Chamado Expositores. Wesley Fonseca

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AS TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS NA ÁREA PORTUÁRIA DO CAIS MAUÁ EM PORTO ALEGRE Eixo temático 2: A experiência como um paradigma transitório, do tangível ao intangível

Wesley de Oliveira Fonseca Orientado pela Prof.ª Dr.ª Andréa de Oliveira Tourinho Universidade São Judas Tadeu wesley.of@hotmail.com

Resumo: No início da formação das cidades da América do Sul, sobretudo aquelas cercadas por fronteiras marítimas e lacustres, os portos sempre tiveram grande importância para o seu desenvolvimento urbano, econômico e social. Entretanto, a partir da segunda metade do século XX, com a reestruturação produtiva da base econômica das cidades, as principais infraestruturas urbanas de transporte de mercadorias – como a ferrovia e os portos –, que estavam vinculadas à primeira fase da industrialização, foram gradativamente sendo abandonadas. A presente pesquisa tem como objetivo investigar e refletir sobre estes processos de transformação e de persistências de permanências urbanas, por meio da análise de estudo de caso do projeto de requalificação urbana para o Cais Mauá na cidade Porto Alegre no Rio Grande do Sul, no Brasil. Essa análise considera, ainda, o estudo comparativo com projetos similares na América do Sul, em especial o paradigmático projeto Puerto Madero (1985) em Buenos Aires.

Palavras-chave: Patrimônio Urbano; Paisagem Cultural; Identidade; Área Portuária; Porto Alegre.

[...] a própria cidade é a memória coletiva dos povos; e como a memória está ligada a fatos e a lugares, a cidade é o “locus” da memória coletiva. (ROSSI, 2001:198)

Introdução O processo de deterioração de áreas portuárias é um fenômeno do mundo ocidental que ocorreu a partir da segunda metade do século XX, com as mudanças no capitalismo industrial e os processos de reestruturação econômico-produtiva, que têm como consequência os novos tipos de transporte e Universidade São Judas Tadeu


armazenagem de cargas em containers, possibilitando o uso de navios cada vez maiores. Desta forma, as dimensões dos portos deveriam ser compatíveis com este progresso, provocando a obsolescência e a degradação das infraestruturas portuárias existentes, inadequadas à nova demanda, tais como os armazéns e docas. Em meio a este cenário, houve o primeiro projeto de revitalização portuária na cidade de Baltimore, nos EUA, em 1966, influenciando outras cidades ao redor do mundo, inclusive na América Latina, como no caso de Puerto Madero, em Buenos Aires (Argentina), na década de 1980. No Brasil, esse modelo de intervenção urbana tem influenciado projetos como o da área portuária da Estação das Docas (2000), em Belém do Pará, do Porto Maravilha (2015), no Rio de Janeiro e do Cais Mauá, em Porto Alegre no Rio Grande do Sul – objeto principal desta pesquisa.

Imagem 1: Região do bairro de Puerto Madero em Buenos Aires com a supervalorização territorial. (Fonte: acervo do autor, 2015).

O projeto Viva Cais Mauá, ainda não realizado, contempla em seus 3,2 quilômetros de extensão (Imagem 2) a requalificação da área com a restauração dos antigos armazéns protegidos por legislação de preservação do patrimônio, em nível federal, com novas atividades culturais e comerciais, torres de 100 metros de altura destinadas a hotéis e escritórios comerciais, além da demolição de seis armazéns para a construção de um shopping center de 40 mil metros de área construída, entre o Cais e a Usina do Gasômetro, protegido em 1982 pela Secretaria Municipal da Cultura, e posteriormente, em 1983 pela Secretaria de Estado da Cultura.

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Imagem 2: Em destaque a área portuária de Cais Mauá que contempla a intervenção urbana proposta pelo Consórcio Cais Mauá S.A. (Fonte: Google Earth/ modificado pelo autor, 2017).

Objetivos A presente pesquisa tem como objetivo refletir e compreender as relações entre os processos de transformação e a persistência de permanências urbanas, como a dos bens patrimoniais em áreas portuárias de caráter histórico, por meio do estudo dos projetos para o Cais Mauá em Porto Alegre, a fim de se verificar o tratamento conferido à preservação do conjunto de armazéns ao longo da orla do Guaíba, no projeto de requalificação urbana para a área, considerando a sua importância para a identidade cultural da cidade, comparando com a paradigmática experiência de intervenção portuária de Puerto Madero (1985) em Buenos Aires. Marco Conceitual A formação da cidade de Porto Alegre ocorreu na metade do século XVIII, quando Jerônimo de Ornelas recebeu uma sesmaria às margens do Guaíba onde atualmente localiza-se a cidade. O rio representou o principal meio de rota de locomoção fluvial até o século XIX, sendo essencial para constituição e desenvolvimento da implantação do núcleo formador da cidade, que desde 1772, com a desapropriação da sesmaria a partir de uma nova leva de portugueses, fez-se a demarcação de lotes, ruas e estradas, além da definição da área do Alto da Praia - atual Praça da Matriz -, para a constituição de um centro cívico. Desde então, a atividade comercial é intensificada através do porto, denominado no século XX por Cais Mauá: “[...] cuja localização é privilegiada pela profundidade das águas nesse ponto e pela proteção que oferece às embarcações em relação aos ventos.” (BAKOS, 1996:17)

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O Caís Mauá, constituído por píer de pedras e armazéns, foi inaugurado em 1921, com extensão de 1,5 km de porto, tornando-se o principal meio para as embarcações de mercadorias em Porto Alegre. Sua maior concentração de movimentação fluvial, totalizado em 20.123 embarcações, ocorreu nos anos de 1940 e 1950. A partir deste período, houve a necessidade de ampliar o porto a leste para atender a demanda da época, construindo-se, então, o Cais Navegantes que desde 1955 concentra a área de operação do porto da capital. Este acontecimento levou à desativação da atividade portuária na área nos anos 1970. Desde então, não houve nenhuma concretização de algum projeto de restruturação de uso nos píeres e nos armazéns, resultando em uma área em estado de obsolescência em relação ao espaço urbano da cidade. Mediante este cenário, houveram diversos projetos para atrair novos usos, porém, não obtiveram êxito a longo prazo. O primeiro deles foi o concurso urbanístico denominado de Caminho do Porto (1991), logo, o Porto dos Casais (1996) promovido pelo governo estadual, o Complexo Industrial Cais de Cinema (2000) e, por fim, o maior plano de recuperação é relançado pelo nome Revitalização para o Cais Mauá (2004) do Consórcio Cais Mauá do Brasil S.A., objeto para o presente estudo (Imagem 03), com a previsão de conclusão no mesmo ano ao evento da Copa mundial em 2014. Entretanto, atualmente o projeto encontra-se interrompido e sem previsão para o início das obras, por causa de incompatibilidade de interesses programáticos para área, além da ausência da participação popular e transparência nas decisões entre a prefeitura e o setor privado no processo de revitalização do Cais Mauá.

Imagem 3: Infográfico da proposta pelo Consórcio Cais Mauá S.A para área portuária de Porto Alegre. (Fonte: Consórcio Cais Mauá S.A, 2014).

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Metodologia Para o desenvolvimento da pesquisa, foi realizado levantamento bibliográfico sobre a temática do planejamento urbano e da preservação do patrimônio urbano, documentação cartográfica sobre a área em questão e o levantamento da legislação incidente. Além de uma pesquisa em campo realizado em viagem de estudos para as cidades portuárias de Buenos Aires e Porto Alegre, documentadas por meio de fotos e anotações, para realização de análises comparativas entre os casos de Puerto Madero e do Cais Mauá. Resultados Parciais A partir dos métodos descritos acima, foram analisados as principais informações do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentadas no Relatório de Impacto Ambiental da Revitalização do Cais Mauá (RIMA), documento cedido pelo Consórcio Cais Mauá S.A., sendo apresentado os dados técnicos para o estudo de viabilidade de implementação do projeto portuário. No entanto, não se conseguiu obter qualquer informação a respeito da destruição de seis armazéns para construção de um shopping center com 40 mil metros de área construída. A falta de informações sobre o projeto e seu andamento tem provocado críticas dos movimentos sociais, tais como Cais Mauá de Todos e Associação Amigos do Cais Mauá (Amacais), em que buscam esclarecimentos sobre a Portaria 483/16 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que estabelece os critérios para intervenções na área em questão.

Imagem 4: Pórtico Central importado da França em 1920. (Fonte: acervo do autor, 2016).

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Conclusão preliminar O Cais Mauá vai além de um conjunto de armazéns e píeres que estão em processo de requalificação do espaço urbano; é a representação identitária e parte significante da memória dos porto-alegrenses que os acompanha desde a fundação da cidade. Atrela-se a isto, a importância na paisagem cultural, por estar disposto entre o lago Guaíba e a o centro histórico da cidade. Desta forma, até o presente momento conclui-se que a proposta atual do projeto para área portuária não atende às condicionantes da preservação desta paisagem uma vez que o atual projeto, com as novas instalações previstas, não respeita as características do local existente. Referências BERTUSSI, Paulo Iroquez. A arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS: Mercado Aberto Ed., 1983. 224 p. CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. 4. ed. São Paulo: Estação Liberdade: Unesp, 2011. 282 p. FISHER, Bonnie; BENSON, Beth. Remaking the urban waterfront. Washington, D.C.: Urban Land Institute, 2004. 237 p. FREITAS, José Francisco Bernardino (Org.). Diálogos: urbanismobr. Niterói, RJ: EDUFF, 2010. 244 p. GIACOMET, L. Revitalização portuária: caso de Puerto Madero. Dissertação de Mestrado da Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008 GITAHY, Maria Lúcia C; LIRA, José T. (Orgs.). Cidade: impasses e perspectivas. 1. ed. São Paulo, SP: FAU/ Annablume/ FUPAM, 2007. 320 p. JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2001. 510 p. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1997. 227 p. PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental – PDDUA (LC 638/10). Porto Alegre: PMPA, 1999. ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. 2. Ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2001. 309 p. SHLUGER, Ephim (Org.). Cidades em transformação: Rio de Janeiro, Buenos Aires, Cidade do Cabo, Nova York, Londres, Havana. Rio de Janeiro, RJ: Edições de Janeiro, 2014. 304 p. VARGAS, Heliana Coming; CASTILHO, Ana Luisa Howard de (Org.). Intervenções em centros urbanos: objetivos, estratégias e resultados. 2. ed., Barueri, SP: Manole, 2009. 289 p. VIEIRA, Otávio Augusto Diniz. As Revitalizações dos Espaços Portuários de Puerto Madero – Buenos Aires – e do Cais Mauá – Porto Alegre – suas relações com o entorno. Por uma análise de aproximação. Dissertação de Mestrado do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011. 312 p. Universidade São Judas Tadeu


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