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NOVOS FORMATOS E DESAFIOS DA CORRUPÇÃO
Orlando Mascarenhas1
Preâmbulo
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O texto que agora se publica corresponde aquilo que foi oralmente apresentado na Conferência Internacional Corrupção, Democracia e Direitos Humanos, que decorreu na Universidade do Minho, nos dias 7 e 8 de novembro de 2018; por isso mesmo não foram considerados desenvolvimentos posteriores a essa data.
Corrupção – Passado, Presente… (e Futuro?)
1. Passado
“Não são só ladrões, os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. – Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam.” In Sermão do Bom Ladrão de Padre António Vieira, de 1655 .
1 Coordenador da Secção Regional de Investigação da Corrupção da Diretoria Norte da Polícia
Judiciária.
Corrupção. Atas das Conferências Internacionais. p.043 - p.050
Nas instituições, os desígnios nobres, subjacentes à sua criação, de satisfação de uma necessidade coletiva, não afastam o fenómeno da corrupção, e esta não é um fenómeno novo. Platão e Aristóteles já usavam este conceito, aplicado a todas as sociedades para caracterizarem os regimes políticos que beneficiavam os interesses de grupos particulares e setores, em vez de aplicarem mecanismos legais e procurarem o bem-estar dos cidadãos. Mais tarde, um bem conhecido escritor português do séc. XIX – Eça de Queirós –, sustentou que o destino de Portugal foi deixado à aleatoriedade, nepotismo e oportunismo, e perguntou se um país governado por acaso, vaidade e interesses, especulações e corrupção, privilégios e influência poderosa, poderia preservar a sua independência. Sem fornecer uma resposta a esta pergunta, parece que país algum, em maior ou menor extensão, se encontra blindado de alguma forma de corrupção.
2. Presente
I. O discurso político e a mediatização O tema da corrupção ocupa um lugar central no discurso político e social da sociedade portuguesa, seguindo processos similares que ocorrem em diversas sociedades ocidentais. A importância do tema tem vindo a aumentar, face à relevância que os diversos meios de comunicação social têm vindo, constantemente, a dar às diversas situações de práticas suspeitas que envolvem grupos políticos, económicos, desportivos e do meio empresarial. A corrupção é uma praga que se alastra a nível global, com efeitos corrosivos nas sociedades. Este fenómeno demoníaco, encontra-se instalado em todos os países – grandes ou pequenos, ricos ou pobres, representando um enorme obstáculo ao desenvolvimento, crescimento e efetivo funcionamento do Estado de Direito.
II. Consequências da corrupção As práticas corruptivas, realizadas por todos aqueles que de alguma forma estão investidos de um poder associado à administração do setor público, ao poder político, aos cargos públicos, e demais setores da sociedade, afetam a legitimidade das instituições. De um ponto de vista económico, a corrupção distorce os fluxos de capitais dos seus propósitos iniciais, esgota a riqueza dos países, reduz o impacto das ajudas ao desenvolvimento, fornece um incentivo para explorar negativamente os recursos naturais, potenciando ainda mais o empobrecimento social e de ativos ambientais.
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Além disso, distorce a concorrência, estimula a desigualdade, corrói a estabilidade macroeconómica e impede o desenvolvimento de estruturas de mercado justas; reduz a eficácia da administração pública e distorce as decisões de despesa pública mediante a canalização de recursos para os setores envolvidos na corrupção ou para enriquecimento pessoal. Do ponto de vista sociopolítico, a corrupção inverte os princípios de confiança em que os sistemas democráticos são fundados, prejudica a reputação do Estado, as suas instituições e sua liderança, e dificulta o desenvolvimento de uma sociedade civil forte. Durante muitos anos, a corrupção foi vista como, principalmente e quase exclusivamente, um problema político, com pouca ou nenhuma relevância para o desenvolvimento económico. Porém, recentemente, a relação entre os problemas de corrupção, a capacidade governativa e o desenvolvimento, incluindo-se o desenvolvimento económico, tornou-se mais claro. Ao longo desta evolução de compreensão da corrupção, verifica-se também a necessidade de envolvimento de outros setores da sociedade, tais como as instituições financeiras internacionais, como também, um vasto conjunto de outros setores de atividades privadas, que têm desenvolvido estruturas jurídicas e políticas para lidar com a corrupção nas suas operações comerciais. Orientações anticorrupção para projetos de financiamento e investimento; disposições de combate à corrupção nas Condições Gerais, Diretrizes de Aquisição e Diretrizes de Consultoria; sistemas administrativos para punição de empresas e pessoas – que se suspeita de envolvimento em corrupção – em conexão com as atividades das entidades com atividades negociais, são alguns dos exemplos disso mesmo. No contexto de uma organização, a palavra corrupção, refere-se à forma como os indivíduos que possuem a autoridade para tomar uma decisão – em nome da organização -, fazem mau uso dessa mesma posição para obter ganhos pessoais. A corrupção ocorre tanto em entidades públicas como privadas e pode ser entendida como - uma “decisão vendida” para beneficiar o corruptor, enquanto o pagamento do suborno compensa os riscos do tomador de decisão e o custo moral de trair a instituição. Quanto à “decisão comprada”, esta desvia-se daquilo que a instituição de outra forma teria decidido, pois, se assim não fosse, não haveria razão para pagar o suborno. A corrupção pode tomar uma grande variedade de formas. Muitas vezes, assemelha-se a extorsão, em que uma parte é obrigada a oferecer algo de valor a alguém que detém uma posição de autoridade – um pagamento extra é requerido para que as decisões ou serviços públicos sejam tomadas ou realizados, e isso acrescenta uma espécie de imposto informal no cidadão e empresas, muitas
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vezes imprevisíveis, prejudicando as operações de negócios e impedindo as pessoas de beneficiarem plenamente dos serviços. Os danos causados pela corrupção, em qualquer espaço, dependem dos mecanismos em jogo e a escala do crime. Quanto mais distorcidos os processos de tomada de decisão se tornarem e quanto maior o peso dos custos imprevisíveis sobre as empresas e as pessoas, quanto mais prejudicial é a corrupção.
III. A perceção e fatores exógenos A corrupção é difícil de combater e controlar, sabendo-se da propensão das pessoas, a título individual ou agindo em nome de outrem, para influenciar os tomadores de decisão. Um pagamento do suborno é normalmente realizado na economia pessoal do tomador de decisão, ou seja, na situação financeira pessoal, sendo que, o suborno até pode ser pequeno em compensação com o valor público afetado, mas mesmo uma pequena quantidade pode ser substancial para o tomador de decisão. Estas decisões compradas (informalmente) a um preço baixo, em comparação com os valores oficiais em jogo, implica, potencialmente, enormes benefícios líquidos para o corruptor. Dadas as dificuldades de controlar toda e qualquer decisão burocrática, e a importância potencial, até mesmo de pequenos valores, na economia pessoal do destinatário do suborno, é praticamente impossível erradicar o risco de corrupção. Em suma, o risco de corrupção é um efeito colateral inevitável da organização burocrática eficiente. Com demasiada frequência, e possivelmente devido aos rankings de “cross-country” simplistas do problema, a corrupção é referida como um fenómeno.
Na realidade existem diferentes formas de corrupção, e os níveis de perceção da corrupção ao longo do globo terrestre, podem surgir de forma diferente, dependendo de como a corrupção está a ser considerada. Por exemplo, se for a designada “corrupção de conivência”, que é aquela relacionada com as situações planeadas, em que ambas as partes beneficiam, esta ocorre em todos os países. Se for a chamada “corrupção de extorsão”, que diz respeito aos subornos que as pessoas são compelidas a fazer, é um tipo de corrupção que ocorre principalmente em países em desenvolvimento. Esta última forma, é mais fácil de classificar como ilegal e é melhor capturada por índices de corrupção de base na perceção.
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Nos casos de corrupção de conluio (conivência), os envolvidos colaboram para criar a perceção de que todas as regras e procedimentos foram respeitados, o que torna o crime muito mais difícil de identificar e controlar. Um caso de corrupção, não pode ser visto apenas como um ato individual de quem decidiu cometer um crime, mas deve também ser percebido como o resultado de um contexto e condições de enquadramento, isto é, os fatores externos relevantes para uma decisão individual que a pessoa não pode influenciar, tais como: – Características de um determinado país; a sua situação política; as suas normas; as qualidades institucionais e o elenco de intervenientes. Em termos académicos, colocam-se diferentes fases nestas camadas, e por isso, tendem a explicar a corrupção de forma diferente. Por um lado, os economistas, geralmente tratam os incentivos dos indivíduos envolvidos, ou as estratégias de maximização de lucros das empresas. Já quanto aos psicólogos e cientistas comportamentais, estes adicionam nuances às teorias económicas, explicando os limites da racionalidade humana, uma abordagem que é relevante para a compreensão de um fenómeno como a corrupção. Antropólogos e sociólogos geralmente tratam o como as condições estruturais e o moldar da História às normas levam o indivíduo ao certo e errado; e relativamente às condições para a determinação das responsabilidades, estas são discutidas pela disciplina legal. A corrupção é motivada pela possibilidade de obter algo de valor, quer para o próprio como para um terceiro. O desejo de alcançar vantagens é uma característica humana e geralmente positiva para o desenvolvimento – várias formas de recompensas conduzem o ser humano a levantar-se de manhã, a fazer um bom trabalho e a agir com responsabilidade. A discussão à volta da corrupção tem mais a ver, com a oportunidade de garantir mais benefícios, que uns em detrimento de outros que se encontram dentro das regras existentes, obtêm à custa da sociedade. Um tomador de decisão tem autoridade para influenciar um resultado que é importante para o corruptor. Dirigindo uma decisão na direção do corruptor, o tomador de decisão é compensado com uma contrapartida. A decisão dirigida e a contrapartida, tornam-se ativos, que normalmente excedem o que, pelo menos, um dos intervenientes teria obtido sem o ato corrupto. A oportunidade de apreender e confiscar os bens, vantagens e proventos, resultantes da prática criminosa, é fundamental para um exercício mais eficaz do aparelho de justiça, e logo da sociedade. Ocorrendo no interior do próprio Estado, a corrupção verifica-se tanto no processo de definição de políticas públicas (nível político), quanto em serviços públicos no processo de implementação dessas políticas públicas (nível de administração).
Corrupção. Atas das Conferências Internacionais. p.043 - p.050
Ocorrendo no interior do próprio Estado, a corrupção verifica-se tanto no processo de definição de políticas públicas (nível político), quanto em serviços públicos no processo de iTal, resulta sempre numa falha de espectativas sociais quanto ao desemmplementação dessas políticas públicas (nível de administração). penho de uma função pública. É um problema que coexiste dentro do estado e Tal, resulta sempre numa falha de espectativas sociais quanto ao desempenho de uma serviço da administração pública no seu relacionamento com os cidadãos e a sociedade. função pública. É um problema que coexiste dentro do estado e serviço da administração pública no seu relacionamento com os cidadãos e a sociedade. 3. (…e Futuro?)
Baseado num trabalho de análise de CRESSEY'S, de 1953, da teoria do triângulo da fraude, é possível criar um modelo interpretativo sobre corrupção.
Assim,aspráticascorruptivasocorremdeumacombinaçãodetrêsfatoresque,associados a uma estrutura de oportunidades para a execução de práticas criminais, resulta no seguinte: A. OPORTUNIDADE
Surge num contexto de atividades, onde cada cidadão se insere no âmbito das suas funções profissionais e papéis sociais que desempenha no tecido social e, optar pela prática de atos corruptivos é sempre uma contradição quanto às expectativas sociais de uma determinada função.
A oportunidade encontra-se sempre ligada a uma perceção da oportunidade; o contexto do momento; a avaliação desse contexto; os conhecimentos técnicos e as capacidades e instrumentos para a prática dos atos criminosos. B. RACIONALIZAÇÃO
Contribuem para este vértice do triângulo, os valores morais e culturais; a capacidade para explorar a oportunidade; a perceção dos riscos e probabilidade de ser detetado e
3. (…e Futuro?)
Baseado num trabalho de análise de CRESSEY’S, de 1953, da teoria do triângulo da fraude, é possível criar um modelo interpretativo sobre corrupção.
Oportunidade
Racionalização Pressão
Assim, as práticas corruptivas ocorrem de uma combinação de três fatores que, associados a uma estrutura de oportunidades para a execução de práticas criminais, resulta no seguinte: A. OPORTUNIDADE Surge num contexto de atividades, onde cada cidadão se insere no âmbito das suas funções profissionais e papéis sociais que desempenha no tecido social e, optar pela prática de atos corruptivos é sempre uma contradição quanto às expectativas sociais de uma determinada função. A oportunidade encontra-se sempre ligada a uma perceção da oportunidade; o contexto do momento; a avaliação desse contexto; os conhecimentos técnicos e as capacidades e instrumentos para a prática dos atos criminosos. B. RACIONALIZAÇÃO Contribuem para este vértice do triângulo, os valores morais e culturais; a capacidade para explorar a oportunidade; a perceção dos riscos e probabilidade de ser detetado e punido; o exemplo de parceiros em contexto profissional; a perceção da eficácia dos mecanismos formais de controlo; a capacidade de reação e o poder da organização na aplicação de uma sanção em caso de deteção e o sentido de impunidade e ineficácia da justiça.
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C. PRESSÃO Neste vértice encontramos o contexto de vida, onde se incluem a existência de dívidas e outros problemas económicos; as vidas secretas e paralelas; os problemas de adições; e o status quo.
Se a propensão para o envolvimento na corrupção depende de uma avaliação racional de custos e benefícios, um indivíduo vai ser menos propenso a explorar oportunidades para a corrupção se os custos associados ao crime aumentarem. Existem variações significativas entre os países no quão severamente a corrupção é punida. Se nuns países, a detenção é raramente usada como castigo, em outros, a pena pode ser superior a 20 anos de prisão. Alguns países, com níveis de repressão baixos, tal como os nórdicos, são percecionados como significativamente menos corruptos do que a maioria dos países com penas mais draconianas. O efeito dissuasor de sanções mais pesadas, na melhor das hipóteses, é incerto e modesto. O risco de ser detetado, parece ser muito mais importante do que o cumprimento de uma pena privativa de liberdade, sendo significativamente mais eficaz, aumentar os esforços da investigação, causando assim nos potenciais infratores a perceção de risco de ser apanhado na prática do crime, maior, do que aumentar o número de anos que o infrator é mantido na prisão. O ser considerado culpado, implica um enorme custo individual, que aumenta em proporção à erradicação da imagem de ser um cidadão de confiança e uma pessoa bem-sucedida na sociedade. Aumentar o risco de deteção e reagir contra os indivíduos culpados, são abordagens penais anticorrupção eficazes. Em casos de corrupção, a reação contra as entidades coletivas, é uma abordagem pragmática importante para evitar bodes expiatórios. Se os sistemas de justiça penal abordarem apenas a responsabilidade individual, os gestores e proprietários dessas entidades coletivas podem facilmente escapar às responsabilidades, deixar as pessoas a título individual assumir as consequências dos atos, enfrentar essas mesmas consequências, e continuarem a ganhar o dinheiro, como de costume, quaisquer que sejam os meios. Nunca se deve esquecer que a corrupção é uma doença social que afeta diferentes setores da estrutura económica de um país. No entanto, é uma doença que não pode ser curada por um remédio único e mágico. Existem fatores culturais, sociais, históricos, políticos e económicos, que inibem o surgimento de uma única solução. No entanto, podemos combinar alguns desses fatores e identificar cenários propícios a uma maior ou menor extensão à prática da corrupção.
Corrupção. Atas das Conferências Internacionais. p.043 - p.050
Conclusão
Tal como acontece com qualquer doença, a prevenção é o melhor medicamento. Quando as oportunidades de distorção são minimizadas ou eliminadas, é possível concentrar-se nas áreas mais críticas e combater a corrupção com a estratégia. A análise de doenças tão complexas requer ângulos e abordagens diferentes, mas todos podem contribuir e ajudar os decisores a desenvolver uma estratégia que possa mudar os incentivos para o comportamento corrupto, aumentar a responsabilidade e promover a transparência com efeitos reais e de curto prazo para a sociedade. A isso nos propomos. Iniciativas, como aquela em que se insere a conferência que esteve na génese deste texto, contribuem para esse fim, onde, sem qualquer dúvida, as boas práticas recomendam o envolvimento de todos quanto possam contribuir para o controlo do fenómeno corruptivo – Polícias, Magistratura, Advogados, Universidades, Organizações não-governamentais, Sociedade civil.