Quintais Produtivos, Jardins Resistentes, vol. I: Pesquisa

Page 1

QUINTAIS PRODUTIVOS JARDINS RESISTENTES

VOL. I: PESQUISA

MARCUS MAIA


2


3



QUINTAIS PRODUTIVOS JARDINS RESISTENTES VOL. I: PESQUISA

por

MARCUS MAIA orientação:

LUCIANA BRAGANÇA


ÍNDICE 04

APRESENTAÇÃO

07

DEFINIÇÃO DO OBJETO

08

PRA QUÊ?

09

POR QUÊ?

10

AGRICULTURA URBANA: CONCEITOS E FUNÇÕES

12

A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS É UMA QUESTÃO GEOPOLÍTICA

16

UMA POSSIBILIDADE PARA O PLANEJAMENTO URBANO

18

AMNÉSIAS ALIMENTARES E A ÉTICA DO CONSUMO

24

AGRICULTURA CONVENCIONAL: UMA PRÁTICA INSUSTENTÁVEL

26

AS HORTAS COMUNITÁRIAS URBANAS EM SETE LAGOAS


40

AU É TAMBÉM INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIOESPACIAL

42

O JARDIM DOS PEQUIS É UM REASSENTAMENTO

48

PERFIL DOS CHEFES DE FAMÍLIA

50

MODOS DE MORAR

52

DESAFIOS NO REASSENTAMENTO

56

CAMADAS DE INTERVENÇÃO - 1) ACOMPANHAMENTO TÉCNICO E SOCIAL

60

INCLUÍDOS NO PROCESSO ENQUANTO EXCLUÍDOS?

62

CAMADAS DE INTERVENÇÃO - 2) CENTRO DE ARTES E ESPORTES UNIFICADOS

68

CAMADAS DE INTERVENÇÃO - 3) LABCEUs E O MUTIRÃO AGROECOLÓGICO


APRESENTAÇÃO O trabalho parte de indagações feitas sobre o monopólio homogeneizador das grandes empresas, da propaganda e do planejamento urbano moderno sobre as cidades, no estabelecimento de uma dicotomia entre o espaço de produção agrícola e o espaço urbano. Se são esses espaços complementares, por que estão dissolutos? Afinal, o que se vê é uma uniformização na produção de espaço que padroniza o comportamento das pessoas, afastando-as do campo de produção do seu próprio alimento, minando possíveis trocas oferecidas pelo manejo e vivência agrícola, e inviabilizando relações espontâneas e novas possibilidades de convívio. A agricultura urbana surge nessa indagação como uma possibilidade de se criar novas interações socioambientais, outras percepções e novos usos para a cidade. No desenvolvimento dessas questões correlativas à produção agrícola nas cidades, é levantada uma hipótese: a agricultura urbana pode atuar como uma fortalecedoras de relações?

O ARQUITETO ENQUANTO MEDIADOR O crescimento da cidade é um fenômeno extremamente complexo, no qual necessidades e interesses de várias ordens estão em conflito. O planejamento urbano moderno é uma ferramenta de controle desenvolvida para que a cidade cresça tendo suas funções pensadas e projetadas desvinculadamente. Ao exercer sua função de forma totalizadora, no entanto, o planejador atua, muitas vezes, de forma hierárquica, de cima para baixo. Nesse sentido, impõe-se um desenho e uma legislação, criando uma imagem de cidade a ser construída, um modelo a ser alcançado. 4


O processo que deveria se dar de forma democrática, ao conciliar diversos atores, como o mercado imobiliário, as demais camadas sociais e o Estado, acaba por na prática privilegiar os interesses de uma pequena parte da população que controla os meios de produção e tratam o urbano como mercadoria. As instâncias de participação popular são questionáveis quanto sua real aplicabilidade e, muitas vezes, nem sequer são incorporadas ao projeto. Assim, são incapazes de compreender as necessidades mais locais e intervenções de caráter pontual. Nesse contexto, surgem organizações populares e coletivos que discutem e atuam no campo de disputa da cidade, reivindicando interesses locais por meio de manifestações ou ações direta em seu ambiente. A teoria urbana contemporânea entende essa intervenção cidadã direta no espaço urbano como urbanismo tático. Suas manifestações são das mais diversas, e pode ocorrer com ou sem a presença de um profissional. Ao se atuar nessa forma de se planejar a cidade de baixo para cima cabe ao arquiteto urbanista um papel que foge ao do criador. A partir de uma vivência do contexto local e reconhecimento dos agentes que atuam nele, o arquiteto irá agir como articulador de interesses e redes, provocando nos cidadãos reflexões a respeito de seu espaço cotidiano, para que coletivamente interfiram no mesmo. Pouco é proposto de antemão, a forma é emergente da própria interação entre o arquiteto, os moradores e o território, nascida com a experiência. O autor Reinaldo Laddaga1 denomina esse tipo de criação como estética emergente, onde o processo ganha mais importância do que o produto ou a forma final, pois as intervenções acontecem através do diálogo, cooperação, investigação coletiva e empoderamento cidadão.

1 - Laddaga é autor do livro Estéticas da Emergência (2006). Nele, ele sugere a existência de uma nova estética, onde o espaço de produção cultural e artística está aberto novas interações, novos fluxos de informação guiados pelos processos colaborativos de execução.

5


6


DEFINIÇÃO DO OBJETO “Quintais Produtivos, Jardins Resistentes” é o produto do projetopesquisa desenvolvido durante o trabalho final de graduação pelo autor Marcus Maia, orientado pela prof. Mestre Luciana Bragança. A publicação nasce como um resultado de pesquisas, reflexões, experiências, que se iniciaram no começo de 2015 em torno do tema da agricultura urbana. Em suma, são apresentados: análises críticas sobre o ciclo de produção de alimentos e a forma como o mesmo afeta a interação entre homem e o espaço; conceitos sobre a agricultura urbana e seu caráter enquanto transformadora das relações; pesquisa e crítica sobre o programa de Hortas Comunitárias Urbanas em Sete Lagoas; análise sensível sobre o bairro Jardim dos Pequis; o registro e análise crítica da experiência vivenciada no bairro, durante a ocupação Mutirão Agroecológico, a partir da hipótese afirmada sobre o fortalecimento de relações através da agricultura urbana. O Mutirão Agroecológico promoveu interações com o bairro através de oficinas e mutirões, partindo da hipótese do fortalecimento de redes de vizinhança que se articulam através da agricultura urbana. Os trabalhos desenvolvidos buscaram desenvolver ações levando-se em consideração três eixos centrais para o alcance de suas metas: 1) formação de redes em agricultura urbana; 2) mobilização e organização da comunidade; 3) fomento aos meios de produção autônoma de alimento. O meio em que se deu essa articulação foi um jardim produtivo construído colaborativamente, que se trata de um espaço público autônomo para recreação e cultivo de orgânicos. O projeto ocorreu no Centro de Esportes e Artes Unificados (CEUS) localizado no bairro Jardim dos Pequis, em Sete Lagoas, e foi apoiado pelo programa Laboratório de Cidades Sensitivas (LabCEUs) durante os meses de Agosto e Setembro. 7


PRA QUÊ? Trazer uma reflexão sobre o papel das macroeconomias de produção de alimento, da publicidade, das políticas de habitação e do planejamento urbano enquanto extintoras das relações com o cultivo e de comunidade; Realizar um trabalho de mobilização social a respeito da agricultura urbana junto à comunidade do Jardim dos Pequis, partindo da hipótese do potencial do assunto enquanto fortalecedor de relações de comunidade.

PRA QUÊ, ESPECIFICAMENTE? Produzir um material de pesquisa sobre a situação atual em relação à produção de alimentos e considerar novas possibilidades; Esclarecer métodos, vantagens e desafios de implantação de agricultura urbana através de políticas públicas; A partir da interação com bairro Jardim dos Pequis, investigar e trabalhar localmente as demandas em relação à produção de alimentos; Fomentar redes que se relacionem através da agricultura urbana; Mobilizar a comunidade, elevando graus de autonomia da mesma frente ao consumo imposto pelas macroeconomias de produção de alimento; Fortalecer os vínculos internos de economia e solidariedade; Construir colaborativamente de um espaço de uso público de cultivo e descanso. 8


POR QUÊ?

Esta publicação contém o trabalho desenvolvido durante a disciplina correspondente ao trabalho final de graduação. Por isso, ele traz uma síntese de conhecimentos adquiridos durante o tempo de formação junto a, neste caso, um projeto-pesquisa executado durante o último ano letivo. Na investigação sobre os meios de produção de alimentos e no planejamento das cidades, a potencialidade da Agricultura Urbana está, sobretudo, no escoamento dos modos de produção e distribuição convencionais para a agricultura, na promoção de um consumo consciente através de produções locais, e nas alternativas que podem ser aplicadas em vazios urbanos e espaços potenciais, conferindo a eles a função social da propriedade. Relaciona-se, assim, à AU, uma relação mais harmoniosa e inteligente com a cidade e natureza, uma vez rompida a dicotomia do senso comum entre espaço urbano como nãoagrícola e espaço rural como agrícola. A experimentação prática sobre a qual me debrucei nesse ano, junto ao bairro Jardim dos Pequis – o Mutirão Agroecológico – teve a missão de executar atividades que possibilitassem novas relações e diálogos entre as pessoas, a cidade e o ambiente, repensando as estruturas existentes para modificar o cotidiano. A agricultura urbana surgiu, nesse contexto, como um veículo condutor da proposta pela hipótese de ser uma possível fortalecedora das relações de comunidade e socioambientais. 9


AGRICULTURA URBANA: CONCEITOS E FUNÇÕES

A Agricultura Urbana (AU) se trata da prática do cultivo, colheita e distribuição de alimentos dentro de um perímetro urbano. São por muitas vezes aplicadas nas hortas urbanas também a pecuária, a aquicultura e a apicultura (criação de gado, organismos aquáticos e abelhas, respectivamente). A AU é hoje um dos mais importantes tópicos dentro do campo do urbanismo integrado. A prática abrange tanto a produção para o comércio, como para o autossustento. É realizada em cada caso em diferentes escalas, tipologias de espaços, localizações, em terras públicas ou privadas. Pode ser concebida de modo informal ou formal, espontâneo e pontual (espraiada) (COUTINHO e COSTA, 2011). São parte desse conceito nesse conceito as hortas comunitárias, os pomares urbanos, os jardins produtivos. Encaixam-se também no conceito de agricultura urbana, em menor escala, os quintais produtivos domésticos. Encontrados sobretudo em residências unifamiliares em bairros pouco densos, esses quintais se apresentam na forma de hortas, pomares, galinheiros, viveiros de 10


codornas e mais outros variados meios, seguindo de acordo com a demanda e aptidão pessoal dos seus empreendedores. A agroecologia, ou a produção de agricultura feita de forma economicamente viável e ecologicamente favorável, relaciona-se estreitamente com esse tema. Essa forma de cultivar é a configuração de manejo mais presente nos espaços urbanos de produção agrícola. Mesmo com a intenção do comércio dos seus insumos, isso é possível ao agricultor urbano graças à sua relação mais próxima com a prática do seu trabalho. O uso de fertilizantes e pesticidas químicos está relacionado a escala de produção: quanto menores são as plantações, mais possível é lidar com o cultivo sem os agentes químicos. Para as cidades, a agricultura apresenta muitas vantagens. Por menor que seja uma horta, ela tem o poder de regeneração da biodiversidade – favorável aos ciclos da natureza. Há uma fauna urbana capaz de ser articulada nesse espaços, como pássaros, borbolas e abelhas. Com o aumento das áreas verdes, a temperatura fica mais agradável, o ar mais limpo, visualmente mais bonito. 11


A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS É UMA QUESTÃO GEOPOLÍTICA

A noção que se tem de planejamento urbano contemporâneo está entrelaçada nas cidades brasileiras à reprodução de um modelo de cidade neoliberal. Esse modelo confere ao espaço um valor de mercado, no qual é estimulada a exploração máxima dos coeficientes uso ocupação do solo, para a obtenção de lucros. A cidade, ao tratar do seu espaço como uma mercadoria, dá preferência de ocupação às espacialidades construídas com potencial das negociações e elimina de si as possibilidades de novas interações homem-espaço focadas na qualidade de vida. São instrumentos de intervenção para a desse modelo de cidade as parcerias público-privadas e os grandes projetos urbanos, que transformam o espaço dando prioridade ao desenvolvimento econômico, deixando à sorte os aspectos sociais presentes no local. Neste sentido, vê-se uma dissolução entre o campo e a cidade, onde o contato com a natureza é restrito e direcionamos os nossos modos de vida aos meios do mercado. Sabe-se que o Brasil é hoje o maior utilizador dos agrotóxicos do mundo. Isso, todavia, não parece ter surtido efeito no modo como consumimos ou como planejamos o nosso espaço. Ao passo que no modelo de planejamento convencional se preza por uma saúde 12


oferecida pelo conforto ambiental, luminotécnico e acústico, que seguem interesses mercadológicos, não há a mesma preocupação com aspectos da produção de alimentos em detrimento à saúde, que entra em detrimento com a lógica desenvolvimentista. Isso se explica em duas instâncias: 1) em prol de um padrão de comportamento pró-produtivista, a cidade-capital eliminou a nossa interação com a natureza e assim com os processos de produção de alimentos; 2) com apenas essa referência de cidade, nos tornamos insensíveis à nossa alimentação. Uma das maneiras de recuperar esse contato é através da agricultura urbana, que fornece uma junção entre o espaço rural e o espaço urbano. Em países com desenvolvimento tardio das cidades, como o Brasil, a agricultura urbana, em resposta à crescente demanda de serviços, pode ser considerada como uma diretriz para a resolução de problemas de migração urbana. O movimento de êxodo rural e adensamento das cidades ainda está presente e deve se estender por muito tempo. É previsto um grande deslocamento demográfico, do campo às cidades, durante as próximas décadas. Estima-se que até 2050, dois terços da população mundial viverão nos centros urbanos. Isso significa que haverá uma demanda aproximadamente em dobro de serviços concentrados nas cidades. 13


Diante ao impacto no meio ambiente causado pela agricultura convencional (poluição com o deslocamento e com as embalagens, o uso de agrotóxicos), e também à crescente demanda de alimentos nos grandes polos urbanos, há necessidade de se discutir e reformular o modo como se vive e se planejam as cidades. Plantar, cultivar e distribuir vegetais o mais perto o possível das pessoas, no contexto de crescimento das cidades e esvaziamento rural, se apresenta como uma das principais saídas para uma provável crise de abastecimento no século XXI. O protocolo geoeconômico ao entorno da produção de alimentos, como analisado pela ONU desde a Conferência Habitat II – Conferência das Nações Unidas Sobre Assentamentos Urbanos em 1996, estabelece uma relação direta entre altos índices de urbanização e a insegurança alimentar. Neste sentido, o lugar onde não se produz alimento, somado aos índices de pobreza, reflete num espaço vulnerável ao seu próprio 14


sustento. A AU contribui ativamente na transformação da realidade da população local melhor qualidade de vida, economia e segurança alimentar. Na compreensão da política urbana, a potencialidade da AU está, sobretudo, no escoamento da produção do agronegócio para a produção das cidades, que pode ser aplicada em vazios urbanos e espaços potenciais, conferindo a eles a função social da propriedade. A especulação imobiliária é, nessa compreensão, um inviabilizador dessa competência. Na disputa pelo espaço, os agricultores urbanos perdem para os investidores imobiliários, interessados na atribuição de valores aos terrenos dados pela localização, prestígio e na possibilidade de geração de grandes lucros (COUTINHO e COSTA apud SANTOS, 2011). 15


UMA POSSIBILIDADE PARA O PLANEJAMENTO URBANO

São os altos níveis de poluição encontrados nas áreas urbanas, provocados pelo esgotamento dos recursos naturais, em prol da modernização e progresso. A vida nas cidades modernas brasileiras, provenientes de uma urbanização tardia, recorre a métodos antiecológicos desde o modo de consumo, a mobilidade e sistema de esgoto até a produção de alimentos industriais, materiais e energia. Nesse modelo de cidade ao qual nos adaptamos, os rios são canalizados e, por muitas vezes soterrados, usados para escoamento de esgoto das casas, comércios e industriais. Enquanto isso, áreas de preservação natural são desmatadas para dar lugar a novos assentamentos e empreendimentos. Para a produção de bens e deslocamento, poluímos o ar. O nosso lixo doméstico é levado para áreas periurbanas para a incineração e decomposição, o que afeta negativamente o solo, o ar e a vida ao redor desses lugares. No campo do planejamento urbano tradicional, a atividade da agricultura urbana toma poucas formas. Quando utilizada, ela se dá principalmente no uso de arborizações frutíferas que, fora de uma rede sistêmica, têm pouca força. Uma vez considerado que o espaço das cidades é mantido, em senso comum, em oposição direta ao espaço de produção rural, traçar possibilidades de encontro entre dois espaços, o urbano e o agrícola, mantidos pelo sistema de planejamento urbano tradicional enquanto dicotômicos significa apresentar uma série de novas possibilidades de redesenho da vida nas cidades. Na vanguarda desde os anos 80, é vigente o programa bem sucedido Hortas Comunitárias Urbanas na cidade de Sete Lagoas, em Minas Gerais. Iniciativas como essa são, no entanto, incomuns e prezam pela formalização desses espaços enquanto campos de acesso restrito de trabalho e produção agroecológica. 16


O tipo de urbanismo que se pretende tratar, ao emplacar a AU enquanto uma possibilidade incluída no tecido das cidades, se trata de uma abordagem ecológica para a disciplina. Através do urbanismo ecológico, pode se estabelecer estratégias práticas e criativas para enfrentar potencialidades e demandas para as cidades contemporâneas. Promover o espaço de produção alimentar enquanto componente do tecido das cidades significa criar relacionamentos mais saudáveis com o espaço público. Nesse caminho, a coesão entre a agricultura urbana e o urbanismo ecológico percorre todo o processo de produção dos alimentos. Ao diminuir a distância entre os espaços de produção e de preparo da comida, é reduzida também a poluição gerada pela locomoção. Como os processos de distribuição formais são cortados nesse sistema, é evitado o descarte de embalagens. A biodiversidade de espécies é promovida e, com ela, é feito o controle de pragas e doenças. Ao envolver um bairro ou comunidade na prática do cultivo, a vulnerabilidade nesse lugar em relação à sua alimentação é reduzida. O reforço nutricional também é gerido, por meio da possibilidade de aproveitamento integral dos alimentos que não recebem agrotóxicos e da recuperação de uma alimentação mais saudável e diversa. A AU implica numa interferência direta na forma de se vivenciar e pensar a cidade. A ação direta (cultivo) e contribuição indireta (consumo) das pessoas no espaço urbano habitado cria relações mais harmoniosas e inteligentes com a natureza, anulando ciclos desnecessários de produção, ao romper a dicotomia do senso comum entre espaço urbano como não-agrícola e espaço rural como agrícola.

17


AMNÉSIAS ALIMENTARES E A ÉTICA DO CONSUMO

O modo como nos alimentamos interfere diretamente na paisagem, na biodiversidade e na nossa cultura. Com a constante modernização das cidades, contatos essenciais com o meio ambiente vão aos poucos se apagando. São inerentes a esse processo a redução da interação entre as pessoas e a natureza e as crescentes jornadas de trabalho, que consomem os habitantes urbanos de maneira sistêmica e alienante. Percebe-se que o capitalismo, sistema econômico atual, altera os estilos de vida rapidamente, de acordo com a lógica do mercado, opressora e padronizadora. Mesmo que todas as camadas sociais sejam vulneráveis à coação da publicidade, no Brasil, onde a classe predominante é a “C”, há um esquema midiático de estímulo a comportamentos relativos às classes “A” e “B”. Assim, a publicidade estimula um padrão de comportamento, apoiado por questões estéticas relacionadas ao poder aquisitivo e ascensão social. Nessa estética, carros, telefones celulares recém-lançados são promovidos como bens necessários a uma vida realizada. Nessa compreensão, há um investimento massivo por parte da indústria alimentar em introduzir os alimentos processados como parte dos hábitos alimentares cotidianos. A propaganda, que faz girar esse mercado, tem um papel de ditadora de paladares: através da publicidade, as pessoas são ditas quais são as maneiras corretas (mercadológicas) de se alimentar. Dessa forma, costumes alimentares padronizados vão, aos poucos, sendo incorporados na estética do consumo. 18


Alertar sobre a falta do tempo dos humanos modernos para cozinhar a sua própria comida (e assim, repensar os seus hábitos) é uma das principais estratégias da publicidade para o aliciamento ao consumo da comida processada. O discurso promove, sobretudo, a comida rápida, pronta ou pré-cozida e de fácil acesso, já que estão em todos os supermercados. O suco de caixinha é, nesse contexto, mais vantajoso que o suco natural: ele não faz sujeira e já vem pronto. As pessoas são assim levadas a se alimentarem conforme a lógica da produção de lucro das macroindústrias, consumindo alimentos processados e os não os preparando. Os costumes locais afetados pela globalização, e então apagados, correspondem à homogeneização dos paladares. Uma amnésia alimentar é promovida: hábitos alimentares padronizados vão, aos poucos, sendo incorporados na estética do consumo, enquanto as referências locais vão sutilmente se esvaindo. Os alimentos processados, em especial os enlatados e aqueles com grandes quantidades de conservantes, com sua validade estendida, criam uma nova cultura alimentar da longa duração. Deseduca-se do fato de que o alimento é também uma natureza viva, que entra em processo de decomposição com o passar do tempo. O mesmo acontece com os alimentos provindos da agricultura convencional: com o advento das substâncias químicas, capazes de fazer as plantas germinarem o ano inteiro, perdeu-se a referência da sazonalidade.

19


A ética alimentar se relaciona diretamente com o tipo de consumo. Ao consumir produtos das macroindústrias convencionais (poluentes, transgênicos, com agrotóxicos), mantem-se um grande sistema de produção antissustentável, no qual a despreocupação com a qualidade nutricional dos alimentos existe em prol da obtenção de maior lucro. Na contramão desse sistema, o ato de consumir produtos locais (despoluentes do ar urbano, frescos e orgânicos) contribui a renda de pequenos agricultores, que trabalham a favor de um alimentação saudável. Na articulação desse fluxo em direção oposta à macroeconomia dos alimentos, uma nova leva de consumidores críticos se organiza. Com o engajamento social, ambiental e político, essas organizações urbanas apresentam demandas específicas para o consumo alimentar, no qual seja promovida uma inversão na rede de produção dos alimentos, onde o consumo funcione em relação à sazonalidade, localidade e produtividade natural (sem venenos) dos alimentos (CRUZ E MENASCHE, 2001). Um desses movimentos é o projeto Slow Food, com sede na Itália, onde atua junto ao Ministério da Agricultura italiano, em consultorias, no sentido de promover com ações e planejamentos a biodiversidade na cadeia de distribuição alimentar, o cultivo orgânico, a educação ecológica e a aproximação entre produtores e consumidores. Outro conceito desenvolvido pelo grupo é a ecogastronomia, que promove uma 20


alimentação em respeito à sazonalidade e regionalidade dos alimentos. Além de atuar na sede italiana, o movimento também opera eventos, articulações e workshops pelo mundo. A alimentação é, assim, uma ferramenta política, social, econômica e ambiental. Através dela, podemos mudar o sistema de produção, distribuição e consumo dos alimentos. Há no ato da simples boa escolha dos alimentos e de cozinhá-los um ato político. Ao preparar a comida, nega-se a escolha dos alimentos processados, produzidos pela indústria. Recupera-se o poder de discernimento entre o que faz bem ou não, tanto corpo, quanto à natureza, além de se resgatar o paladar perdido pelo excesso de uso de sódio nos alimentos processados. Nesse sentido, se o ato de cozinhar é um ato revolucionário, a cozinha é o espaço de reinvindicação. Há também aqueles que, sem a uma consciência crítica, simplesmente têm o consumo de orgânicos e alimentos frescos como um hábito. É o caso dos habitantes próximos às hortas urbanas em Sete Lagoas, que dão preferência aos produtos desses espaços pela questão de facilidade de acesso e, portanto, economia de trajeto. Outros recorrem às hortas por uma relação comunitária formada entre os agricultores e a vizinhança, onde os produtores chegam a reservar semanalmente kit de produtos orgânicos para os clientes assíduos. 21


Nesses locais, apesar do senso comum crer no contrário, os produtos costumam ter os preços por muitas vezes inferior ao cobrado nos estabelecimentos comerciais. Apesar disso, há uma automatização cultural que promove o consumo nos supermercados e hortifrútis como o fluxo padrão a ser seguido, o que colabora negativamente com a estima das hortas urbanas. No caso de Sete Lagoas, isso faz com que haja um excesso na produção, que está atualmente sendo direcionada às escolas e feiras da cidade e também ao CEASA. Nas ações individuais, a reação ao sistema convencional se expõe através de ideologias alimentares alternativas. A crítica, nesses contextos, pesa especialmente sobre as questão relativas à exploração animal, ao desperdício de alimentos e ao uso dos agroquímicos. São expoentes dessas ideologias: o veganismo e o vegetarianismo, as articulações de comércios locais justos, a promoção da agricultura familiar e urbana, a alimentação natural, o ativismo pela proteção ambiental, as economias solidárias e as medicinas alternativas (CRUZ e MENASCHE apud MIELE, 2011).

22


Ao perceber essa insurgência interferente no ciclo macro-econômico de economia alimentar, as indústrias começaram a se apropriar de uma estética do comer de modo saudável. Essa nova estética da saúde, ao promover na comunicação visual um consumo adequado para o corpo, está repetindo o curso do método formal do alimento processado, mas com uma nova roupagem moral. Sucos de caixinha, chás industriais e refrigerantes diet com a mesma concentração de químicos de antes (e por vezes tão calóricos quanto as suas versões tradicionais) são anunciados como o novo consumo saudável, contrariando a lógica da saúde enquanto o meio de produção sustentável, benéfico ao espaço e ao corpo. Posto isto, enquanto articulador de espacialidades, o arquiteto e urbanista também pode ser um promotor desta gastronomia ecológica. Isso pode ser aplicado tendo em conta que quanto maior a produção alimentar for urbana, menor será a contaminação alimentar por agrotóxicos, que a aptidão de cultivo natural local será valorizada. Esse sistema tem, então, competência para captar alteridades para conhecimentos de afetos com a natureza e o espaço que gerem novos hábitos de culinária, além de outras territorialidades e interações. 23


AGRICULTURA CONVENCIONAL: UMA PRÁTICA INSUSTENTÁVEL

O modo como pratica-se a agricultura convencional atualmente segue a lógica, sobretudo, da produção de lucros em quantidade e velocidade. Quanto mais se produz em menos tempo, maior é a produtividade. Dessa forma, preocupações como a qualidade natural e nutricional dos alimentos, tanto como a conservação do meio ambiente são eliminadas. O recurso do melhoramento genético das plantas, recorrente nesses espaços de produção, pode fazer com que a energia vegetativa seja transferida para a reprodutiva. Outra consequência desse recurso é a redução da variabilidade genética das plantas. Nesses contextos, é comum também a monocultura, que reduz a biodiversidade do espaço. Todos esses adventos reduzem a capacidade das plantas de resistir às pragas, doenças e ervas invasoras e que, assim, seja requerido o uso de agrotóxicos, visando a melhor produtividade. Do mesmo ponto de vista mercadológico, está a produção animal. Os animais, sobretudo os componentes da pecuária, são tratados como máquinas de produção de alimentos. A eles são reservados espaços minúsculos, muitas vezes pouco assépticos e escuros, onde são aprisionados durante toda a vida. Nesse locais, para que os animais cresçam e engordem mais rápido, produzam mais leite ou ovos, são aplicados à força hormônios e 24


antibióticos em grandes quantidades. Tudo isso afeta de forma negativa, tanto a dignidade da vida dos animais, quanto a qualidade dos alimentos produzidos por eles. Todo o tempo de vida, do nascimento ao abatimento, de um frango de granja dura em média 32 a 40 dias*. Dessa forma, em apenas 5 semanas de vida, as aves atingem um peso que normalmente alcançariam entre o 5º e 6º meses de vida. Soma-se a esse sistema antiecológico, toda a energia gasta no processo: os insumos da agricultura tradicional são provenientes, ainda que ligeiramente, do petróleo. Isso resulta num custo alto de energia e de exploração mineral para o funcionamento produtivo, gerando um balanço energético negativo. Assim, a energia produzida é inferior à dissipada no meio. Considerando que a população no mundo, em especial a residente em cidades, só deve aumentar e com esse aumento todo esse processo estará constantemente se agravando. Diante esse impacto ambiental causado pela agricultura convencional, há uma necessidade emergente de se discutir e reformular o modo como se vive e se planejam as cidades. Plantar, cultivar e distribuir vegetais o mais perto o possível das pessoas, no contexto de crescimento das cidades e esvaziamento rural, se apresenta como uma das principais questões para se pensar uma cidade. 25


AS HORTAS COMUNITÁRIAS URBANAS EM SETE LAGOAS

Sete Lagoas está localizada a aproximadamente 70 quilômetros de Belo Horizonte, é povoada por aproximadamente 227 mil habitantes (IBGE, 2013) e possui uma área de 532,486 km². O programa de Hortas Comunitárias Urbanas (HCU) em Sete Lagoas teve início em 1984, por uma parceria entre a EMATER-MG e a Prefeitura Municipal de Sete Lagoas encaminhado ao PEAE - Projeto Estadual de Alimentação Escolar. Eram atendidas, a princípio, 35 famílias carentes, que residiam na periferia do bairro Manoa, onde a primeira horta foi instaurada. Já hoje, o projeto conta com 7 HCUs espalhadas pela cidade; três na área de servidão da CEMIG (hortas dos bairros JK, Nova Cidade e Montreal/Canadá), três em terrenos da prefeitura (Barreiro, Cidade de Deus e São Paulo) e uma em um terreno arrendado pela prefeitura (Vapabuçu). Ao todo, atualmente, são assistidas aproximadamente 310 famílias de agricultores urbanos. Cada família beneficiada pelo programa tem direito a uma área de aproximadamente 360m, sendo que nas áreas de servidão da CEMIG, nos bairros Montreal/Canadá, essa área é reduzida, podendo chegar até no máximo 300m². Nesses espaços, cabem aos agricultores a decisão do que plantar, tendo como base tanto o consumo local de hortaliças, quanto a variedade e facilidade de plantio das mesmas. Além do espaço para o plantio, a Prefeitura fornece a água para a irrigação das hortas, a energia elétrica e a assistência técnica para os produtores. Em contrapartida, é exigida pela Prefeitura, para cada produtor, a reserva de um “canteiro-escola” para a produção de merenda escolar nas escolas municipais. Além disso, é feita uma cobrança de 5 reais mensais para a concessão do uso da terra. 26



A metodologia de reconhecimento dos atores e de manutenção das hortas é pragmática e organizada. Para participar do programa, o interessado deve fazer sua inscrição na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Sete Lagoas, de onde seus dados são encaminhados à Secretaria de Justiça Social. Lá, é levantado um laudo socioeconômico da família do interessado, que deve depender do ofício para complementação ou como fonte primária de renda. Manutenção do programa Para que o programa das HCU funcione, existe um sistema complexo que envolvem muitas esferas do poder público. Por completo, os agentes promotores das HCU e suas atribuições são: Agricultores urbanos: responsáveis pelo cultivo e os principais atores sociais da experiência; Associações e a Central das Associações das HCU: entidade que congrega as famílias dos agricultores urbanos e contribuiu para gestão de bens e serviços para as famílias: Prefeitura Municipal de Sete Lagoas: coordenadora e mantenedora do programa; 28


SAAE – Serviço de Abastecimento de Água e Esgoto: responsáveis pelo fornecimento de água para as hortas; EPAMIG: entidade de pesquisa e fornecedora de mudas e plantas alimentícias para a horta; EMBRAPA Hortaliças, EMBRAPA Milho e Sorgo: pesquisadora; UFSJ: uso de campo de estudo para estudantes em agronomia e engenharia de alimentos; CEMIG: doação de terras para o plantio; Banco do Brasil/DRS: viabilização de projetos via programa de Desenvolvimento Regional Sustentável; MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário: implementação do PRONAF – Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que oferece apoio financeiro às atividades e serviços rurais agropecuários; MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome: promoção de feiras livres e fomento à agricultura urbana; ME – Ministério da Educação: através do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) assegura parcela da produção agroecológica para a produção de merenda escolar. 29




32


33


34


35


IMAG

36


GEM

37


38


39


AGRICULTURA URBANA É TAMBÉM INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIOESPACIAL

Mais que uma prática que visa promover a segurança alimentar, a agricultura urbana tem o seu aspecto social: ao fazer girar a economia local, a produção e a compra de produtos locais resulta na aproximação entre produtores e consumidores. Isso provoca uma melhoria nas relações familiares e de vizinhança, pela formação de redes de troca de produtos e do uso dos espaços como locais de convivência. Há a geração de renda direta e indireta, mediante a redução das despesas com alimentação e saúde, por meio das redes de troca e, eventualmente, do beneficiamento e comercialização de saldos da produção. Benefícios sociais são decorrentes da prática do cultivo: através dele, os engajados plantam, entendem e acompanham o ciclo produtivo dos alimentos. Sabe-se também que que o manejo com a terra e as plantas trazem benefícios em relação à saúde dos envolvidos. Além disso, há outras contribuições das áreas verdes em geral, como a preservação das áreas permeáveis, que evitam enchentes e potencializa a capacidade de recarga do lençol freático. A requalificação de espaços urbanos públicos é também realizada através da aperfeiçoamento e diversidade da paisagem urbana. Em Sete Lagoas, o exemplo mais claro de transformação, de conversão de área residual a horta comunitária, é encontrado nos bairros Montreal/Canadá. Neles e o canteiro central da Avenida Perimetral, 40


antes área de servidão da CEMIG, foram transformados em espaços de cultivo de alimento orgânico e de geração de renda para a população carente dos bairros. Há uma melhoria social dos beneficiários com o programa de HCU em Sete Lagoas. As famílias, cujas rendas muitas vezes eram compostas exclusivamente de bolsas do governo, hoje possuem um retorno médio de R$370 mensais, além de poderem colher dos seus canteiros o alimento para consumo próprio. Outro benefício é o fortalecimento das comunidades ao entorno das HCU, que ao cuidar dos canteiros, estão praticando também um exercício de cuidado do seu bairro. Isso também beneficia os outros moradores, que vão se beneficiar dos produtos orgânicos. Há também uma convivência entre as famílias que tende a gerar relações de aprendizado e união. Existem alguns transtornos atualmente, que já estão sendo solucionados logisticamente pelos produtores. Por causa do volume grande de hortaliças produzidas nas HCUs – em 2011 foram 30 toneladas -, os agricultores enfrentam agora o desafio de encontrar novos mercados. Assim, a quantidade de orgânicos excedentes à demanda dos bairros, tem sido fornecida para centros comerciais como Belo Horizonte e também cidades da região metropolitana. 41


O JARDIM DOS PEQUIS É UM REASSENTAMENTO

O Jardim dos Pequis foi planejado através do programa de habitações de interesse social Minha Casa Minha Vida e se situa ao extremo norte da cidade. Entregue às primeiras 240 famílias em 2009, o bairro ganhou seu segundo conjunto de habitações em 2011, com o acréscimo de 370 novos imóveis. Atualmente residem aproximadamente 2.000 pessoas no bairro com perfil de renda baixíssima (PENAFORTE, 2012). A história do bairro Jardim dos Pequis, em Sete Lagoas, começa com o projeto “De Mudança pro Futuro”. Este projeto teve a meta de reassentar 240 famílias moradoras dos bairros Kwait e Iraque diagnosticadas em estado de vulnerabilidade, visto que se encontravam em grave insegurança ambiental e social. A precariedade analisada nesses bairros se tratava da ausência de condições básicas para a subsistência humana. O estado de carência das famílias era absoluto: o perfil da população analisada era de baixíssima renda, com faturamento em torno de meio salário mínimo. A média de pessoas por domicílio era de 3,8 pessoas, sendo que a média de crianças era igual a 3 (PENAFORTE, 2012). O saneamento básico nos bairros era precário: o risco de contaminação e a frequência de infecções e patologias causadas por vetores da água eram grandes. A relação com o curso d’água que cruzava os bairros era insustentável: o Córrego dos Tropeiros era usado como drenagem de lixo e esgoto provindo das instalações hidráulicas do bairro. 42


Outro inviabilizador da permanência nas áreas era o pouco investimento em serviços básicos, equipamentos comunitários e políticas públicas. A água era escassa e a coleta do lixo não atendia a demanda. Tudo isso definiu a situação desfavorável de exclusão social em que se encontravam os moradores dos bairros Kwait e Iraque. A área escolhida para a construção do bairro Jardim dos Pequis e deslocamento das famílias está localizada na margem norte de Sete Lagoas, a aproximadamente 7km do centro da cidade. O terreno se situa próximo aos bairros Verde Vale e Belo Vale II. Ao todo, foram beneficiadas mais de novecentas pessoas no processo de reassentamento. A prioridade de seleção para processo de deslocamento foi estabelecida com critério de favorecer, sobretudo, mulheres chefes de família com filhos menores de 15 anos. Esse perfil, dentre o total das famílias do Jardim dos Pequis, representa a porcentagem de 60%. Levada em consideração a situação de baixíssima renda das famílias diagnosticadas e a ação do PPI, não foi requerido dos beneficiários do projeto qualquer pagamento. Dessa forma, as obras foram custeadas com recursos do Governo Federal.

Foto: Comunidade do Iraque - Arquivo PAC/PPI/Sete Lagoas/2009 →

43


44


45


46


47


48


49


MODOS DE MORAR CARACTERIZAÇÃO Após a mudança para o novo bairro, os beneficiários interviram nas suas áreas de acordo com as demandas, criatividades e possibilidades pessoais. Muros: Alvenaria; Cerca; Improvisações; Ampliações: Barracões Garagens Comércio.

50


O QUE OS MORADORES PODEM FAZER Ampliação – com fundações e amarrações adequadas Revestimento – em reboco e cerâmico Forro – em gesso, madeira ou PVC Aumentar vão de porta – é necessária a execução de uma verga para abrir o vão para a porta Laje – pode ser colocada, respeitando orientações técnicas Divisa – a construção deve obedecer aos limites da vizinhança O QUE É PROIBIDO Venda – a casa é de propriedade do morador que recebeu o termo de posse. A sua venda é ilegal e passível de punição Aluguel – a exemplo da venda, o morador do Jardim dos Pequis que locar seu imóvel estará sujeito a punição 2º pavimento – o imóvel não é adequado para construção do 2º pavimento

51


DESAFIOS NO REASSENTAMENTO

O reassentamento dos moradores em áreas de risco dos bairros Kwait e Iraque para o Jardim dos Pequis proporcionou uma situação de menor vulnerabilidade social aos beneficiários do programa. Se antes os beneficiários habitavam uma ocupação antrópica às margens de um curso d’água degradado, agora eles ocupam um terreno seguro para a apropriação. A infraestrutura do novo lugar é melhor planejada: as ruas são asfaltadas, as casas são guarnecidas pelo sistema de abastecimento de água municipal – o SAAE –, há serviço de energia elétrica disponível para todas as casas, que também contam com placas de captação de energia solar. Entretanto, o modelo das casas construídas foram construídas no modelo padrão, engessado, homogêneo e opressor de habitação de interesse social, com possibilidades limitadas aos moradores de remanejamentos espaciais. As intervenções possíveis foram feitas nas casas de acordo com as necessidades e desejos pessoais de cada morador. Os tipos de interferências mais comuns foram: quintais produtivos como oficinas e hortas, áreas de serviço estendidas, comércios estendidos às casas, limites definidos por cercas improvisadas, jardins, garagens, gradis e muros. 52


As tipologias das unidades oferecidas apresentavam um, dois e três quartos. Critérios como a quantidade de filhos foram estabelecidos para a definição de ocupação das casas. Uma deficiência analisada no bairro é a distância dos serviços públicos, como hospitais e escolas e também de oportunidades de trabalho. Apesar de existir uma linha de ônibus que liga o bairro ao centro da cidade, o valor da tarifa do transporte é alto (atualmente R$2,85) e, por isso, inacessível para a população residente de baixíssima renda. Segundo a pesquisa realizada por Penaforte (2012), entre as reinvindicações mais comuns da pós-ocupação, estão: 1. Entrega do documento de posse da casa (regularização fundiária); 2. Posto de Atendimento Médico; 3. Escolas; 4. Espaço de lazer para as crianças; 5. Serviços de correios (entrega de correspondências); 6. Iluminação da praça; 7. Instalação de quebra-molas nas vias principais.
 53


OUTROS DESAFIOS ÁGUA

Apesar de a cidade ser famosa por suas lagoas, a água em Sete Lagoas já não é encontrada em abundância e talvez nem mesmo na medida necessária. Algumas lagoas, como a da Catarina, costumam a passar anos em estiagem. Cerca de 30, de seus 190 bairros passam anualmente por dificuldades de abastecimento, sobretudo entre os meses de maio e outubro. Os bairros periféricos e menos abastados são, geralmente, mais afetados pela escassez. O abastecimento de água da cidade de Sete Lagoas é executado pelo Sistema de Abastecimento de Água e Esgoto (SAAE). O fornecimento é inteiramente baseado na exploração do aquífero subterrâneo através de profundos poços tubulares. Isso faz com que a cidade esteja vulnerável ao clima, sobretudo durante os meses com menos chuva. Durante esse tempo, o enchimento dos lençóis é reduzido, pela quantidade menor de carga pluvial, o que reduz a medida dos mananciais a níveis abaixo do padrão. Além disso, na cidade, o sistema de abastecimento contempla, em primeiro tempo, as casas dos moradores e, em segundo, os reservatórios. Ou seja, as residências acabam sendo abastecidas antes mesmo do reservatório. Isso faz com que estes fiquem em segundo plano e que o abastecimento das casas seja feito de maneira não simultânea. Em uma ordem geográfica, as primeiras casas na sequência são abastecidas, enquanto outras, a serem contempladas por último ficam à mercê do volume de água disponível. 54


Durante o tempo de trabalho no bairro Jardim dos Pequis, a falta d’água foi constantemente relatada durante as conversas com os moradores. Por esse motivo, muitos moradores que cultivavam horta nos quintais foram obrigados a se desfazerem delas. Outros relataram que mesmo possuindo o interesse no cultivo doméstico, não o poderiam realizar pela mesma razão. Além de escassa, a água no bairro é um advento oneroso para os moradores: o valor cobrado pelo serviço de fornecimento de água e esgoto aumentou significativamente durante os últimos anos. Assim, devido à grande quantidade de irrigação demandada pelos orgânicos, o valor a ser pago pela irrigação se torna um empecilho para os cultivadores. As melhorias previamente anunciadas pelo SAAE não parecem terem surtido o efeito esperado. As obras, como a criação de novos reservatórios e adutoras foram realizadas em 2014, mas os sintomas da falta d’água ainda são presentes. Para sanar o mesmo problema, houve também a construção do novo Sistema de Captação e Tratamento de Água Superficial do Rio das Velhas, com produção inicial de 1.800.000 litros, o que também não conseguiu prevenir a falta d’água. A alternativa oferecida pela empresa para a completa falta d’água na área é o fornecimento através do caminhão pipa, acionado gratuitamente pela população. O SAAE prioriza para esse serviço escolas, creches, hospitais e postos de saúde. 55


CAMADAS DE INTERVENÇÃO

A exclusão social na qual os moradores se encontravam antes da mudança para o novo bairro e também as dificuldades ainda encontradas no novo bairro serviram como referência para que fossem tomadas medidas, que pudessem inserir os habitantes do bairro na esfera pública – social, político e economicamente. Essas ações não só foram executadas ao longo do processo de mudança, como ainda tem sido levadas após a instalação dos moradores no bairro. A elaboração e realização das ações de estímulo social, cooperação comunitária, difusão de informações e assistência social dos beneficiários tem a intenção de trabalhar os indicadores qualitativos no lugar, no sentido de erguê-los, fornecendo condições de alcance a melhores oportunidades e qualidade de vida. Tais iniciativas serão descritas em três camadas de intervenção: 1) Acompanhamento Técnico e social; 2) Centro de Esportes e Artes Unificados; 3) Laboratório de Cidades Sensitivas e o Mutirão Agroecológico.

1) ACOMPANHAMENTO TÉCNICO E SOCIAL Por exigência da Caixa Econômica Federal, durante a construção do bairro Jardim dos Pequis, houve um acompanhamento técnico social com os beneficiários do programa. Esse processo segue as orientações do modelo definido pela Caixa, o Caderno de Orientação Técnico Social, e existiu tanto durante o processo anterior à mudança para o bairro, quanto após. 56


O processo foi descrito em duas fases: pré-morar – de julho de 2009 a março de 2011; pós-morar – de março a novembro de 2011. O objetivo do trabalho foi incluir a população nas etapas do trabalho de reassentamento, reduzindo a verticalidade do processo e criando interações com a comunidade. Nos dois períodos de trabalho, as seguintes atividades obtiveram destaque:
 1.1) REUNIÕES COMUNITÁRIAS MENSAIS
 Em reuniões com a população amparada dos bairros Kwait e Iraque, foram feitas dinâmicas de preparação para a mudança. Nelas, sabendo que muitas das casas eram geminadas, vizinhanças puderam ser definidas. Além disso, houve encaminhamentos para serviços socioassistenciais e cursos para o mercado de trabalho. As reuniões foram úteis também para o início da integração das comunidades dos dois bairros, que passaria a compartilhar da mesma vizinhança. 1.2) CLAO - COMISSÃO LOCAL DE ACOMPANHAMENTO DAS OBRAS Durante a construção do novo bairro, uma vez por mês a Prefeitura Municipal colocou à disposição um ônibus para que os beneficiados selecionados pudessem fazer o acompanhamento das obras. As visitas, que eram acompanhadas pelas equipes de trabalho técnico social e de engenharia, permitiram que as famílias pudessem se conhecer aos poucos o espaço a ser habitado. 57


1.3) JORNAL “DE MUDANÇA PRO FUTURO” O canal representava um importante meio de comunicação, dentro e entre as comunidades que seriam realocadas. Somaram-se vinte e quatro edições, que tratavam das atividades trabalhadas no processo, do projeto, das famílias e das comunidades envolvidas de modo geral.

58


1.4) FORMAÇÃO DO GRUPO PRODUTIVO MARIA DAS CORES Um curso de confecção de bolsas em patchwork foi oferecido para um grupo de quatorze mulheres das comunidades do Iraque e Kwait, durante os meses de novembro e dezembro de 2008. A partir desse curso, foi gerado o Grupo Produtivo Maria das Cores, que trabalhava a economia solidária a partir da costura. Neste período o grupo foi sediado na Escola Municipal Dalva Ferreira Diniz, onde funcionou até o mês de fevereiro de 2010. Para a continuidade dos trabalhos, a partir do mês de março, o grupo passou a se reunir no Clube do SESI. O espaço depois passou a ser dividido com o Grupo de Convivência do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS II), que atende mulheres em situação de risco social e com necessidades específicas de acompanhamento. Após a mudança para o novo bairro, por causa da distância dos novos domicílios ao SESI, nenhuma mulher persistiu no grupo. No entanto, as atividades do grupo continuam a funcionar, com novas integrantes, moradoras próximas da sede. O novo grupo conseguiu, inclusive, receber um incentivo através do Programa das Nações Unidas, para a continuidade do trabalho. 1.5) CURSO DE FORMAÇÃO DE PEDREIRA DE ACABAMENTO Vinte e duas beneficiadas foram certificadas, numa parceria com o SESI, para o exercício na construção civil, nas obras do bairro Jardim dos Pequis. A demanda foi requisitada pelo PMCMV e houve a parceria entre as duas organizações. Dez dentre as habilitadas foram de fato contratadas pela construtora.

← Imagem: Jornal “De Mudança Para o Futuro” - Arquivo PAC/PPI/Sete Lagoas/2011

59


INCLUÍDOS NO PROCESSO ENQUANTO EXCLUÍDOS?

Ao se promover, no discurso, a inclusão da comunidade no processo de reassentamento, é notória a autoindulgência dos responsáveis pelo acompanhamento social nesse processo. Uma reflexão sobre o papel da população na construção do bairro no advento dessas medidas mostra que, ao mesmo tempo em que houve a participação de alguns integrantes do novo bairro no processo, os mesmos foram excluídos do campo de decisões. A inclusão numa perspectiva ideal, entretanto, acontece com a efetiva participação da comunidade nas etapas do projeto, na escolha da área, nas proposições projetuais, na discussão conjunta das estratégias urbanísticas a serem adotadas, atendendo as demandas, desejos individuais e buscando novas possibilidades não-padronizadas. Propôs-se que o lugar fosse apropriado aos poucos pela população beneficiária. É fato que algumas pessoas puderam visitar as obras de construção do novo bairro. A apropriação do espaço, no entanto, só pode realizada através do convívio, da afinidade com o local e com a residência, da permanência e da formação de redes comuns. As reuniões serviram como introsamento das populações dos dois bairros e não como uma ativação política dos mesmos a respeito do espaço a ser compartilhado, e pouco serviram como indicadoras de pautas para o projeto de reassentamento. Ao invés de uma participação ativa no processo, as mulheres, no curso de preparação de pedreiras foram incluídas como uma mão de obra barata das tomadas de decisão. 60


O grupo produtivo de costureiras, por não encontrarem o mesmo apoio após o reassentamento, foi extinto. Ao se construírem novas relações, antigas foram afetadas. As crianças, que antes estudavam foram transferidas para escolas no centro da cidade, para onde o ônibus da prefeitura os leva gratuitamente. Como não há ofertas de empregos no bairro, os trabalhadores passaram a se deslocar mais até seus antigos ofícios. Sobre as ações de tentativa de inclusão da comunidade nos processos de (re)assentamento em bairros de habitação de interesse social, Silke Kapp analisa: “Em suma, a análise no âmbito municipal mostrou que ainda são escassos os instrumentos para promover a autonomia ou, pelo menos, ampliar uma participação mais efetiva. Há uma retórica de democratização, enquanto legislações e rotinas frequentemente impedem que decisões sejam de fato tomadas pelos habitantes. Com as devidas ressalvas, isso vale também para a infinidade de agentes públicos e privados envolvidos na questão habitacional, de organismos internacionais a movimentos sociais, de empresas a entidades do terceiro setor e universidades. Seja qual for o foco de uma entidade, o engajamento no tema da habitação traz ganhos peculiares, tais como o acesso a recursos, a melhoria da imagem corporativa ou o incremento de capital político. No entanto, constatamos de modo geral a predominância de uma abordagem convencional. (KAPP, 2012, p. 475)

Neste aspecto, tem-se que o acompanhamento técnico social age como uma estratégia de marketing, ao contribuir positivamente para a imagem das empresas relacionadas ao processo, mas sem fazer com que a nova comunidade, no entanto, deixe de sofrer os impactos desagregadores da sua desconstrução e reconstrução no novo assentamento. 61


2) CENTRO DE ARTES E ESPORTES UNIFICADOS - CEU

A ausência de investimentos em serviços básicos, equipamentos comunitários e políticas públicas definiram a situação desfavorável de exclusão social em que se encontravam os beneficiados pelo projeto antes da sua mudança. Além disso, o número de crianças e adolescentes levantados – 3 por domicílio – tornou expressiva a necessidade de elaboração de equipamentos de educação, formação e lazer no bairro. Por isso, o plano de reassentamento dessas famílias foi baseado no propósito de promoção da cidadania e de inclusão social. Foi produto dessa demanda a parceria entre Governo Federal e a Prefeitura de Sete Lagoas para a criação do Centro de Esportes e Artes Unificados (CEUs), integrado ao Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), entregues ao Jardim dos Pequis em junho de 2014. O CEUs do bairro Jardim dos Pequis atende a aproximadamente a 500 moradores do bairro e integra, numa área de 3.000m², o Centro de Referência e Assistência Social (CRAS), salas multiuso, biblioteca, telecentro, cineteatro/auditório com 60 lugares, quadra poliesportiva coberta, pista de skate, equipamentos de ginástica, playground e pista de caminhada. O equipamento tem a sua gestão compartilhada entre a Prefeitura de Sete Lagoas e a própria comunidade do bairro. São fornecidas no CEUs atividades de esportes, cultura, lazer, qualificação e cultura. Através desse espaço, envolve-se a comunidade em atividades interativas, recreativas e qualificadoras, dos mais diversos setores, 62


CRAS O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é uma unidade pública mantida pela Prefeitura de Sete Lagoas, através da Secretaria de Assistência Social. Em Sete Lagoas, há uma unidade inserida no Jardim dos Pequis e outras quatro em áreas urbanas que também contam com maiores índices de vulnerabilidade e exclusão social. A unidade no bairro é destinada à prestação de serviços e programas socioassistenciais de Proteção Social Básica. A intenção do centro é atuar com famílias e indivíduos dentro do contexto do bairro e orientá-los, visando a melhoria do convívio e o fortalecimento da comunidade. O espaço de atividades do CRAS abriga atualmente um grupo de costureiras, formado por mulheres moradoras da região, que tanto trabalha com demandas internas do centro, quanto realiza trabalhos na comunidade de qualificação em técnicas da costura. No mesmo espaço, outros projetos como o “O Portal do Saber”, “CRAS em Ação” acontecem em horários alternados. O CRAS, além de incluir socialmente os moradores, ao servir como referência para assistência social, também os inclui no mercado de trabalho, através de cursos de qualificação, para ocupações como eletricista, bombeiro e encanador. 63


MAPEAMENTO DE ATIVIDADES DO CEUs

64


65


66


67


3) LABCEUs E O MUTIRÃO AGROECOLÓGICO O LABCEUs A cada chamada, o programa Laboratório de Cidades Sensitivas (LabCEUs) tem a intenção de selecionar 15 projetos para ocupação de dez Centros de Artes e Esportes Unificados espalhados por todas as regiões do Brasil. Do total, dez ocupações devem ocorrer ao longo de dois meses e as outras cinco por quatro meses. Um dos CEUs contemplados pelo programa é o CEUs Jardim dos Pequis. Na chamada em que a proposta concorreu, as inscrições realizadas somaram um total superior a 500, sendo 30 delas para o CEUs em Sete Lagoas, para onde o Mutirão Agroecológico foi proposto e selecionado. As outras propostas devem acontecer em outros CEUs espalhados pelo país. A chamada tem como objetivo contemplar propostas que visam promover a interação das comunidades em torno dos CEUs com a cidade. Quatro linhas de atuação da Economia Criativa e Cultura digital são orientadas para a seleção da chamada, sendo elas: 1) comunicação; 2) espaços e territórios; 3) interatividade; 4) raízes e tradições. Estão aptos a participar da chamada todos os cidadãos brasileiros maiores de 18 anos. A avaliação das propostas cabe à comissão formada por representantes da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), do grupo de pesquisa InCiti (Pesquisa e Inovação para as Cidades) e do MinC (Ministério da Cultura). Os critérios de análise são baseados na relevância social, conceitual e aplicabilidade no contexto sócioespacial de cada proposta enviada; originalidade da proposta e exequibilidade; articulação e parcerias com organizações socioculturais do entorno dos laboratórios; experiência do proponente em projetos de conhecimento aberto, inovação social e participação cidadã; e proposta de documentação das atividades. 68


MUTIRÃO AGROECOLÓGICO Antes de estabelecer um contato direto com o bairro, tive um contato teórico com a agricultura urbana através da minha monografia com o tema, elaborada na disciplina de Atelier Integrado de Preparação para o TFG (trabalho final de graduação). Práticas de agricultura urbana foram analisadas, em contextos formais e informais, com atenção especial para aquelas incentivadas a partir de políticas públicas. A partir desse trabalho, foi levantada uma hipótese: a agricultura urbana pode ser um agente fortalecedor das relações de comunidade? Neste sentido, através da oportunidade da chamada pública do Laboratório de Cidade Sensitivas, para a experiências interativas com a comunidade do bairro Jardim dos Pequis, propus uma combinação de ações dentro da perspectiva de fomento a redes de produção agrícola. A proposta foi escrita no sentido de experimentar a hipótese levantada a partir dos conceitos estudados em AU. O projeto foi intitulado como Mutirão Agroecológico e, após aprovado no edital, se deu entre os meses de Agosto e Outubro, de 2015. Durante esse tempo, atuei enquanto proponente do projeto, junto ao coletivo do qual participo – o Coletivo Planta. Os integrantes do grupo, também estudantes de Arquitetura e Urbanismo, e eu pouco sabíamos sobre o bairro antes do início do projeto. Para uma interação social que nos introduzisse ao bairro, executamos ações de diálogo com os moradores, como o passeio pelo bairro e convite para um piquenique, a visita aos quintais e a reunião com os moradores. Essas ações foram nomeadas, respectivamente, como “PICNIC Experimental”, “Conhecendo os quintais” e “Que tal um chá pra gente se achar?”. Durante esse tempo, pudemos visitar os quintais produtivos dos moradores, ouvir histórias, percepções e perceber demandas do lugar. No piquenique, pudemos perceber relações das crianças com os 69


legumes. Enquanto nos viam preparando um churrasco de legumes, poucas crianças tiveram uma resposta positiva. “Cadê a carne?” ou “Vai ter refri?” foram indagações constantes. Apesar da resistência inicial, ao longo do processo a maioria delas pelo menos provou da comida. Os quintais, na dimensão política em que foram analisados, justificaram a escolha do título da publicação “Quintais Produtivos, Jardins Resistentes”. Os quintais receberam esse nome para referirem resumidamente a toda ordem encontrada neles de produção alimentar (ex.: hortas, pomares, galinheiros, etc). Já a intitulação dos jardins se dá pela afirmação desses espaços enquanto resistências à alienação e à extinção dos hábitos de produção de alimentos e de consciência e interação ambiental. Além disso, os jardins padecem do problema de escassez e de onerosidade da água no bairro. Na reunião com a comunidade foram apresentadas as ideias em torno de projetos de agricultura urbana no espaço público, o que fez com que fossem sugeridas pelos moradores outras ideias para implementação no nosso jardim. Sugeriram hortas verticais com garrafa pet e o uso de plantas medicinais, o que acolhemos na elaboração do jardim. As ações e oficinas foram montadas em resposta às demandas analisadas no bairro, que foram: uso de materiais subutilizados (Coletando os materiais), produção de adubo (Minhocas S/A ou Como Fazer sua Própria Composteira), criação de dispositivos de cultivo que economizem água (Horta vertical: economia de água e espaço), construção e utilização de dispositivos de cultivo a partir de materiais subutilizados (Em Vaso, Tudo Cresce ou Tudo Pode Ser Uma Jardineira!), contenção de desperdícios (Conservas Como Instrumento de Promoção Social/ Legume Se Come Inteiro: Oficina de Aproveitamento Integral dos Alimentos) e técnicas alternativas de cozimento (Cozinhando com o Sol: Construindo um Forno Solar). O mutirão em si, em se tratando da 70


construção do jardim, foi feito em um processo colaborativo que demos o nome de “Mãos à Horta: Construindo e Plantando no Nosso Jardim”. O conceito das estéticas da emergência, onde o processo é mais importante que o resultado final – projeto e execução decidida entre os participantes – foi empregado amplamente, na intenção de não coagir o processo criativo ou confundir desejos através de um projeto arquitetônico que estabelecesse todas as regras. Desenhamos croquis básicos e construímos juntos a partir de palpites acatados por todos. Para a elaboração do espaço, foram usados materiais encontrados, doados, comprados em ferro velho ou em depósitos de materiais de construção. Algumas plantas usadas foram recolhidas no próprio bairro nas casas e no próprio CEU, enquanto outras foram adquiridas em uma floricultura de Sete Lagoas. Foi construída uma cozinha móvel, para a execução das oficinas de conserva, reaproveitamento de água e aproveitamento integral de alimentos. O objeto , no entanto, não pôde se transportado para o CEU, uma vez que o soldador das rodas não se encontrou mais em casa enquanto estivemos lá. Também foi desenvolvido um projeto de reaproveitamento de água, que funcionaria a partir da cozinha construída. De modo geral, foi vivenciado todo um processo rico, em nuances e atuações, através as interações com a comunidade. O público mais aderente foi de mulheres, entre 16 e 52 anos, e de crianças, com idade entre 8 e 14. As ações que envolviam uma capacitação de práticas, como as oficinas de compostagem e de conserva, foram mais bem aderidas pelas mulheres, enquanto as ações de interação, construção e plantio foram bem aceitas pelas crianças.

71



CONCEPÇÃO ORGANIZAÇÃO PROJETO GRÁFICO TEXTO Marcus Maia ORIENTAÇÃO Luciana Bragança IMAGENS Planta culturadigital.br/mutirãoagroecológico marcusfmaia@gmail.com



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.