossa cultura fique na eternidade. Eu já senti o baque da divisão do Hip Hop onde raramente temos eventos com todos os elementos, então não façam o mesmo para que o Rap caminhe nesse mesmo sentido. Abraços e punhos serrados! Correr atrás é hora pra chegar à frente de livro ou enxada e não de munição no pente

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se ama sua família eis a prova de fogo meu caro assumir seu erro e recomeçar o que fez de errado.

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HOMENAGEM Por Markão Aborígine, Distrito Federal Ajusta antena e sintonia Volta à fita grava Smurphies e Mixmania Infância nutrida visitando a Ceilândia Perguntei ao mano: Esse som quem canta? Câmbio Negro! E logo mostrava Diário de um feto grafite na capa No caderno desenhava, mas não fui tão bem Revanche do gueto me fez ver mais além Da segregação do bulling, que marcava exclusão E a Samambaia pune por sua condição Filho abaixa o volume, mamãe sempre falava E como de costume o meu barato cortava Mal sabe ela que também foi mó responsável Cês tão ligados mais proíbe, então, mais eu faço Passeio no shopping o dia era sábado DF Zulu, Reforços, Black Spin batalhavam Na calçada comandavam o moinho de vento Até chegada da policia com os armamentos Eu criança encantado com tudo aquilo Guardava em pensamento, treinava o passinho Eu me lembro daquela tarde no SBT Foi quando Beat Street apareceu na TV Reproduzi em minha vida tons e valores As paredes de meu quarto em giz e novas cores (...) Ajusta antena, junto à sintonia Volta à fita grava Smurphies e Mixmania Gerava briga, quando a irmã descobria

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Só tinha Rap nas K7 de axé Bahia Nas paredes e galerias as tintas e o Jet Só entendia a assinatura: Os 3S Hoje eu tenho imenso orgulho De conhecer o Souto, Satão, Supla e Turko Tudo evolui, né assim que dizem? Achei programa de TV com videoclipes Transferi a gravação pras VHS E festa de aniversário deu espaço ao Rap Lembro do X, VJ na TV Manchete E eu parodiando uns Rap na 6ª série Entre o campo de terra e os árcades Ouvia Cirurgia, Baseado nas ruas e Álibi Vejo luzes acesas é Samambaia Primeira vez ouvi uma música falando de minha quebrada E geral pirava, quando o grave tocava Indo pra escola nos baú pirata Sem stop, o rec. nunca para No Carrefour roubei CD de bases do DJ Raffa E junto a ele compus minhas primeiras canções Foi contigo que aprendi as primeiras lições (...)

Ajusta antena e sintonia Volta à fita grava Smurphies e Mixmania O som que contagio, Rap Nacional é claro As peitas Made in plágio: Ouça no volume máximo Código Penal, Ideologia e Tal, Paradoxo, Os Magrellos, Realidade Atual Falso Sistema, 3Drão, Viela 17 Os alicerces da vida no Abril Pro Rap

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Esquadrão, Voz sem Medo, Delito Criminal DJ Celsão, Chocolaty, TDZ e seu arsenal Verônica e A Posse... Tempo bom demais Hip Hop na tela, Hip Hop pela Paz Foram momentos, lugares, canções 3 décadas da cultura no DF, tantas gerações Transformadas, libertas, alegres e unidas Por Brasília Periferia E se Deus é nosso pai Estes bons momentos viveremos muito mais Junto a cada irmã, cada chegado Quantas vezes não cantamos: e agora véi tu ta enrolado? E se Deus é nosso pai Estes bons momentos viveremos muito mais E somos do Distrito Federal Vanguarda do Hip Hop Nacional (...)

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