Quintais Produtivos, Jardins Resistentes, vol. II: Ação

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QUINTAIS PRODUTIVOS JARDINS RESISTENTES

VOL. II: AÇÃO

MARCUS MAIA


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QUINTAIS PRODUTIVOS JARDINS RESISTENTES VOL. II: AÇÃO

por

MARCUS MAIA orientação:

LUCIANA BRAGANÇA 3


ÍNDICE 06

ATORES INTERNOS

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ATORES EXTERNOS

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ORGANOGRAMA DE ATIVIDADES

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PIC NIC PARA CONHECER O TERRITÓRIO

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CONHECENDO OS QUINTAIS

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QUE TAL UM CHÁ PRA GENTE SE ACHAR?

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COLETANDO MATERIAIS

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MINHOCAS S/A

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HORTA VERTICAL

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EM VASO TUDO CRESCE

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MÃOS À HORTA: DIA 1

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MÃOS À HORTA: DIA 2

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MÃOS À HORTA: DIA 3

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A HISTÓRIA DO PORTÃO

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COZINHANDO COM O SOL

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CONSERVAS

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LEGUME SE COME INTEIRO

86

JARDIM PRODUTIVO

92

REDES

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CONCLUSÃO

102

CRIANÇAS

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REFERÊNCIAS

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ATORES INTERNOS:

ANDRÊNIA (16)

JULIANA (32)

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SANDRA (44)

DONA NENÉM (50)

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ATORES EXTERNOS:

COLETIVO PLANTA

GABRIEL BRAGA (24), RICELLE ALONSO (23), DÉBORA REZENDE (23), MARCUS MAIA (24), MARINA VANUCCI (26)

COLETIVO NATIVOS URBANOS

ARLEX PALHARES (23), IAGO HENRIQUE (23), THIAGO TRAJANO (29)

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MALU (52)

VINHA (22)

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__________________________ PICNIC PARA CONHECER O TERRITÓRIO

Com intuito de conhecer a comunidade de forma abrangente e sem hierarquias, propomos um PICNIC ao lado do CEU. O evento foi divulgado por meio de cartazes espalhados pelo bairro durante a segunda semana de agosto e aconteceu no dia 14 do mesmo mês. A intenção era conhecer as práticas alimentares do bairro, bem como captar colaboradores e fomentar a discussão sobre possíveis melhorias na comunidade local através da AU. Durante a divulgação com os cartazes, também levamos uma caixa de som portátil para anunciarmos o nosso piquenique. As crianças do bairro ficaram curiosas e resolveram participar, o que fez com que o trajeto fosse uma grande festa! Todas queriam falar no microfone. A sensação de pertencimento fez com que elas divulgassem o piquenique entre a vizinhança, o que nos deixou muito satisfeitos. Quando chegou o sábado, estávamos ansiosos. Por volta das 9 horas da manhã, chegamos ao CEU e começamos a articular a nossa ação. Levamos cangas, guardas sol coloridos, cadeiras de praia, isopor e construímos uma churrasqueira improvisada, o que a causou estranhamento e curiosidade aos transeuntes que por ali passaram. Algumas crianças já estavam à nossa espera com biscoitos recheados e pacotes de salgadinhos para contribuir com o piquenique. Quando perceberam que não levamos nenhum produto processado, elas estranharam. Sem saber, participaram de uma ação direcionada à educação alimentar, promovendo a experimentação de novos paladares, mais naturais e neutros. 12


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A intenção é que elas levassem para casa a consciência do poder nutricional e gustativo que a natureza produz. Alguns perguntaram: “Cadê a carne?”; “Não vai ter churrasco de carne, tios?”; “O que é isso que você está assando?”. Quando falávamos que não haveria carne e perguntávamos quem comia legumes em casa, a grande maioria das crianças presentes respondia: “NÃO COMEMOS ISTO!”. Percebemos que ali quase ninguém comia abobrinhas, berinjelas, cenouras, cebolas ou batatas. Faziam careta, mas ao mesmo tempo ficavam curiosos do que iria sair daquela churrasqueira sem sangue. Aproveitamos, enquanto os legumes eram assados, para realizar atividades com as crianças, criando uma ligação afetiva com o espaço e com o coletivo. Todos brincamos, nos sujamos e nos molhamos com a guerra de balões d’água e o banho de mangueira. Nesse momento, também chegavam as mães para saber o que se passava por ali. Nesse momento, fazíamos a apresentação da proposta e atentávamos para uma 14


as possíveis colaboradoras do projeto. Estas mães ficavam surpresas e contentes e logo exclamavam: “Tenho uma hortinha em casa! Planto alface, couve, mostarda, serralha…”, algumas ainda completavam: “... Também crio galinhas!”. Percebemos que o hábito do cultivo já existia ali e isso foi um importante catalisador para o projeto. As pessoas já sabiam colocar a mão na terra e, mesmo que muitas vezes não possuam o conhecimento nutricional e ecológico da forma como consomem, elas contribuem beneficamente para a cidade, por serem menos dependentes do ciclo do agronegócio, e nas respectivas famílias, pela nutrição fornecida pelas hortaliças. As levas de legumes na churrasqueira ficaram prontas aos poucos. Pedimos para que formassem a fila para a distribuição dos alimentos e que ao menos todos experimentassem. No final, todos experimentaram. E repetiram. E repetiram mais uma vez. E mais uma vez. E mais uma vez, até que se acabassem todos os alimentos. 15




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__________________________ CONHECENDO OS QUINTAIS Morar em grandes núcleos urbanos tem se tornado, nas últimas décadas, uma experiência de distanciamento da terra e das possibilidades que este recurso natural oferece para a livre subsistência do homem. O “homo urbanus”, termo que tem sido usado corriqueiramente para designar o novo estado evolutivo da espécie humana, é um ser que tem a cidade como ecossistema e o concreto como matéria prima. Inserido em uma cadeia produtiva tomada pelos processos industriais, o “homo urbanus” se acomoda em seu estado latente de sobrevivência. Perdendo o controle sobre o que consome, acaba perdendo também o controle sobre o próprio corpo e espaço. Em cidades de pequeno e médio porte e em alguns pontos de insurgência nas metrópoles, é possível encontrar indivíduos que, por necessidade ou tradição, ainda mantêm relações produtivas com a terra. Esses indivíduos cultivam em propriedades privadas ou coletivas, utilizando espaços vazios e subaproveitados da cidade. Um exemplo disso são os quintais produtivos do bairro Jardim dos Pequis, na cidade de Sete Lagoas. Localizados em residências privadas unifamiliares, os quintais são gerenciados por mulheres casadas e de ocupação majoritariamente doméstica, por opção, patriarcalismo ou em decorrência da atual conjuntura econômica do país. Cultivam porque querem enriquecer o almoço de todo dia, porque pretendem contribuir com a renda familiar ou simplesmente porque apreciam o ofício. Na intenção de desvendar iniciativas desse tipo, no Jardim dos Pequis, resolvemos que seria hora de tentar conhecer melhor os moradores e as iniciativas agroecológicas que eles já vem desenvolvendo de forma autônoma no bairro. Um dos objetivos dessa iniciativa era 20


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entender as expectativas dos moradores em relação ao mutirão que estamos propondo, de forma a ajustar (e enriquecer) o projeto original de acordo com as suas reais demandas. O outro era mapear indivíduos no próprio bairro que possam vir a nos auxiliar na concepção e execução do mutirão, valorizando assim os saberes e ofícios locais. A sexta-feira do dia 21 de agosto começou, portanto, com uma nova caminhada pelo bairro que nos levou a conhecer Ronaldo e Daniel, marceneiro e serralheiro respectivamente. Em seguida, encontramos com Maria das Graças, mais conhecida como Preta, membro da associação de moradores do Jardim dos Pequis que havíamos conhecido durante o piquenique. Desde o primeiro contato, Preta demonstrou real interesse pela nossa iniciativa, se prontificando a divulgá-la no bairro. Além disso, nos indicou moradores que cultivam hortas em casa ou tem um interesse prévio no assunto. Um desses moradores foi Helena, esposa de José Ataíde. Encontramos Helena na porta da sua casa, e ela logo nos convidou para conhecer a horta que cultiva com o marido no quintal de casa. Nessa visita, Helena listou todas as espécies vegetais da sua horta e compartilhou conosco algumas informações a respeito dos locais onde consegue mudas, sementes e adubo. Também demonstrou ser detentora de um vasto conhecimento empírico na arte do cultivo doméstico. Por fim, nos convidou a visitar a casa de Rosa, uma vizinha que também mantém uma horta em casa para consumo próprio. A jornada, porém, não termina aí: Rosa sugeriu que visitássemos Nilda, uma outra 22


moradora amiga com quem troca mudas com certa periodicidade. Nilda recebeu o coletivo com um suco de manga gelado e nos apresentou a sua pequena horta de couve, mostarda, alface e jiló. No fim da tarde, através da Malu, participante ativa no projeto e funcionária do CRAS, conhecemos Índia, ex-funcionária de uma das hortas comunitárias de Sete Lagoas. Sua casa se localiza de frente ao CEU e agora estende a sua experiência para o próprio quintal. Todas essas mulheres visitadas são mães de família e cultivam para consumo próprio. Quando a produção sobra, vendem o excedente para “conseguir algum trocado”; ou doam para “quem precisa”. Além de agradável, o dia foi de intenso aprendizado. De forma espontânea, desvelamos uma pequena leva de mulheres que se dedicam ao cultivo agroecológico no Jardim dos Pequis. Pelos relatos, é possível constatar que existe uma rede de economia informal e de solidariedade entre essas mulheres. O cultivo no quintal, mais que um ofício, se estabelece também como uma forma de empoderamento feminino no bairro. Esse cenário, porém, se vê ameaçado por alguns problemas: a falta de espaço nos quintais para expansão da produção visando a sua comercialização; a escassez de água e o seu alto preço atual; a falta de conhecimento técnico para aprimoramento agrícola. Além disso, a rede informal de mulheres é difusa, carecendo de algum tipo de suporte físico ou digital que garanta visibilidade, continuidade e expansão dessas trocas. 23










__________________________ QUE TAL UM CHÁ PRA GENTE SE ACHAR? No dia seguinte às visitas dos quintais, decidimos convidar a comunidade para um conversa, acompanhada de chás, às 10 horas da manhã na sala multiuso do CEUs, para discutirmos questões sobre agroecologia e entendermos melhor as demandas voltadas para este tema. Recebemos 10 mulheres e um 1 homem para essa conversa. Ficou explícito que o maior interesse em se envolver com a terra e o cultivo, entre as pessoas do bairro, é das mulheres. O chá causou um certo estranhamento no início mas todos tomaram e estavam dispostos a conversar. Iniciamos apresentando o nosso coletivo, o LABCEUs e a proposta inscrita para todos interessados. Mostramos alguns os conceitos sobre agroecologia e as possibilidades de promoção do tema dentro da comunidade. Depois, questionamos os nossos convidados quais eram seus nomes e relações com o plantio. Todos confirmaram suas relações com o cultivo, relatando as facilidades e dificuldades pessoais. A grande maioria relatou o interesse de gerar alguma renda através da agroecologia e a dificuldade de se cultivar em seus lotes, por considerarem o valor da conta água alto para as suas rendas mensais. Percebemos que os moradores ficaram entusiasmados com a possibilidade de gerarem renda através de uma horta comunitária, que seguisse o exemplo do programa Hortas Comunitárias Urbanas, em Sete Lagoas. No final da nossa conversa, a comunidade entendeu que estávamos ali para trabalhar outras possibilidades e só cabe à prefeitura decidir a implantação do programa. 32


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Propomos um mapeamento do bairro junto aos moradores, para investigar onde estavam suas residências e quais eram os equipamentos presentes nos arredores. Como suspeitávamos, não havia escolas ou hospitais na região e o CEUs era o único equipamento público. Nesse dia fomos apresentados à Vinha, estudante de Gestão Ambiental, que se juntou ao nosso grupo pelo resto do projeto. Ela nos contou que teve interesse em nos acompanhar devido à matéria publicada no jornal Sete Dias a respeito do projeto. Já durante a semana seguinte, nos organizamos junto àqueles que nos acompanharam para pesquisar alternativas, conceitos e ações para estabelecer o mutirão, bem como traçar um plano de atuação junto à comunidade.

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__________________________ GARIMPANDO MATERIAIS Durante a terceira semana, nos ocupamos em preparar o terreno para o mutirão que planejamos. Para contemplar as demandas levantadas durante as visitas aos quintais e a reunião, propomos a construção de um espaço público de cultivo autônomo no bairro Jardim dos Pequis, a fim de fomentar novos modos de se habitar, cultivar e se alimentar em conjunto. Nesse sentido, o projeto conta com a combinação de duas ambiências: um jardim produtivo e uma cozinha pública. Na sexta, dia 28, ficamos por conta de coletar materiais em lojas e fábricas de Sete Lagoas para usar no nosso projeto. Como a proposta tem uma ética ecológica, pensamos em utilizar materiais descartados para a construção das ambiências. Os olhos se tornam clínicos nesse momento: qualquer descarte pode ser útil! Os materiais construtivos coletados na tarefa foram sobretudo doados, encontrados, ou adquiridos em topa tudo, depósitos de materiais de construção e ferro velho. No sacolão Abastecer, conseguimos caixas de feira, que seriam retornadas ao CEASA. Na loja de materiais de construção Casa Moura conseguimos doação de cerca de 20 pallets. Ao visitar um topa-tudo nas proximidades do Jardim dos Pequis, sem saber direito como usaríamos os materiais, captamos garrafões, latas, arames e lavatórios de cerâmica. Também nos prontificamos a coletar mais materiais em Belo Horizonte, onde os membros do coletivo residem. No Mercado Central, conseguimos a doação de baldes para as composteiras. 36


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__________________________ MINHOCAS S/A: TRANSFORMANDO LIXO EM ADUBO Segundo o Ministério da Agricultura, diariamente, no Brasil são produzidos cerca de 144 toneladas de lixo orgânico, o que corresponde a 60% do lixo urbano. Todo esse lixo orgânico acaba indo para aterros sanitários, onde polui o nossos lençóis freáticos. Se todo esse lixo orgânico fosse destinado à compostagem, por dia teríamos nada menos que 86 mil toneladas fresquinhas de húmus. A composteira ecológica é um sistema de reciclagem do lixo orgânico caseiro, no qual minhocas transformam os restos dos alimentos em adubo orgânico. Este é um composto de terra, húmus e microorganismos ricos em nutrientes que fortalecem a terra e as plantas. Ao final do processo, o adubo orgânico pode ser adicionado em sacos plásticos, lacrado e vendido. Esse método é conhecido há mais de 3 mil anos. No antigo Egito, já eram utilizadas técnicas parecidas para a criação de adubos, o que marca a ancestralidade presente no manejo com a terra. O húmus é um componente orgânico, resultante da decomposição microbiana de animais e plantas, que contribui para potencializar a adubação. Normalmente, o adubo e o húmus não apresentam cheiro ruim. Caso isso ocorra, é sinal de que está faltando oxigênio na composteira. A produção de adubo através dos restos de comida promove indiretamente uma alimentação saudável, visto que na composteira os alimentos processados, enlatados e carnes são prejudiciais. Além disso, o sistema levanta a discussão sobre o desperdício alimentar e uma vida consciente. 42


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Pensando nisso, realizamos uma oficina de elaboração de composteiras a partir de materiais reciclados. Para essa oficina compareceram 4 moradoras e cerca de 10 crianças que, curiosas, acompanharam todo o processo. Também compareceram a Malu, a Vinha e o Iago, do Coletivo Nativos Urbanos, que a partir de então começou a participar também do projeto. No final, cada moradora levou a sua composteira para casa. Uma foi produzida para integrar o nosso jardim produtivo. Outra extra foi levada para a casa de um membro do coletivo. A oficina foi o maior sucesso e ficamos ansiosos para ver depois o resultado das composteiras levadas pelas moradoras. Como funciona? A composteira, ou minhocário, é composta por 3 recipientes plásticos empilhados que podem ser reciclados (ex.: baldes de azeitona, como utilizamos na oficina). Essa configuração forma um sistema três “andares”, conforme a imagem. Os dois superiores estarão cheios de terra. No 3º andar, ficam as minhocas que exercerão todo o trabalho, 44


junto à terra onde as sobras dos alimentos serão depositadas. Após colocarem os alimentos, recomenda-se cobrir com folhas secas ou serragem para manter a umidade e só depois tampar. Assim que o recipiente do 3º andar fica cheio, ele deve alterna a posição com o recipiente do 2º andar, que agora irá para o 3º para receber os alimentos. Esta troca de lugar das caixas permite que a caixa cheia de alimentos tenha tempo para que o processo de digestão/ decomposição das minhocas aconteça (cerca de 8 semanas). Durante esse processo, a terra eliminará um líquido rico em nutrientes e livre de bactérias que escorrerá para a caixa localizada no 1º andar. Este líquido é nomeado de “Chorume do Bem” e deve ser coletado, para depois pulverizar as plantas pois é um ótimo fertilizante e pesticida. Após os alimentos serem digeridos/decompostos, a maioria das minhocas ruma para a caixa no topo em busca de mais comida. Com essa migração, no recipiente do 2º andar teremos o adubo pronto para ser utilizado ou comercializado. 45


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__________________________ HORTA VERTICAL: ECONOMIA DE ÁGUA E ESPAÇO A elaboração desse dispositivo se relaciona diretamente com as demandas apresentadas pelos moradores do bairro Jardim dos Pequis. A escassez e o preço alto da água, e também o pequeno espaço disponível nos quintais, que muitas vezes abrigam animais de estimação ou galinheiros, foram as queixas mais comuns dentre os moradores que participaram do nosso chá. A fim de viabilizar o cultivo para esses moradores, promovendo economia de espaço, gastos e água, foi desenvolvido um dispositivo de horta vertical que atendesse a todas essas demandas e que ainda fosse acessível aos moradores. Contamos com a colaboração de crianças, que se prontificaram a cortar, de acordo com o projeto desenvolvido, todas as garrafas que usamos. Em poucos minutos, havia garrafas cortadas suficientes para a produção do nosso dispositivo. Com as mãos à obra, tentamos elaborar jeitos de fixar a grade em pé na nossa área de intervenção. Com a madeira dos caixotes que já havíamos coletamos nos sacolões, construímos um calço para fixação a grade. Alguns meninos nos ajudaram a cavar os buracos para fixarmos o calço e assim começamos a firmar as grades. Na nossa segunda grade, já estávamos exaustos: cavar para aterrar estava dando muito trabalho! Nesse momento, tivemos a ajuda muito especial da moradora do bairro e pedreira Maria. Ela nos sugeriu que fincássemos as ripas de madeira na terra com um martelo, fazendo delas estacas com ajuda de uma faca. Assim o serviço foi muito mais rápido! Terminamos alguns minutos depois de montar a estrutura pra receber a nossa horta vertical. 48


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Com a estrutura finalizada, tivemos a chegada de dois outros estudantes, Iago e Tiago, de Agronomia e Permacultura respectivamente, trazidos pelo Erick, coordenador de cultura do CEU Jardim dos Pequis. Os meninos nos recomendaram a nĂŁo terminar a montagem do jardim vertical na sexta, pois desconfiavam que a terra do lugar nĂŁo fosse apropriada para o plantio. Desse modo, tratamos a terra com folhas secas e ĂĄgua para plantarmos temporariamente as mudas que coletamos atĂŠ que consigamos uma terra mais adequada para o cultivo. Montamos as jardineiras dentro dos caixotes de feira com o revestimento interno de sacos de arroz trazidos pela Malu. 50


No final do primeiro dia de oficina, tínhamos as garrafas cortadas e grades fixadas no solo. Deixamos o sistema pronto para a finalização, que seria feita com a fixação das garrafas, a inserção de terra dentro do sistema e, por fim, o plantio de mudas e sementes. Não obstante, as grades foram levadas por catadores de sucata do bairro que não sabiam do acontecimento do projeto. No dia da finalização do dispositivo, então, trocamos as grades por pallets, que nos haviam sido doados por depósitos de materiais de construção de Sete Lagoas. Da finalização participaram as moradoras do bairro Sandra e Ju.

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__________________________ EM VASO, TUDO CRESCE OU TUDO PODE SER UMA JARDINEIRA!

Segundo os moradores do bairro Jardim dos Pequis, “em vaso, tudo cresce”. A partir dessa premissa, e também dos relatos de que a terra local não seria adequada para o cultivo, a construção coletiva de jardineiras foi pensada no sentido de produzir junto à comunidade dispositivos de cultivo soltos da terra. Estes dispositivos seriam passíveis de serem preenchidos com terras férteis trazidas de outros lugares, material orgânico e adubo produzido pelas composteiras anteriormente produzidas. Materiais possíveis de serem transformados em jardineiras foram recolhidos em depósitos de materiais de construção, em topa-tudo e pela vizinhança do bairro Jardim dos Pequis. Com as peças desmontadas dos caixotes de feira e dos pallets, pensamos em produzir jardineiras para o nosso jardim ambiente. No primeiro momento, essa atividade teve a intenção de reconhecer talentos e ofícios no bairro, através da marcenaria. Pessoas que nunca haviam tido qualquer experiência com as ferramentas, demoraram um pouco a se familiarizarem com a prática e, em dois, dias, tínhamos construído as nossas jardineiras. 54


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Durante a ação, a criatividade dos participantes foi despertada: para eles, as jardineiras elaboradas com a junção das ripas de madeira possuíam o mesmo valor que os outros objetos côncavos coletados. Ao observar os materiais coletados no bairro, foi sugerida pelos moradores a conversão desses objetos em jardineiras. Assim, tínhamos que todo 56


objeto côncavo é uma jardineira em potencial. Os lavatórios, os garrafões e os caixotes passaram de descartes a vasos de planta. Sem o nosso controle ou planejamento, então, realizamos o upcycling, que se trata da valorização criativa de elementos subutilizados ou descartados pelos moradores no próprio bairro. 57


__________________________ MÃOS À HORTA: CONSTRUINDO E PLANTANDO NO NOSSO JARDIM DIA 1: MODOS DE MONTAR Após a construção do dispositivo de horta vertical e das nossas jardineiras. Restava ao nosso jardim a sua ambiência. Para isso, convocamos as pessoas usuárias do CEUs naquele momento para uma discussão sobre essa tarefa. “Precisa ter um lugar pra sentar”, disse um dos homens com quem conversávamos. Todos acenamos com a cabeça positivamente nesse momento. O coordenador de cultura do CEUs, Erik, nos propôs que pendurássemos o dispositivo de horta vertical na superfície lateral da pista de skate. Ao tentarmos, porém, vimos que havia pouca sustentação no sistema para que ficasse totalmente atirantado. Escolhemos por montar a ambiência logo atrás da sala CRAS II. Com os pallets que restaram, junto às pessoas que se encontravam no CEUs, tentamos algumas combinações de montagem para a formação de uma espacialidade. Algumas mulheres funcionárias e participantes de atividades na sala elogiaram a iniciativa e propuseram algumas tipologias. Assim que começamos a organizar o nosso material, alguns meninos, fumando, passaram pelo espaço e vibraram por terem ali um novo hotspot de encontro. Nesse momento, as mulheres presentes, temendo sobre o que viraria aquele local, reivindicaram que instalássemos o jardim em outro local. Decidimos com um pouco de cansaço, provocado pela transferência dos materiais pelo local, então, executar o nosso jardim em frente à quadra poliesportiva, para que fosse um espaço de acesso público que estivesse sempre na visão de quem estivesse no uso das quadras, servindo também de assento com visão para a arquibancada. Assim a montagem que começou pela tarde só foi finalizada à noite. 58


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DIA 2 : MODOS DE COLORIR

Após a montagem, ficamos com uma impressão de que algo incomodava e precisava ser mudado antes que plantássemos no nosso jardim: a ausência de cor era opressora. Levamos, na visita seguinte ao bairro, tintas perto do prazo da data de vencimento que a Débora encontrou em casa. Como eram da cor branca, pensamos em utilizar corantes líquidos para a produção de outras cores. Na incerteza de que isso funcionaria, levamos também um balde de tinta amarela. Ao chegar no CEUs e nos prontificarmos, contrariando nossa expectativa, ao fazer a mistura, algo deu errado. Aparentemente, só o corante azul surtia o efeito esperado nas tinta que levamos. Na intenção de encontrar algum resultado, misturamos todo o corante verde com um pouco do amarelo que levamos. Para nossa surpresa, a cor resultante formamos um verde de uma tonalidade pastel que era mais bonita que aquelas disponíveis nas lojas. Antes de colorir o nosso jardim, questionamos às crianças presentes como pintaríamos as jardineiras. Sugerimos padrões triangulares, bolinhas, traços e pingos com a brocha. Logo sem muito titubear, uma das crianças sugeriu que fizéssemos padrões em formato de bolinhas. Seguindo o conselho, Marina e eu rasgamos um pedaço do papel craft que usávamos pra sentar e dele recortamos circunferências. Ao usar o pedaço vazio na superfície para a pintura, teríamos as bolinhas. Quanto aos pallets, foi sugerido que fossem pintados mas que a aparência da madeira também fosse mantida. Assim, propusemos losangos escalados entre cheios e vazios. Os losangos foram desenhados no próprio mobiliário com fita crepe disponível no CRAS. 60


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DIA 3: MODOS DE PLANTAR

Apesar de já estarmos nos referindo à ambiência enquanto “Jardim Produtivo”, o aspecto principal para a configuração dessa nomenclatura ainda faltava, as plantas e a terra. Era provavelmente a etapa mais aguardada por nós: o manejo com a terra. Como a terra disponível no bairro era pouco fértil para o plantio, optamos por buscar a terra realmente fértil da casa do Arlex, membro do Nativos Urbanos. Em sacos grandes de ração e arroz, depositamos a terra e com a ajuda do meu pai, levamos no carro até o CEUs. Parte das mudas, coletamos nas casas das mulheres com quem trabalhávamos no bairro. Outra parte trouxemos de casa, adquirimos na horta comunitária do bairro Morro Vermelho e em uma floricultura do centro de Sete Lagoas. Uma pitangueira que deveria ser transplantada foi doada pelo próprio CEUs. Com todo o material recolhido, botamos o plano em ação. Para melhor adubação, misturamos à terra folhas caídas dos pequizeiros (ótimo adubo, segundo os moradores) e água da torneira do CEUs em baldes para umidificação. Ao som de Jorge Ben, plantamos nas jardineiras, em vãos dos pallets, nas pets da horta vertical, nos caixotes, nas latas e nos garrafões. Para regar as plantas, fizemos dos garrafões restantes, regadores. Nesse mesmo dia, contávamos com a presença do André, mestrando da UFPE e bolsista do LABCEUs em Recife. O Coletivo Nativos Urbanos também estava presente. Um desdobramento aconteceu nesse encontro, o que nos deixou super contentes. Desse união de forças, nasceu no mesmo dia novo jardim na grade do antigo portão* do CEUs. Para a construção desse novo jardim, os meninos recolheram caixas de leite vazias no bairro e aproveitaram as ripas restantes dos pallets que desmontamos, que originaram outras jardineiras. 62


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*A HISTÓRIA DO PORTÃO OU OU INSURGÊNCIA #1

A intervenção nas grandes foi sugerida pelo diretor do CEUs, o Celso que nos contou uma peculiaridade a respeito da história desse portão. Segundo ele, no dia da inauguração do CEUs, o espaço foi cercado com tapumes, sendo o portão a maneira de controlar o acesso ao local. Todos os moradores do Jardim dos Pequis foram convidados para o evento de inauguração e a maioria deles estavam presentes. Isso proporcionou uma interação do bairro, que já havia sido reassentado há 3 anos, nunca proporcionada antes. Durante a congregação, todos estranharam os tapumes em volta. Quando o evento chegou ao fim, os moradores foram requisitados a deixar o espaço, passando pelo portão. Insatisfeitos com o cerceamento do espaço, os moradores derrubaram todos os tapumes que impediam o acesso livro à praça. Do limite estabelecido, só restou o portão, que virou 64


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__________________________ COZINHANDO COM O SOL: O FORNO SOLAR Uma das coisas que marcou a nossa estadia no bairro Jardim dos Pequis foi a paisagem seca, composta por um sol escaldante e pelos pequizeiros. Tirando partido desse aspecto, foi proposta a construção coletiva de um fogão/forno solar. O aparelho é composto por um sistema baseado em uma combinação de superfícies refletoras direcionadas a um centro, onde a radiação é concentrada. Pode ser produzido artesanalmente e possui variadas tipologias projetuais. O potencial de se cozinhar com o sol está em abdicar do gás de petróleo liquefeito. A técnica é popular em países com carência de acesso pelas camadas populares a esse elemento, como o Senegal, o Afeganistão, a Índia e a China. Apesar do aspecto parecer um pouco rudimentar, alguns formatos do dispositivo são capazes de concentrar calores de 300˚C no seu interior. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam a utilização do forno solar por 30% da população do Brasil reduziria anualmente a extração de lenha para cozimento de alimentos em uma quantidade de 5.370.000 m³ – quantidade de alta relevância de economia em consumo, poluição e desmatamento (CAVALCANTTI, 2011 apud SOUZA, 2004). Para a ação, coletamos placas de isopor e caixas de papelão nas lojas de eletrodoméstico do centro da cidade. Também adquirimos tinta preta, cola, fita adesiva e rolos de papel alumínio e de filme de plástico nas localidades do bairro. 70


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Levamos esboços de dois modelos padrão, encontrados na internet, a ser elaborados com o pessoal dos Pequis. A turma que nos acompanhou na execução foi composta por crianças de 8 a 12 anos. Todos ficaram incrédulos quando explicamos pra quê serviria aquele objeto. Enquanto a Débora e eu nos ocupamos em cortar com estilete os formatos nas folhas de papelão, as crianças foram colando o papel alumínio, pintando o papelão. Mesmo sem acreditar na funcionalidade daquilo que faziam, todos colocaram as mãos à tarefa. Quando terminamos a atividade, já se passavam das 16 horas. Como o tempo de cozimento nos fogões solares demora um mínimo de duas horas, deixamos para colocar os nossos fogões em prática durante o nosso próximo contato. 72


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__________________________ CONSERVAS COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO SOCIAL A partir da demanda de conter o desperdício e na intenção da difusão do hábito de se produzir o próprio alimento criativamente (e criticamente), propusemos uma oficina de conservas. Ficamos totalmente ansiosos para esta interação, pois promovendo este o encontro, sabíamos que ali haveriam trocas riquíssimas de saberes. Sabe-se que a principal função da conserva é conter o desperdício dos alimentos muito maduros, fazendo com que o seu prazo de validade seja estendido. Isso acontece graças ao líquido soluto, que captura a água dos alimentos, inibindo a sua oxigenação. A conserva é umas das técnicas mais ancestrais de processamento de alimentos totalmente natural. O exercício exige a observação do alimento e, consequentemente, da natureza, visto que a fermentação (principal agente de conservação do alimento na conserva) é nada mais nada menos que a retirada do oxigênio do alimento para que as bactérias boas produzam enzimas que o conservem. Pela manhã do dia da oficina, para temperar as conservas, coletamos nos quintais folhas como salsinha e coentro, além de pimenta biquinho. Pedimos para que as mulheres levassem para a oficina as frutas e legumes que já estivessem passando do ponto, pois essas seriam as tipologias das nossas conservas. Pelo que diagnosticamos, apesar de o bairro Jardim dos Pequis ser uma construção do programa social MCMV, no qual somente as mulheres possuem a escritura das casas, poucas atividades no CEUs são destinadas a esse grupo. Através da criação de uma espacialidade e de um encontro, pudemos naquele momento fornecer uma nova possibilidade de interação dessas mulheres. 74


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Julgando pelas pessoas que nos acompanharam durante esse tempo, já esperávamos contar com um grupo majoritariamente composto por mulheres. Era isso exatamente o que queríamos. Considerando que todas presentes eram mulheres cisgêneras, um fato especialmente pertinente elas foi explicado: a conserva tem propriedades importantes no auxílio do equilíbrio da flora vaginal. Com o intuito de fortalecer a noção de pertencimento das participantes com a intervenção criada e com o próprio CEUs, o local escolhido para a realização do trabalho foi logo em frente ao jardim produtivo já produzido. Na hora marcada, juntaram-se a nós aproximadamente 10 mulheres interessadas na atividade. A diversidade na faixa etária das participantes chamou atenção: a variação estava entre os 17 e 52. Levamos alguns alimentos e as participantes levaram de casa alguns de seus alimentos. A oficina foi iniciada por bate-papos a respeito dos costumes alimentares de cada uma. Pra algumas delas, o preparo da conserva não era uma novidade. Para todas, porém, a conserva com frutas era uma inovação. 76


Toda a troca existente na interação foi muito plural: cada mulher pôde escolher a sua combinação para as conservas, de acordo com a sua experiência culinária, que pelas misturas se apresentou ali muito variada. Houve variações entre ervas, frutas, hortaliças e legumes de todos os tipos. Um total de 15 conservas foram produzidas no final. Todas foram levadas para as casas das participantes. MINIMANIFESTO A comida viva precisa ser reinserida no nosso cardápio para que nossas papilas gustativas se curem da amnésia alimentar exercida pelo sódio, tão presente na comida processada que acaba por se passar pelo real sabor dos alimentos. A conserva caseira representa essa comida viva, visto que com o passar dos dias os sabores vão se modificando já que a salmoura altera a estrutura química dos alimentos naturais, não só prolongando a sua durabilidade, mas também aumentando, por exemplo, o índice de vitaminas do complexo B nos alimentos.

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__________________________ LEGUME SE COME INTEIRO Partindo da mesma demanda que originou a oficina de conservas, propusemos uma oficina para o aproveitamento integral dos alimentos. Selecionamos algumas receitas contando com ingredientes que eram encontrados nos quintais do bairro, nas hortas e nos pomares ao redor. A ideia era aproveitar o máximo dos alimentos, evitando desperdícios e tendo um balanço nutricional mais adequado. Essa estratégia de aproveitamento integral dos alimentos nasce também como uma insurgência. No espaço de reinvindicação que é a cozinha, ao aproveitar o máximo possível da comida, consome-se menos, o que reduz a poluição no deslocamento da comida e também na redução do descarte, além de conter o desperdício. Há, assim, nesse ato, no minhocário, no consumo e produção local, a possibilidade de mudar os meios de as cidades através de atitudes domésticas. Essas atitudes são capazes de elevar graus de autonomias individuais e comunitárias em relação aos meios de planejamento, controle e saneamento formais. Contrapondo o entusiasmo que esperávamos ter para a oficina, o CEUs no mesmo dia contou com um evento para celebração do Dia das Crianças. Sabendo que seria difícil competir a atenção com uma cama elástica e presentes, decidimos fazer as receitas que havíamos preparado para a oficina nós mesmos, usando cozinha do CRAS. Depois, compartilharíamos com os presentes na festa. As receitas foram: suco de casca de abacaxi, “bife” empanado de casca de banana, chá de casca de maçã, farofa de casca de melão e omelete de talo de couve. A proposta era o descarte zero, então não desperdiçamos nada. Com as folhas da couve, embrulhamos a farofa em trouxinhas. Com a polpa das frutas, fizemos uma salada de frutas. 80


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O dia, como todos os outros, contou com um sol bem forte. Por isso, aproveitamos para testar o nosso fogão solar. Enchemos um copo de alumínio com água e despejamos nele as cascas de maçã. Deixamos o fogão exercer o seu processo no sol durante o tempo que demoramos pra fazer as outras receitas, aproximadamente uma hora e meia. Quando acabamos de cozinhar, os brinquedos já haviam sido desmontados e o evento acabado. Aquilo que restou dos ingredientes e não era edível para nós, era para as minhocas e, assim, levamos esse descarte para a composteira no jardim. As cascas de ovos, poderosos 82


adubos, foram trituradas e colocadas junto à terra das jardineiras. Servimos então os pratos no nosso jardim e compartilhamos com a D. Neném, a D. Helena e as poucas crianças que ainda restavam ali. A trouxinha de farofa, o omelete e o bife fizeram maior sucesso. Ao chá, houve uma certa resistência. “Será que esse negócio no sol funciona mesmo?”, fomos questionados. Quando respondemos positivamente, ouvimos “Mas também, com esse sol daqui, acho que não precisava de fogão nenhum, né?!”.

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__________________________ REDES

A formação de redes colaborativas de ofícios, talentos e produções no bairro Jardim dos Pequis é compulsória à formação de agentes em serviço da produção microeconômica. Toda a integração de economias de quintais foi despertada através da correspondência entre as produções de alimento no bairro: as produtoras de adubo, as produtoras de hortaliças e as cozinheiras. Todas essas agentes possuem o seu papel único e indissociável do seu meio. As mantenedoras de composteiras são atualmente capazes de fornecer adubo orgânico para outras 3 hortas no bairro. Para isto, elas necessitam de restos de alimentos. Mais resíduos podem ser advindos dos excedentes das cozinheiras. Outros baldes podem ser adquiridos em lanchonetes da região. Os furos podem ser executados por um marceneiro ou por qualquer um com uma furadeira. As minhocas e a terra podem ser adquiridas na beira do córrego. As folhas podem ser recolhidas por toda a extensão onde há pequizeiros no bairro. Essas redes foram formadas sobretudo por mulheres – mães, solteiras, casadas, assalariadas e donas de casa. A faixa etária não é específica à uma só geração; varia entre os 15 anos e 55. Cada agente é interdependente e favorecedora da economia do outra. Outros agentes pode eventualmente também se inserirem na rede: o dono do minhocário poderá conceder minhocas às produtoras de compostagem; donos de lanchonetes podem ceder baldes; marceneiros podem furar os baldes; as criadoras de galinhas e codornas venderão os ovos às cozinheiras; as galinhas também podem ser negociadas. 92


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__________________________ CONCLUSÃO As amnésias (alimentares e de produção agrícola) que a população urbana sofre, pela alienação da mídia e da indústria alimentícia, a retiram do campo de decisões a respeito do seu próprio consumo e estilo de vida. Ao serem padronizados os gostos, os questionamentos são esvaídos: não se alimenta crítica ou conscientemente. Na contramão da alienação e da ruptura entre o espaço do campo e o espaço urbano, há iniciativas em torno da produção de alimentos, com vieses focados em interesses e demandas individuais, que muitas vezes se tornam realizações coletivas. No caso da agricultura urbana, vêse avanços e desafios para a sua legitimação frente ao poder público. Nas políticas públicas que fomentam a agricultura urbana, percebe-se que há muito ainda o que ser trabalhado para garantir a autonomia econômica aos produtores. A ocupação não é ainda reconhecida como um ofício no qual são negociados honorários, ou sequer os agentes são remunerados pela sua contribuição além do que é comercializado nas hortas. O programa de Hortas Comunitárias Urbanas de Sete Lagoas apresenta um potencial de adesão àqueles na situação de vulnerabilidade social, na possibilidade de que, através da produção, se assegure o próprio alimento. As hortas agem contra a especulação imobiliária na cidade, ocupando os espaços vazios e assim conferindo a eles a função social da propriedade. Os alimentos são orgânicos e muitas vezes mais baratos que nos supermercados e hortifrútis. Outro benefício é a proliferação da biodiversidade urbana, que melhora a qualidade do ar, da fauna e da vida de modo geral nos arredores. 96


Entretanto, a política falha em garantir um rendimento palpável para além dos alimentos produzidos na horta. O requerimento da fração produtiva para as escolas públicas da cidade pode acabar sendo um problema para os agricultores. A Dona Neném (52) ex-produtora das HCU, chegou a relatar que enquanto participava do programa, por muitas vezes quando por intempéries, ou por azar, não conseguiu produzir o bastante, teve que comprar às pressas os alimentos de outros produtores para poder conceder a sua parcela periódica à prefeitura. Há pouco compromisso das instâncias governantes em fornecer autonomia econômica aos produtores. Como não há direitos trabalhistas desses agricultores, nada os protege. Sabe-se que manter uma horta na cidade, onde a biodiversidade é reduzida em relação ao campo, requer ainda mais cuidados do que uma plantação rural. Apesar do trabalho árduo que os agricultores urbanos realizam, entretanto, o manejo com as hortas parece ainda ser tratado como um hobby, ou no máximo como uma atividade extra para a complementação de renda, e não como um ofício, como muitos dos produtores o fazem. Não são concedidos décimo terceiro ou férias. Isso traz instabilidade e baixa estima para os agricultores. Como os produtores acabam por alcançar uma certa melhoria na sua alimentação proporcionada pelo próprio trabalho nas hortas, dá-se por Para Coutinho e Costa (2011), em referência a Brand e Muñoz (2007), o incentivo às hortas comunitárias autogestionadas faz parte da lógica do sistema de capitalismo neoliberal. Ao mesmo tempo em que essa política inviabiliza o acesso da população mais vulnerável aos supermercados, através do aumento dos preços, do acondicionamento 97


de baixos salários aos funcionários e do acúmulo de riqueza dos empreendedores, ela promove o incentivo à independência do sistema de consumo como uma autoadministração da pobreza. Isso é feito, como no caso de Sete Lagoas, através da integração das iniciativas das populações urbanas marginalizadas (como o cultivo em espaços residuais urbanos) com políticas públicas, através do discurso da segurança alimentar e do subsídio. No caso do Jardim dos Pequis, vê-se o interesse de muitos na implantação de uma horta comunitária no bairro. Ao longo das primeiras semanas de trabalho, fomos questionados diversas vezes pelos moradores se pretendíamos construir no bairro uma nova horta do programa municipal. Conforme observado, o interesse na instalação desse dispositivo no bairro está, numa primeira instância, vinculado às adversidades em relação à produção alimentar no local, como a escassez e o preço da água no bairro. Em outra instância, esse interesse também advém da questão da subsistência alimentar de orgânicos e da geração de renda, que é possível através do programa. Num terceiro momento, se dá pelo fato de que, através do programa de hortas urbanas, a prefeitura se responsabiliza em disponibilizar toda a infraestrutura para as hortas, fazendo com que os moradores não precisem intervir diretamente na estruturação do espaço, como no caso do Mutirão Agroecológico. 98


A imobilização frente ao espaço público é instigada por todos os meios de produção da cidade, onde as individualidades são suprimidas e a interação com o espaço público segue protocolos de funções, como o lazer, a cultura e os esportes. É promovida inclusive pelo próprio espaço do CEUs, onde os moradores são convidados a participar de atividades mediadas por pessoas externas ao bairro, mas não é incentivada a eles a intervenção do bairro no próprio espaço. As práticas espontâneas de agricultura encontradas no bairro, batizadas neste trabalho de quintais produtivos e jardins resistentes, se caracterizaram pelo propósito do autossustento, pela geração de renda e a pela herança de hábitos rurais de algumas mulheres. O conhecimento empírico reina sobre esses espaços, onde muito se sabe sobre as funções de cada planta, principalmente sobre o seu poder medicinal. Há pouca variação nas espécies de plantas de quintal a outro, o que demonstra influência sofrida da indústria de alimentos sobre a culinária dessas casas. A hipótese levantada pelo projeto, de fortalecimento da comunidade através da produção de agricultura urbana, se confirmou em teoria em vínculos pontuais e nos momentos espontâneos proporcionados tanto pelas aplicações das relações de instrução construídas oficinas, quanto pelos encontros proporcionados pelo espaço erguido. Um pequeno ciclo da cadeia de produção alimentar foi 99


formado entre as participantes do projeto e outras figuras do bairro. A rede é formada pelas mulheres produtoras de adubo, as agricultoras e as preparadoras de comida. No aspecto geral da intervenção no espaço, houve uma permutação no papel do arquiteto enquanto projetista para o arquiteto mediador. Isso provocou uma dispersão no objetivo de se conceber um produto final esteticamente agradável, o que favoreceu com que as pessoas pudessem participar menos verticalmente da proposta, podendo assim contribuir no trabalho com mão de obra, palpites, materiais e mudas. Isso não resultou, entretanto, num espaço menos qualificado ou esteticamente desagradável e certamente foi um espaço acolhido e incorporado com bem comum. Assim, o espaço atua como uma inserção direta da comunidade no espaço comum que é o CEUs. Nesse espaço, nomeado neste trabalho de Jardim Produtivo, há o encontro entre as pessoas que o utilizam. As funcionárias Dona Neném e Malu se encarregam diariamente de regar as plantas. As hortaliças são consumidas ora pelas pessoas do bairro que interagem com o jardim, ora pelos funcionários do CEU/CRAS quando cozinham na copa do espaço. 100


Relações sociais, sentidos e sentimentos foram captados e transformados durante o Mutirão Agroecológico. De uma forma ou outra, todas estão presentes no que foi construído, tangencialmente ou não. Com a presença ativa de pessoas externas ao bairro no projeto, desdobramentos foram também levados para fora do bairro, como o vínculo entre os coletivos Planta e Nativos Urbanos e também a elaboração dessa publicação. Por fim, o trabalho realizado se tratou de uma ação pontual, com objetivos específicos de fomentar uma rede de agricultura urbana, contribuindo para o fortalecimento da comunidade do bairro, através da construção de espaço, objetos, conhecimentos e relações. São melhorias específicas na qualidade de vida da população envolvida, difíceis ainda de serem medidas. Em primeiro lugar, porque pouco tempo se passou desde a finalização das atividades. Em segundo, porque o Jardim dos Pequis se trata de um bairro originado por um reassentamento, proporcionado por programas habitacionais de cunho social, com inúmeras questões a serem trabalhadas de ordem primária, como a falta d’água, a mobilidade, a segurança, entre outras. 101


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__________________________ REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS CAVALCANTTI e MOURA, Márcia Molina e Johson Pontes de. Construção e avaliação térmica de um fogão solar. Natal: Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.29295. Acessado Nov 2014. COUTINHO e COSTA, Maura Neves e Heloisa Soares de Moura. Agricultura urbana: prática espontânea, política de transformação de saberes rurais na cidade. Belo Horizonte: ICB-UFMG, 2011; CRUZ e MENASCHE, Fabiana Thomé da e Renata. Do consumo à produção: produtos locais, olhares cruzados. Porto Alegre: Revista IDeAS, v. 5, n. 1, p. 91-114, 2011. KAPP, Silke. Direito ao espaço cotidiano: moradia e autonomia no plano de uma metrópole. São Paulo: Cad. Metrop., São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 463-483, jul/dez 2012. LADDAGA, Reinaldo. Estética da Emergência. 1a Edição. São Paulo: Martins Editora, 2012. 304 págs. PENAFORTE, Miriam Vilela. PROJETOS PRIORITÁRIOS DE INTERVENÇÃO EM ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS: Um estudo de caso do reassentamento de famílias no bairro Jardim dos Pequis, na cidade de Sete Lagoas/MG. Programa de Pós- Graduação em Educação para a Diversidade da Universidade Federal de Ouro Preto. Sete Lagoas, 2012.

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CONCEPÇÃO ORGANIZAÇÃO PROJETO GRÁFICO TEXTO Marcus Maia ORIENTAÇÃO Luciana Bragança IMAGENS Planta culturadigital.br/mutirãoagroecológico marcusfmaia@gmail.com



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