Usar personagens com poucos traços de gênero é um bom meio para se atingir meninos e meninas?

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PESQUISA DE PROGRAMAS 21/2008/P

Usar personagens com poucos traços de gênero é um bom meio para se atingir meninos e meninas? Resultados de estudos quantitativos e qualitativos da IZI com crianças de três a oito anos de idade

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urante o processo de criação de um novo personagem para um programa infantil, a questão do gênero é muito importante para a concepção de personagens masculinos, mas ainda mais para os femininos. Por exemplo, se vai ser uma garota com o aspecto feminino ou uma menina “mais masculinizada”. Na imaginação dos criadores dos programas sobre o que isso significa, encontramos, com frequência, conhecidos estereótipos de gênero e ideias pré-concebidas sobre o que é o que não é atraente para meninos e meninas.

Uma nova tendência: personagens menos definidos por gênero

Entre os programas de qualidade feitos para crianças em idade pré-escolar nos últimos anos, uma tendência diferente e interessante pode ser observada: os estereótipos de gênero não apenas estão sendo rompidos deliberadamente ou substituídos por contraestereótipos, mas também estão sendo intencionalmente menos caracterizados em termos genéricos. Exemplos conhecidos são Blue (a cadela) de Blue’s Clues (“As Pistas de Blue”) ou os 3 Wonder Pets (“Os 3 Bichos de Estimação Fantásticos”, que são duas meninas e um menino. Nesses casos, tantos os atributos pessoais como suas formas físicas não fazem referência a estereótipos de gênero, mas deixam a questão da identidade de gênero mais aberta para a decisão do espectador. A seguir, apresentaremos um estu-

do a respeito do desenvolvimento de um personagem atraente para meninos e meninas. Também serão descritas brevemente as vias e as questões de caráter investigativo que surgiram durante o processo.

Provas qualitativas do novo coelho A Emissora de Televisão PúblicaAlemã WDR planejou apresentar um novo personagem em seu programa pré-escolar Die Sendung mit dem Elefanten (“O Programa com o Elefante”), a mais jovem derivação do famoso programa infantil alemão de qualidade Die Sendung mit der Maus ( “O Programa com o Rato”).

Um coelho rosa para meninos e meninas?

O novo personagem devia ser um coelhinho emocionalmente expressivo, cheio de energia, criativo e uma espécie de irmã mais velha do personagem principal: o pequeno elefante azul. Para se enquadrar no “elenco” existente, o personagem precisa ser cor-de-rosa devido a alguns motivos de produção. Graças à coloração, as meninas tinham potencialmente maior afinidade com o novo personagem e, a princípio, ele foi criado em função disso: os desenhistas esboçaram uma figura com uma cabeça superdimensionada, um pescoço fino, um sorriso brejeiro e sedutor e laços de fita nas orelhas. Com ou sem fita nas orelhas? Das 35 crianças em idade de jardim de infância que podiam escolher entre as versões do coelho rosa com ou sem o laço, 13 meninas e um menino escolheram a versão com os laços,

17 meninos e quatro meninas ficaram com a versão sem. Como esperado, os laços nas orelhas tornaram o personagem mais atraente às meninas. Apesar de ser interessante para a venda de produtos licenciados, representava um fator restritivo a um programa que deveria ser igualmente atraente para meninos e meninas. A cor é um problema? O modo como meninos e meninas brincavam com o novo personagem foi monitorado em grupos de pesquisa. Crianças em idade pré-escolar jogaram livremente com reproduções do rato laranja, do elefante azul e do coelho rosa. Observamos que: 1)as crianças aceitaram imediatamente que havia um novo personagem; 2) meninas e meninos brincaram com o coelho rosa de modo igual. A cor não tornou o personagem menos atraente para os meninos.

©Internationales Zentralinstitut für das Jugend- und Bildungsfernsehen (IZI) 2008


PESQUISA DE PROGRAMAS 21/2008/P das meninas cresce. A principal justificativa é a cor rosa (77%) e o fato de ser doce e meigo (38%). Setenta e três por cento delas e 47% deles gostariam de tê-lo como brinquedo. O resultado deu um retorno positivo a o desenvolvimento do personagem. O gênero da versão final é mais aberto à interpretação das próprias crianças em geral, e as mudanças para um personagem menos definido pelo gênero o tornou mais atraente para meninos e meninas em idade pré-escolar

O nome do coelho deve ser Pink?

Por algum tempo, discutiu-se a possibilidade de dar ao personagem um nome individualizado, por exemplo Pink, ao invés de nomeá-lo da mesma maneira que os três outros (Rato, Elefante e Pato), de acordo com o tipo de animal que eles eram. Os meninos particularmente não gostaram disso. Quando perguntaram a Manuel (de três anos), enquanto brincava com as estatuetas, se ele conseguia imaginar que o nome do coelhinho era Pink, ele acenou negativamente com a cabeça, com cara de desagrado. “Não, seu nome não é Pink! Seu nome é, humm, Bunny!” Assim como a fita atada aos cabelos, o nome Pink define o personagem de um modo muito restrito, limitando o seu significado para os meninos.

A aparência física do coelhinho está correta?

Mais importante ainda: a aparência física do personagem foi categoricamente questionada. Ficou logo claro (quando fizemos a escultura dele) que as proporções não combinavam. Por exemplo, o fino pescoço não podia carregar a cabeça, e que sua postura acabaria sendo sempre ligeiramente curvada. As mães entrevistadas também tinham mais críticas que elogios ao protótipo: “este é um modelo inapropriado para minhas filhas”, disse uma das mães. Portanto, o departamento d e criação fez uma revisão mais meticulosa. A ideia básica era criar um personagem que não tivesse um estereótipo claro de gênero e que atraísse meninas e meninos igualmente. Esta foi a versão que a equipe editorial escolheu para o novo personagem do coelhinho. O personagem menos definido pelo gênero é o favorito? Num estudo quantitativo, testamos

Versões diferentes do personagem: o primeiro layout com fitas nas orelhas e a versão de gênero menos marcado (à direita) os dois layouts do coelho: o primeiro desenho e a versão com as marcas de gênero menos evidentes. As questões de pesquisa foram: • Se os meninos e as meninas pensam que o coelho é menino ou menina, e por que • Qual das duas versões tem mais probabilidade de ser escolhida como um brinquedo de estimação? Foram entrevistadas cara a cara 651 crianças entre três e oito anos, escolhidas de modo representativo1. Os resultados: a versão do coelho com fitas foi identificada como uma menina por 85% das crianças. Não havia diferenças de gêneros, só que os meninos mais novos identificaram o coelho como um menino. A principal razão (respondida livremente) foram as fitas atadas às orelhas (68%), a cor rosa (50%) e o fato de ser doce e meigo (18%). Setenta por cento das meninas e 39% dos meninos gostariam de tê-lo como brinquedo. A versão final do coelho foi identificada como uma menina por 48% dos garotos e 62% das garotas. Com o aumento da idade, o percentual dos meninos diminui e o

NOTAS 1 Realizado pelo Iconkids & Youth, Munique, Alemanha, Março a Abril de 2008.

REFERÊNCIAS Götz, Maya; Bachmann, Sabrina; Holler, Andrea (2007). A cooperative study to develop acceptance for a new character for the programme Sendung mit dem Elefanten (Engl.: Programme with the elephant). Artigo científico do IZI, Munique (não publicado) Götz, Maya; Christine Bulla (2008). Is that a girl or a boy? How children decide to which gender a character belongs. Artigo científico do IZI, Munique (não publicado). A Dra. Maya Götz é diretora do IZI e do Prix Jeunesse Internacional, Munique, Alemanha. Andrea Holler e Sabrina Bachmann, ambas Mestras em Artes - M.A., são freelancers no IZI.

TRADUÇÃO Daniel Carmona Leite .REVISÃO: Renata Bortoleto

©Internationales Zentralinstitut für das Jugend- und Bildungsfernsehen (IZI) 2008


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