12 horas
índice
Revista Laboratório do Curso de Jornalismo - UNIBRASIL
história 5 Cada um com suaLoamir Jardel da Silva para contar
Etiane de Fátima Theodoroski
8 Uma nova comunidade na Colônia PPenal enal Agrícola
Luis Gustavo Antunes de Oliveira Roberto de Araújo Braga Júnior
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As meninas da noite abrem Andrea Giaretta seus corações Dayana Melo
aniguchi, da vacinação 14 O dia de TTaniguchi, Eduardo Corrêa à convenção
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Gil Bermudes
Crianças com câncer recebem apoio em Curitiba Sara Marielli Ferreira
Janaína Madureira Arruda
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Doze horas com os Anjos da Lilian Catia de Jesus Guarda Melissa Simoni Cunha Marcos Rodrigo de Freitas
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As emoções da R ave Rave
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De volta prá casa
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Você conhece o Maérlio Fernandes Barbosa?
Laura Brown Karminy Mezzomo
Kassiano Roberto de Lima Schulchaski Luis José Scorsin Jr
Ênio de Carvalho Guimarães Hamilton Francisco de Abreu
humana 29 Uma ajuda à natureza Thaís Marrese Scarpellini Sara de Andrade Rêgo Agosto de 2002 - 12 HORAS
EDITORIAL
Um retrato de Curitiba em12 horas
A idéia desta revista surgiu de uma proposta de trabalho final da disciplina Redação Jornalística II, do segundo período do curso de Jornalismo da Faculdades do Brasil. Depois de passarmos um semestre escrevendo textos para editorias específicas (política, economia, cultura, esporte, geral...) sugeri aos integrantes da turma que buscássemos a realização de uma reportagem de maior fôlego, escapando da notícia factual com a qual vínhamos trabalhando.
Para a maioria, esta foi a primeira reportagem. A primeira oportunidade de ir à campo, sozinhos ou em duplas, para entrevistar pessoas, observar ambientes, pesquisar dados. Ouvir e relatar histórias. Enfim, desempenhar o papel maior e mais prazeroso do jornalismo: transmitir as emoções, alegrias, tristezas e realizações dos seres humanos, permitindo que outras pessoas compartilhem estes sentimentos.
Contar histórias, com bons textos e imagens significativas. Assim fizeram os futuros jornalistas que assinam as reportagens a seguir. Alguns enfrentaram maiores dificuldades, principalmente no caso das fotografias que foram proibidas no interior do albergue da Fundação de Ação Social, ou bastante limitadas no Pronto Socorro do Cajuru e na casa de prostituição.
Todos carregaram alguma marca desta experiência. Seus depoimentos demonstram isso e a capacidade de se envolver com as histórias humanas indicam que serão, certamente, bons profissionais no futuro. Elza Oliveira Professora de Redação Jornalística II
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índice
12 horas Revista Laboratório do Curso de Jornalismo - UNIBRASIL
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FAS AS,, o último auxílio
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Uma noite na Central de Atendimento da PM
Emir Peron Junior Thiago de Ros Machado
Suez Simões Nogueira José Luiz Fernando Gapski
12 HORAS Revista Laboratório do Curso de Jornalismo
Expediente Mantenedores: Clèmerson Merlin Clève e Wilson Ramos Filho Diretor Geral: Sérgio Ferraz de Lima Coordenação de Jornalismo João Augusto Moliani Jornalista responsável: Elza Oliveira Projeto gráfico e diagramação: Jorge L.Kimieck Capa: Jorge L.Kimieck Foto da Capa: (detalhe do relógio da Rua 24 horas) Ricardo Almeida/SMCS Tiragem: 4.000 exemplares Impressão: Editora nonononono
UNIBRASIL Rua Konrad Adenauer, 442 Tarumã • Curitiba • PR CEP 82.820-540 Telefone: (0xx41) 365-2889 http://www.unibrasil.com.br
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PM busca apoio na comunidade de PPinhais inhais Cleuseli S. Gomes As cores e sabores do Mercado Municipal Bruna Zarpelon Claudia Gouveia de Aguair
Cabeleireira faz sucesso no bairro da Boa Vista Sirlei Aparecida Fernandes D Leinery Jamille Ribeiro da Silva
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Um dia na rádio Banda-B
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Um espaço dedicado à promoção humana e à cidadania
Daniele Nielsen Alves Elisângela Alves
Edson Camargo Alves
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Um espaço especial no coração Umespaço Márcia Rolim Bento de Curitiba Simone Araujo Couto
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Uma viagem de 12 horas nas linhas do transporte coletivo
Nonon nnonon nonono
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Diversão verde em Curitiba
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O Dia 15 de Junho
Nonon nnonon nonono
Um retrato de Curitiba em 12 horas - palavras da maioria dos profissionais do maior pronto-socorro de Curitiba. Mas para nós, espectadores de plantão, em nossa primeira grande missão jornalística, a vida real se transformou em tragédia, drama, comédia... Um capítulo. O último para alguns. Para outros, aquele que dará um novo rumo à história – para poucos, só mais um capítulo. Não há conto de fadas na sala de emergências. As histórias se misturam, os corpos se misturam: vítimas, médicos, enfermeiros, estagiários, faxineiros, segurança e bombeiros – trazendo mais vítimas, ou novos personagens que esperam nada mais do que um final feliz. O expediente de quem trabalha por lá está longe de ser monótono, e apesar da tensão quase que permanente, o bom humor não perde espaço. À primeira vista, esse bom humor nos pareceu frieza, descaso... No entanto 12 horas foram suficientes para compreender que é costume, e... é necessário.
Kassiano Roberto Schulchaski e Luiz Jose Escorsin Junior - Nada
personagem, fez com que ele deixasse de ser um simples personagem para tornar-se nosso amigo Celso. Foto: Roberto A. Braga. Junior
Lilian Catia de Jesus, Melissa Simoni Cunha e Marcos Rodrigo Freitas - “Hoje até que está calmo...”
Ênio de Carvalho Guimarães - Adorei ter
feito a matéria sobre o Forró Calamengau. Na oportunidade pude ter contato com Ceará, pessoa com grande carisma, que luta para Luis Gustavo na Colônia Penal manter viva a cultura nordestina. Ele, um misto Agrícola de simplicidade e irreverência, agita todos os sábados as Janaina Madureira e Sara noites da capital, com o seu forró, na Marielli - Conhecer as crianças da Sociedade Vasco da Gama. APACN foi uma lição de vida, uma Apesar de pertencer a uma geração injeção de ânimo, após conversar com acostumada às influências americanas, algumas mães esperançosas e através do Forró Calamengau, perseverantes que falavam orgulhosas descobri que a cultura de nosso País, da melhora de seus filhos. A cada além de diversa, é extremamente rica, história retratada tínhamos certeza mais e deve ser preservada como um de que não somos nada, que nossos maiores patrimônios. reclamamos muito da vida e não Espero que a matéria venha a damos o verdadeiro valor ao que contribuir para que cada vez mais a temos .Ver aquelas crianças cultura nordestina seja difundida, de carequinhas, algumas com olheiras maneira a se tornar mais conhecida fundas, usando máscaras e andando entre todos os curitibanos. com dificuldade, foi algo muito
melhor que a sensação de dever comprido, e não como jornalista, mas Foto: Luis José Escorsin Junior como ser humano e amigo. Foi isso que vivemos no final de um dia na Rua 24 Horas, onde convivemos com o nosso personagem, Celso Poi, ouvimos suas histórias e vimos suas lágrimas. Gostaríamos agradecer ao Celso não só pela entrevista, mais sim pelo grande aprendizado de vida que ele nos passou: “O que importa não é perder ou vencer, o que importa é sobreviver, e graças a vocês eu vou Kassiano e o personagem sobreviver” disse ele. Temos que Celso,na Rua 24 horas. aprender muito, pois talvez o fato de termos nos sensibilizado com o nosso Agosto de 2002 - 12 HORAS
chocante, que em alguns momentos nos fez chorar. Mas, ao mesmo tempo, sentimos algo que muitas pessoas não tem: “PAZ”.
Loamir Jardel e Etiane de Fátima Theodorosk - Contagiante, essa é a palavra ideal para definir nossa primeira experiência como jornalista universitária. O contato com o povo na tentativa de extrair informações é muito gratificante. Quando chegamos mais perto de alguém, as barreiras se destroem com uma facilidade incrível e uma simples conversa pode trazer bons resultados.
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Janaína Madureira Arruda no refeitório com as crianças com neoplasia
Claudia Aguiar -
Através de alguns depoimentos de pessoas que circulavam pela Rodoferroviária de Curitiba, percebemos que problemas existem, e rondam todas as classes sociais. Foi muito interessante ouvir experiências de vida. Certamente, aqueles rostos com diferentes expressões ficaram marcados em nossa memória, alguns porque estavam felizes, outros porque estavam tristes, outros porque descobriram que estão vivos e alguém estava ali interessado em ouvir a sua história.
Thais Scarpellini e Sara Andrade O tema “Reprodução Humana” pra nós, que efetivamos esse trabalho jornalístico, era de certa forma obscura. Porém, com doze horas de informações, constatamos que a concepção assistida é um tratamento relevante para casais que almejam a vinda de um bebê e por algumas circunstâncias não podem têlo. O assunto que abordamos emociona e é extremamente apaixonante pelo fato de vermos a vontade de centenas de casais em deixar no mundo um fruto seu. A oportunidade que a nós foi dada médico Marcelo Cequinel, foi de grande valia. Afinal, nesse início de aprendizado é um incentivo entrevistarmos pessoas que compreendem e se dispõem a ajudar futuras jornalistas.
Mercado Municipal de Curitiba, 12 horas de observação. É curioso como este tipo de experiência pode educar o olhar, fazer com que os olhos vejam tudo como se fosse a primeira vez. Estranho atentar para detalhes que por hora são insignificantes, mas se observados com mais atenção podem trazer informações relevantes à matéria. Saber ouvir, deixar falar, é tudo quando se quer entrevistar alguém. É estranho como as pessoas se entregam a você, confiam “segredos” que querem revelar. O drama de colocar ou não detalhes, descobertas importantes, mas sem a devida checagem seria imprudência a divulgação. O Mercado está decadente e há muito tempo necessita de reforma, mas a Prefeitura resolve fazer esta reforma justo em um ano eleitoral? Como falar sem opinar, sem transmitir sua revolta, saber que infelizmente é assim que as coisas funcionam na “política”. Por ser a primeira reportagem, tive muito medo de falar com as pessoas, mas com o tempo foi mais tranqüilo. O começo é difícil, as pessoas estão inseguras, desconfiadas. Mas com um pouco de conversa nos revelam suas vidas.
Sirlei Aparecida Fernandes - Foi gratificante acompanhar o trabalho de uma cabeleireira o dia inteiro. O tempo permite observar, além das coisas práticas, o lado humano do personagem, seus dramas, dificuldades, sua fé - enfim, seu jeito especial de lidar com a vida. Cada um luta como pode e esta disposição para dar conta do recado, que é viver, impressiona quando você se depara com a oportunidade de conhecer gente.
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Márcia e Simone na Boca Maldita durante a reportagem
Cleuseli S. Gomes - Posso dizer que fiz amigos e mudei o meu conceito sobre os integrantes da Polícia Militar, depois de passar 12 horas acompanhando as atividades do Pelotão de Pinhais. Vestida com um colete à prova de balas, que pesa mais de dois quilos, percebi o cuidado e a dedicação destes profissionais.
Cleuseli Gomes com os policiais militares de Pinhais
Laura Maria de Leão Brown e Karminy Mezzono - Este trabalho das 12 horas foi muito agradável de fazer. Nós pegamos o tema “festa rave” o que significou, até certo ponto, uma realização pessoal. As 12 horas que passamos na festa, as pesquisas feitas sobre o assunto e as entrevistas tudo foi muito prazeroso. Festas rave são eventos que freqüentamos há uns cinco anos e, como estudantes de jornalismo, quisemos defender este tema que é cheio de preconceitos. Tentamos passar em nossa matéria o lado bom das festas e não aspectos como drogas e vandalismo que a mídia sempre associa a este tipo de evento, desvalorizando a linda cultura que tem por trás e generalizando as pessoas que são freqüentadoras como um monte de loucos e drogados. Na verdade, quem quiser usar drogas não precisa ir em festas rave para consumir.
Cada um com sua história para contar Texto e Fotos: Loamir Jardel da Silva Etiane de Fátima Theodoroski
Entre os lugares curitibanos de maior circulação, a Rodoferroviária sem dúvida é o local ideal para encontrar pessoas e fatos curiosos. Muitas coisas sugestivas acontecem no dia-a-dia do terminal, seja envolvendo aqueles que ali exercem alguma atividade profissional, os milhares de passageiros que transitam diariamente, ou simplesmente as pessoas circulam por lá. Em dias normais, durante a semana, cerca de 7.500 passageiros trafegam pela Rodoferrovária, além de centenas de trabalhadores de empresas que funcionam no local. Nos finais de semana, o número sobe para aproximadamente 12.500 passageiros e chega a dobrar algumas vezes nas vésperas de feriados prolongados e datas especiais. Atualmente, operam na Rodo 35 empresas de ônibus, que fazem o transporte estadual e interestadual. O comércio interno abriga dezenas de lojas, que vendem de tudo, principalmente objetos que retratam Curitiba. Os proprietários pagam em média R$ 500,00 a R$ 800,00 de aluguel, variando de acordo com o tamanho da loja. Curiosamente, o aluguel mais alto entre todos é o do guardavolumes: R$ 3.500,00. Cerca de 150 taxistas, trabalham na Rodoferroviária diariamente, e revelam que o percentual de assaltos a motoristas, registrados com passageiros que saem do terminal é de 2%. É um número considerado baixo por eles, se comparado com os ocorridos em outros pontos de trabalho.
Um sábado calmo
Foto: Cesar Brustolin/SMCS
Movimento fraco no dia 15 de junho
Movimento fraco, pessoas andando inquietas de um lado para outro até chegar o horário dos ônibus. Outros correndo com suas malas, com medo de perder a hora. Esse o ambiente da Rodoferroviária, dia 15 de junho, um dia frio, onde muitos procuram o sol, que teima em aparecer pouco, para se aquecer. E o movimento no guarda-volumes? Fraco, comenta dona Ilda Oliveira da Silva, 48 anos, funcionária de uma empresa terceirizada que trabalha lá há 28 anos. “Gosto do que faço, mesmo correndo risco de vida. Eu luto Agosto de 2002 - 12 HORAS
pelo futuro de meu filho Paulo, estudante de direito, em Ponta Grossa. Minha situação é bastante difícil, mas se eu não me esforço, meu filho vai ter o mesmo futuro que o meu, não quero isso pra ele”, diz Ilda. Corre risco de vida, como assim? “Aqui ocorrem muitas reclamações durante todo dia. Uns que reclamam do valor, outros que não entendem o porquê disso e daquilo. Estou sendo processada. Há um mês um senhor me ameaçou de morte, por entender que eu havia sumido com um quadro que
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Foto: Cesar Brustolin/SMCS
também oferece tv, som ambiente, hora dava para água mineral, café, balinhas e para perceber que quem gosta, revistas e jornais diários. tinha sido o “Sem contar uma nova frota de ônibus autor do crime, mas fazer o que, de primeira classe”, conta orgulhoso, Francisco, encarregado da empresa. ele sumiu”, Kátia Janine, 31 anos, consultora de conta ela. moda, estava de malas prontas para o O soldado da Rio de Janeiro, sua terra natal. Polícia Militar, Enquanto aguardava o embarque Pedro Depetriz, comentou: “Esta rodoviária é muito cuida da agradável, bem diferente lá do Rio, segurança Passageiros esperam a onde é impossível encontrar um interna da hora do embarque lugarzinho para se acomodar, sem falar Rodoferroviária. da segurança. Percebo que aqui não Segundo ele, o ele deixou aqui, e esqueceu de voltar corro o risco de ficar sem as malas a ambiente está tranqüilo agora. É a para buscar”. qualquer momento”. temporada de verão que favorece De acordo com Ilda, os objetos que Caminhando pela Rodoferroviária, é muito o aumento das ocorrências, são esquecidos no guarda-volumes impossível não notar algumas figuras como batedores de carteiras, pessoas ficam guardados por seis meses. Após exóticas que circulam, sem a pretensão alcoolizadas ou passando mal. “Outro esse período, são doados para problema sério aqui na Rodoferroviária de viajar. “Dona Lulu” como é instituições de caridade, e acabam sendo leiloados. Justamente o que Números da semana aconteceu com o quadro. O cliente, inconformado, ameaçou Ilda de morte Ônibus Passageiros várias vezes, apesar de algumas Saída Trânsito Total Saída Trânsito Total tentativas de acordo por parte do Dia 10 375 95 470 8593 543 9136 proprietário do guarda-volumes, que Dia 11 351 85 436 7101 485 7586 chegou a oferecer uma nova tela, tintas Dia 12 350 95 445 6683 442 7125 e pincel para o cliente furioso. Ele não Dia 13 356 93 449 7120 455 7575 aceitou, alegando estar em um dia de Dia 14 430 94 524 11865 646 12511 muita inspiração quando pintou o Dia 15 353 99 452 8544 517 9061 Fonte: Urbanização de Curitiba (Urbs) - Administração da Rodoviária quadro, por isso não abriria mão do mesmo, o que resultou numa ação judicial. “O que posso fazer? Vou conhecida, anda sem rumo no interior é a falta de um posto médico ou enfrentar essa fera, como sei que tenho do terminal com um cachorrinho ambulância. Ontem (dia 14) um razão, vou até o fim”, comentou ela. mergulhado dentro da blusa, que late homem morreu, enquanto comprava Enquanto faltam alguns anos para se incansavelmente na tentativa de passagem no guichê da empresa aposentar, dona Ilda leva sua vida Pluma, vítima de um enfarte fulminante. escapar. Ela finge que não ouve e sempre com os pés no chão, confiante canta cantigas de ninar para o filhote. Ele foi levado para o hospital com naquilo que faz. ajuda de um voluntário que ofereceu o Segundo alguns funcionários, “Dona “É claro, tenho muito medo de próprio carro para o transporte, mas já Lulu” faz jus ao apelido que ganhou e assaltos, pois já ocorreram vários com tem problemas mentais. não havia nada a fazer”, observa nossos clientes. O último caso foi com Depetrik. Gisele, veio pegar Entre as diversas seu computador, empresas que acompanhada de atuam no um moço, que transporte de pensei ser seu passageiros da namorado. Rodoferroviária, Minutos depois, algumas ela voltou oferecem sala vip desesperada, para seus contando que usuários. A tinham roubado Catarinense, por seu equipamento. exemplo, mantém Logo comentei uma sala de sobre o cara que espera que além O soldado Pedro de uma estava junto dela. Depetrik faz a Engraçado, ela decoração segurança da não conhecia! Na agradável
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Rodo.
Uma vida complicada
Foto: Carlos Ruggi/SMCS
São dez horas. Um senhor sentado num banco fora da Rodoferroviária, segurando suas malas e sacolas, encolhido, procurando um lugar para se aquecer ao sol fraco que aparece em raros momentos. É João Maria Nascimento, 59 anos, autor do livro “Ainhangá, o amor e o monstro”. João hoje é vendedor de latinhas. - O que o senhor faz por aqui? “Estou me aquecendo, hoje já bem mais agasalhado. Ontem ganhei de um menino esta jaqueta verde. Estava na praça Santos Andrade quando o garoto chegou e me ofereceu,” disse ele, conformado com sua situação. Grisalho, magrinho, aquela tosse – “resultado de chuvas que tenho pego por aí.” Sem ter onde morar, João leva a vida catando latinhas. Ganha de quatro a cinco reais por semana. Um indigente que hoje se considera feliz, confiante em Deus. Com frases bem construídas, e um bom nível cultural ele conta: “Trabalhei durante 15 anos numa multinacional, a tão conhecida Phillips do Brasil. Fui despedido sem nenhum direito. Não tenho condições de pagar um advogado, faço o que posso para tentar resgatar o que me é devido. Enquanto trabalhava, morava em pensões, sentia muita falta de minha família, mas como a renda era baixa, cada um levava sua vida da maneira que dava”, lembra ele. Sentindo falta de uma mulher, saía toda noite pelas praças. “Até que um dia, uma moça me encantou. Enquanto passeava pela praça Tiradentes, uma garota me chamou, disse que me achava interessante e queria namorar comigo. Que felicidade, meu Deus! Era tudo que eu queria naquela hora. Levei ela pra morar na pensão, pois na época eu ainda estava trabalhando. Raquel da Silva, 17 anos, um corpo bonito, olhos puxados, minha japonesinha. Trabalhava como garota de programa, ficava em casa durante o dia, e à noite, quando eu chegava, ela saía a trabalho. Eu aceitava a situação, pois tinha que me ajudar nas despesas”, disse ele. Mas a felicidade de João durou pouco, uma noite ela saiu e desapareceu por um bom tempo. Ele, desiludido da vida, não sabia o que fazer. Depois de seis meses aproximadamente, reencontrou-a na mesma praça, mas com um detalhe: estava grávida! Ela conseguiu convencê-lo que o filho era dele e logo voltou para sua pensão. Passaram-se dois meses e nasceu uma menina, chamada Patrícia Ângela Silva. “Loira, olhos puxados como os de sua mãe, uma gracinha. Claro que era minha filha, e mesmo que não fosse, não via problemas, pois eu amava as duas”, confessou ele. No melhor estilo dos contos de Dalton Trevisan, ele continua: “Não fui feliz por muito tempo. Logo depois, Raquel fugiu novamente”. Abandonou o bebê, que passou a viver na pensão e era cuidada por João, que a considerava como sua filha. Certo dia apareceu uma assistente social, para uma conversa com João a respeito de Ângela. Ficou decido que a menina não poderia permanecer ali, sem um acompanhamento de uma mãe. A ordem foi a transferência da criança para um abrigo de menores mais próximo, e que João teria o direito de visitá-la sempre que quisesse. Sem ter alternativa melhor, ele concordou. Depois de dois meses teve uma surpresa: sua filha foi adotada por um casal estrangeiro. João diz que assinou sem saber a entrega da menina. “Para mim era o fim do mundo, perdi minha mulher e minha filha, entrei em desespero. Para completar foi nessa época que perdi meu emprego”, desanimado ele conta. Depois de três meses Raquel reaparece e quando soube sobre Ângela, ficou desequilibrada. “Disse que ia me matar, pois eu consumi com nossa filha, foi difícil pra ela entender”, lembra João acrescentando que, desde então, nunca mais viu Raquel. Hoje, sozinho, mora na rua. Um indigente que tem fé e sabe que a vida é cheia de altos e baixos.
A Rodo vista de cima
Agosto de 2002 - 12 HORAS
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Uma nova comunidade na Colônia Penal Agrícola
Texto e Fotos: Luiz Gustavo Antunes de Oliveira Roberto de Araújo Braga Junior
É necessário pensar o homem como sujeito histórico que, com suas ações no cotidiano, torna as atividades humanizadas e passa isto de geração para geração. Este homem é capaz de dar movimento ao real; como ator social tem com papel definido na estrutura da sociedade. Numa sociedade de classes, nenhuma ação é simplesmente neutra, sem consciência de propósitos. Os atos são históricos, culturais e políticos. A troca de experiências, a integração, a sensação de pertencer a um grupo, tudo isso consolida os valores já existentes no indivíduo e determina suas atitudes. Quando ocorre uma alteração, uma mudança de comportamento e postura, há uma conseqüente transformação no tipo de vida. De certa forma, representa abdicar de uma posição conhecida, para assumir situações diferentes, em uma comunidade diferente. Muitas vezes esta mudança requer posturas variadas, entre elas, a obediência. Um exemplo desta alteração de vivência social está no sistema prisional, onde indivíduos, condenados pela sociedade em função da prática de algum delito, cumprem penas. São punições impostas pelas regras sociais e estes estabelecimentos - pelo menos em tese - teriam também o papel de reintegrar os atores sociais aos seus lugares de origem. A Colônia Pela Agrícola do Paraná (CPA-PR) é parte do sistema
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Portão de entrada da Colônia Penal Agrícola
penitenciário do estado e se destina ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime semi-aberto. A Lei de Execuções Penais, em seu artigo 112 estabelece: “A pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o sentenciado tiver cumprido pelo menos 1/6 (um sexto) da pena do regime anterior e seu mérito indicar o progresso. Parágrafo único: A decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação (CTC) e de exame criminalógico, quando necessário”. A pena mínima para que o sentenciado obtenha o direito ao regime semiaberto é de quatro anos, exceto os crimes hediondos. Na Colônia Penal estavam, no dia 15 de junho, 948 internos, que desempenham atividades internas e externas (veja box), capazes de promover a remissão de suas penas. A
cada três dias trabalhados nas variadas funções destinadas aos detentos, é possível reduzir um dia no tempo de condenação. Segundo a agente Mário Macedo, 47 anos, o número de seguranças responsáveis pelo manutenção da ordem na Colônia, 20 por turno, é insuficiente para o total de internos existentes. O fato do regime ser semiaberto, contudo, reduz as pressões e a tensão. Se um interno decide ir embora, por exemplo, ele simplesmente sai caminhando e atravessa a cerca da propriedade em algum ponto. Não será imediatamente perseguido, mas figurará como foragido da Justiça, devendo responder por isso quando for pego em alguma outra circunstância. O número de evasões é grande, informou o agente, principalmente quando o detento sai “com portaria”, isto é, ganha alguns dias para viajar ou visitar os familiares. Muitos não retornam. Este não é o caso de Márcio Videira,
Cestos produzidos pelos internos da Colônia Penal Agrícola
33 anos, que deixa a Colônia Penal todas as manhãs, por volta das 7 horas, para trabalhar em uma emissora de rádio de Curitiba. Ele, que está na unidade há 14 anos, volta com o último ônibus, no final da tarde. O pai instituição demonstram que não são e um irmão de Márcio também são homens submetidos a uma realidade internos na Colônia, mas ele tem normal. As expressões têm marcas, os esperança de um dia sair de lá, sorrisos são raros, a desconfiança é juntamente com os familiares. Outro sempre presente. exemplo de preso que aceita as regras O cotidiano desta nova comunidade do sistema é um estudante de direito, faz valer suas regras. Mas a sociedade que preferiu não ter seu nome só tem uma substância: o homem, revelado, e que vai de carro próprio sujeito histórico, transformador de para a faculdade diariamente. realidades, capaz de mudanças gerais Segundo o diretor da CPA, Luiz Carlos e pessoais, inclusive para sua Valuxo, o nível de periculosidade dos ressocialização. internos é variável e eles foram condenados por diferentes delitos. O fato de terem sido beneficiados com o regime semi-aberto, entretanto, indica que tinham bom comportamento nos estabelecimentos anteriores. O diretor ressalta as dificuldades de administração da unidade, principalmente em função da escassez de recursos, mas cita os vários convênios com entidades de educação profissionalizante e empresas que oferecem oportunidade de ressocialização dos detentos. Segundo ele, há sempre oferecimento de vagas de trabalho ou estudo para os que desejam construir uma nova perspectiva para Computador o futuro, quando terminarem o utilizado para editar cumprimento da pena. o jornal “A Voz da O sujeito capaz de movimentar o real Colônia” com sua história, nesse contexto, terá que fazer este movimento, se adequando às regras e usufruindo das oportunidades. Apesar de tudo, os rostos das pessoas que transitam pela Agosto de 2002 - 12 HORAS
Internos têm jornal próprio A pedagoga Maria Lúcia desenvolve os projetos de educação dos internos, que estudam primeiro e segundo graus ou supletivo. Ela coordena uma pequena biblioteca, com pouco material didático e livros obtidos através de doações. Maria Lúcia é uma das responsáveis também pelo jornal “A Voz da Colônia”, que tem sua edição realizada numa pequena sala com dois computados. “É a nossa redação”, diz a pedagoga, “a única ajuda que recebemos do governo é a impressão do jornal”. A Voz da Colônia mostra um lado interessante e muito rico a comunidade, descreve seu cotidiano e espelha seus valores. As mensagens do jornal trazem as ansiedades, perspectivas e sonhos de cada autor das matérias. Percebe-se pelas notas redigidas, a luta para o resgate da identidade dos colaboradores.
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Atividades buscam a ressocialização A Colônia Penal Agrícola do Paraná (CPA) foi criada pelo interventor federal no estado, Manoel Ribas, através do Decreto Lei 197, de 17 de dezembro de 1941, no qual desapropriou a Fazenda Palmeira, no município de Piraquara, para sediar a unidade penal. Os objetivos da Colônia são garantir a segurança e custódia temporária de pessoas do sexo masculino, gozando do regime prisional semiaberto; promoção da reintegração social dos internos e zelo pelo seu bem estar através de assistência jurídica, psicológica e religiosa, além de assistência social aos familiares dos internos. A CPA conta com programas de ressocialização oferecendo ensino de primeiro e segundo graus, instrução religiosa e cursos profissionalizantes. Existem convênios com entidades como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que oferecem cursos aos detentos. Neste programa interagem atividades internas e externas que ocupam a mão-de-obra e garantem oportunidades de trabalho e renda aos moradores da Colônia. A cada três dias trabalhados, diminui um dia da pena e um amplo quadro, na entrada da Colônia, mostra a divisão de trabalho entre os que aceitam participar. Há sempre a presença de um agente penitenciário que acompanha os trabalhos. As atividades, prestadas no interior da unidade penal, são variadas: fabricação de bolsas, redes e capotas, barbearia, marcenaria, serraria, serralheria, olaria, tipografia, limpeza e conservação, cozinha e serviços gerais. Na marcenaria são feitas cestas e bandejas de café, além de móveis como os beliches usados na própria instituição. A fábrica de capotas entrega, em média, 25 unidades por dia, em especial capotas marítimas. O projeto Paraná Esporte fabrica bolas de futebol e vôlei que são destinadas a escolas públicas de todo o estado. Na área de agricultura e zootecnica, também estão serviços prestados dentro do complexo, como: cereais, hortaliças, avicultura, bovinocultura, caprinocultura, ovinocultura, cunicultura, suinocultura e psicultura. A horta é muito bem cuidada, de dar inveja a muitos agricultores. Já as atividades externas são serviços de jardinagem e paisagismo, limpeza e conservação, atividades na área rural e industrial - sempre prestadas à empresas conveniadas, fora da Colônia. Os principais objetivos desta parceria do estado com as empresas, são a ressocialização, a profissionalização e a reintegração do interno. O estado se beneficia diminuindo a reincidência criminal e ampliando as vagas no sistema penitenciário. Para as empresas a vantagem é a redução de seus custos de produção. Os internos têm ainda acesso à atividades esportivas como futebol, vôlei, capoeira, malha e bocha. Ao lado da horta, no bosque, eles recebem suas visitas, aos sábados, domingos e feriados, das 8 às 17 horas. Ali os sentenciados constróem cabanas improvisadas com plásticos e madeiras, onde montam seus aconchegos para receber os familiares, com o máximo de conforto possível. Alguns cômodos foram erguidos na mesma área para as visitas íntimas, que tem um tempo estipulado de 30 minutos.
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Agosto de 2002 - 12 HORAS
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As meninas da noite abrem seus corações
Texto e Fotos: Andrea Giaretta e Dayana Melor
levou o casal a se tornaram amigos e não amantes”, declarou Hamilton, 46 anos, As páginas seguintes descreverão uma das mais árduas médico, freqüentador da casa. atividades exercidas na sociedade e também uma As garotas também servem para consolar das mais discriminadas. Diferente das outras os fregueses, dependendo da situação. “Alguns caras brigam em casa com a profissões, ela não é regularizada pelo mulher e vêm pra cá chorar e desabafar Ministério do Trabalho e a sua atuação não com a gente”, diz Isabelle. Outros exige o cumprimento de horário ou o registro freqüentadores são os casais liberais, que do cartão-ponto. Porém, é preciso que a deleitam-se em fantasias. Certa vez Isabelle pessoa seja desinibida e tenha muita beleza. teve que fazer sexo com o homem enquanto Esta, indubitavelmente, é considerada a a esposa dele só os observa. qualidade mais importante, que faz Num dia de movimento fraco na casa, garantir uma renda mensal equivalente a Isabelle fez várias revelações que descrevem de profissionais conceituados do sua trajetória como garota de programa. mercado de trabalho. Natural de Campo Mourão, interior do Paraná, concluiu o 2º grau e atualmente não está estudando. Quando se mudou para O ambiente era quase escuro. As luzes fracas Curitiba já estava decidida sobre o que fazer de cor amarela combinavam com as e onde morar. Na Requinte Shows, local em bandeirolas fixadas nas mesas e no teto. Tudo que trabalha, também é a sua moradia. Ela e nas cores em verde e amarelo. Até na Requinte mais uma colega, que veio da mesma Shows* a Copa Mundial de Futebol era cidade, dividem um quarto, pequeno e sem festejada. A casa está localizada no centro de janelas, ofertado pela casa; ali elas também Curitiba. Ali se encontram, em média ganham as refeições. diariamente, cerca de 30 a 40 garotas de A escolha por ser garota de programa veio programa com idade entre 18 a 30 anos. da necessidade familiar: sua mãe sofria de A Requinte Shows é uma casa erótica que recebe depressão e alcoolismo depois da homens e mulheres, maiores de 18 anos, separação. Isabelle ainda guarda tristes casados e solteiros. A clientela é selecionada: lembranças de seu pai, pelo qual ela tinha médicos, advogados, dentistas, políticos, grande consideração, mas ele abandonou empresários, entre outros, freqüentam o local sua mãe, ela e seus irmãos por outra mulher. esporadicamente. São pessoas que Desde que começou a trabalhar, todo o disponibilizam o valor mínimo de R$ 100,00 dinheiro conquistado foi destinado para a durante 45 minutos, em troca do prazer sexual. compra de uma casa para sua família e A fachada externa do estabelecimento é familiar, para custear o tratamento da mãe. já no interior do recinto há várias salas com sofás Quando veio para a capital, disse aos Angélica, 21 anos para a acomodação dos clientes, seis salas vips familiares que viria para utilização nos programas, um bar e música trabalhar como modelo em shows e eventos. Um argumento ao vivo, ao som de MPB, blues e jazz - um usado pela maioria das garotas de recanto de prazer e descontração. programa. Ainda hoje, com exceção de De acordo com a garota Isabelle de 19 anos, apenas uma irmã, a família de Isabelle não que trabalha na casa há um ano, a procura pelo sabe da sua verdadeira atuação. A sexo pagável é motivada pelas fantasias sexuais, revelação para a irmã foi principalmente dos homens casados, que não chocante, de imediato não houve podem, por motivos particulares, desenvolver aceitação mas, segundo ela, era seus desejos com a cônjuge. “Quando um necessário. “Eu não agüentava homem casado procura uma prostituta, não é mais esconder e sabia que a que deixou de amar sua esposa, mas porque deseja sair daquela rotina, que por um descuido, qualquer hora ela poderia querer
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Cliente saindo do estabelecimento
me visitar aqui em Curitiba, então achei melhor contar”, diz. Seu primeiro contato com o primeiro cliente foi muito bom, segundo Isabelle, mas no início havia muito medo. O cliente era proprietário de uma boate no Japão e ele sabia que naquela noite Isabelle se tornaria uma prostituta. Experiente, deu vários conselhos e disse: “Seja bem vinda à noite!”. O tratamento foi cordial, inclusive o pagamento: R$ 600,00. A renda mensal de Isabelle é almejada por qualquer brasileiro, varia entre 3,5 a 4 mil reais. Cada programa é superior a R$ 100,00, mas pode variar. “Dependendo da situação financeira do cliente eu cobro uns R$ 150,00, R$ 200,00”, esclarece. O atendimento dela é de aproximadamente três a quatro clientes por noite. Todo o trabalho requer alguns cuidados, semestralmente Isabelle faz o exame do HIV e em todas as relações ela exige o uso do preservativo, até mesmo no sexo oral. Beijos na boca não ocorrem: “Eu divido as coisas. Com o cliente, sou extremamente
Isabelle e seu cliente no início do programa
profissional, chego no quarto faço o que tem que fazer. Tem uns homens que acham ruim ser tão profissional, daí então você finge”, disse a garota. Isabelle namora desde que começou a trabalhar e seu namorado é também funcionário da casa. De acordo com ela, ele não sente ciúmes e também nunca a ofendeu com palavras: “Ele me respeita”. A história de Isabelle repete-se na vida de sua amiga Helen, 23 anos. As duas vieram juntas do interior em busca de prosperidade financeira. Um dos motivos que levou Helen a se prostituir foi uma desilusão amorosa. Há três anos, ela casou-se no cartório pela manhã e à tarde o noivo não compareceu na igreja. Hoje ela tem namorado, que é funcionário do estabelecimento. Assim como sua colega, ela tem o 2º grau completo e pretende fazer faculdade. Só não pode cursar administração de empresas atualmente porque ainda está quitando as dívidas da família. Com o seu rendimento, ela pôde pagar a cirurgia cardíaca da mãe, paga a melhor pré-escola de Campo Mourão para a filha de 4 anos, e até o final deste ano pretende comprar uma casa. “Todos os gastos da minha família são por minha conta”. Helen esporadicamente usa drogas, porém afirma não ser viciada. “Têm clientes que pagam a gente só pra ficar cheirando cocaína com ele, nem chegamos a fazer sexo”. Sobre futuro ela declara: “Um dia pretendo largar desta vida, cuidar de meus pais e da minha filha. Não sou feliz, estou satisfeita com a vida que levo. A felicidade é algo que vem de dentro, e a satisfação é algo de fora”, explica. Algumas normas são exigidas na casa, como por exemplo as roupas e calçados de grifes, perfumes importados, cuidados com a pele e cabelos, enfim um tratamento especial na aparência. Para isso há um salão de beleza dentro da Requinte Shows. O serviço é terceirizado e de ótima qualidade, segundo as usuárias. É lá que as garotas se produzem; a escova em cabelo curto custa em média R$ 20,00. Agosto de 2002 - 12 HORAS
Para muitas garotas estas exigências transformam-se em retorno, mas para algumas é motivo de preocupação, como no caso de Mirella, 31 anos. No dia 15 de junho ela completava duas semanas na casa. Tinha vindo de Balneário de Camboriú e ainda estava aguardando o primeiro contato com o primeiro cliente. “Não sei mais o que fazer! Os clientes olham para mim e dizem que eu não tenho cara de mulher de programa. O duro é que tenho minhas despesas aqui, porque cada vez que chego no balcão e adquiro uma bebida tenho que pagar”, lamenta. A opção pelo dinheiro aparentemente fácil da prostituição veio do desespero em querer ajudar o irmão, que está internado no Hospital de Clínicas com problemas nos rins. Um dos exames que o irmão de Mirella precisa fazer custa 4 mil reais. “As suas histórias, os seus problemas não comovem ninguém, e aqui não recebo nenhum apoio, sinto-me excluída. Isto aqui é um inferno”, desabafa emocionada. Além de todas as suas batalhas particulares, Mirella está aprendendo a conviver com mulheres que a vêem não como amiga e sim como mais uma concorrente. Angélica, 21 anos, que se prostitui há 2 anos é outra garota de programa da casa. Em uma das relações sexuais que realizou logo no início, engravidou de um cliente. Segundo ela, o preservativo tinha rompido. Aos quatro meses de gravidez, por indicação de uma amiga, Angélica tomou um remédio que possui vários efeitos colaterais, entre eles o efeito abortivo. Ela diz que se hoje ficasse grávida, abortaria novamente. Angélica reclamou muito da discriminação da sociedade em relação à prostituição. “Muitos acham que nós somos uma qualquer, e na verdade não é bem assim! Afinal não somos nós que procuramos os homens lá fora, são eles que vêm aqui nos procurar “, disse indignada. Briga com os pais, estado financeiro irreversível, doença, desprezo, traição, decepção, desemprego... Somando todas estas situações, no ponto de vista das entrevistadas, só restou uma única saída – a prostituição. * O nome do estabelecimento e dos entrevistados foram mudados para a preservação dos mesmos.
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O dia de Taniguchi, da vacinação à convenção Texto e fotos: Eduardo Corrêa Gil Bermudes
Como é o dia de um prefeito? Quais as suas ações? O que pensa? Estas são algumas das questões que estavam em nossa pauta para uma matéria diferente e fascinante. Tentar, em apenas 12 horas, desvendar alguns dos segredos da maior autoridade do poder executivo da cidade, o prefeito Cássio Taniguchi. Superar o tempo escasso e ainda a habilidade dos seus assessores em tentar desviar nossa atenção, foram fatores que nos motivaram a ficar atentos a cada detalhe do dia. O nosso desafio aconteceu no sábado, 15 de junho de 2002, em uma manhã típica do outono curitibano, com muita garoa e frio. Foi no bairro da Cachoeira o primeiro compromisso do prefeito, a cerimônia de lançamento da campanha de vacinação infantil contra a poliomielite em Curitiba. E lá estávamos nós, munidos de blocos de papel, caneta, gravadores e máquina fotográfica, prontos para registrar tudo. Chegando aproximadamente às 10 horas, no horário da solenidade, o prefeito desce de seu carro, um Omega azul, acompanhado de sua esposa, Marina Taniguchi. Muito a vontade, Taniguchi cumprimenta a população local e nos diz como foi o começo de seu dia. “Hoje até acordei um pouco mais tarde, acordei às oito horas e estamos aqui nesta campanha de vacinação estimulando a população a trazer as crianças para vacinar”. No discurso de abertura do evento o prefeito destaca os objetivos da campanha em Curitiba e o número de crianças atendidas. - “O grande objetivo da saúde em Curitiba é trabalhar na prevenção. Vamos ter o resultado das mais de 130 mil crianças vacinadas no dia de hoje”. Também destacou que o sábado é um dia especial para ele, dedicado à visitação aos bairros. “O sabadão do prefeito é aonde o prefeito vai
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O circo da convenção Ao chegarmos na convenção do PFL – que decidiria o lançamento ou não de candidato próprio ao governo do estado – e nos depararmos com um palhaço, pensamos que estávamos no lugar errado. Endereço conferido, informações checadas, era mesmo o lugar certo. O palhaço na entrada era apenas o representante literal do que iríamos presenciar. O estacionamento do restaurante estava lotado de caravanas de eleitores, trazidas pelos candidatos do partido em troca de um almoço. E por falar em almoço, uma das cenas mais cômicas e deprimentes ao mesmo tempo, foi ver o povo sendo conduzido de um lado para outro. - Pessoal. O almoço será servido daquele lado - indicavam os assessores. - Não, aqui não vai ter almoço nenhum - retrucavam os garçons. - Que absurdo. O pessoal do outro deputado já tá comendo - reclamava a pobre esfomiada. Um fator que chamou a atenção de muitas pessoas que estavam presentes na convenção, inclusive alguns colegas de imprensa, foi um grito que vinha da primeira fila. - Emília, cadê você? Eu vim aqui só pra te ver. Isso mesmo, uma típica frase de estádios de futebol sendo declamada em um evento político. Até aí tudo aceitável, a não ser pelo fato de que este grito de guerra, destinado à vice governadora Emília Belinatti, estava sendo freneticamente falado por um cego. Questões visuais à parte, as torcidas organizadas e rodas de samba também contribuíram, e muito, para o sucesso da “tragicômica” convenção. Durante a divulgação dos resultados da O Prefeito no local da convenção do PFL votação a presença das “cheerleaders”, ou abrasileirando, a presença das líderes de torcida, foi essencial. O presidente do PFL declarou o primeiro resultado. O povo enraivecido ouvia o nome de sua candidata e logo começa a vaiar. - Não! Sinalizava a assessora, alertando que o resultado era favorável. Assim que percebiam os desesperados acenos todos começavam a aplaudir, sem nem ao menos saber o que. E assim foi a tarde na convenção, em meio a carros de som, camisetas de candidatos, balõezinhos coloridos, batucadas e confusões na hora de servir a comida. O pior é que acabamos nem almoçando. Talvez tenha sido por causa da consciência, encher a barriga e não votar em quem pagou é sacanagem. Ou será que não?
O início oficial da vacinação
percorrer todas as áreas da cidade”. E satirizou o dia chuvoso. “O sabadão do prefeito também é conhecido como o prefeito no barro e não no bairro, porque está pisando no barro, junto com a população para saber as suas necessidades, e sempre chove neste dia”.
Jogo de esconde-esconde Porém, foi após a solenidade que nosso martírio como repórteres começou. Uma luta para conseguir estar ao lado do prefeito. Muitos apelos, inclusive para sua esposa, foram em vão. Somente conseguimos o telefone de um assessor que nos prometeu ajudar. Disse que o dia era muito difícil, pois o prefeito estaria envolvido com a convenção do PFL e naquele momento iria almoçar com seu filho. Por volta de meio dia resolvemos nos
deslocar para o Restaurante Madalosso, em Santa Felicidade, local da convenção. Para nossa surpresa, em menos de dez minutos surge o prefeito Cássio Taniguchi acompanhado do governador Jaime Lerner. Tidos como estrelas do partido, suas presenças eram fundamentais para a costura da aliança com o PSDB. Foi de uma forma muito rápida e direta a participação do prefeito na convenção. Fez um breve discurso onde destacou a união do partido. “É por isso que eu faço essa convocação do fundo do meu coração. Vamos todos depois desta convenção caminharmos juntos porque isto fortalece o partido e isso dá dignidade ao partido político”. E em seguida encaminhou-se para a votação retirando-se rapidamente do restaurante, também acompanhado do governador.
Infelizmente a nossa matéria tão esperada com o prefeito terminou aí. Exatamente às 13 horas. Restou anotar a frase dita por um assessor de nome Carlos.”Escreva em sua matéria que o restante do dia do prefeito estará reservado para negociações partidárias”. Para nós foi com profunda tristeza que deixamos de descrever o cotidiano do prefeito de nossa cidade, porém, tivemos uma grande lição quanto às dificuldades do dia-a-dia de um repórter, sobretudo daqueles que cobrem o (sub)mundo da política.
Enquetes Como você acha que é o dia do prefeito? “Nossa deve ser uma loucura... Eu acho... Muitos compromissos”. Maria Rodrigues do Nascimento, dona de casa.
“Deve ser um dia muito corrido, não deve dar nem para tomar café”. Nely Alves, empregada doméstica.
“É um dia maravilhoso. Porque é um dia que você está caminhando pela cidade e cada instante você sabe que você tem a obrigação de fazer alguma coisa boa por esta cidade”. Jaime Lerner, governador.
O governador Jaime Lerner e o prefeito Cássio Taniguchi, no momento do voto.
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Crianças com câncer recebem apoio em Curitiba
Texto e Fotos:Sara Marielli Ferreira Janaina Madureira Arruda
Num primeiro instante um olharzinho Irene Trhun, 35 anos, que há nove tímido e cativante que chama a atenção meses faz a viagem do interior do pela forma meiga com que foi Paraná à Curitiba, trazendo Géssica, expressado. Risos e correria já de apenas 4 anos, para tratar do começam a fazer parte do ambiente. câncer. A esperança ficou mais forte Um novo círculo de amizade é criado desde que elas contam com a ajuda da naquele momento. De repente: “Pare Associação Paranaense de Apoio à de correr minha filha, senão vou ter que Criança com Neuplasia, uma entidade te levar para o hospital!” A criança que existe há 18 anos e já contribuiu cala-se automaticamente. com a cura de centenas, talvez “A mamãe já falou que é pra você ficar milhares de pacientes. quietinha. Olha! Vai conversar com a Crianças e adolescentes carentes, sua amiguinha.” Antes mesmo de vindas de fora de Curitiba ou de outros responder a criança tem uma crise de estados - e até outros países - recebem tosse, seguida de vômito. Depois de um atenção especial. Isso possibilita que o dura negociação, aceita que a sua mãe tratamento, com quimioterapia e a leve para o quarto para que possa transfusões de plaquetas e de medula repousar. Seus minutos de lazer acabaram por ali. Na realidade, as crianças que sofrem de leucemia e anemia plástica não podem levar um vida normal. Não podem correr porque compromete muito o sistema respiratório, não podem se alimentar com alguns condimentos(como amendoim), porque abaixa a imunidade. Esses e muitos outros cuidados específicos, são encontrados na Associação Paranaense de Apoio à Criança com Neuplasia (APACN). A rotina de uma criança ou adolescente hospedado na casa As crianças Géssica Thrun (4 anos), começa cedo, em torno de seis e meia Vanessa Félix de Lima (7 anos), Andrielle da manhã, pois precisam entrar na fila Bchibla (2 anos e 3 meses) e Isabel. do Hospital de Clínicas (HC) ou do Hospital Nossa Senhora das Graças, para receber os tratamentos recomendados. A quimioterapia causa As doenças e suas causas efeitos colaterais fortes, principalmente para uma criança. Vômitos, franquezas, A anemia plástica é adquirida por vários febres, tosses, inchaço e o mais fatores, como a inalação de agrotóxicos traumático de todos, a queda dos e solventes. Passa por vários estágios, cabelos. como a anemia normal, a crônica e a Tudo isso causa muito desgaste físico e aguda, depois se transformará no câncer. psicológico. As dificuldades são Já a leucemia são alterações genéticas, aliviadas com a presença dos que atacam mais as crianças. A familiares, voluntários e colaboradores, recuperação é mais rápida, e há maior que em todo tempo acompanham os sucesso em cirurgias feitas na infância. pacientes, tanto na Associação quanto A função da quimioterapia é distribuir as nos hospitais. células neo-plásicas. “Agora eu tenho esperança que a minha filha seja curada”, é o que diz
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óssea, seja realizado com mais sucesso. A Associação é uma organização não governamental, filantrópica e sem fins lucrativos. Sua sede, localizada no bairro do Tarumã é uma ampla construção com dois pavilhões, dezenas de quartos, banheiros, cozinhas, salas de recreação, capela e outros espaços. Chamada simplesmente de “casa”, ela abriga em torno de cem pessoas, incluindo crianças, familiares e doadores. Hospedagem, medicamentos e terapias fazem parte dos serviços, que contam com mais de trezentos voluntários. A manutenção e funcionamento da casa dependem diretamente dos colaboradores, doadores fixos que fazem depósitos mensais com boletos bancários. A renda vem também de eventos especiais, como bingos e bazares. A propaganda da APACN é feita de “boca em boca”, sendo proibido o telemarketing. Os familiares e acompanhantes encontram na APACN atividades como confecções de roupas e artesanatos, possibilitando a venda dos produtos e uma renda para uso próprio. Aulas de desenho, informática, vídeo game, leitura de histórias e exposições de trabalhos manuais, fazem parte da hora do lazer das crianças. Pensar nas refeições é tarefa dos pais e acompanhantes, pois são eles os responsáveis pelo preparo da comida. E quem pensa que a APACN contrata zeladores para ficar à disposição, está bem enganado: há sempre algo a ser feito, tanto pelos pais, que cuidam da alimentação e da limpeza, quanto pelas crianças, que precisam se tratar.
Uma rotina pesada O carro que foi doado pela campanha Mc Lanche Feliz-2000, sai em torno das sete horas da manhã, levando as crianças para os hospitais. Depois do almoço as crianças retornam para a casa e, se necessário, voltam à tarde para a continuação do tratamento. Para os que permanecem na Associação, sejam familiares ou pacientes, a rotina continua intensa: os adultos vão cuidar do serviço de manutenção, limpeza, cozinha, roupas, e as crianças ficam na recreação, normalmente acompanhadas por voluntários. Quando sobra algum tempo, as mães participam de oficinas de artesanato. O desgaste físico e emocional é evidente em cada rosto. No início, a queda de cabelo traz choro entre os pais e principalmente entre as crianças. Mas na seqüência do tratamento, crianças e adultos encontram na APACN uma esperança. Pois observam que não estão sozinhas na luta contra o câncer, e que há pessoas na mesma situação. Para a vaidosa Géssica Thrun(4), a fralda como cabelo é uma solução. “Meu cabelo caiu, eu até chorei, mas agora já está crescendo. Enquanto ele está curto eu uso touca, lenço e até boné para disfarçar”, conta. Agora sua mãe aprova o visual, adquirido com a quimioterapia. “No começo do tratamento, via cair aos montes o cabelo da minha filha, me dava até um nó na garganta. Então conversamos e
decidimos de comum acordo cortar. Não reclamo, porque é prático o cabelo curto e sei que ele vai crescer novamente”, argumenta Irene. As pessoas que têm um vínculo com a Associação Paranaense de Apoio à Criança com Neuplasia, declaram que lá é uma segunda casa, e que eles não doam somente plaquetas ou medula óssea, também amor e esperança, sem contar a lição de vida que muda valores em cada dia, a cada olhar.
Isaac R.Pereira de Matos (16) abraça a coordenadora Isabel Tissi
A travessia da ponte Após algumas horas de contato com Géssica, ela me convidou para conhecer a pintura do “anjinho”. Pegou a minha mão e fomos até uma das paredes da sala de recreação onde existe uma pintura mostrando uma anjinho atravessando uma ponte com uma criança. Ela começou a contar a história que ouvira na Associação sobre anjo que atravessa algumas crianças até o outro lado da ponte para um mundo melhor e sem dor. De repente Géssica me perguntou: - Tia, você sabe quando esse anjinho vem me buscar para atravessar a ponte? Nesse momento respirei fundo, para poder explicar que todos nós um dia atravessaríamos essa ponte para morar num lugar cheio de anjinhos. Porém algumas crianças partem antes, outras depois e outras só quando ficassem bem velhinhas. Percebi que a minha resposta não a convencera e então Géssica me fez outra pergunta de tirar o fôlego. - Tia, eu vou ter medo antes de passar essa ponte? E eu mais uma vez respirei fundo e disse: - Não tenha medo, quando esse anjinho vier te buscar você vai para um lugar bem melhor e um dia nos encontraremos lá. Sara Marielli Ferreira
Os voluntários Eduardo (21 anos) estudante, Vanessa (24 anos) bancária e Simone - analista de sistemas com as crianças da APACN em uma das salas de recreação.
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Doze Horas com os Anjos da Guarda
Texto e fotos: Lilian Catia de Jesus, Melissa Simoni Cunha e Marcos Rodrigo de Freitas
São 23:00 horas; me preparo para realizar o trabalho mais difícil do curso de jornalismo. Vou passar 12 horas no Pronto-Socorro do Hospital Cajuru; estou muito ansiosa e com medo de passar mal, afinal, verei pessoas trazidas pelos Siates vítimas de acidentes de trânsito, quedas, tiros e outros. São 00:00 horas do dia 15 de junho; o dia mais esperado é chegado. Eu, Melissa e Marcos nos apresentamos para a enfermeira chefe, Andréa Neves, responsável pelo plantão até 07:00 horas. Andréa mostra toda a estrutura do Pronto-Socorro do Hospital; ficamos impressionados, pois não imaginávamos que seria algo tão grandioso. Depois de conhecer toda a estrutura fomos para o setor chamado Poli – Traumologia; é neste setor que são atendidas as vítimas em estado grave trazidas pelo Siate, ambulâncias, polícia e particulares. Quando os pacientes chegam ao Pronto Socorro do Hospital Cajuru são atendidas por vários médicos. No setor de Poli-traumatismo trabalham os médicos chefes, enfermeiros, residentes, chefe acadêmico e acadêmicos. São feitas fichas para as pessoas assim que elas entram na Poli. Quando a ficha é amarela significa que o paciente está correndo risco de vida e precisa ser atendido com prioridade. Assim que são atendidos, eles são encaminhados para os demais setores que compõem o Pronto Socorro como a sutura, observação masculina e
feminina, raio-x, tomografias, centrocirúrgico e outros. A Poli tem todos os equipamentos de uma UTI e as pessoas recebem oxigênio, soro e todo o tipo de assistência quando necessário. Das 00:00 horas até 12:00 horas dia 15 de junho, foram atendidas 22 pessoas vítimas de acidentes, quedas, coma alcóolico, drogas e enfarte. Foram três senhoras com problemas de respiração e arritimia com faixa etária acima de 70 anos; um rapaz de 17 anos com coma alcóolico; um rapaz de aproximadamente 35 anos drogado; uma senhora de 69 anos vítima de queda, outra senhora de 52 anos com enfarte que não sobreviveu e 15 pessoas, entre 20 e 40 anos,
vítimas de colisão no trânsito. Os acidentados, no geral, estavam sem cinto de segurança e alcoolizadas. Os seguranças têm muitas histórias para contar. “Tem dia que chega um monte de baleado. Numa sexta-feira chegaram seis,” disse Moacir Júnior Maquero, que trabalha há nove meses no hospital. “Outro dia que chegou um negão reforçado trazido pela polícia. Ele saiu pelado pelos corredores do hospital e foram necessários sete homens para conseguir algemá-lo na cama,” completou Josué Strall, segurança há dois anos. No necrotério são deixadas as pessoas que faleceram à espera de seus familiares. A responsável pela liberação dos corpos é Rosângela Kindrazki. “Quando a pessoa entra em óbito e não sabemos a causa, aciono o IML que leva o corpo para realizar a necrópcia,” explicou ela. No caso de mortes com causa identificada, Rosângela entra em contato com a família e solicita que compareçam ao hospital para uma conversa. Quando os familiares chegam ela fala com eles sobre várias assuntos ligados à pessoa que morreu e é durante esta conversa que dá a notícia do óbito. Depois a família vai até o nicrotério receber o corpo enquanto Rosângela entra em contato com a central de funerárias.
Sala de atendimento da Poli.
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As pessoas que trabalham nos plantões médicos são verdadeiros anjos da guarda. Fiquei impressionada com a maneira que as vítimas são recebidas e tratadas. O esforço que eles fizeram para salvar a mulher que enfartou foi algo extraordinário. Os médicos a colocaram na UTI com todos os aparelhos necessários para traze-la novamente. Foi quase meia hora de massagens na região do coração numa tentativa desesperada, principalmente para nós que estava-mos assistindo tudo. Me conformei com a perda , pois a hora daquela mulher havia chegado. Acredito que ela já cumpriu sua missão aqui na terra e que está num lugar bem melhor que o nosso.
(Lilian de Jesus)
Ambulância do SIATE no serviço de emergência.
Estrutura O Pronto-Socorro do Hospital Universitário Cajuru está entre os mais bem equipados do sul do Brasil. Sua equipe médica, treinada em emergência, em regime de plantão 24 horas, conta com cirurgião geral, clínico, cardiologista, anestesista, ortopedista, pediatra, neurocirurgião e médicos residentes nas respectivas especialidades. Dos 300 pacientes atendidos, em média, diariamente no pronto-socorro - aproximadamente cem mil ao ano - 90% são segurados do SUS. Para dar conta desse volume de trabalho, 80 funcionários estão divididos entre os setores da recepção, serviço de radiologia e imagem, e pronto atendimento. Além disso, conta
com os serviços de enfermeiros e auxiliares de enfermagem, altamente qualificados, com grande experiência em emergência, médicos radiologistas e técnicos em radiologia.
Mais de 40 anos de história Adquirido pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC) em 1977, o Hospital Universitário Cajuru tem uma longa história que se inicia em 1949, com a doação de dois lotes à Rede de Viação ParanáSanta Catarina, pela Cooperativa dos Ferroviários. Avança pela década de 50, com a construção de seu primeiro prédio e se materializa nos idos de 1958, quando o Pronto-Socorro entra em funcionamento. Durante muitos anos, o Hospital Cajuru foi a única casa hospitalar para a assistência ao trauma em Curitiba. E também o único espaço dedicado à prática e ao ensino de emergência, aos alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná e da Faculdade de Ciências Médicas. A chegada da PUC marca o início de uma era de grandes transformações no Hospital Cajuru. A partir de então, ocorreu a oficialização do ensino médico, o aprimoramento do seu corpo clínico, a aquisição de novos equipamentos e o gradativo aumento do número de alunos das diversas áreas, ligadas ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (enfermagem, odontologia, medicina, fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia e serviço social). É então que o Hospital Cajuru se transforma num hospital de referência. Com a ampliação de sua área de atuação, passa a ser conhecido pela comunidade como um hospital geral, além de um eficiente pronto-socorro. Em 1993, o Cajuru recebe a designação de Hospital Universitário, solidificando seu compromisso com a educação, abrindo caminho para a implantação do primeiro mestrado em Cirurgia do Trauma do Brasil, em 1994. Tão fundamental como os avanços e inovações do HUC, em seus mais de 40 anos, tem sido a dedicação de seus profissionais e o tratamento humanitário aos pacientes que o procuram.
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No Hospital são realizadas em torno de 850 cirurgias por mês, o que representa mais de uma cirurgia por hora. Há ainda um programa de transplantes que contata os familiares das vítimas para viabilizar a doação de órgãos. O Hospital realiza transplantes de rins e córnea e encaminha outros órgãos (coração, fígado e ossos), por intermédio da Central de Transplantes da Secretaria Estadual da Saúde, para hospitais que realizam este tipo de cirurgia. O Hospital Universitário Cajuru oferece residência médica, reconhecida pelo Ministério de Educação, em várias especialidades, tais como clínica médica, clínica cirúrgica, cirurgia torácica, cirurgia cardíaca, neurocirurgia, oftalmologia, neurologia, radiologia, cardiologia, ortopedia, traumatologia, medicina geral e comunitária. Pelo fato de o trauma ser a primeira causa mortís na faixa etária entre 4 e 40 anos, no país, e pela tradição do HUC no atendimento de emergência, foi implantado, em 1994, o primeiro curso de mestrado em Cirurgia do Trauma do Brasil. Buscando estabelecer linhas de pesquisa e criar novas técnicas de atenção às vítimas de politraumatismo, o curso oferece qualificação profissional tanto ao corpo clínico quanto aos outros médicos interessados.
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Cada caso é um caso Havia mais ou menos 50 minutos que estávamos no hospital. Da sala de emergências (POLI), ouvimos um escândalo. “Me larga, me larga!”, vinha da recepção. Corremos para ver. Era um rapaz completamente bêbado, estava muito agitado. Foi trazido por dois ‘amigos’ não menos bêbados que ele. Eles riam, e diziam para o médico responsável pela triagem que ele era “de maior”. Mentira, tinha 17 anos. Reinou na recepção por algum tempo, até ser atendido. Sem exagero, parecia estar possuído. Três enfermeiros usaram de toda força para trazê-lo à sala de atendimento. Violento, berrava, esperneava, cuspia e vomitava. Em determinado momento estavam oito enfermeiros para segurá-lo. Foi amarrado na maca. Coma alcoólica. Ocupou um dos poucos aparelhos de respiração artificial do pronto-socorro. Os pais chegaram pouco depois, família de classe média, estavam surpreendidos (isso porque não viram nada). A mãe, chorava. Cinco horas depois, a campainha da POLI toca mais uma vez. Siate chegando. Como todas as outras vezes, corremos para ver. Parada cardíaca. Estava em casa, ia dormir... mais um desses casos inexplicáveis. Os médicos se empenham para ressuscitar a mulher. Massagem, oxigênio... tic tac... trabalho braçal. Tic, Tac... Afastam-se. Assistimos apreensivos, ‘não morra, por favor’. Aproximam-se. O lençol agora cobre seu rosto. Silêncio. Quero chorar, saí da POLI desconsolada, isso é bem pior do que ver sangue. “Psiu!, cuidado, o rapaz do seu lado é filho dela”, alertou Lílian. Sim, um rapaz... Um rapaz como aquele que foi trazido pelos amigos. Estava sozinho, sentado, cuidando da bolsa da mãe. Não sabia que ela não ia voltar. Agora sim quero chorar! Ficou ali, esperando. Meia hora depois a assistente social o chama para dar a notícia. Ficamos sabendo que seu pai também está lá. Há duas semanas na UTI, entre a vida e a morte. Dois rapazes, da mesma faixa etária. A diferença: o poder de escolha. Às 9h da manhã o rapaz que foi internado em coma alcoólica, sai acompanhado pelos pais. Nem parece o mesmo. “É a cachaça...”, brinca com o segurança. Às 11:30h sai o outro rapaz, carrega a bolsa e lembranças da mãe... ainda quer ver o pai. Melissa Simoni Cunha
As emoções da Rave
Texto e fotos: Laura Brown Karminy Mezzomo
Há cinco anos surge em Curitiba uma manifestação que está se reproduzindo no mundo inteiro simultaneamente. Este fenômeno não tem um aspecto local. Todo esse processo de expansão que aconteceu na cidade é um reflexo de como a música e a cultura eletrônica estão se disseminando na sociedade. Grandes nomes das pickups passam por aqui todos os anos e levam multidões às festas e boates. Mesmos os jovens que não são apreciadores dessa manifestação, percebem que ela está tomando corpo e espaço. O número de pessoas que se identificam diretamente com essa forma de expressão ganha novos adeptos e se fortalece como uma própria linguagem que se forma. Acompanhando um evento como este, desde o início, é fácil perceber como é o seu desenvolvimento. As roupas usadas pela maioria das pessoas utilizam tudo que possa brilhar debaixo de uma lâmpada de luz negra. Camisetas com esmaltes fluor, meias, sapatos de plataforma, esmaltes, uma enxurrada de fivelas, pulseiras, colares entre outros acessórios coloridos numa visível referência à década de 70. Ao decorrer da festa nota-se que o público começa a entrar no clima envolvendo-se na música.
Riad Omairi, organizador da festa ao lado do DJ.
Como conseqüência, as drogas alucinógenas, como ecstasy, ácidos, speed, entre outras se encaixam nessa cultura como meios de alcançar o estado espiritual desejado. No entanto os verdadeiros apreciadores destas festas como Rodrigo Khury, 20 anos e Karina Stella , 23, afirmam que as drogas não estão só ligadas às raves,
pois em qualquer lugar que alguém queira consumir drogas, hoje em dia, irá encontrá-las. Para eles as drogas são artifícios estúpidos daqueles que não conseguem entender, absorver e sentir o contexto destas festas como elas realmente são.
Os freqüentadores não fazem nem idéia do timbre da voz do DJ, mas sabem de cor seu último set. Agora o que importa é fazer a platéia dançar e se divertir com as músicas sem palavras. As pessoas na pista são como uma tribo, onde o DJ é o “pajé”, canalizador de energia, que conduz todos ao estado de espírito mais elevado possível até o dia clarear. 01h30: Com a festa começando a encher.
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Os entrevistados anteriormente citados afirmam também que preferem festas em locais abertos como chácaras e com menor número de pessoas, pois para eles, a vibração de uma festa menor é mais agradável. Curitiba, depois de São Paulo, com certeza é a cidade mais forte em raves, com um número de organizações de eventos pequenos, realizados sem intenção de obter lucro e sim por amor à arte. O idealista e maior realizador das festas raves curitibanas, o empresário Riad Omairi, que está neste ramo há 11 anos, declara com bastante propriedade que estes eventos são preparados com rigor nos aspectos de segurança em geral, cenografia, seguro do local, divulgação nas rádios, patrocínio, infra- estrutura, alvará da Prefeitura e principalmente as datas que são marcadas, geralmente para começo do mês e de acordo com o calendário de provas dos colégios, cursinhos e universidades. A data é previamente escolhida 80 dias antes de acontecer a festa. Depois de estar determinada e os DJs contratados, Omairi parte para a etapa de criação
Espaço ao ar livre.
decorativa do evento. Incluindo a produção de iluminação, som e telões de alta definição. Na festa Kokum Kaya, realizada no dia 15 de junho deste ano, o empresário deixou um pouco de lado a decoração fluor e design futurista, que são tradicionais nesse tipo de festa. O público alvo que Omairi costuma atingir é pertencente às classes A e B e de faixa etária entre os 18 e 40 anos. Ele realizou até este ano 52 eventos grandes, introduzindo em Curitiba, festas de marcas nacionais e internacionais como: Lucky Strike e Global Telecom sendo que todas elas foram bem sucedidas.
No fim da década de 1990 (a partir de 1997 para frente), pessoas de todas as camadas sociais descobrem o “tecno” e querem fazer parte dessa união e cultura. O mote das raves é música eletrônica e o P.L.U.R., sigla para peace, love, unity and respect; em português: paz, amor, união e respeito, o lema universal das festas raves.
04h00: O público dançando no auge da festa.
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De volta prá casa Curitiba, não sei que dia é hoje, depois eu vejo, agora estou com preguiça, só sei que são 10:30 da manhã e eu combinei com o Junior 9:30. O louco deve ter virado a noite estourando um, talvez seja por isso que esteja atrasado. Eu não estou muito bem, cheguei em casa às 5 da madrugada, estava muito bêbado e ainda comi uma pratada de virado de feijão. Agora estou com sono, azia e morrendo de frio. Essa Rua 24horas encana um vento desgraçado, deve ser por isso que aqui está vazio. E o pior é que tenho que ficar 12 horas seguidas nesse lugar. Tentar ser jornalista não é fácil, imagine ser um, que dificuldade que não deve ser. Já que tenho que ficar aqui, o negócio é ficar olhando o movimento das pessoas que passam. Acho que primeiro vou dar atenção para as mulheres que passarem.
Texto e fotos: Kassiano Roberto de Lima Schulchaski Luiz José Escorsin Jr
Ele chegou. São 11 horas e, que legal, está vindo um cara em nossa direção. - Daí, beleza meu? O cara está dando oi. - Beleza brother! E você? - Eu to bem, posso sentar? - Pode. Aproveitando que ele se sentou ao nosso lado, perguntamos se poderíamos fazer uma entrevista. Percebemos na resposta que ele estava meio embriagado, mas consciente do que estava dizendo.Sua resposta foi
“o que importa não é perder ou vencer, o que importa é sobreviver, e graças a vocês eu vou tentar sobreviver”
Bom, desde que eu falei que ia olhar a mulherada, passaram-se 20 minutos e eu só vi mulher feia até agora. Além de tudo duas sapatas (lésbicas) sentaram ao meu lado. O jeito é tentar conversar com elas e fazer uma entrevista. Que droga, na hora em que eu fui falar com elas, foram embora.
interessante. Ao dizer que aceitava, ele pediu o celular emprestado, falando que precisava conversar com sua mãe, pois ele mora com ela e há três dias não ia para casa e nem dava satisfações de onde estava. Emprestamos o celular, ele ligou e pediu para o Kassiano que dissesse para sua mãe que estava tudo bem com ele, mas que não voltaria para casa. Tanãmmm!!!! Encontramos nosso personagem. Quer dizer, ele nos encontrou. Seu nome é Celso Poi, 36 anos, divorciado, ex-presidiário, tem dois filhos, já foi casado por duas vezes, é um ex-viciado e alcoólatra. Veio para Curitiba em 1972, junto com a mãe e o pai. Segundo Poi a família, que hoje mora em Pinhais, é simples e muito desunida. Seu pai batia muito em sua mãe e principalmente nele, quando era pequeno. A mágoa por tanto sofrimento nunca esteve perto de acabar. Muito pelo contrário, todas as vezes que citou o sofrimento de sua mãe, dona Zoraide, desabou em lágrimas. Desiludido e cansado Celso pensa em desistir de tudo, diz não ter mais motivos para continuar a lutar e que não vê saída para os problemas. Nesse momento é que deixamos nossa responsabilidade de jornalistas de lado e começamos a nos envolver. Por diversas vezes nos emocionamos junto com ele e começamos a entender o peso de tanto sofrimento. Ele se nega a voltar pra casa, onde diz que é tratado com indiferença. Prefere ser um mendigo a vagar pelas ruas, do que ser um eterno suspeito dentro de sua própria casa, “na rua eu tenho liberdade e ninguém me cobra nada”, diz.
Vou ter que procurar por outro assunto, mas estou muito cansado. Acho que é melhor eu esperar pelo Junior, depois nós veremos, o que faremos (que rima bonitinha).
Celso Poi ao telefone, com a mãe Zoraide.
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de ser um simples personagem para tornar-se nosso amigo “Celso”. Talvez esse contato um pouco mais íntimo possa vir aatrapalhar nossas matérias, mas isso nós só saberemos num próximo trabalho. Valeu Celsão!!!!!!!!
Em meio a tantas tentativas de convencer Celso a voltar para casa, espantosamente o amor de filho fala mais alto e ele pede que liguemos para sua mãe novamente. Kassiano fica encarregado da tarefa de conversar com dona Zoraide. De uma simpatia inigualável, ela se emociona e pede, outra vez sem ser atendida, para que o filho volte. Contudo, fica um pouco mais tranqüila ao saber que está tudo bem com ele. Em meio a tantas histórias fascinantes, uma nos chama a atenção. É o episódio da prisão de Celso que, drogado e desesperado, dá voz de assalto a um taxista. Inevitavelmente, antes mesmo de conseguir executar o roubo, ele é preso e torturado pelos policias militares. O resultado de tudo foram três costelas quebradas e seis meses de prisão. Em relação às drogas, Celso venceu a mais temível delas, o crack. A iniciativa de procurar ajuda partiu dele mesmo ao ver todo sofrimento que causava a si próprio, à mãe e aos seus filhos. Até mesmo a bebida, assumidamente seu maior problema, ele já lutou contra, e foi espontaneamente procurar ajuda nos Alcoólatras Anônimos. Mas diz não poder vencer a bebida, apesar de conseguir se controlar e moderar nos goles quando necessário. O rosto marcado pela tristeza começa a ganhar vida à medida que as horas passam e nos tornamos mais íntimos. No lugar da tristeza e melancolia surgem o sorriso e as brincadeiras, alegria às vezes interrompida quando o assunto é sua mãe. Pela terceira vez ele solicita a um de nós que liguemos para dona Zoraide. Aceitamos, mas impondo a condição de que ele teria que falar com ela. Ele aceita e pedimos o celular emprestado a uma senhora que estava passando. Muito gentil ela empresta o aparelho e em poucos minutos, vendo a emoção de Celso ao falar com a mãe, ela se envolve e pergunta ao Junior o que está acontecendo. Enquanto Celso, derretido em lágrimas conversa com dona Zoraide, explicarmos tudo a ela. A senhora, cujo nome nem chegamos a saber, sutilmente coloca a mão na bolsa,
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Rua 24 Horas Inaugurada em 12 de outubro de 1991, a Rua 24 horas, projeto dos arquitetos Abrão Assad , Célia Bim e Simone Soares, é um monumento à vaidade dos curitibanos. Com uma estrutura de tubos metálicos em forma de arcos e um a cobertura em vidro transparente é um Não podemos dizer que não ficamos projeto moderno que tem sua marca chocados, porque realmente foi de se registrada nos dois relógios colocados chocar. Em toda nossa vida nunca nos portais que dão acesso a ela, que tínhamos escutado nada parecido, e se têm uma característica especial: os não tivéssemos visto uma senhora de ponteiros percorrem as 24 horas do dia alta sociedade, hospedada em um dos para dar a idéia do funcionamento “dia mais conceituados hotéis de toda e noite”. Curitiba, o Hotel Rayon, ceder o seu Com 120 metros de extensão e 12 de próprio celular, dar dez reais a um largura, a Rua 24 horas comporta 34 desconhecido e além de tudo tratar lojas que ficam eternamente abertas com tanto carinho um homem que nem tentando revitalizar o centro da cidade as roupas estavam por inteiro, nós fora do horário comercial, funcionando jamais iríamos acreditar no acontecido. como ponto de encontro para turistas e curitibanos procurando lazer e diversão. Depois de tudo, nada melhor que a Ela oferece lojas de conveniência, sensação de dever comprido. E não revistaria e papelaria, farmácia, loja de como jornalista, mas como ser humano artesanato, ótica, mercearia, floricultura, e amigo. No final do dia, Celso resolve banco 24 horas, área de alimentação que vai mesmo para casa matar a com 12 lojas, entre outros. É saudade da mãe e dos filhos: “Eu vou administrada pela URBS e se localiza pra casa ver meus filhos, vocês sabiam entre as ruas Visconde de Nácar e que eles me amam”, diz ele ao dar um Visconde do Rio Branco no centro. forte abraço no Junior. Mais uma vez Informações: 225-1732. ele chora, mas agora em forma de agradecimento. retira dez reais e entrega ao Kassiano para que ele pague o ônibus do Celso. Dá um abraço forte no nosso personagem e pede, com um carinho de mãe, que ele retorne para casa.
Gostaríamos de terminar agradecendo ao Celso Poi. Não pela entrevista, mas sim, pelo grande aprendizado de vida que ele nos passou. Celso nos mostrou algo muito importante, “o que importa não é perder ou vencer, o que importa é sobreviver, e graças a vocês eu vou tentar sobreviver”, comenta ele, já seguindo seu caminho de volta pra casa. Fica a lição de que temos que aprender muito, pois o fato de termos nos sensibilizado com o nosso personagem, fez com que ele deixasse
Você conhece o Maérlio Fernandes Barbosa? Texto e fotos: Ênio de Carvalho Guimarães Hamilton Francisco de Abreu com a música, Ceará conviveu com muitos artistas e cantores. Patativa do Assaré, por exemplo, sempre freqüentou sua casa. Havia lá uma grande riqueza cultural, além da cidade que, segundo ele, emana arte. “Existem em Juazeiro muitas manifestações culturais, grupos de maneiro pau, banda cabaçal, uma espécie de banda de pífaros, ou banda de zabumba, reisado, lapinha. Na feira da cidade você encontra cegos vendendo cordel, cantando e tocando rabeca”, lembra. Mesmo tendo vivido em uma geração que gostava, ou deveria gostar, de Beatles e O ídolo Roling Stones, Ceará fala de Luiz Gonzaga, com grande admiração e respeito. pela forte Na década de 40, o “Velho”, como carinhosamente ele o influência da chama, lutava a favor da soberania musical brasileira, diante música vinda do de uma forte influência de Holywood. Nesta época os brasileiros exterior, sempre cantavam travestidos de cowboys americanos. Ceará condena carregou dentro os acordos comerciais e culturais entre Brasil e EUA, tendo em de si as origens vista o prejuízo cultural para o nosso país que esse tipo de acordo nordestinas. Que proporcionava. “A música deles tocava aqui, e a nossa não veio a se tocava lá,” diz. manifestar com Luiz Gonzaga, armado com a sua sanfona, gibão e chapéu de uma maior couro, foi rompendo isso, ao ponto de brigar na rádio para intensidade num tocar vestido de vaqueiro, coisa que na época não era momento que permitido. Ceará diz ter uma influência muito grande de Luiz ele jamais Gonzaga. Ele o conheceu pessoalmente e, apesar de toda esse esqueceu. Ao interesse pela arte do rei do baião, ele sempre descobre coisas passar por uma novas sobre seu ídolo: “Ele tem uma produção musical imensa, rua da capital um vasto trabalho intelectual. Gravou 289 discos eu tenho muito paulistana, ouviu orgulho em possuir 50 deles”, diz. uma música de Patativa do
Curitiba tem um cantinho do forró, localizado na Sociedade Vasco da Gama. Neste local de gente bonita e ambiente agradável, acontece todos os sábados o show do forró Calamengau, tradicional grupo das noites curitibanas. O grande idealizador do grupo é o cearense Maérlio Fernandes Barbosa, o Ceará. Nascido em Juazeiro do Norte, terra de Padre Cícero, Ceará foi para São Paulo em 1969, onde trabalhou como metalúrgico até 1975. Depois de passar pela cidade de Campo Mourão (PR), engajado na política estudantil e partidária, chegou a Curitiba no final de 1981. Para sobreviver, exerceu inúmeras profissões como camelô, vendedor de armas, ferramentas, explosivos, ações, livros de porta em porta: “É mais fácil falar o que não fiz na vida”, diz. De uma família com fortes relações
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Ceará e a alegria no palco
Assaré, na voz de Luiz Gonzaga, o “velho”, como ele o chama. Ceará sentou na calçada e chorou de saudades de sua terra. A partir daquele momento, junto com um grupo de amigos, também nordestinos, passou a fazer festas nos finais de semana, com forró e comidas típicas. No inicio dos anos 80, já em Curitiba, Ceará organizava forrós com objetivo de levantar fundos para o recém-criado Partido dos Trabalhadores. Para abandonar o som dos discos, ele comprou alguns instrumentos musicais e saiu procurando músicos, “como agulha no palheiro”, para formar um grupo de música nordestina. O nome inicial era Trapiá. Em 88 nosso personagem abre uma petiscaria, chamada Calamengau, próximo à reitoria da UFPR. Nessa época a música era um prazer não remunerado: “Pagávamos do bolso para tocar de graça. Tudo isso aconteceu por termos muitas saudades de casa, gostávamos de reunir os amigos cabeças chatas, com muita moqueca de peixe entre tantas outras comidas nordestinas. Isso acabou virando um hábito”, diz.
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Na petiscaria os shows aconteciam uma vez por mês e o nome se tornou tão conhecido que Paulo Leminski, em uma de suas músicas, fala do Calamengau. Por dois anos a petiscaria marcou época como um ponto de encontro da população de Curitiba. Após essa etapa de sua vida, ele foi vender computador, abriu um armazém de produtos naturais, depois uma pousada em Guaratuba, logo após uma petiscaria em Bombinhas (SC). Voltando a Curitiba abriu novamente uma petiscaria com o nome de Calamengau, no Alto da Glória, tendo a banda com o mesmo nome. A casa acumulava prejuízo, que era saneado uma vez por mês sempre pelo forró, que já reunia muita gente. Ceará como um bom atleticano, comenta que o principal motivo para o fracasso de seu estabelecimento seria o local escolhido, “muito próximo do estádio do coxa. Tinha que dar errado mesmo”, diz.
Surge a profissionalização Em 98 já alugava a Sociedade Vasco da Gama, mas apenas nos finais de semana. Época em que o forró estourou em popularidade, caindo na graça da população, e o nome Calamengau se firma com grande intensidade, transformando-se em uma
não tem culpa desse negócio muito bom, sem contra tipo de atitude. Ele indicação na cidade” diz. reclama da elite Ceará considera que o curitibano não é preconceituoso com relação à cultura paranaense que é muito cruel nesse nordestina. Um tanto da rejeição ao sentido, “ela sempre ritmo deve-se o fato de que na década achou que cultura é de 80 não existia vida noturna na apenas aquilo que cidade. Poucas eram as casas que vem do além mar, e ficavam abertas até altas horas da nunca se preocupou madrugada. “Não existia o hábito da em dar força boêmia, Curitiba era uma cidade mais inclusive à cultura voltada para o seu umbigo”, diz ele. própria do estado, Costumava-se dizer que a cidade era como o fandango”. uma aldeia, todo mundo conhecia Ceará diz que muita todo mundo. gente confunde Ceará tinha um programa na rádio músicas feitas por Educativa AM, chamado “Alma pessoas simples, com Nordestina” e ele conta que havia música simples. E na pessoas que ligavam para lá, entravam realidade a música nordestina é muito no ar só para fazer perguntas tais rica. “Ermeto Pascoal é considerado como: “Quando que você vai embora um dos maiores músicos do mundo e o da cidade com essa bandinha de que ele toca é música nordestina da m...?” Ele, com seu jogo de cintura habitual, dizia: “ Ó O cego rabequeiro rapaz, deixa Havia um artista de rua chamado cego Oliveira. Ele hoje é de ser besta, estudado nas maiores universidades de música do mundo. como é que “Oliveira era um cabra que nasceu pobre, tem uma produção você me diz musical excelente. Eu quando criança via muito ele pedindo uma coisa esmolas, com sua rabequinha, cantando e tocando. Tem um dessa, o dia único disco produzido pela Secretaria de Estado da Cultura do tá tão Ceará. O mundo todo estuda o cego Oliveira. Ariano Suassuna bonito e disse a seguinte frase uma vez: ‘A arte de Tom Jobim fala por si. você se dá Mas tem um cego no Ceará, o cego Oliveira, que vocês me ao trabalho perdoem, mas a arte de Tom Jobim, não vale o dedo mínimo
Pesquisa, trabalho e amor à cultura nordestina são as marcas do grupo
marca relacionada com a figura de Ceará. “A marca Calamengau tornouse o meu maior patrimônio, tudo o que eu faço hoje leva o nome com o qual fiquei conhecido, tanto que quando abri um comércio no litoral as pessoas de longe viam o nome e o associavam à minha pessoa. Hoje tenho um
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desse ceguinho rabequeiro’”, conta Ceará. Cego Oliveira morreu na mesma miséria em que viveu nas rua das Palhas, pedindo esmolas e tocando a sua rabeca. Seu filho hoje dá continuidade ao legado cultural recebido do pai, porém se encontra na mesma situação de miséria. Ceará demonstra ter compromisso com as suas raízes nordestinas. Alguns shows que ele trouxe a Curitiba acabaram não dando lucro, mas ainda assim fizeram com que o nome Calamengau se firmasse mais. Ele não reclama, segue na sua batalha pela divulgação da boa música, MPB e músicas tradicionais do nordeste. “Apesar das dificuldades, fomos abrindo e conquistando nosso espaço, eu faço shows grandes hoje, como por exemplo, Mestre Ambrósio, Ermeto Pascoal, Tom Zé, Trio Nordestino, Pedro Luiz e a Parede, que é música pop, o samba de Elza Soares, blues como Bruno Mindélis, Valdones, um sanfoneiro cearense espetacular, que é o sucessor de Dominguinhos. Nossa casa hoje já trouxe muita gente boa, muito show bom, conseguindo romper com esse negócio do preconceito e com as barreiras que existiam anteriormente”.
de me ligar pra me dizer essa besteira. Sou brasileiro meu amigo, não sou turista”. Seu chapéu de couro lhe rendeu muitos problemas nos lugares que freqüentava. Mas ele diz que o povo
mais pura, música popular nordestina de primeira qualidade”. Passado o tempo, Curitiba começou a respeitar o trabalho dele. Hoje Ceará se sente a vontade em qualquer lugar que vá na cidade,
Todos os integrantes da banda estão profissionalizados
As dificuldades do trabalho
com os freqüentadores dos shows que Ceará recebe sugestões importantes para melhorar seu trabalho. As reformas do Vasco da Gama, por exemplo, foram definidas segundo opiniões colhidas nas ruas. Às vezes ele e sua banda vão ensaiar na feira do largo da ordem, no domingo. Quando está no melhor do ensaio, chega o fiscal e manda parar. Ele diz não e o fiscal pede a licença. Ceará, indignado com a situação, solta o verbo: “Ó rapaz você acha que eu pra ensaiar vou ter que pedir licença para Fundação Cultural? Não estamos passando o Um “coco” de cunho social chapéu, não estamos Ceará sempre foi muito ligado e sensível aos ganhando dinheiro algum, contrastes sociais existentes no país. E dá exemplo da não estamos atrapalhando sua terra: em sua casa, seus tios davam muitas festas ninguém e, além do mais, as regadas a whisky importado e, no entanto, o vaqueiro pessoas estão gostando, e que trabalhava para eles não ganhava por mês o você vem dizer que eu tenho suficiente para sequer compra uma garrafa daquelas. que pedir a benção ao Esse contraste social foi uma das coisas que sempre o prefeito pra poder tocar chocou. Ao chegar ao Sul, descobriu que aqui a coisa aqui? Não vou não”. não é muito diferente e para isso ele fez uma música, “um coco”, que diz o seguinte: Ceará reclama dos fiscais da Prefeitura, que apenas estão preocupados em multar quem está panfletando, divulgando sua arte nas ruas da cidade. Segundo ele, não há mais lugar disponível para se fixar cartazes convidando a população para os shows. “O principal meio de divulgação de nosso trabalho, nós que somos pequenos, é por cartazes e panfletos” afirma. Apesar das dificuldades, ele continua
recebendo demonstrações de carinho da população. Um dia desses, num barzinho considerado um dos templos do jazz da capital, uma pessoa anuncia a presença de Ceará, que foi muito aplaudido. Apesar de sua desenvoltura no palco, ele confessa ser uma pessoa Eu fui pro Sul, cidade primeiro mundo, Planos para o futuro muito tímida. “No momento dos dizendo pra todo mundo, agora eu vou arrombar. Figuram entre os projetos da aplausos fiquei sem graça, Ganhar dinheiro, voltá pra Juazeiro, “grife” Calamengau o queria me enfiar num buraco”, direto pro estrangeiro, onde eu já fui passear. lançamento de um disco, diz. Chegando lá, meu compadre a diferença, participações em shows e A profissionalização fez com o tal Sul de maravilha, já virou decepção. discos de compositores que as coisas caminhassem Mas que tristeza, ver cidade de favela, paranaenses, uma loja de para a melhoria contínua da bem diferente daquela que eu vi na televisão. artesanato, uma espécie de banda. Hoje o Café, integrante Sonhei comprar um carrão importado, espaço cultural onde haverá que toca zabumba, vem de São para chega em casa e o mano esnobar. exposições de quadros e Paulo todos os finais de semana Mas esse sonho acabou na vila Pinto, fotografias e, por gostar somente para fazer o show, e na vila Zumbi eu acabei de enterrar. muito de escrever, Ceará retornando para casa no dia Primeiro Mundo é questão de ter dinheiro, pretende publicar um livro seguinte. O sanfoneiro, seu pois a miséria é o dinheiro não ter. sobre as história que viveu Eptácio que já tocou com Luiz Eu vi riqueza que aqui eu já tinha visto, até hoje. “Eu tenho uma Gonzaga, havia largando a e pobreza que eu pensei não fosse vêr. marca maravilhosa que a sanfona, pois na década de 70 cidade inteira conhece. com a entrada do ie-ie-ie, não Maérlio Fernandes Barbosa Passam pela minha casa encontrava mercado para a aproximadamente quatro mil profissão. Começou então a pessoas por mês, e eu não desenvolver outras atividades. tenho tempo de jogar isso na Ceará cobriu a oferta dos três panfletando nas saídas de teatros, internet. Não posso continuar dando empregos que ele tinha e o trouxe universidades e no centro da cidade. essa bobeira”, diz. definitivamente para a banda. “Se a “Em Curitiba há um fato curioso: Nós Porém, segundo ele, para que esses coisa está crescendo tenho que ter que somos artistas, não podemos ir à projetos possam dar certo, é pessoas competentes do meu lado, praça pública cantar, pois a cidade é necessário trabalhar muito com a senão a coisa pára. E não queremos muito organizadinha, parece um organização dos shows. No item parar de crescer. Estamos aprendendo, tabuleiro de xadrez, cada peça tem organização, ele tem o apoio da estudando, sendo mais críticos em que ter o seu jeito de se mexer e o esposa, Fátima, que é o seu braço relação ao nosso trabalho”, diz ele que lugar certo pra ficar. Tudo muito cheio direito. Nos bastidores ela é quem tem regras rígidas no controle da de regras”, diz. A panfletagem é toma conta de tudo. banda. Não permite, por exemplo, que sempre feita em companhia do filho de Casados há 17 anos os dois nenhum dos integrantes beba antes dos 13 anos, apaixonado por música como compartilharam momentos bons e ruins shows. o pai. E é neste contato corpo a corpo como todo casal. Apesar das Agosto de 2002 - 12 HORAS
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dificuldades, sempre investiram na idéia do forró e hoje comemoram a proposta consolidada, fruto de paciência e de trabalho. Ele se considera muito voltado para a família, e procura dar a seu filho uma educação destinada à formação do caráter, um atributo essencial para todo o ser humano. Muito exigente, é rígido com o filho, e tem uma explicação para a sua forma de agir: “Prefiro me esforçar para pagar um psicanalista, caso isso venha a ser necessário, do que ter meu filho criado sem limite nenhum, largado no meio da rua, sem referências”, afirma. Ceará conta que seu sucesso se deve
seguem: “O meu mundo é pequeno, um orgulho enorme disso, tenho um mas é bonito. As pessoas que estão trabalho que me satisfaz e estou ao meu redor, que estão comigo, são sobrevivendo dignamente às custas pessoas maravilhosas. O forró dele. Porém é necessário ter nasceu entre amigos e depois entre coragem e acreditar, e vontade amigos dos meus amigos, por isso ele nunca me faltou”. até hoje é esse astral bonito que reflete muito a forma com que ele nasceu. Em tudo o que fizemos há uma grande participação de pessoas que para mim são especiais, pessoas importantes no crescimento de nossos projetos. Hoje sou muito feliz com A equipe de trabalho aquilo que Hoje Ceará gera emprego para mais de 20 conquistei e tenho pessoas. O forró Calamengau é composto de cinco integrantes: No vocal, Ceará Na sanfona, Eptácio, que tocou com Luiz Gonzaga No triângulo, Marce Na zabumba, Café Na percussão, Leonardo, “Pistolinha” Um personagem reconhecido em Curitiba
A cronologia do espetáculo
ao fato de que ele sempre teve a intenção de ter uma casa de shows que mantivesse a cultura nordestina viva, fiel às suas raizes. Ele nunca pensou em ter uma casa que estivesse relacionada aos modismos passageiros. Queria formar um espaço para uma clientela que gostasse realmente de MPB. Hoje ele acredita que tenha atingido o seu objetivo. Por idéia do Zé de Melo, que é da Radio Educativa do Paraná, eles hoje chamam a casa de “Espaço Cultural Calamangau”, esse espaço foi cedido também para a Associação dos Compositores do Paraná, tornando-se uma espécie de sub-sede. Existem grupos de Fandango que ensaiam aos sábados e grupos de Maracatu que ensaiam às terças e quartas-feiras. O forró para ele é mais que uma expressão cultural de raiz, é tambem uma maneira de fazer as pesoas felizes, podendo dançar e cantar músicas genuinamente brasileiras. Todo seu sentimento, ele coloca nas linhas que
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19:00 horas: horas Ceará reúne-se com os demais integrantes da banda para acertar os detalhes do repertório musical. Escolhas das músicas, num total de cerca de 80 por show, previamente preparadas para inserção de três entradas ao palco com duração em média de uma hora e meia cada apresentação. 20:00 horas: horas É servido o jantar. Todos procuram neste momento compor energias, no firme propósito de enfrentar mais uma noitada, com alegria e muita disposição. 22:15 horas: Inicia-se a fase de concentração nos momentos que antecedem a aparição no palco. A expectativa toma conta quanto à presença do público, prenúncio de casa cheia e para um certo drible na tensão, alguns componentes da banda iniciam uma pequena sessão de relaxamento com alongamentos diversos. 23:00 horas horas: A tão esperada hora chegou. Entrar ao palco e brindar o público jovem e numeroso com uma bela apresentação. 01:00 hora hora: Primeira parada para o intervalo e merecido descanso. No camarim, mesa preparada para um delicioso lanche, hora de repor energia. Quando do intervalo, na pista de dança a animação continua, movida a som mecânico. O Forró não Pára...! 01:20 horas horas: Retorno da apresentação no palco. A música ao vivo contagia o ambiente. Ceará e sua banda cantam e tocam os mais variados sucessos nordestinos, intercalados com avisos e notas de aniversariantes do dia, na voz do anfitrião. 03:35 horas: horas Mais uma breve parada para o descanso e um tradicional carregar de baterias. Na mesa do camarim bandejas com frutas tropicais, mais uma vez, hora de repor calorias. Este é considerado o último intervalo. 04:00 horas: horas Retorno ao palco para o epílogo da apresentação e o fechamento com chave de ouro de mais um grande show-espetáculo. Nesta última parte, Ceará cantou músicas alusivas ao mês de junho, lembrando as tradicionais festas juninas.
Uma ajuda à Natureza Humana
Texto e FFoto oto oto:: Thaís Marrese Scarpellini Sara de Andrade Rêgo
O médico Marcelo Gomes Cequinel, 33 anos, ginecologista e pós graduado em reprodução humana na Itália, é considerado hoje um dos mais conceituados profissionais nesta especialidade em Curitiba. Ele montou uma moderna clínica de infertilidade que oferece ampla variedade em tratamentos avançados para casais incapazes de conceber um filho. Também realiza minuciosas cirurgias nos órgãos reprodutores femininos através de um simples orifício no umbibigo. Conhecida como “vídeo laparoscopia”, esta técnica cirúrgica é dominada por apenas 2% dos médicos. Além disso, Cequinel dá aulas para os residentes no ambulatório do Hospital Evangélico. No sábado, dia 15 de junho a rotina de Marcelo Cequinel não foi diferente. Na parte da manhã, ele esteve na Maternidade Curitiba, onde fica seu laboratório de fertilização e onde realiza as cirurgias em suas pacientes. Posteriormente, se encaminhou para o Hospital Evangélico a fim de ministrar as aulas aos futuros médicos e, a partir das 17 horas, foi até o consultório, situado no bairro do Champagnat, com a finalidade de atender uma paciente que, por morar fora de Curitiba, necessitava um horário especial. Moradora em Lages, Santa Catarina, Karina Stella Foltran veio à Curitiba em busca dos inovadores e eficazes tratamentos da clínica de Cequinel. Ela revela que pretende obter uma produção independente. O médico esclarece que quando a mulher tem a intenção de engravidar sem um parceiro masculino, recorre-se ao banco de sêmen. O esperma de doadores anônimos fica congelado para ser utilizado como no caso da paciente em questão. As pesquisas realizadas por Cequinel, em muitos casos, indicam a causa provável da infertilidade. Somente
cerca de 20% dos pacientes continuam sem explicação para o problema. E mesmo nesses casos o tratamento pode ser bem sucedido. Os testes necessários para determinar uma causa específica verificam a ovulação, a qualidade das trompas de Falópio, os níveis hormonais das mulheres, assim como a produção de espermatozóides dos homens. Cequinel sugere que antes que os casais se envolvam com a “concepção assistida”, como é denominada e conhecida na área, os parceiros se ajudem. Pois há muitos casos em que a paciente já está desenvolvendo o tratamento e fica naturalmente grávida. Isso se explica, conforme diz o ginecologista, pelo fato dos futuros pais estarem extremamente ansiosos por um filho e, diante da possibilidade de Na clínica, as diversificadas realizar esse desejo com o tratamento, maneiras de engravidar são encontradas na: ficam mais confiantes e Fertilização in vitro:: específica para mulheres que tranqüilos, favorecendo possuem pequena taxa hormonal e distúrbios na a concepção. ovulação. Nesse caso são removidos vários óvulos do Na clínica de ovário e mantidos em uma incubadora até estarem fertilização, Cequinel apropriados para a fertilização realizada no laboratório, faz um com o esperma do parceiro masculino. Após 72 horas aconselhamento com os embriões são colocados no útero com uma sonda todos os casais de transferência. O valor desse tratamento está em torno submetidos ao de R$ 7.000,00 tratamento. O médico Inseminação artificial ou fertilização in vivo: para diz que se torna mulheres que têm problema no colo do útero ou que o essencial nesses casos parceiro masculino tem sêmen de má qualidade. O a tomada de decisão esperma é submetido a uma série de cargas hormonais de recorrer à e posteriormente é introduzido no útero por um delicado “concepção assistida”. cateter. A probabilidade de ocorrer gravidez múltipla é As mulheres modernas, grande. Esta fertilização custa aproximadamente R$ que estão cada vez 500,00 mais protelando a Fertilização por ICSI:: específico para homens com a vinda de um filho, mas contagem de espermatozóides abaixo de 5 milhões podem correr sérios por mililitro. É aspirado um por um do esperma com riscos se decidirem uma delicada pipeta de sucção e fertilizado no óvulo engravidar a partir dos individualmente, com uma agulha dez vezes mais fina 37 anos. Pois nessa que um fio de cabelo humano. Valor não estabelecido fase os ovários são pois ainda não foi realizado esse tipo de tratamento. considerados impróprios devido à divisão irregular das células. Assim aumenta o índice de bebês com baixo Q.I., síndrome de Down, baixa imunidade e os riscos de abortamento.
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O dia 15 de junho Santo Santoss do dia: A nova novela da Globo começou na segunda-feira, dia 17 de junho. No dia 15 a Gazeta do Povo publicou uma propaganda diferente, anunciando a novela Esperança como se fossem reportagens em um jornal do começo do século.
Vacinação Infantil contra a Poliomielite Todas as crianças menores de cinco anos deveriam tomar a vacina. No Paraná a previsão era imunizar mais de um milhão de crianças, 130 mil em Curitiba. Na cidade, foram montados mais de uma centena de postos de vacinação nas unidades de saúde, creches, escolas, terminais de ônibus, supermercados, shoppings e outros locais.
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Líbia, Germana e Vito
Dia Nacional do Combate ao Colesterol
Cultura
O Grande Circo Místico A remontagem, pelo Balé Teatro Guaíra, do clássico de Edu Lobo e Chico Buarque do Holanda, depois de quase 20 anos, um grande sucesso. A estréia aconteceu no dia 13 de junho e a apresentação do dia 15 provocou uma enorme fila para compra de ingresso na bilheteria do Guairão. O espetáculo, apontado como excelente pela crítica, ficou em cartaz apenas quatro dias. Das telas para os palcos No Guairinha a estréia da peça “Conduzindo Miss Daisy”, com direção de Bibi Ferreira e baseada no filme de mesmo nome, sucesso nos anos 90. Nathalia Timberg e Milton Gonçalves são os atores principais de uma história sobre a intolerância e o racismo Na tela grande A cinemateca de Curitiba exibia, no dia 15, Crupiê a Vida em Jogo, uma produção múltipla (França/ Alemanha/Irlanda/Reino Unido), dirigida por Mike Hodges. Outras estréias da semana: Infidelidade, de Adrien Lyne; Kate & Leopoldo, de James Mangold e A Soma de Todos os Medos, de Phil Alden Robinson, com Morgan Freeman.
História 1805 - Nasce em Curitiba Manoel Antônio Ferreira que foi comandante da Guarda Nacional, deputado provincial e primeiro paranense a governar a província natal, no período de 16 a 31 de março de 1863 1888 - É nomeado presidente da Província do Paraná Balbino Cândido da Cunha, único médico a presidir a província. 1977 - O Congresso Nacional aprova a lei que permite o divórcio. 1990 - O presidente Fernando Collor de Melo demite 53 mil servidores federais e coloca outros 52 mil em disponibilidade, com corte de salário.
Música para todos os gostos O cantor Djavan fez show no Moinho São Roque, enquanto o organista Detlef Steffenhagen ocupava a Igreja do Bom Jesus com um concerto de música erudita. Nos bares da cidade, as atrações eram variadas: The Solution Orchestra no Original Café; Hana Havana Acústico, no Clandestino Bar; Upnóia, no El Rancho; Tom & John, no Peregrino; Bwana Bacana, no Hermes Bar
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FAS, o último auxílio Texto e fotos: Emir Peron Junior Thiago de Ros Machado
O mendigo dorme na calçada praticamente na frente do prédio da FAS.
Nos grandes centros urbanos, a presença de mendigos, bêbados e crianças de rua faz parte da paisagem comum. São cidadãos que, por um determinado motivo, buscam as ruas como abrigo e se sujeitam a pedir esmolas e cometer furtos para sobreviver. Para atuar de alguma maneira sobre esta situação, os municípios criam fundações que amparam os necessitados. Em Curitiba a Fundação de Ação Social (FAS) tenta amenizar a questão do cidadão de rua com trabalho de abordagem e oferecimento de ajuda. A FAS é formada por diferentes centrais de atendimento aos desamparados. Na FASSOS, localizada na rua Conselheiro Laurindo, atrás do terminal Guadalupe, bem no centro de Curitiba, fica um amplo centro de triagem, albergue, casa de orientação e acolhida. Essa central atende por dia uma média de 40 pessoas, número que aumenta no inverno e nos finais de semana. Com a chegada do frio, a população de rua procura o serviço de
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albergagem porque permanecer ao relento é quase impossível. Nos fins de semana ocorrem mais chamadas por causa de drogas ou alcoolismo. São pessoas que ligam para a FAS informando sobre bêbados ou drogados que se encontram nas ruas, muitas vezes em situação de risco. O albergue do SOS tem capacidade para 50 homens e 14 mulheres, além de 15 vagas emergenciais para
A foto, feita do alto do prédio vizinho, mostra o pátio interno do albergue.
crianças. Os menores são levados para locais onde é feito um trabalho mais especializado. A política da Fundação é de nunca obrigar ninguém a permanecer no local, incluindo as crianças e adolescentes de rua. Como o objetivo é fundamentalmente assistencialista, qualquer pessoa tem a liberdade de entrar e sair quando bem entender. A Central de Socorro aos Necessitados é a primeira parada daqueles que não têm casa e são encontrados causando distúrbio na rua. Dali vão sendo levados para outras instituições, de acordo com o problema diagnosticado. Existem duas maneiras de se chegar à Fundação: a primeira é por busca voluntária de ajuda; a segunda ocorre por meio de chamadas da população. Quando a central de atendimento recebe um telefonema sobre problemas causados por um morador de rua, os educadores se dirigem ao local para o recolhimento da pessoa. Em caso de recusa, a Polícia Militar é chamada. Segundo os funcionários da FAS, é
comum a necessidade de uso de força física, principalmente com drogados e mentalmente debilitados. Essas pessoas são recolhidas, tratadas se necessário, e podem ir embora na manhã seguinte se assim acharem melhor. Aqueles com problemas mentais são medicados e encaminhados a hospitais psiquiátricos, já os toxicodependentes podem ser levados para tratamento. Em caso de dependência química é fundamental o desejo do doente de se curar, do contrário, é inútil levá-lo.
A população
A maior parte das pessoas que se encontravam no FAS-SOS no sábado, dia 15 de junho, é conhecida antiga dos assistentes sociais. A percentagem que volta ao local depois da primeira assistência é assustadoramente grande. Tratam-se daqueles doentes mentais que recebem alta depois de 30 dias, dos mendigos doentes que passam mal nas ruas e dos alcoólatras e dependentes sem casa que passam temporadas ali se recuperando. Os adolescentes também buscam ajuda quando não podem ficar nas ruas por brigas entre eles e ali se escondem. Ao olhar para estas pessoas é difícil ter esperanças quanto ao seu futuro. Sem educação formal, velhos demais para conseguir uma profissão, dependentes e com a mente afetada pelas drogas ou pelo álcool. Não são poucas as crianças por volta dos 12 anos, usuárias de crack e da nova moda diagnosticada pelos assistentes sociais, o tinner. Como é proibido forçar um tratamento à dependência, mesmo dos menores de idade, a maioria deles passa um tempo ali e prefere voltar às ruas e à droga. A responsável pelo setor de triagem diz que são raras as crianças que cresceram com várias passagens pelo FAS e, de alguma forma, tomaram um rumo melhor na vida. “Muitos estão presos, morreram ou ainda moram na rua. Mas ontem vieram dois aqui, para pedir que os ajudemos a preencher os currículos”, contou ela. Os dois últimos são minoria. Os funcionários da instituição têm consciência de que sua função é somente diminuir os danos. A FAS funciona minimizando as conseqüências da estrutura social que não dá oportunidades a uma grande massa da população miserável.
História desencontradas, relatos de vida Embora não fossemos autorizados a obter entrevistas dos internos, as várias horas passadas no pátio de descanso nos permitiu um contato com a maioria deles. De forma alguma procuramos extrair informações, não fizemos perguntas que poderiam inibi-los. Todos aqueles com os quais falamos conduziram a conversa. Em dias ensolarados, ou mesmo quando está nublado, mas sem chuva, as pessoas ficam no pátio, fumando um palheiro, conversando ou aguardando em silêncio. Muitos são eufóricos e comunicativos. Devido ao consumo de bebidas ou de drogas, alguns já se encontram com distúrbios e não são verdadeiros a maioria de suas histórias. Dona Maria, por exemplo, como decidimos chamá-la, em três horas de conversa falou três nomes diferentes. Maria sofria muito com o marido e já em casa consumia bebida alcoólica. Até que um dia fugiu, se envolveu com outras pessoas que bebiam e assim se encaixou na vida da rua. Muitos como ela tinham a consciência fragilizada, falavam coisas e pouco mais tarde se desmentiam. Quase a totalidade dos que ali estavam afirmavam que ganham ou já ganharam muito dinheiro. A maioria deles jura que vai embora da cidade, atrás de companheiros ou parentes. Os que passam mais tempo e dormem nos alojamentos são os mais velhos e doentes, ou os doentes mentais. Logo pela manhã chegou um novo habitante do local. Passou na triagem, tomou banho, pegou roupas novas. Assim que saiu para o pátio sentou ao nosso lado. Era bem mais jovem do que a média dos adultos dali. Ao contrário dos mais velhos, tinha um discurso coeso, olhos mais vivos. Disse que tinha tomado, com seus amigos, sete garrafas de pinga e três de conhaque e mais “umas paradas fortes aí”. Com 40 anos na rua se parece bem mais velho, ele era um dos três ali que não poderia se chamar de idoso. Os outros dois estavam envolvidos em uma confusão por causa do sumiço de 50 reais de um outro interno. “Por eu vou roubar 50 se eu ganho 1.800?”, dizia um deles. No final do dia, ele foi embora não sem antes delatar o outro. Os adolescentes preferem morar na rua, nunca passam fome, praticam pequenos furtos e às vezes não conseguem ficar sem drogas. Chegam no albergue da Fundação à força e quando não fogem no mesmo dia, saem logo, para voltar semanas depois. M., que chegou de manhã, pretendia ir embora no dia seguinte, de volta para a rua.
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Thiago Machado
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Uma noite na central de atendimento da PM
Esses policiais tornam-se testemunhas de muitas histórias que mostram a realidade social, ou seja, a falta de assistência às pessoas menos Texto e fotos: Suez Simões Nogueira favorecidas. Um exemplo foi uma José Luiz Fernando Gapski chamada feita por um homem da favela das Torres que, sem recursos para levar sua mulher em trabalho de - Policia Militar, emergência. central de emergência foi considerado parto ao hospital, às 2 horas da Assim inicia o atendimento das calmo pelos plantonistas. Mesmo manhã, se vê obrigado a ligar para a ocorrências geradas no número 190, assim, é possível sentir a pressão que única extensão do estado que ele Central Integrada de Emergência, que passam os policiais de serviço. conhece, a PM. reúne os serviços da Polícia Militar, Primeiramente os atendentes, que Outros casos refletem a violência que Polícia Civil e Corpo de Bombeiros. precisam manter a calma para poder assola a sociedade: a prisão de Com uma sofisticada infra-estrutura coletar as informações necessárias. A assaltantes de um supermercado após tecnológica e policiais a postos para pressão aumenta com os rádios a perseguição e abordagem do veículo dar o primeiro atendimento à operadores, que além de passar a em São Jose população, a Polícia Militar do Paraná ocorrência, dos Pinhais; o O atendente registra a diz estar preparada para o recebimento recebem ocorrência homem que das nove mil ligações diárias que várias além de ser chegam ao 190. Porém, segundo um informações assaltado é levantamento feito pela própria central, de seu jogado de apenas 11% dessas ligações se tornam supervisor e cima de uma ocorrências com deslocamento de dos outros ponte no viaturas, ou seja, em torno de mil por operadores Pinheirinho; dia. Ainda de acordo com esse estudo, para outro na 63% das ligações feitas para o fone repassarem favela Morro 190 nada tem a ver com emergência. às viaturas do Piolho, na Segundo o Sargento Neto, supervisor que estão Cidade dos telefonistas, no plantão da nas ruas. Industrial, que madrugada de 15 de junho, as pessoas Estas, por na briga entre traficantes teve sua mão ligam para saber de números de sua vez, solicitam ao operador muitas amputada a golpes de foice. telefone de outros órgãos públicos ou outras informações, como verificações Apesar de tudo eles prosseguem, pois endereços diversos. Durante as de placas de veículos, RGs de pessoas as solicitações não param e precisam madrugadas, pessoas solitárias ligam suspeitas e contatos com outros órgãos ser atendidas. Como não poderia simplesmente para conversar com os para resolver situações de emergência. deixar de ser, depois de acompanhar atendentes. “Mas o que tantas mazelas sociais eles mais nos aborrece são acham graça do homem que os trotes, pois enquanto Como funciona o serviço de emergência liga para denunciar que após a pessoa ocupa a linha - A pessoa disca 190 e é atendida pelo oficial de plantão, uma briga teve sua mão para passar um trote, que colherá o maior número de dados possíveis da situação machucada, comentando: uma outra pessoa pode (o que está acontecendo, endereço completo, pessoas “Pelo menos esse ainda está estar necessitando envolvidas, etc); com a mão.” urgentemente do serviço - Depois de todos esses dados digitados, o próprio sistema, da Polícia Militar, e O rádio operador passa as através do bairro informado, passa as informações para o informações à viatura. encontrará a linha computador do operador de rádio do batalhão que tem como ocupada”, lamenta responsabilidade territorial aquela região (veja mapa ao Neto. lado); O sistema de - O operador, que tem o contato direto com as viaturas na informática instalado na rua, despacha as ocorrências de acordo com a gravidade central é eficiente e isso tudo em apenas alguns segundos. Se a ocorrência não assim que os telefonistas for grave, ela aguardará até que uma viatura mais próxima percebem o trote, esteja liberada para dar atendimento; O passam imediatamente - A viatura na rua recebe todos os dados da ocorrência e som para outra ligação que desloca-se para atender a solicitação; da estará esperando para - Ao chegar no local o policial na viatura informará ao rádio vizinhança ser atendida. operador a sua chegada e, posteriormente, a situação e a Durante a noite e a providência que irá tomar para resolver o caso, que pode Os madrugada de sábado, casos variar de uma simples orientação à prisão. dia 15, o serviço da mais
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O som da vizinhança Os casos mais freqüentes são os de espancamentos, sendo que as ocorrências de agressão familiar lideram as estatísticas. O sargento Neto informa que em dias frios as ligações são em menor numero, já nos dias de calor a quantidade de gente na rua é maior e com isso as chamadas também aumentam. Outra curiosidade observada foi a grande quantidade de reclamações contra som alto. Este tipo ocorrência mobiliza uma viatura para resolver um problema banal de vizinhos e muitas vezes deixa de atender a um caso de maior gravidade. Os policias que trabalham como telefonistas têm que ter uma percepção mais apurada para reconhecer os apelos que são verdadeiros ou o que se trata de exagero, por parte de quem liga. Um dos casos que chamou a atenção na noite de 15 de junho foi o de uma mulher que ligou informando o roubo de seu automóvel. O pedido foi registrado e, não demorou muito, seu carro foi localizado. Para surpresa de todos, quem estava com o veículo era o marido da suposta vítima. Após uma briga com a esposa, ele havia saído de casa e ela, com raiva dele, deu queixa de roubo. Por sorte o marido não resistiu à abordagem dos policias, pois um movimento um pouco mais brusco poderia acabar em desgraça. Este caso não é isolado e coloca em risco a vida das pessoas. A periferia da cidade lidera os índices de ocorrências policiais. Onde tem invasão - como a Vila Parolim, Vila Zumbi na saída para São Paulo, Vila Zulu na Br 277 sentido praia - os números são ainda mais altos, comprovando a ligação direta entre carências econômicas e violência. É nestes locais de ocupações irregulares que a PM encontra também a maior dificuldade de atendimento, pois os policias não conseguem achar os endereços e a população não ajuda com as informações. A região metropolitana é a mais crítica pois conta com poucas viaturas e a quantidade de chamadas para brigas em bar, bailes e desentendimentos familiares é intensa. Na madrugada de 15 de junho, o
Uma novidade para reduzir os trotes As maiores dificuldades dos telefonistas estão na hora de identificar as chamadas oriundas de telefones públicos ou celulares, pois muitas pessoas não sabem o endereço correto de onde moram ou residem em invasões e os nomes das ruas não constam do cadastro da Polícia Militar. Este problema está para ser sanado com um novo software que deverá ser instalado até o final do ano. O novo sistema reconhecerá automaticamente o número que está ligando, dando o endereço, bairro e o nome do proprietário do telefone, ou o endereço do “orelhão”, em caso de chamadas de telefones públicos. Com este sistema o comando da PM-PR pretende acabar com os trotes e agilizar o atendimento aos usuários do 190.
problema estava muito grave na Fazenda Rio Grande e em Mandirituba. Só havia três viaturas para atender os dois municípios, sendo que uma estava quebrada, outra à disposição de uma festa junina e uma única fazendo o patrulhamento. Para agravar, quando houve uma chamada para socorrer um homem que estava sendo perseguida por cerca de 20 pessoas, a viatura estava ocupada, levando um suspeito ao distrito. O rádio operador, sem poder fazer nada brincou: “Tomara que ele seja maratonista, pois a viatura vai demorar muito tempo para poder atender a chamada”. Problemas deste tipo ocorrem com freqüência e os policiais nada podem fazer. Há falta de equipamentos e de pessoal. Nos últimos anos a quantidade de baixas na Polícia Militar foi bem maior do que o efetivo reposto pelo governo. Eles fazem o que está ao seu alcance e muitas vezes até ultrapassam seus deveres, mas o agravamento da crise econômica e social são aliados poderosos no aumento dos índices de violência. “Alguma coisa tem de ser feita, as autoridades não podem se omitir e a população têm que exigir mais segurança”, constata um policial, demonstrando claros sinais de cansaço no final de mais um plantão do 190, emergência.
Áreas de atuação dos batalhões
12º batalhão atende 19 bairros com 285.000 habitantes 13º batalhão Atende 23 bairros com 800.000 habitantes Rpmont Atende 29 bairros com 600.000 habitantes 17º Bpm Atende 22 municípios com 1.280.000 habitantes da Região Metropolitana
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PM busca apoio da comunidade em Pinhais
Texto e fotos: Cleuseli S. Gomes
O tenente Damião é formado há quatro anos, pela Academia Militar do Guatupê. O posto no qual o oficial será lotado ao término do curso, que dura três anos em regime integral de aulas, é conseguido através das notas obtidas na academia e o tenente estava em sexto lugar. Foi então indicado para o comando do 4º Pelotão da PM de Pinhais. Seu trabalho visa o estreitamento do relacionamento junto à comunidade, com intuito de garantir um atendimento de melhor qualidade. Existe uma linha direta com a PM local, através de celulares cedidos pela própria comunidade. A ONU recomenda que, para cada 500 habitantes, é necessário um policial. Pinhais tem 102.500 habitantes e 44 policiais militares quando o ideal, pelos cálculos das Nações Unidas, seria de 205 policiais . O 4º Pelotão possui cinco motos e motonetas e sete carros para dar a devida segurança à população. Mesmo com este efetivo reduzido, o número de crimes nos municípios de Pinhais e Piraquara diminuiu desde 1998 quando foram registradas 1.692 ocorrências de variados tipos. No ano passado os registros foram de apenas 630. A Delegacia, com capacidade para 16 detentos, abrigava em junho de 2002 mais de 40, o que contribuia para justificar o elevado número de fugas nos últimos meses. Dois carros fazem a ronda permanente, compondo o Tático Móvel Auto (TAM); o terminal rodoviário possui um posto de guarda, enquanto na Avenida Iraí e na vila Tebas estão instalados módulos policiais. Segundo o tenente Damião estes são pontos estratégicos onde ocorriam muitos assaltos. “Os locais onde são registrados
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maiores índices de brigas são regiões muito humildes e que possuem muitos bares sem alvarás. Ali se vende pinga no valor aproximado de 15 centavos. Muitas vezes, o único prazer que esta população tem é beber e como não sabem seus limites, acabam arrumando encrenca com as outras pessoas por motivos de jogo ou outro qualquer”, comentou o Damião.
O tenente Damião mostra um panfleto com orientações sobre segurança.
A rotina do Batalhão Quando há solenidades externas, o tenente Damião representa a autoridade da Polícia Militar. Na manhã do dia 14 de junho, por exemplo, ele participou da entrega dos Certificados de Dispensa de Incorporação do Exército, que aconteceu no Ginásio Tancredo Neves e onde estavam presentes algumas autoridades do município de Pinhais. O estreitamento do relacionamento com a comunidade inclui um certo trabalho de “relações públicas” com outros poderes e com as instituições sociais. Logo depois do almoço que nunca acontece numa Da esquerda para a direita: soldado Filho, soldado Orlando, sargento Leão, tenente Damião, sargento Célio, soldado Solange e tenente Zamboni
hora certa - foi recebido um aviso de que tinha acontecido um assalto a ônibus na avenida Maringá. Foram roubados R$ 79, 35 por um rapaz que pegou o ônibus a uns 10 metros do local em que deu voz de assalto. A cobradora, muito assustada, falou que tinha um outro rapaz no ponto de ônibus no sentido contrário e que os dois saíram correndo. A viatura tentou localizar os rapazes, mas não conseguiu nada. No caminho de volta para 17º Pelotão os policiais presenciaram um atropelamento de uma menina de 12 anos, que havia saído do colégio para pegar prenda para festa junina. Mesmo sem machucados aparentes, a estudante foi levada para o hospital na viatura. Depois dos exames, a menina foi deixada de volta no colégio e os policiais conversaram com os coordenadores para tomarem as devidas providências orientando as crianças na travessia da rua. No final da tarde, o tenente Damião passou no Fórum para conversar com a juíza Márcia Regina e tratar do jantar que iria acontecer naquela noite, na Associação de Funcionários da Sanepar. Para arrecadar verbas para o 4º Pelotão, driblando a falta de repasses do governo, o tenente organiza jantares e convida a população. Com o dinheiro da venda dos convites ele paga o conserto dos carros e faz outros investimentos necessários ao funcionamento do sistema de segurança de Pinhais.
As cores e sabores do Mercado Municipal
Texto e fotos: Bruna Zarpelon Cláudia Gouveia de Aguiar
Alimentos de primeira qualidade. As cores agradam os olhos dos poucos fregueses que andam por ali. O aroma, principalmente das frutas e especiarias, é uma tortura para a gula. As 190 lojas e 133 bancas de hortifrutigranjeiros que ocupam os 4,5 mil metros quadrados do Mercado Municipal de Curitiba comercializam praticamente de tudo: produtos nacionais e importados, frutas, verduras, condimentos, cereais, brinquedos, lembranças, tabacos, queijos, vinhos, ervas de uso medicinal, carnes, peixes e frutos do mar, roupas, calçados, utensílios domésticos. Há também um setor de serviços incluindo barbearia, lotérica, sapataria, caixas eletrônicos, restaurantes e lanchonetes. E as baratas, freqüentadoras antigas do Mercado, agradecem a diversificação de maravilhas. Elas são combatidas com insistência, mas podem ser vistas em grande número pelos observadores um pouco mais atentos, circulando pelos espaços de venda, mesmo durante o dia. No sábado, 15 de junho, o movimento estava muito fraco. Algumas lojas fechadas, outras pareciam estar falidas. A qualidade estrutural do Mercado Municipal é precária em muitos aspectos e esta situação não é recente.
Reforma gera dúvidas A Associação dos Comerciantes Estabelecidos no Mercado Municipal (Acesme) reivindicava há bastante tempo um projeto de reforma e revitalização do espaço. Com a concorrência do grande número de shoppings e mercados da cidade, faziam-se necessárias melhorias na infraestrutura do complexo, que se encontrava em situação decadente. O investimento, segundo a Prefeitura, é de 2 milhões de reais, vindos do Fundo do Desenvolvimento Urbano. O projeto inclui a reforma do sistema hidráulico, substituição do piso do pavilhão que abriga o setor de hortifrutigranjeiros, instalação de praças de alimentação, banheiros e novo designes de bancas e boxes. A preocupação dos lojistas, segundo Euclides N. Guisti, presidente da Associação, está na incerteza do retorno aos antigos lugares por eles ocupados. A Acesme revelou que a Prefeitura não deu garantia aos lojistas, além de não ter divulgado a construtora responsável pela obra. No dia 15 de junho, uma semana depois de iniciada a obra, nenhum acordo havia sido firmado entre a prefeitura e os lojistas. A reforma, iniciada uma semana antes (veja box), tem o objetivo de sanar as principais falhas de infraestrutura, mas enquanto as obras acontecem a freguesia desaparece ainda mais. O frio e nebulosidade do dia, estendiam-se para o interior do Mercado, porém artificialmente: a nebulosidade dava-se devido ao pó, resultado das marretas quebrando paredes e pisos. Os Agosto de 2002 - 12 HORAS
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raros compradores não entendiam as mudanças no espaço interno, não conseguiam localizar seus fornecedores habituais e, não raro, demonstravam mau humor e revolta. A partir das 10 horas da manhã, a circulação é um pouco maior. O nível social parecia variado, muitas pessoas bem arrumadas, pedintes, classe média, toda uma imagem. (Como andar na rua e ter o tempo necessário para poder analisar, ou melhor, julgar um homem pelo seu modo de vestir, de andar ou falar?) Para os trabalhadores do Mercado, sobreviventes da clientela antiga, as caras novas que circulam não fazem mais parte do mesmo meio social. Seria falta de publicidade? questionam, lamentando que o poder aquisitivo da freguesia caiu muito. A comercialização de produtos alimentícios é, consideravelmente, mais abundante. Cerca de 70% do Mercado é voltado para essa área, explica-se, então, a grande e única movimentação do dia, por volta das 12 horas. Nos sábados, várias famílias escolhem o Mercado para ir almoçar, restaurantes e lanchonetes ficam lotados. Depois, aproveitam para alguma compra adicional para a semana. Luiz Sergio Albers, 33 anos, garante que este centro de compras “é só alegria”. Ele trabalha no Mercado há 16 anos e está cheio de esperança: “Quando a reforma ficar pronta, o movimento que caiu nos últimos seis anos, tende a aumentar novamente. Por isso, toda a bagunça e dor de cabeça que a reforma está gerando é muito bem-vida”, diz ele.
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Já o lojista Makoto Oyama, 47 anos, não se mostra muito feliz. “Não há nenhum apoio significativo, coerente com todas essas dificuldades que estamos passando”, garante Oyama, que nem lembra quando começou a trabalhar no Mercado. O término da reforma está previsto para dezembro deste ano. Até lá o bom humor precisa prevalecer para que comerciantes e fregueses resistam às condições precárias de atendimento. Mas as expectativas aumentam. “Esperamos ver o Mercado Municipal como era antes”, diz Mirian Mangoni, freqüentadora antiga.
Uma história antiga No início do século XIX, com o aumento populacional e o crescente desenvolvimento econômico na região de Curitiba, houve a necessidade de ter um local apropriado para que as pessoas pudessem comprar alimentos vindos do campo como verduras, frutas, legumes, lacticínios, etc. Essa necessidade fez com que em 1820 surgisse a primeira proposta para a criação de um mercado. Durante muitos anos, essa central de vendas ocupou lugares variados da cidade, todos provisórios. Até que uma família tradicional de Curitiba, a família Camargo, cedeu um grande terreno para que nele fosse definitivamente construído o atual Mercado Municipal de Curitiba. No dia 2 de agosto de 1958, durante a gestão do então prefeito Ney Braga, foi inaugurado o Mercado. Hoje o complexo é administrado pela Secretaria do Abastecimento.
Cabeleireira faz sucesso no bairro da Boa Vista Texto e fotos: Sirlei Aparecida Fernandes
Joana lava...
Baby você não precisa de um salão de beleza. Há menos beleza num salão de beleza A sua beleza é bem maior do que a beleza de qualquer salão (trecho da música “Salão de Beleza”, de Zeca Baleiro)
salão e, ao chegarem no trabalho, preparam o espaço para mais um dia de atendimento, incluindo neste ritual o cuidado com a imagem. Sônia Sales de Oliveira Lemos, 27 anos, é a responsável pelos serviços de pedicure e manicure. Trabalha há um ano e meio no Calendre e atende a maioria dos clientes com hora marcada. Elói José Gery, 31 anos e Luciano Jacinto Ferreira, 27 anos, também são cabeleireiros e colaboradores de Joana. Atendem preferencialmente os clientes do sexo masculino e crianças. “Tem homem que não gosta de cortar cabelo com mulher”, diz Eloy.
Joana corta...
Se Zeca Baleiro conhecesse Joana, com certeza os versos de sua música seriam diferentes. A balada soaria a favor do aprimoramento da beleza das mulheres num salão de beleza. Edilma Joana Canhete Silva Vale, 41 anos, é dona do Calendre Cabeleireiros, instalado há 16 anos no bairro Boa Vista. Entre os inúmeros salões da região que abrem e fecham antes de completar um ano de funcionamento, o Calendre resiste ao tempo e é visto pela clientela como o melhor salão do bairro. “Faz 11 anos que eu corto meu cabelo na Joana. Às vezes procuro outro lugar, mas acabo voltando”, diz Noerli Barbosa Bezz Batti, 48 anos, aposentada, moradora do bairro. O Calendre tem uma peculiaridade. O nome do estabelecimento existe apenas numa placa na entrada do salão, mas os clientes só procuram pelo salão da Joana, ou melhor, pela Joana. O que tem a dona deste salão de especial é seu jeito divertido, simpático, excêntrico e, como ela mesma se define, “adoro parecer perua, no bom sentido da palavra, é claro”. Joana tem os cabelos longos, escuros e encaracolados. A notícia é falsa, porque agora seus cabelos estão lisos e profundamente loiros. Hoje eles estão assim, amanhã talvez estejam vermelhos. Se veste como manda a moda e não dispensa o salto alto. É vaidosa por excelência. Deixa de lado qualquer tipo de uniforme, talvez para mostrar as linhas do seu corpo esguio e bem cuidado. O salão não tem hora fixa para abrir. Depende da agenda e reserva de horário dos clientes, porém nunca depois das 9 horas. No sábado, 15 de junho, o batente começou às 8:30 horas. Antes de iniciar o trabalho, Joana retoca a maquilagem, escova os cabelos, passa perfume e se olha no espelho para conferir se sua imagem está harmoniosa. Este hábito contagiou os demais funcionários. Além de Joana, mais três pessoas trabalham no Agosto de 2002 - 12 HORAS
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...e Joana penteia os cabelos da vasta freguesia.
O cabelo e a personalidade
Equipe formada e começam a chegar os clientes. Alguns com mais de uma semana de antecedência de horário reservado. São cliente tradicionais de Joana. Os 16 anos de atendimento no mesmo local e sua vocação para a arte de cortar cabelos, garantem uma clientela fiel. “Temos clientes que vêm de outros bairros, pagam dois a três ônibus para vir até aqui”, declara Joana. E qual é o segredo para manter o salão ativo durante tanto tempo? De acordo com Joana, “primeiro é necessário acreditar em Deus. É Ele que dá forças e ajuda para que as coisas dêem certo” aconselha. A fé desta cabeleireira pode ser verificada por uma bíblia aberta, posicionada num local bem visível aos clientes. O segundo ingrediente da receita de sucesso é ter “pensamento positivo e, por último, equilíbrio nas finanças”, acrescenta. Além destes princípios, Joana diz que o ambiente descontraído ajuda. No Calendre não tem tristeza. O rádio ligado dá o toque de alegria, os funcionários cantam junto e contam histórias para os clientes. Habilidade para tratar com pessoas também é requisito básico. Todos devem ser tratados com cordialidade e respeito. Segundo Sérgio Amaral, 56 anos, cliente antigo do salão, “cortar cabelo todo cabeleireiro sabe, mas ser atendido com rapidez e eficiência e sair satisfeito, tudo isso num ambiente agradável, é difícil”. O recado que Joana dá para quem quer ser um bom profissional é a necessidade de constante reciclagem. De fato, a cabeleireira já foi três vezes para a Ilha Porchat, no litoral de São Paulo, participar de treinamentos e saber das novidades sobre cortes e tratamentos de cabelos. Vilma Oberhofer, 56 anos, moradora do bairro do Boqueirão, distante cerca de 15 quilômetros da Boa Vista, prefere pintar os cabelos na Joana porque ela usa técnicas especiais na mistura de tintas e a dosagem certa do descolorante. “Joana tem um jeito especial de lidar com meus cabelos. Sua habilidade garante uma tintura perfeita e em tons modernos, sem danificar os fios”, diz satisfeita, após conferir o resultado do trabalho. A cabeleireira conta que trabalhar em bairro é melhor que no centro porque nos bairros as amizades são mais sinceras, as pessoas se conhecem melhor, os clientes são mais fiéis e os comerciantes vizinhos, bem como as pessoas em geral, se cumprimentam. “Tudo isso faz bem para a mente e o coração”, exclama sorridente. Luiz Mascow, 40 anos, acostumado a retocar o corte dos cabelos aos sábados, diz que no centro é difícil para estacionar, por isso vai no salão da Joana. “Como nos salões do centro os clientes são passageiros, existe ainda o perigo de pegar piolho”, completa. Se no rádio de Joana tocar a música do Zeca Baleiro, é melhor deixar pra lá.
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Ir ao cabeleireiro é algo habitual das pessoas. É difícil imaginar alguém que não tenha, pelo menos, cortado o cabelo um dia. Cada um tem seu estilo, que aparenta no jeito de ser e estar. Roupas e cabelos não mostram sua intelectualidade, mas são capazes de mostrar um pouco da sua personalidade. Não deixe qualquer um fazer sua cabeça, procure um bom cabeleireiro, pois a roupa veste seu corpo e o cabelo veste seu rosto. Maria Helena, cliente do salão há 2 anos, só pinta ou corta seu cabelo com a Joana. Segundo ela, “Joana não é apenas uma cabeleireira, é uma mulher inteligente e batalhadora, trata muito bem seus clientes, não deixa a desejar”. Eduardo Casa Grande, também cliente, disse que quando vai ao salão é muito bem atendido. Além do atendimento, que é excelente, ele sai com o cabelo que deseja. O ditado já dizia , “quem não dá assistência, perde para concorrência”. Mas o salão de Joana não deixa por menos. Djheimy Jamile Ribeiro da Silva
Um dia na Rádio Banda B
ouvintes e com as pessoas beneficiadas por doações”, disse o apresentador Edemar Colpani. No lado externo do encosto das cadeiras de roda, contudo, está escrito o nome do parlamentar e da Rádio Banda B. Texto e fotos: Daniele Nielsen Alves e Elisângela Alves Na parte da tarde, o Programa do Vargas ocupa o horário, com música, de um programa voltado ao jornalismo Uma das invenções mais prestigiadas karaokê, disputa entre bairros através geral e policial, com repórteres de no segmento da comunicação é o de charadas e o quadro toque do plantão nas delegacias e uma linha rádio. Grande amigo dos ouvintes, coração. O pico da audiência narrativa que, muitas vezes, beira ao companheiro e conselheiro, o rádio acontece durante o Terço Bizantino, sensacionalismo. não perdeu espaço nem com advento com Padre Marcelo Rossi, que no geral Em seguida vem o programa Luiz de outras mídias mais modernas como vai ao ar no final do programa Luiz Carlos Martins, das 8 às 12:30 horas, a televisão ou a internet. Carlos Martins. comandado pelo deputado e dono da O rádio está sempre próximo das Todos os dias, dezenas de pessoas emissora (veja box), um dos maiores pessoas, modificando seu dia-a-dia, buscam de algum tipo de comunicadores do mantendo os ouvintes informados. Em auxílio na sede da Banda rádio paranaense. A razão do seu poder de envolvimento, B, localizada no alto da audiência alcança muitas vezes proporciona emoções e Rua XV, perto do centro de uma média de presta relevantes serviços à Curitiba. Luiz Carpagiane, 43.803 ouvintes por comunidade. 44 anos, sem moradia Mesmo considerando todo o progresso minuto, com 29,2% fixa, conta que vai todas de participação. O tecnológico existente, poucos meios de as manhãs até a emissora programa tem comunicação conseguem, como o para conseguir um café. quadros fixos, rádio, interagir com eficiência e Enrolado em um cobertor, simplicidade. Isso porque ele não exige sempre baseados em presente da Banda B, ele muito bate papo do uma atenção exclusiva, pode-se ouvir garante que todos saem apresentador com os rádio executando muitas outras de lá bem atendidos. ouvintes, entremeado atividades. E os aparelhos receptores Lúcia Borges Ramos foi de números musicais. estão espalhados por todos os lugares: até a Banda B na manhã Entre os quadros nas casas, nos carros, em locais que de sábado, 15 de junho, retratos da vida, possuem ou não energia elétrica. para retirar uma cadeira Luís Carpagiane momento do coração, corrente Enfim, ouvir rádio é um hábito de rodas para seu pai, aparece todos os dias da amizade e o Terço Bizantino difundido socialmente e de difícil para tomar café. Porfírio Francisco Ramos. com padre Marcelo Rossi - Luiz substituição. Segundo ela, a família Carlos Martins vai promovendo um Em Curitiba a rádio líder de audiência não tem condições financeiras para trabalho de assistência social, obtendo entre as emissoras AM é a Banda Bcomprar a cadeira, que muito vai cadeiras de rodas, remédios, móveis e 550, no mercado há três anos. Sua auxiliar o pai doente. utensílios, aparelhos médicos, material programação atinge uma média de de construção e inúmeras outras coisas 23.713 ouvintes por minuto, que que os ouvintes pedem. representa 33,5% do geral das rádios, Ele intermedia as doações, O radialista e deputado envolve empresas e outros Luiz Carlos Martins nasceu em Bilac (SP), em julho de ouvintes, mas no geral 1949. Foi bóia-fria, sapateiro e garçom antes de iniciar consegue atender às sua carreira radiofônica na Rádio Biriguí, também em reivindicações. São Paulo. É radialista profissional desde 1966 e Existem dois diferentes formado em Educação Física pela Faculdade de depósitos, localizados na Jacarezinho (PR). Deputado estadual no quarto parte dos fundos da emissora: mandato foi eleito duas vezes como primeiro secretário de um lado, centenas de da comissão executiva da Assembléia Legislativa do quilos de alimentos variados, Paraná. que são distribuídos à famílias carentes; de outro, dezenas de cadeiras de roda, também para conforme pesquisa do Ibope, de atender solicitações de ouvintes. janeiro a dezembro de 2001. Os funcionários garantem que Alguns programas de forte apelo entregam todo o material sem fazer popular consolidaram a liderança da qualquer referência ao fato de Luiz emissora. A programação diária Lúcia Ramos foi buscar Carlos Martins ser deputado e começa com o Plantão Banda B, a cadeira de rodaspara candidato à reeleição. “Ele nos proíbe apresentado de segunda a domingo, o pai. de tocar no assunto política com os das 5 às 8 horas da manhã.Trata-se Agosto de 2002 - 12 HORAS
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Um espaço dedicado à promoção humana e à cidadania
Texto e fotos:Edson Camargo Alves
Não é a Casa China, mas lá tem tudo. Foi criada com a intenção de ser a “prefeitura no bairro”. No entanto, também tem banco, lanchonete, banca de revistas, e até uma lojinha de roupas para a galera “underground”. Lá você pode fazer sua carteira de trabalho, identidade, obter a segunda via de um documento qualquer, pagar contas, etc. Essas coisas que se não fizer, o bicho pega. A Rua da Cidadania do Carmo foi a primeira a ser fundada, no dia 29 de março de 1995, quando a cidade de Curitiba completava 302 anos. Era quase meio-dia e meia e achei que seria uma boa hora para se tirar umas fotos. O terminal do Carmo estava com pouco movimento. O dia estava curitibanamente nublado e achei que a luz natural iria me ajudar. Lembrei de Chartier-Bresson, fui para a passarela, e lá de cima, arrisquei umas fotos do pessoal que estava no terminal, andando de um lado para o outro, ou dando aquela corridinha para não perder o “latão”. Ah, um dia eu viro um
O terminal do Carmo estava com pouco movimento no dia 15 de junho.
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fotógrafo de verdade, um dia eu chego lá... Lembrei que do outro lado da rua que contorna o terminal tem a loja de instrumentos, a Musical Curitiba, que acaba ficando em frente ao quartel do Corpo de Bombeiros anexo à Rua da Cidadania. Como todo típico guitarrista, deslumbrado, curioso e maluco por novas sonoridades, não resisto à tentação de ir à lojinha “dar uma olhadinha”. E olha que até tinha umas vídeo-aulas interessantes. Mas pedaizinhos de efeito usados, velhos, com sons esquisitos e a preço de banana que é bom, nada. Troquei algumas palavras com o dono, que parecia não estar com muito bom humor e sai fora. Como no dia 15 era o Dia Nacional de Vacinação Infantil, eu não poderia deixar de registrar as crianças tomando a dose. Como aparecia uma a cada dez minutos, fiquei por perto, conversei com o guarda que estava por ali e em alguns instantes, lá veio o Vítor, de quatro aninhos, descendo a rampa correndo alegre e inconseqüentemente, para o desespero da sua tia. – É esse mesmo, pensei. Tirei uma bela foto, ele ficou com a boquinha aberta olhando para a câmera bem no instante que a gotinha caiu. Acho eu nessa eu acertei a mão. Pois é, depois bateu a fome. Pensei em ir à lanchonete (acho legal essa palavra, “lanchonete”, soa legal...)
encarar um sanduba, mas como não moro muito longe, achei que seria mais interessante ir até em casa bater um rango decente. Voltei no meio da tarde, devidamente reabastecido. Vou até o Núcleo Regional do Boqueirão da Fundação Cultural de Curitiba e converso com o pessoal. Poxa, ali tem curso de tudo! Curso de pintura, dança de salão, de teatro infantil e adulto, de vários instrumentos musicais (até violino!) e também de esferocromia. “Esfero o quê?” Isso mesmo o que você acabou de ler, esferocromia. É a arte de colorir usando canetas esferográficas coloridas. É mole !? Quando o cara me falou pensei que fosse alguma doença ! Já imaginou, morrer de esferocromia !? E é bem capaz, acho que nenhum plano de saúde cobre... Depois dei uma chegada na Rock Urbana, uma loja ali dentro que vende camisetas de bandas de rock, bonés, moda street e acessórios. - Oi, tudo bem ? - Oi, deseja ver alguma coisa em especial ? Bem, ai apliquei minha resposta típica : - Só tô pescoçeando. Aplico essa porque aprendi com um vendedor “das antigas” que faz parte da cultura do pessoal do ramo de vendas chamar de “pescoço” aquele cara que olha, olha, pergunta o preço, fica por ali, se “embaça” e acaba não levando nada. Dali fui à banca de revistas. Ali
Bruna, 14 anos.
conheço a Bruna, uma menina linda, gatinha mesmo, que me disse ter 14 anos. Ela estava junto da Graciele, sua amiga de 17. Ao lado da banca tem um módulo policial, e quando perguntei pro soldado Tomé se ali era um módulo, ele me respondeu: - Não, aqui é o 4° Esquadrão. Então tá. Ali é o 4° Esquadrão. Aquele cubículo não é um módulo. Quando perguntado sobre as ocorrências, falou que ali na Rua da Cidadania é tudo muito tranqüilo. É, eu já imaginava... Mas quando voltei na banca de revistas o agito surgiu pelas ondas do rádio. A Bruna e Graciele estavam curtindo um axé-music e dando suas requebradas atrás do balcão. Só que assim que eu pedi para as duas posar para uma foto, surgiu a timidez. A Bruna aceitou, nem precisei insistir. Mas a Graciele... ficou com o rosto igual a um pimentão. No fim, acabou topando. Acho que consegui enquadrar legal. Engraçado foi quando o pessoal que está diariamente ali, trabalhando, reparou que tinha um figura há horas, com uma máquina fotográfica no pescoço e um caderninho na mão, andando de um lado para outro, anotando sabe Deus o quê. Começaram a me olhar diferente. Teve um senhor que foi só eu andar na direção dele para entrevista-lo, me olhou com uma cara feia e mudou de direção. Depois eu vi que ele trabalha no Armazém da Família, que é um estabelecimento do governo do Estado que vende produtos hortifrutigranjeiros a um preço bem acessível (nem tanto...). Tinha se passado um certo tempo, e como estava tudo muito calmo, resolvi ir até a quadra e assistir o futebol de alguns meninos que moram nas
proximidades... Só foi eu chegar perto que logo ouvi: - Daí tio, tira uma foto minha ! E outro : - Vai sair no jornal ? Falei para eles continuarem jogando que assim eu iria pegando os lances. O jogo incrivelmente virou uma loucura! Ficou muito rápido, todos queriam receber a bola, driblar. Olhavam para a bola e logo olhavam para mim, o tempo todo, sem parar. Queriam mostrar o quanto sabiam jogar. Como foi divertido ! Eu não imaginava que uma máquina fotográfica tinha tamanha influência sobre o comportamento das crianças. Achei que só era assim com políticos, modelos e peruas em geral. Fiquei por ali mais um tempo, dei mais uma volta, fotografei uma menina de dez anos, Ana Flávia Justo da Cruz, que estava com a Miriam, sua irmã e com sua prima Josiane, que não quiseram tirar fotos. Ela me contou que mora no Guabirotuba e que estavam ali passeando, pois tinham ido até a casa de Josiane, que mora nas proximidades. Miriam e Josiane não quiseram tirar fotos, a desconfiança
comigo foi visível. Eu deveria ter feito a barba antes de sair de casa. E por falar em casa, no final da tarde eu já estava cansado e um tanto entediado. Tirando o barulho dos carros, é tudo muito tranqüilo nas Rua da Cidania do Carmo aos sábados. A pelada de uma lado da praça, o basquete na quadra, o movimento típico do terminal de ônibus e a conversa um pouco mais animada de alguns transeuntes. Mas quando eu estava indo embora, quase que consigo fotografar um maluco mostrando o “pingolim” nas imediações do terminal. Ah, se o soldado Tomé visse...
Na Rua da Cidadania você encontra: Corpo de Bombeiros Módulo do 4° Esquadrão da Polícia Militar. Juizado da Criança e da Juventude Liceu de Ofícios Centrais de Atendimento - Copel e Sanepar Associação Comercial do Paraná Protocolo de Carteira de Trabalho Secretaria Municipal da Educação Secretaria Municipal de Administração – Regional Boqueirão Secretaria Municipal de Esporte e Lazer Secretaria Municipal da Saúde Posto da Guarda Municipal Biblioteca Banco do Brasil Fundação Cultural de Curitiba – Núcleo Regional Boqueirão. Sacolão Curitibano Armazém da Família Lanchonetes Pontos Comercias variados (Fotoóticas, confecções). A Rua da Cidadania ainda possui duas salas de reunião e sala de ginástica.
Passarela que interliga os dois lados da Rua da Cidadania do Carmo
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Um espaço especial no coração de Curitiba
Texto e fotos:Márcia Rolim Bento Simone Araujo Couto
Foi exatamente no dia 20 de maio de 1972 que tiveram início as obras para fechar a Rua XV de Novembro, tornando-a exclusiva para pedestres. 30 anos depois, este é um dos principais pontos turísticos de Curitiba, local de encontro de homens ligados aos diversos setores da cidade, lugar ideal para um bom papo, saboreando um delicioso cafezinho. O calçadão termina na Avenida Luiz Xavier, menor avenida do mundo, com pouco mais de 300 metros de extensão, limitados por duas tradicionais obras arquitetônicas atualmente restauradas: o Palácio Avenida e o Edifício Garcez. Este pedaço de Curitiba, nas imediações da Galeria Tijucas, onde o engraxate Antônio tem cadeira cativa há mais de 30 anos, acabou de tornando uma atração à parte da cidade. No vaivém de todos os curitibanos funciona, desde 13 de dezembro de 1956 em caráter oficial e com registro em cartório, uma tribuna livre, de fama nacional e internacional, onde protestar é preciso: a Boca Maldita. Trata-se de uma sociedade machista, sem cor partidária ou ideológica, composta por cavalheiros que anualmente recebem suas comendas em um jantar onde a presença feminina é terminantemente proibida. Junto com outros fofoqueiros, os integrantes formais da Boca Maldita, gastam horas intermináveis, todos os
dias, discutindo qualquer assunto, a qualquer hora, entremeados de cafezinhos disputados no jogo de palito. Caldeirão de boatos da política municipal e estadual, caixa de ressonância dos assuntos nacionais, a Boca Maldita é muito mais ampla do que os papos prolongados dos aposentados e freqüentadores mais assíduos. Ponto de referência da cidade, ela é palco constante de passeatas, protestos de variadas cores, especialmente os sindicais, estudantis e partidários. É ali também que se realizam os grandes comícios das campanhas eleitorais, desde o memorável comício pelas Diretas Já, em 1983, a primeira grande concentração pública da campanha que depois tomou as ruas e praças do País. Esta reportagem acompanhou, durante 12 horas, a diversidade cultural da Boca Maldita, observando os vários momentos deste cenário tão especial para Curitiba no dia 15 de junho de 2002, um sábado com tempo frio e nublado, típico do início de inverno na cidade.
Tomar um café faz parte do ritual de ir a Boca.
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O engraxate Antônio.
O despertar O Café da Boca abre sempre às 6:30 horas. Neste horário o movimento ainda é fraco e as garçonetes colocam a água para esquentar enquanto moem os grãos, soltando no ar aquela deliciosa fragância de café fresco. “Hoje vai dar movimento, está muito frio”, dizem, observando o céu clarear lentamente. Elas não têm uma noção muito precisa do número de cafezinhos vendidos ao dia, mas estimam que são mais de mil unidades, até o fechamento da casa, às 23 horas. Os freqüentadores da Boca não dispensam o café, quase sempre acompanhado por um pão de queijo fresquinho, uma mania que se incorporou ao cardápio nos últimos oito ou dez anos. Aos poucos, as lojas vizinhas vão se abrindo. Primeiro chegam os funcionários; as portas ficam meio erguidas, o pessoal cuida da limpeza ou da arrumação interna até dar o horário de início das vendas, pelas 9 horas. O movimento começa a aumentar, a Boca Maldita parece se espreguiçar num despertar lento neste dia nublado.
30 anos depois de sua inauguração, a Boca Maldita é um dos principais pontos turísticos de Curitiba, local de encontro de homens ligados aos diversos setores da cidade, lugar ideal para um bom papo.
A feira de artes
Os grupos musicais e as feiras de época
Aos sábados a Boca sedia a Feira de Artes Plásticas onde se concentram artistas de diferentes tendências e técnicas: escultores que trabalham com material variado, do barro ao metal; pintores que usam os mais diversos suportes e formas de expressar sua criatividade. O calçadão ganha um colorido especial nos cavaletes alinhados dos dois lados da rua. Neste espaço, as pessoas sempre diminuem o ritmo dos passos, ou param para admirar as obras. Algumas vezes os artistas pintam ou desenham na própria rua, fazendo retratos ou gravuras, e despertando ainda mais a curiosidade dos que acompanham o desenvolvimento dos trabalhos. Júlio Ferreira, profissional da melhor qualidade, abandonou uma promissora carreira na Xerox do Brasil para se dedicar à arte. Com gosto bastante eclético, ele diz que agora está preferindo pintar quadros de peixes. Ao seu lado, Carlos Alberto, outro artista que expõe no calçadão, conta que já morou na Europa onde se especializou em pinturas no alumínio em relevo. Obra tão bela que foi premiada numa exposição realizada no Rio de Janeiro, no Congresso Latino Americano de Eco Turismo.
Por volta da hora do almoço, o movimento atinge o pico do dia. É quando os cantores e grupos musicais como o colombiano “Vento Sur” fazem apresentações para promover a venda de CDs ou de instrumentos típicos. O “Vento Sur” está na Boca todas as quartas-feiras e sábados e seus integrantes se dizem satisfeitos com a receptividade do público curitibano. Em alguns períodos do ano são montadas barracas na Praça Osório, justamente no final da Boca Maldita, para venda de produtos de época. Há feiras no período de Natal, na Páscoa e em outras datas comemorativas. No dia 15 de junho estava funcionando a Feira do Pinhão, alusiva ao período das festas juninas. A prefeitura seleciona artesãos e comerciantes da área alimentícia para ocuparem as barracas. Na Feira do Pinhão encontravam-se vários pratos típicos como quentão, pipoca, doces, salgados e pinhão, é claro. Nada, de qualquer maneira, que fizesse concorrência à tradicional lanchonete Mc Donald’s da Boca Maldita, a primeira instalada em Curitiba e onde muitas famílias mantém a tradição de almoçar nos sábados, satisfazendo os pedidos insistentes dos filhos pequenos. Casa cheia, os atendentes se desdobravam também para fritar batatas e hambúrgueres para grupos de adolescentes, em animadas conversas regadas a refrigerantes e gírias.
Feira do Pinhão
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Fim de tarde Por volta das 4 horas da tarde a Boca Maldita começa a se esvaziar. Os artistas recolhem seus cavaletes, os músicos já foram embora com seus instrumentos, o movimento das lojas está bastante fraco. A garoa e o frio colaboram para espantar até mesmo os freqüentadores da Feira do Pinhão, que se juntam em maior número apenas nas barracas de quentão. Até mesmo os personagens mais tradicionais deixaram o espaço neste anoitecer antecipado. Entre eles está dona Vera que, caraterizada como Emília do Sítio do Pica Pau Amarelo, passou boa parte do dia vendendo balões de ar com formas de cachorrinhos, bandeirinhas e outros adereços para complementar a renda familiar. Vestida de verde e amarelo, numa referência à Copa do Mundo, ela reclamou do frio e das vendas limitadas, desejando que a seleção brasileira continuasse a vencer os jogos para aquecer o ânimo dos torcedores.
Manias curitibanas Tomar quentão com gemada no inverno Tomar café na Boca Maldita Comer pinhão no inverno Falar da vida alheia na Boca Maldita Parar na Rua XV para escutar o grupo de música latina Andar sempre pelos cantos do calçadão para evitar os palhaços Levar a família para assistir o show de Natal do Palácio Avenida Pronunciar leitE quentE e não leitchi quentchi.
Outro personagem comum da cidade também passou pela Boca Maldita no dia 15. Indiferente ao frio, o Oil Man (Homem Óleo) como é conhecido o biólogo Nelson Rebello, formado pela Universidade Federal do Paraná, pedalou sua bicicleta vestindo apenas uma sunga de cor forte. Como sempre acontece por onde ele passa em sua peregrinação sem destino há mais de três anos, chamou a atenção dos que estavam na Boca e deu motivo para novas conversas nas derradeiras rodinhas que se desfaziam com o cair da noite.
O biólogo Nelson Rebello “Oil Man” com sua bicicleta despertando a curiosidade no calçadão.
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Uma viagem de 12 horas nas linhas do transporte coletivo
Texto: Caroline Lobato
Pois aí está, com muito esmero e consideração, entrego-lhes um retratinho, uma homenagem: àqueles que nos guiam, nossos motoristas camaradinhas; as secretárias do lar, nossas queridas empregadinhas; aos cobradores e suas namoradinhas. E a todo curitibano torto que trafega no frio de nossa cidadezinha.
Em 2001 a população de Curitiba atingiu 1.637.698 moradores e 722.997 é a frota de veículos, ou seja, um carro para cada 2,3 habitantes. “Andam pela RuaXV Quinze vezes, quinze dias. Alguns apressados, quase todos calados. Com vontade de chegar.” Marcos Stern
No terminal do Guadalupe vejo uma moça negra, bonita e sorridente, destacando-se dos rostos carrancudos. É Aparecida Dias dos Santos, Cida, de 38 anos (garante que com corpinho de 25), que trabalha como empregada doméstica e à noite limpa a Câmara Municipal de Curitiba. Além de dividir seu dia em dois empregos, cuida da filha Karina de 16 anos, que sempre criou sozinha. -E pra se divertir o que você faz? -Ah, namoro. - Há quanto tempo vocês namoram? - Há uns oito anos, só que não é bem um namorado.
Foto: SMCS
Caroline Lobato
Logo pela manhã, saindo do São Lourenço, dez graus, com o frio e os rostos ainda inchados de sono, ninguém se anima a conversar. Provavelmente estão indo trabalhar. O número de pessoas e de veículos é um pouco menor do que em um dia de semana.
-Como assim? - É que ele é casado, com a Polaca! Existe uma história comum a todos os motoristas e cobradores: os assaltos, como comentam o motorista Márcio e o loiríssimo cobrador Wilian. Márcio, de 49 anos, morador da Fazendinha, casado, dois filhos, em dez anos de profissão já perdeu a conta de quantas vezes foi assaltado e encara isso como situação rotineira. Quem não se acostumou ainda foi Wilian que em apenas seis meses de profissão foi assaltado quatro vezes. Em 98 registrou-se o total de 1560 assaltos a ônibus , de janeiro a fevereiro de 99, foram 267 assaltos a ônibus e estações tubo . O número de assaltos em 2002 no transporte público de Curitiba aumentou 25% em relação aos últimos anos. “Assim se comporta Urge Urge Transnacional habitante Cinza desigual Cena atuante Índole vital que morre ou que surge?” Reinoldo Atem
Doze graus. Assim como a temperatura aumenta com o passar do dia, os passageiros ficam mais animados e conversam mais. A tarde Agosto de 2002 - 12 HORAS
as pessoas caminham sem tanta pressa, com sorrisos agradáveis, a maioria está passeando. Muitos idosos circulam nos ônibus, há também vários casais de namorados e uma infinidade de crianças (hoje é dia de vacinação). Cerca de 1,9 milhões de passageiros são transportados diariamente. A Rede Integrada de Transportes opera com 1.902 ônibus realizando cerca de 14 mil viagens por dia num total de 316 mil quilômetros rodados a cada 24 horas. -Tá frio hoje, né? - Esse vento gelado é que mata. -É, Acho que agora o inverno chegou pra valer. O papo que mais rola no ônibus é sobre o tempo. Que por sinal, hoje castiga as pessoas que andam nas ruas, pois faz muito frio. Passa pela roleta um senhor de cabelos longos e grisalhos, barba, o rosto muito marcado pelo tempo e uma tatuagem nas mãos calejadas. Possibilidades de uma grande história, mas logo que começo a puxar assunto, ele desembarca. Em campinho de areia uma partida de futebol está para começar e da pracinha vem um irresistível cheiro de pipoca quentinha.
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“nesta praça tudo está em paz os que passam os sentados jornais as árvores nuas maduras de pardais” Jane Sprenger Bodnar
Nani Gois/SMCS
Continua doze graus e o vento cortante dá uma trégua. Com o surgimento da noite os idosos e as crianças vão sumindo gradativamente. Os passageiros em sua maioria agora voltam do trabalho, alguns dormem exaustos, embalados pelo sacudir do ônibus.
avó. É um desrespeito deixar todo mundo esperando um tempão. - Você é daqui de Curitiba? - Não eu sou de São Francisco do Sul, Santa Catarina. Estou morando aqui há uns seis meses. - Por que veio morar aqui? - Vim, porque lá só tem emprego no verão e no resto do ano não tem nada pra fazer. Aqui, em menos de um mês, eu já estava empregado no mercado onde eu trabalho. - Você trabalha desde que idade? - Desde que meu pai morreu, faz uns cinco anos, como sou filho único, tive que trabalhar pra ajudar minha mãe, né. Fazia uma era que eu não pensava na morte do meu pai, parece que foi ontem. - E sua mãe mora com você? - Não, ela ficou lá em São Chico sozinha. Falando nisso, tenho que ligar pra ela! Por que esses ciclistas insistem em pegar carona na “rabeira”, dos ônibus? O número de acidentes com ciclistas foi quatro vezes maior em 2001 que em 1998. Foram 28 ocorrências contra 8, um aumento de 211%. O número de feridos registrou alta de 383%. Em 98 foram registrados seis feridos enquanto no ano passado esse número chegou a 29. Pelo código de Trânsito Brasileiro (CTB), a circulação das bicicletas nas vias urbanas deve ocorrer nas ciclovias.
“peguei na riachuelo a ceci do bariguí me agarrei no seu cabelo só acordei na tibagi” Marinho Gallera e Paulo Vìtola
Encontro a carioca Vanessa, de 21 anos, voltando da agência de imóveis no centro, onde trabalha como corretora. Ela depende do veículo coletivo para trabalhar e chega a embarcar em mais de dez ônibus por dia. Reclama do preço da passagem, onde vai quase todo dinheiro do mês e do aumento do intervalo entre os ônibus aos sábados. Opinião compartilhada pelo tímido Vinícios de 18 anos, cansado de aguardar o ônibus no terminal do Cabral: - Tem muita gente como eu que trabalha aos sábados. É o dia que a galera sai passear, pai, mãe, filho,
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É convicto o domínio da noite. Agora os ônibus são tomados na maioria por jovens, pessoas a procura de diversão. Ainda faz doze graus, está úmido e talvez chova de madrugada. Um homem gritando na calçada, todo amarrotado e sujo, evidentemente embriagado. “Anjos noturnos Abençoados pelo espírito não santo Trafegam pelos bares da Saldanha Em busca de flores que brotam Dos paralelepípedos úmidos Desta cidade escorredadia “ Marcos Terra
Anderson de 20 anos, rapaz de pele alva e delicada, a roupa inteira preta. Preto também é a cor de seu cabelo chanel. Ele está indo curtir a “night”, mora com os pais, seu irmão e sua irmã.
- Como é seu relacionamento familiar? -Ah é super complicado, meu irmão é nazista. Tudo que não for igual a ele, ele repudia. Ele tem muito preconceito, de judeu, homossexuais, negros. Eu tenho vários amigos negros e homossexuais. Temos vários conflitos. Meu irmão me bateu e bateu em meus amigos. Eu também já recebi ameaças dos amigos nazistas do meu irmão. - E seus pais sabem disso tudo? - Sabem! Minha mãe e irmã não concordam, sabem que é errado. Meu pai sabe e até parece que apoia, ele veio do norte do Paraná de uma família bem rígida. Ele é totalmente anti-negro. Teve uma vez que ele fez uma cirurgia, tava morrendo e precisava de sangue. Quem doou o sangue foi um homem negro, mesmo assim não adiantou. Ele até me proibe de assistir algumas coisas na tv de casa. - Você é homossexual? - Não decidi ainda! “sobre a mesa do bar e a tonta luz forneço mares para naufrágio” Rolo de Rezende
Último ônibus a caminho de casa, depois só o madrugueiro. Embarcam ainda na Praça Tiradentes alguns jovens conversando em uma língua desconhecida, são franceses. Estão indo se divertir e perguntam como chegam a um bar. Eles são bem animados, mas um pouco incompreensíveis. Chegando ao bar, uma discussão entre eles. O rapaz grita: - Tecno eu preciso de tecno! Enfurecido com a música, blues, afirmando que isso era da época de seus pais. “Conheço essa cidade como a palma da minha pica. Sei onde o palácio Sei onde a fonte fica Só não sei da saudade A fina flor que fabrica. Ser, eu sei. Quem sabe, Esta cidade me significa.” Paulo Leminski Fontes:home page da Prefeitura Municipal de Curitiba-PR Detran- Coordenadoria Técnica- Divisão de Estatística Bptran- Secretaria do Plantão de Acidentes de Trânsito Ipardes (população)
Diversão verde em Curitiba Texto e fotos:Samira Neves
O Parque Barigui foi criado em 1972 com uma área de 1,4 milhão de metros quadrados. É um dos maiores parques de Curitiba, conservando dezenas de animais nativos nos seus 500 mil metros quadrados de bosques e pinheirais, além de um lago com 400 mil metros quadrados. Passam
símbolos da cidade, o preferido e mais freqüentado pela população. Antes da sua construção, funcionava na área uma antiga olaria, pertencente ao desbravador Mateus Martins Leme. Hoje, parte da velha construção foi transformada em academia e lanchonete. A academia possibilita aos
Capivara, uma das espécies que habitam o Parque.
1972 e comentam o prazer de trabalhar no Barigui: “Não é qualquer pessoa que pode trabalhar em um lugar saudável para os olhos, em cidades cheias de violência e carentes de segurança”. O Bistrô do Samba, em frente ao Bar do Lago, apresenta músicas ao vivo, estilo choro e pagode. A maioria dos garçons não troca o trabalho no Parque por outro, como diz o veterano Marcelo Silva, que trabalha no local há 23 anos: “Desde que entrei no Barigui, não consegui deixá-lo, principalmente pela juventude divertida que aqui freqüenta”.
O polêmico jacaré
pelo parque, em média, 15 mil pessoas por dia. Nos domingos, onde as famílias e jovens procuram descanso e entretenimento, o número chega, em média, a 42 mil freqüentadores, na maioria residentes da cidade. A infra-estrutura proporcionada aos visitantes inclui churrasqueiras, quiosques, pistas de bicicross e aeromodelismo, canchas poliesportivas, equipamentos para ginástica, estacionamento, restaurante com música ao vivo nos finais de semana, parque de diversões (antigo parque Alvorada), Museu do Automóvel, Parque de Exposições e Centro de Convenções, Estação da Maria Fumaça e a Sede da Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Projetado pelo arquiteto e engenheiro, Lubomir Antonio Ficinski Dunin, que durante sete anos foi presidente do IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba), o Parque Barigui é um dos maiores
esportistas diários uma forma de fugir do frio e da chuva, que costumam aparecer sem avisar. A lanchonete vende sorvetes, doces, salgados e sanduíches. O “Bar do Lago”, nome dado pelos freqüentadores, é outro equipamento do Barigui, estrategicamente colocado nas margens do lago, possibilitando uma ampla visão do movimento do Parque. Francisco Maestrelli e Cristiane Maestrelli administram o bar desde
Entre os preás, socós, garças brancas, gambás, tico-ticos, sabiás, peixes, tartarugas, capivaras e outros animais nativos, o Parque conta com a presença envergonhada de um jacaré. Durante 20 anos o jacaré residiu no lago do Barigui. Sua existência acabou por gerar polêmica e discussões entre o Ibama, Secretaria do Meio Ambiente, Promotoria do Meio Ambiente e 1,6 milhões de habitantes da cidade. A Promotoria do Meio Ambiente concedeu à Prefeitura de Curitiba um prazo para serem tomadas providências que assegurassem segurança aos visitantes do Parque. Ameaçou com a cobrança de multas
O jacaré, morador ilustre, ganhou até estátua.
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diárias de 1,5 mil reais. Foram colocadas placas de sinalização e cercas vivas, feitas de plantas que ainda não atingiram o tamanho ideal. Como um desdobramento desta polêmica, foi construída na frente do Centro de Exposições e Eventos (que tem 10 mil m²), uma estátua do morador indesejado, que acabou virando um brinquedo para as crianças, atraídas pelo carisma do jacaré, mesmo sem nunca terem visto o animal de verdade. Não há registro de qualquer ataque ou ameaça que o animal tenha causado às pessoas. O jacaré se tornou mais um símbolo da cidade e, durante meses, todos os freqüentadores do Barigui procuravam identificar sua presença nas margens do lago.
metros toda a superfície. O trabalho é feito com longo intervalo pelo custo muito alto. Mas existe um monitoramento mensal, pois o lago funciona como um tanque de decantação, onde o material sedimentado acaba se concentrando. Outra precaução tomada, além da dragagem, é a plantação de árvores nas margens.
Segurança e limpeza
O pipoqueiro Carlos Eduardo Martins, que vende com seu carrinho há 20 anos, não reclama do movimento do Parque, que ele considera regular, e explica a sua permanência: “Nesses vinte anos vendendo pipoca com a minha mulher, nunca fui Assoreamento assaltado”. O trabalho de Um dos poucos problemas do Parque segurança é feito pela está no lago que abriga vários animais Polícia Militar e pela Guarda e está ficando mais raso. O problema Municipal que contam com de assoreamento está ligado à três motos, três policiais à ocupação das margens do Rio Barigui, cavalo e duas viaturas que antes da chegada ao Parque. Não ficam rodando diariamente. existe mata de proteção e, em muitos O soldado Nilton, comenta locais, o rio atravessa áreas que o índice de furtos e urbanizadas, carregando terra e lixo violência no Barigui diminuiu para o lago. Como a velocidade da significativamente. Há um ano, água do lago é mais lenta que no rio, ocorriam de quatro a cinco furtos por os detritos (especialmente a terra) vão semana e hoje caiu para um por para o fundo e o problema se torna semana. “O trabalho é tranqüilo”, diz sério. o policial. O órgão responsável pela qualidade Todos os dias é feita a limpeza do da água do lago, é o IAP (Instituto Parque, onde são poucos os cidadãos Ambiental do Paraná), que a cada dois que não aprenderam a usar as latas anos realiza a dragagem do lago, de lixo - com separação para lixo tendo a última, aprofundado em dois orgânico e reciclável. Apesar disso, é comum o acúmulo de sujeira após um domingo de sol. Os interessados em fazer um churrasco com a família e amigos no final de semana devem se apressar. Para quem chegar no horário em que os animais acordam e os esportistas fazem seu cooper diário, A menina com é segura a conquista de seu patins se diverte no uma disputada domingo churrasqueira. Quem ensolarado chega mais tarde, improvisa soluções ou carrega uma churrasqueira portátil no carro. Bicicletas, patins, skates, patinetes e um bom walkman, são outros equipamentos comuns, facilmente visíveis entre os freqüentadores de todas as idades.
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A companhia do pai, de um filho, de um livro, de um animal de estimação, de amigos, de um instrumento musical, de uma pipa, de uma toalha de piquinique, do namorado ou da namorada, ou até mesmo os mais solitários, nas mesas com o seu cigarro ou sua cerveja, não estão sozinhos no Parque Barigui. Todos aproveitam para passear e observar o movimento, chupar um sorvete ou comer uma pipoca. Ninguém fica sozinho. Para os jovens de Curitiba o Parque no domingo é a opção. Depois do almoço em família, é para lá que a maioria da cidade se volta.
O casal de pipoqueiros nunca foi assaltado.
Cidade tem maior índice de área verde e reciclagem de lixo Curitiba, intitulada a cidade ecológica, mantém 14 parques municipais. A área verde equivale a 55 metros quadrados por habitante, bem superior ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde que é de 12 metros quadrados por habitante. A cidade tem também o índice de reciclagem maior do país, se aproximando ao da Alemanha, que é o país que mais recicla lixo no planeta. É realizada a coleta seletiva de 445 toneladas diárias de materiais recicláveis, sendo 71 toneladas coletadas por 15 caminhões da Prefeitura e 375 por 2,5 mil coletores. Os chamados carrinheiros, na verdade, são responsáveis pelo maior volume de recolhimento e reciclagem na cidade.
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