JARDIM SÃO LUÍS: PAISAGEM, MEMÓRIA E CONSTRUÇÕES CULTURAIS Filipe Santos Orientado por Prof.ª Dr.ª Maria Angela Cabianca Universidade Anhembi Morumbi CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) filipesantos.urb@gmail.com
Síntese: O Jardim São Luís, bairro da Zona Sul de São Paulo, marca a transição entre a cidade formal e a cidade informal. Sua formação originou uma grande “colcha de retalhos”, onde as classes A e B dividem espaço com as classes C e D. Essa diversidade do espaço produzido revela-se também em sua paisagem contrastante: a imagem de favelas mesclando-se à de um dos maiores complexos empresariais do Brasil, o Centro Empresarial de São Paulo. Este trabalho busca descobrir os sentidos e a identidade do Jardim São Luís, a motivação e o percurso das pessoas que ali chegam, permanecem ou vão embora. Procura-se também encontrar uma maneira de conservar a memória do lugar, sobretudo neste momento em que uma larga faixa do bairro se inclui no projeto da Operação Urbana Consorciada (OUC) ou do Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Arco Jurubatuba.
Palavras-chave Paisagem; Jardim São Luís; Memória; Urbanismo.
Objetivo Busca-se com este trabalho obter embasamento para propostas de ações urbanísticas no bairro Jardim São Luís, contribuindo para o desenvolvimento de futuros projetos no local, e informações que subsidiem as ações do poder público e da iniciativa privada nas intervenções urbanas no bairro. Procura-se, ainda, resgatar e registrar a história, a cultura e o processo de ocupação e urbanização do Jardim São Luís, a fim de documentar e, possivelmente, aplicar a memória do bairro em projetos.
Metodologia Para o desenvolvimento deste estudo, utilizou-se de levantamento bibliográfico, documentação cartográfica sobre a região estudada e de legislação que incide sobre a área analisada. O estudo prevê, ainda, uma pesquisa de campo, com levantamento fotográfico e aplicação de entrevistas e questionários aos moradores e frequentadores do bairro (etapa a ser realizada). Os resultados são
O presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Anhembi Morumbi e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil)
analisados sob a perspectiva de autores como Ferreira e Maricato (2002), Maricato (2000; 2015), Lynch (1960; 1981), Santos (1988, 2007) e Tuan (2012).
Introdução e Referencial Teórico O Brasil era, até a década de 1930, um país pouco industrializado, com uma pauta comercial composta principalmente por cana-de-açúcar, algodão, ouro, borracha e café. Essas atividades encontravam-se dispersas no território do País, como ilhas, criando uma configuração espacial conhecida como Arquipélago Econômico Regional. A Crise de 1929, caracterizada pela quebra da Bolsa de Nova York, gerou um declínio dessas atividades, uma vez que os investimentos passaram a ser alocados não mais no setor primário (rural), mas no secundário (urbano). Dessa forma, as duas principais urbes do Brasil – São Paulo e Rio de Janeiro – passam, a partir da década de 1940, a concentrar maior parte das indústrias do País, fazendo com que um maciço de trabalhadores rurais migre para essas duas cidades. Em São Paulo, alguns dos bairros protagonistas desse processo de industrialização foram: Mooca, Brás, Lapa, Ipiranga e Santo Amaro, antiga cidade que fora integrada à capital paulista quando da inauguração do Aeroporto de Congonhas, em 1934. O crescimento industrial das grandes cidades brasileiras não surge, contudo, em consonância de ideias com a industrialização dos países capitalistas hegemônicos. Enquanto que, no chamado “Terceiro Mundo”, esse processo teve como condição a manutenção do baixo valor da mão de obra abundante, na Europa Pós-Guerra keynesiana, o crescimento do capitalismo fordista implicou um aumento generalizado dos níveis de vida e de consumo dos trabalhadores (FERREIRA; MARICATO, 2002). Em outras palavras, a industrialização da cidade do capitalismo periférico surge promovendo estruturalmente a desigualdade social, limitando, por meio de baixos salários, o acesso do proletário academicamente pouco instruído aos privilégios da cidade formal. Esse tipo de desenvolvimento adotado por países do capitalismo periférico promove, portanto, o surgimento de ilhas dentro da própria urbe, lugares onde o espaço produzido mimetiza, em termos estéticos e socioeconômicos, as cidades que são o epicentro do mundo neoliberal. À luz desses fatos, é importante notar que o ideário do planejamento urbano brasileiro se apropria em demasia de comparações com cidades como Barcelona, Paris, Londres, Copenhague e tantas outras onde o capitalismo, a sociedade, a política e a máquina pública têm dinâmicas muito distintas às nossas. Por essa razão, ao negligenciarmos a cidade informal e mimetizarmos o debate internacional, estamos configurando, segundo Maricato (2000), as ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Anhembi Morumbi e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil)
Favela da Felicidade, Jardim São Luís | Crédito: Filipe Santos
O instrumento da Operação Urbana Consorciada, bem como a ideia de Parceria Público Privada (PPP), nasce nos Estados Unidos e na Europa, na década de 1970, em meio à dificuldade de arrecadação do Estado. Segundo Ferreira e Maricato (2002), o aumento do desemprego, o alto custo de manutenção do Estado-Providência e a crise fiscal fizeram com que ganhassem força as políticas visando à corresponsabilização da gestão das cidades por todos os agentes participantes da produção do espaço urbano. Cabe lembrar que, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, é possível verificar que as OUC’s e PPP’s geram resultados com maior alcance social do que no Brasil. Isso se deve ao fato de, no capitalismo central, as desigualdades sociais serem menos evidentes e a distribuição de renda ser, de longe, mais justa do que a brasileira, fazendo com que esse tipo de instrumento urbanístico atinja o grande conjunto da sociedade e não apenas parte dela.
Centro Empresarial de São Paulo (CENESP), Jardim São Luís | Crédito: Filipe Santos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Anhembi Morumbi e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil)
No Brasil, a Operação Urbana Consorciada e as PPP’s também nasceram no contexto da crise fiscal e do esvaziamento do Estado – mas quase 20 anos depois, no fim dos anos 1980 e início da década de 1990, quando da ascensão neoliberal na América Latina e dos dogmas do Consenso de Washington. Posteriormente, a Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionada em 2000 e que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, foi um dos catalisadores – sem fazer juízo de valor – do processo de imobilização orçamentária das prefeituras.
Contrastes do Jardim São Luís: de um lado, a ilha de Primeiro Mundo (CENESP); de outro, a massa de Terceiro Mundo
Semelhanças superficiais à parte, é de suma importância notar – como já foi dito – que existem elevadas diferenças entre os contextos sociais em que se inserem as OUC’s e PPP’s em países dos capitalismos central e periférico. Os grupos sociais europeus, por exemplo, são de longa data mais organizados e ativos do que os brasileiros, o que amplia sua voz diante da muito mais forte influência da inciativa privada. Disso, decorre um confronto de ideias e interesses entre associações locais, empresas e Estado menos desigual do que na nossa conjuntura, onde as corporações dominam o processo.
Resultados Parciais Foram analisados documentos oficiais históricos obtidos na Prefeitura Regional M’Boi Mirim, órgão responsável pela administração da região, que dão indícios das primeiras glebas do bairro loteadas. A empresa responsável pelo loteamento, segundo plantas e ofícios encontrados no supracitado órgão da Prefeitura de São Paulo, foi a Sociedade Paulistana de Terrenos S/A, que, já na década de 1950, havia dado entrada nos papéis referentes a esse processo.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Anhembi Morumbi e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil)
A partir do projeto “A Fotografia como Concepção Histórica”, do historiador Carlos Fatorelli, foram obtidos registros fotográficos da paisagem do Jardim São Luís em décadas passadas e registros escritos da memória do bairro. O referido material possibilitou a realização de uma análise da topografia e da hidrografia da região, além de contribuir para a delimitação da área de estudo e para compreensão e delimitação do perímetro do bairro. Tal recorte deverá orientar a aplicação de entrevistas que deverão ser realizadas junto aos residentes e frequentadores do Jardim São Luís na próxima etapa deste trabalho, quando se pretende compreender melhor o “sentido” entre as pessoas e o espaço. Entende-se a palavra “sentido” como o grau em que um aglomerado populacional pode ser compreendido e mentalmente diferenciado e estruturado no tempo e no espaço pelos seus residentes, e o grau em que essa estrutura mental se liga com os seus valores e conceitos – a correspondência entre o ambiente, as nossas capacidades mentais e sensoriais e as nossas construções culturais (LYNCH, 1981, p. 118).
Conclusão preliminar A partir de documentos oficiais, é possível inferir que os primeiros loteamentos do Jd. São Luís ocorreram próximo às margens de uma faixa hidrográfica – o Córrego São Luís –, em um vale que hoje é ocupado pela Avenida Maria Coelho de Aguiar e por vias paralelas, com a presença, inclusive, de habitações precárias. É nessa área que a OUC ou o PIU Arco Jurubatuba deverá realizar intervenções, tendo em vista que ela representa a possibilidade de uma “ilha de Primeiro Mundo” dentro do bairro, com a pré-existência de um megacomplexo empresarial.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Anhembi Morumbi e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil)
Referências FATORELLI,
Carlos.
Bairro
Jardim
São
Luís,
São
Paulo/SP.
Disponível
em:
<http://carlosfatorelli27013.blogspot.com.br/2015/08/bairro-jardim-sao-luiz-sao-paulosp.html>. Acesso em: 18 jul. 2016; FERREIRA, João S. W., MARICATO, Ermínia. Alcances e limitações dos Instrumentos Urbanísticos na construção de cidades democráticas e socialmente justas. In OSÓRIO, Letícia Marques (org.). Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002; Histórico. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/m_boi_mirim/historico/>. Acesso em: 18 jul. 2016; LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade. Portugal: Edições 70, 1981; LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. Portugal: Edições 70, 1960; MARICATO, E. Para Entender a Crise Urbana. São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2015; MARICATO, Ermínia. Planejamento urbano no brasil: As ideias fora do lugar e o lugar fora das idéias. In ARANTES, Otília B., MARICATO, Ermínia e VAINER, Carlos. O Pensamento Único das Cidades: desmanchando consensos. Petrópolis, Ed. Vozes, Coleção Zero à Esquerda, 2000; SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo, Hucitec, 1988; TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Londrina: Eduel, 2012.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Anhembi Morumbi e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil)